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TÍTULO EXECUTIVO
FALTA DE CITAÇÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
PROCURAÇÃO
Sumário
É consabido que na jurisprudência existe uma orientação que defende que a junção aos autos de procuração emitida a favor de advogado constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, permitindo presumir que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação e uma outra corrente que defende uma interpretação atualista do artigo 189.º do CPC, atenta a atual tramitação eletrónica dos processos, sustentando que a mera apresentação de uma procuração que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual futura não sana a falta de citação.
Texto Integral
Apelação n.º 2270/18.9T8ENT-A.E2
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário João Canelas Brás
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…), executada/embargante na ação executiva que lhe foi movida pela (…) Credit, SARL, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que julgou parcialmente procedente a oposição e, em consequência determinou a extinção parcial da execução, prosseguindo esta apenas para pagamento pela executada/embargante da quantia de esc. 1.200.000$00 (correspondente a € 5.985,57) e respetivos juros de mora contados desde 02-06-2000.
Na ação executiva que moveu contra (…) e (…) a exequente/apelada apresentou como título executivo o contrato de crédito n.º (…) celebrado em 16/11/1999 com os executados. Alegou a exequente, para o que ora releva, que mediante contrato celebrado em 16/11/1999 emprestou aos executados a quantia total de 1.295924$00, a ser reembolsado em 48 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, e que os executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram, entrando em incumprimento na data de 02.06.2000; que apesar de interpelados para o efeito os executados não liquidaram as quantias em dívida; à quantia em dívida na data da resolução – € 7.465,00 incluindo capital e juros – acrescem juros de mora, calculados à taxa legal de 4% e juros vincendos desde 24.05.2018 até efetivo e integral pagamento.
A executada … (embargada e apelante) foi citada editalmente para a ação executiva e, em decorrência daquela citação edital, foi representada pelo Ministério Público, o qual deduziu oposição à execução mediante embargos de executado. Na petição inicial de oposição à execução o Ministério Público invocou que o contrato dado à execução não poderia ser considerado título executivo por não cumprir com os requisitos de exequibilidade exigidos pelo artigo 724.º, n.º 1, do CPC; alegou que mesmo que estivesse documentada a aceitação da proposta, ou seja, que o contrato fora concluído, não está demonstrada a entrega do crédito ao mutuário, sem o qual não há prova da existência da obrigação; concluiu que a falta de título executivo válido implica a rejeição do requerimento executivo.
Por intermédio do despacho de 11-11-2019 (ref.ª 82427083) foi a oposição liminarmente admitida.
A exequente/embargada ofereceu contestação (ref.ª 6483553), nela alegando que a não junção do contrato de crédito n.º (…) com o requerimento executivo se deveu a mero lapso informático, procedendo então a tal junção. Concluiu, pugnando pela improcedência dos embargos e pela prossecução da execução até integral e efetivo pagamento, requerendo, ainda, que o Banco (…) fosse notificado para comprovar o crédito ou valor financiado em conta.
Expressamente notificado para o efeito (despacho com a ref.ª 83725863 de 08-05-2020), o Ministério Público apresentou resposta, alegando que «o contrato junto não é suficiente que se considere titulo executivo».
Em 15.09.2021 a executada/embargada requereu nos embargos de executado a junção de procuração forense.
Em 08.11.2021, a embargante apresentou requerimento nos autos de embargos de executado com o seguinte teor: «(…), executada nos autos à margem identificados, notificada da junção aos autos (…) vem informar V. Exa.:1. Vem o Banco (…) informar os autos que no período de 01/01/1999 e 19/09/2001 não consta qualquer crédito no montante de esc. 1.295.924$00 (…) na conta n.º (…). 2. Não havendo comprovativo do crédito efetuado para a referida conta, não há prova da entrega da quantia mutuada. 3. O que se revela indispensável para demonstração da entrega do crédito à mutuária. 4. Sem a qual não há prova da existência da obrigação. 5. Pelo que deverá ser declarada extinta a execução por manifesta falta de título executivo. 6. Nada mais a Executada tem a acrescentar, reiterando apenas e tão só o que já foi dito nos requerimentos anteriores”.
Em 30-12-2021 (ref.ª 88665034) foi proferido saneador-sentença no qual se decidiu «julgar totalmente procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado deduzida por (…) e, em consequência, determinar a extinção da execução na parte em que contra a mesma foi deduzida pela sociedade “(…) Credit, SARL”». Esta decisão judicial que foi objeto de recurso na sequência do qual foi proferido, em 26.05.2022, acórdão do Tribunal da Relação de Évora que anulou o despacho saneador-sentença e determinou que os autos voltassem ao tribunal de 1.ª instância «para que, julgando-se (…) habilitado a proferir decisão de mérito», aquele «convocasse as partes para uma audiência prévia com vista a facultar-lhes a discussão de facto e de direito da causa».
Mediante despacho proferido na 1.ª instância, em 12.07.2022 (ref.ª 90641032), foi concedido à exequente/embargada o prazo de dez dias para juntar aos autos os documentos ainda em falta que considerasse relevantes, após o que aquela suscitou incidente de levantamento do sigilo bancário «para obtenção da informação bancária requerida junto do Banco Caixa de Crédito Agrícola de (…)». Nessa sequência, em acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora 09-02-2023 do Apenso B foi decidido dispensar «a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. do dever de sigilo bancário a que está vinculada no tocante à prestação de informação sobre se, entre 11 de Novembro de 1999 (inclusive) e 18 de Novembro de 1999, a conta com o NIB (…) foi creditada com o valor de 1.295.924$00 ou com o valor de 1.200.000$00, em qualquer caso proveniente do (…) – Banco de (…), S.A.».
A referida informação veio a ser prestada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L..
Notificadas daquela informação, a embargada veio confirmar a posição de que se encontra provada a creditação do valor financiado em conta; quanto à executada, apresentou requerimento datado de 27.04.2023, no qual e para além de impugnar a genuidade e todo o teor dos documentos juntos pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), e de alegar que o extrato de conta não confere força executiva ao documento particular dado à execução, aduziu que a dívida se encontra prescrita bem como a falta da sua citação para a ação executiva.
Em 16.06.2023 foi proferido o seguinte despacho: «Na sequência da notificação que lhe foi dirigida em conformidade com o decidido no douto acórdão proferido sob a ref.ª 8278626 de 09-02-2023 do Apenso B, veio a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” juntar aos autos o documento que consta da ref.ª 9617462 de 18-04-2023. Notificadas as partes (cfr. ofícios com as ref.ªs 93158466 e 93158469, de 20-04-2023), a exequente / embargada reagiu nos termos vertidos na ref.ª 9634777, de 24-04-2023 e a executada / embargante nos termos vertidos na ref.ª 9640930, de 27-04-2023. Ora, não deixando de recordar que, à luz do artigo 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, «[s]e forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo», na situação dos autos é inequívoco, atenta a fase processual em que nos encontramos, que às partes era apenas lícito exercerem o contraditório relativamente ao susodito documento junto pela “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” através da ref.ª 9617462, de 18-04-2023. Sucede que a executada/embargante excedeu, de forma ostensiva e manifesta, esse âmbito de admissibilidade da resposta, sendo que apenas no artigo 1.º do seu articulado acima referenciado mencionou, e mesmo aí sem se referir ao concreto documento em causa, que «impugna, a genuinidade e todo o teor, nos termos do preceituado no artigo 374.º do Código Civil, doravante CC e dos artigos 574.º, n.º 3 e 444.º do CPC, de todos os documentos juntos, que não sejam da sua lavra, autênticos ou autenticados, já que desconhece da sua autoria, data e veracidade dos factos neles contidos». Tudo o mais se traduz em fundamentos de embargos que deveriam ter sido invocados aquando da dedução dos mesmos, na medida em que, mais uma vez de forma manifesta, não está em causa qualquer matéria superveniente que pudesse justificar a eventual consideração do disposto no artigo 728.º, n.º 2, do mesmo diploma. Nestes termos e pelo exposto, decido admitir nos autos o articulado junto pela executada/embargante por intermédio da refª 9640930, de 27-04-2023 apenas no que concerne ao seu artigo 1.º, tendo-se por não escrito tudo o demais ali alegado. Nessa sequência, e com base na mesma linha argumentativa, mais decido determinar o desentranhamento dos subsequentes requerimentos oferecidos pelas partes por intermédio das ref.ªs 9674852, de 10-05-2023 e 9701904, de 19-05-2023».
Foi designada data para a realização de audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, seguido de despacho de identificação do objeto do litígio, no qual se fez consignar o seguinte: «O objeto do litígio traduz-se na apreciação da invocada inexistência de título executivo válido» e de fixação dos temas de prova, no que ficou consignado o seguinte: «O tema de prova consiste tão somente em aferirse e em que medidafoi efetivamente disponibilizado o montante do crédito relativo ao denominado «(…)-contrato de crédito» com o n.º (…), datado de 11.11.1999, em que a aqui executada/embargante surge como 2.ª proponente».
Na audiência prévia não houve qualquer reclamação quanto ao ali decidido.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, após o que foi proferida a sentença objeto do presente recurso.
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A. Foi a recorrente declarada “ausente” e consequentemente representada pela digna Magistrada do Ministério Público nos embargos de executado em 10/09/2019.
B. Dado que, se procedeu à citação edital, sem que se tivessem esgotado todas as opções previstas na lei para obter informações do paradeiro da executada.
C. Foi ordenada citação edital da executada sem prévia informação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e Autoridades Policiais, o que implicou a realização de tal citação com preterição de formalidades essenciais.
D. Ao ser ordenada a citação edital sem aquelas diligências e informações foi indevidamente empregue a citação edital, tendo igualmente sido preteridas formalidades essenciais determinantes da falta de citação.
E. O que, salvo melhor opinião, constitui “falta de citação”, pois, não foram, na execução sumária, levadas a cabo todas as diligências tendentes à citação pessoal da executada.
F. Posto isto, quando deduzidos os supra mencionados embargos pela Digna Magistrada do Ministério Público, foi apenas contestada a falta de título executivo - por não ter sido junto extrato bancário que demonstrasse a efetiva disponibilização do montante na conta bancária do executado (1.º titular do contrato de crédito).
G. Contudo, ao tomar conhecimento que contra si corria a presente execução, a executada, em 29/09/2021, apresentou os seus embargos de executado, alegando para tanto a falta de título executivo, a prescrição e a falta de citação - que podem ser arguidas em qualquer altura do processo.
H. Em virtude dos embargos deduzidos pela Digna Magistrada do Ministério Público, foi em 30/12/2021, proferido saneador-sentença no qual foi julgada totalmente procedente a oposição à execução mediante embargos apresentada pelo Ministério Público e consequentemente extinta a execução, mostrando-se naturalmente prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela executada nos embargos, designadamente a exceção perentória extintiva da prescrição e a falta de citação.
I. Porém, foi tal decisão objeto de recurso, dando aso a que os autos voltassem ao tribunal de 1.ª instância e onde foi concedido à exequente o prazo de 10 (dez) dias para juntar aos autos os documentos que considerasse relevantes.
J. Pelo exposto e após suscitado o incidente do levantamento do sigilo bancário veio o Banco Caixa Crédito Agrícola, juntar aos autos extrato bancário com a evidência de que foi creditado o montante na conta titulada pelo executado.
K. Neste sentido, decidiu o tribunal que a exequente já estaria munida de título executivo, pelo que, julgou parcialmente procedente a oposição à execução mediante embargados de executado, ficando a executada devedora no montante de €5.985,57 (cinco mil, novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos).
L. Em síntese, viu a executada na primeira decisão prejudicada a apreciação das questões por sim levantadas, consequência da procedência dos embargos e consequente extinção da execução.
M. Por outro lado, numa segunda decisão, o douto Tribunal cingiu-se à sanada falta de título executivo, não se pronunciando novamente nem sobre a prescrição, nem sobre a falta de citação.
N. O que, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, se considera nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
O. Acresce que, tem-se ainda por verificada no caso dos autos, a exceção de prescrição, o que determina a extinção da obrigação exequenda.
P. Pelo que, à data da instauração da execução em 29/05/2018, considerando a data da primeira prestação não paga, em 02/06/2000 com o consequente vencimento das prestações seguintes, nos termos do artigo 781.º do CC, havia já decorrido o prazo de 5 anos correspondente à perda do direito de ação.
Q. Sublinhe-se, que o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos artigo 309.º do CC, no entanto, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros artigo 310.º, alínea e), do CC.
R. Tal como é dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/01/2016, processo n.º 1583/14.3TBSTB-A.E1 o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referentemente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso interposto pela recorrente e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes os embargos e extinga execução, com as legais consequências». I.3.
Houve resposta às alegações de recurso, a qual culmina com as seguintes conclusões:
«A. No apenso de Embargos de Execução, onde foi interposto o presente Recurso, a Embargante arguiu a nulidade da citação só passados 2 anos após a primeira intervenção processual no apenso dos Embargos.
B. A Recorrente esteve presente em audiência prévia, tendo ali sido debatidos os temas da prova e fixado o objeto de litigio com um ponto fixado “O objeto do litígio traduz-se na apreciação da invocada inexistência de título executivo válido”, contudo, a Recorrente não apresentou qualquer reclamação nos termos do artigo 596.º, n.º 2 e 4, do CPC, aliás e tal como indicado na ata do despacho saneador “Dada a palavra às Ilustres Mandatárias, ambas disseram não querer deduzir qualquer reclamação”.
C. E não havendo reclamação, precludiu-se o direito de Recorrer sobre esta matéria, visto que, não pode recorrer quem tiver aceite a decisão (convolação da vontade das partes) após proferida nos termos do artigo 632.º, n.º 2, do CPC. Porquanto e à contrario só havendo essa reclamação é que poderia haver despacho que permitiria pelo 596.º, n.º 3, do CPC recurso à final.
D. O Tribunal a quo não poderia sequer pronunciar-se sobre matéria que ia além do objeto do litígio fixado e cujo teor não é oficiosamente conhecido sobre pena da sentença ser nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), “(…) conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”.
E. Deste modo, o Recurso interposto é extemporâneo.
Sem conceder,
F. A Embargante procurou, com violação dos prazos legais imperativos estabelecidos, e em sede imprópria, invocar a exceção perentória extintiva de prescrição, bem como arguir a nulidade por falta de citação quando esta havia sido já sanada.
G. A 10/09/2019 (Ref.ª 6213005) foram apresentados embargos de executado pelo Ministério Público, tendo sido invocado como principal fundamento de oposição pela embargada o facto de o título dado à execução não deter os requisitos de exequibilidade necessários, e por conseguinte, não cumprir com os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 724.º, n.º 1, do CPC.
H. Os embargos de executado são um instrumento obrigatório de oposição à execução, para o qual a lei estipula prazo (artigo 728.º, n.º 1, do CPC) e fundamentos próprios (artigos 731.º e 729.º, ambos do CPC).
I. Pelo que a Embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ela formulada, inclusive as concretas exceções. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição em sede de embargos de executado.
J. Como decorre do disposto no artigo 303.º do Código Civil, a prescrição tem de ser invocada por aquele a quem aproveita, ou seja, pelo seu beneficiário, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
K. Por Despacho (Ref.ª 93613803) de 16/06/2023, o Tribunal a quo pronunciou-se objetivamente sobre esta questão, concluindo que (…)a executada/embargante excedeu, de forma ostensiva e manifesta, esse âmbito de admissibilidade da resposta(…)”e ainda que “Tudo o mais se traduz em fundamentos de embargos que deveriam ter sido invocados aquando da dedução dos mesmos, na medida em que, mais uma vez de forma manifesta, não está em causa qualquer matéria superveniente que pudesse justificar a eventual consideração do disposto no artigo 728.º, n.º 2, do mesmo diploma.”
L. Tomando posição clara quanto à alegação extemporânea pela Embargante da exceção perentória de prescrição, de que este elemento, enquanto fundamento de embargos não seria considerado na decisão final, pelo que não inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo.
M. Encontra-se vedada à Embargante a possibilidade de invocar e ver apreciado nos presentes embargos, para efeitos de decisão de mérito, a exceção perentória de prescrição, dado que tal pretensão viola frontalmente os princípios do dispositivo e da concentração (oportunidade) da defesa, sendo extemporâneo (artigo 728.º, n.º 1, do CPC), não consubstanciando qualquer matéria superveniente (artigo 728.º, n.º 2, do CPC).
N. Por outro lado, não concorre para o caso qualquer situação de prescrição da dívida, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do CC: A Embargada a partir do incumprimento definitivo do contrato e da propositura da correspondente ação executiva não pediu o pagamento à Embargante das prestações em falta acrescidas dos juros que integravam cada uma delas, mas antes o pagamento do capital, por força da perda do benefício do prazo, acrescido de juros de mora.
O. O contrato em análise na presente ação é um contrato de mútuo, em que o valor do crédito foi recebido na sua totalidade em benefício da Embargante, e não um contrato em que se determine a renovação regular de uma ou mais prestações, típico dos contratos duradouros.
P. Havendo incumprimento definitivo, como é o caso do contrato de mútuo dos presentes autos as prestações vencem-se, não se renovam, deste modo será de rejeitar uma “transposição forçada” para um momento em que não se pode mais falar em prestações periodicamente renováveis ou quotas de amortização, e que é o período pós resolução (definitiva) do contrato de mútuo.
Q. A proposição da ação executiva, a interrupção da prescrição e o prazo de prescrição de 20 anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil, impedem que se verifique situação de prescrição relativamente ao capital vencido.
Ademais,
R. Caso o Réu ou o Ministério Público intervenham no processo sem arguir logo a falta da sua citação, o vício da sua nulidade considera-se sanado, independentemente de, a posteriori, ser constituído novo mandatário e/ou representante, que pretenda argui-la.
S. A primeira intervenção no processo ocorreu quando o Ministério Público, em representação da Embargante (artigo 21.º, n.º 1, do CPC) apresentou a petição inicial de embargos de executado (Ref.ª 6213005), em 10/09/2019. E não tendo sido arguida a nulidade da citação nesse ato, a mesma considera-se sanada, ao abrigo do artigo 189.º do CPC.
T. No caso sub judice temos que a I. Mandatária da Embargante juntou procuração forense ao Apenso A de embargos em 15/09/2021 (Ref.ª 8019321), e que posteriormente, em 08/11/2021 (Ref.ª 8169614) veio confirmar que assumia a posição anteriormente defendida pelo Ministério Público e que nada mais haveria a acrescentar ao já alegado na petição de embargos.
U. Não obstante, depois de reforçar que se posicionava ao lado do Ministério Público, a Embargante veio arguir a falta de citação nas contra-alegações de recurso (Ref.ª 8501434) de 07/03/2022, atitude esta que não pode ser aceite por parte da Embargada, porque violadora do princípio da boa fé processual (artigo 8.º do CPC), sem prejuízo da ofensa das demais regras e princípios legais processuais já invocados a propósito da exceção perentória de prescrição, como sejam a oportunidade/concentração da defesa, do dispositivo (artigo 5.º, n.º 1, do CPC) e
V. A Embargante/Executada, enquanto cidadã, está deste modo vinculada a atualizar o seu domicílio junto do Estado, sob pena de não rececionar as comunicações que lhe são dirigidas e sujeitar-se à aplicação de contraordenações.
W. Estando comprovado que a alteração do domicílio nos serviços da Autoridade Tributária ou de Identificação Civil atualiza automaticamente as das restantes bases de dados públicas
X. A norma do artigo 236.º, n.º 1, do CPC não obriga a que sejam utilizadas todas as bases de dados ali previstas para realização da citação, por isso a lei utiliza o termo designadamente.
Y. O Sr. Agente de Execução garantiu o efeito útil normal decorrente do ato de citação: o conhecimento pela Executada/Embargante ou seu representante de que contra ela foi proposta determinada ação e do prazo legal dentro qual pode exercer o direito de defesa, transmitindo todos os elementos que garantam o exercício do princípio do contraditório.
Z. O Sr. Agente de Execução informou o tribunal a quo (Ref.ª 5824715) e notificou o Ministério Público (Ref.ª 6073355) para, em 20 dias, deduzir oposição à execução ou à penhora, segundo o disposto no artigo 726.º do CPC, o que efetivamente veio a acontecer com a petição inicial de Embargos de Executado (Ref.ª 6213005) de 10/09/2019.
AA. O Ministério Público, e própria atual I. Mandatária da Embargante, desde a sua primeira intervenção no processo, praticaram diversos atos, sem nunca terem invocado a falta de citação.
BB. Assim, a Sentença (Ref.ª 94676975) proferida pelo tribunal a quo a 27/11/2023 não é errada, injusta ou ilegal, nem comporta qualquer vício de nulidade decorrente de uma omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo.
Nestes termos e nos demais de direito devem as presentes contra-alegações ser admitidas e oportunamente consideradas e, em conformidade, decidir totalmente improcedentes as alegações de recurso da interpostas pela Embargante, por extemporâneas quanto à invocação da exceção perentória de prescrição, e por inadmissíveis quanto à falta de citação
ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!».
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo, o qual proferiu despacho defendendo que a sentença não padece do vício que lhe é imputado.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
No caso a questão que cumpre apreciar consiste em saber se a sentença é nula.
II.3. FACTOS II.3.1. O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade: 1. Através de requerimento datado de 29-05-2018, a sociedade “(…) Credit, SARL” moveu contra (…) e (…) ação executiva para pagamento de quantia certa. 2. No requerimento executivo alegou, para além do mais, o seguinte: «(…) Título Executivo: Outro título com força executiva Factos: (…) 1 – O contrato n.º (…), ora dado em execução, foi objecto de procedimento extrajudicial pré-executivo (…). DOS FACTOS: 2 – Por contrato de crédito celebrado em 16/11/1999 a ora Exequente, (…) Credit, SARL, emprestou aos ora Executados (…) e (…) a quantia total de 1.295.924$00, a ser reembolsado em 48 prestações mensais e sucessivas de capital e juros (Cfr. doc. n.º 1); 3 – Os Executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram, entrando, assim, em incumprimento a 02/06/2000, cifrando-se, nessa data, a quantia em dívida em 1.484.101$00 (Doc. n.º 2); 4 – Apesar de devidamente interpelados para o efeito, os Executados não liquidaram as quantias em divida. 5 – Face ao incumprimento verificado, o valor que consta no PEPEX corresponde ao valor em dívida na data de resolução. (…)». 3. Com o aludido requerimento ofereceu como alegado título executivo um documento denominado «Crédito Pessoal (…) – Proposta de Crédito», datado de 11-11-1999, que tem como 1.º proponente o executado (…) e como 2.ª proponente a aqui executada/embargante (…), documento cujo teor se considera integralmente reproduzido e do qual emerge, além do mais, o seguinte:
- «Nº Proposta: (…)»;
- «14. Tipo de Bem/Serviço: 35 – OBRAS»;
- «15. Valor do Bem/Serviço: 1.500.000 Crédito Solicitado: 1.200.000 Número de Meses: 48»;
- «16. Conta a debitar: (…)
NIB (…)
Banco: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, Balcão: (…)». 4. Com a contestação oferecida no âmbito da presente oposição à execução, a exequente/embargada juntou um documento denominado «(…) – Contrato de Crédito» com o n.º (…), também datado de 11-11-1999, que de igual modo tem como 1.º proponente o executado (…) e como 2.ª proponente a executada/embargante (…), documento cujo teor se considera integralmente reproduzido. 5. De acordo com as Condições Particulares do dito contrato, foi solicitado um crédito no valor de PTE 1.200.000$00 e concedido um crédito de PTE 1.295.924$00, a amortizar em 48 prestações mensais no valor de PTE 39.990$00 cada uma. 6. Do mesmo contrato consta ainda o seguinte: «Solicitamos que procedam ao crédito na conta: NIB (…)». 7. Em 18-11-1999 foi creditada, em decorrência do contrato em apreço, a quantia de PTE 1.200.000$00 na conta n.º (…) sedeada na “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…)”.
II.2.2. Resulta ainda dos autos a seguinte factualidade:
1 – A executada fez juntar aos autos principais de execução, em 13.09.2021, uma procuração emitida em 11.09.2021 em nome da sua advogada.
2 – Mediante requerimento apresentado em 29.09.2021, na ação executiva, a executada arguiu a falta de título executivo, a prescrição e a sua falta de citação para a ação executiva, alegando que nos autos não se diligenciou em obter informações sobre o seu paradeiro quer junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, quer junto das autoridades policiais, requerendo, a final, que a execução fosse declarada extinta por «manifesta falta de título executivo», que fosse a exceção perentória extintiva da prescrição julgada procedente, absolvendo-se a executada do pedido, ou, caso assim não se entendesse, que fosse declarada a anulação de todo o processo depois da petição inicial, por falta de citação da executada.
II. 4. Apreciação do objeto do recurso
Está em causa no presente recurso uma suposta nulidade de sentença, concretamente a prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
De acordo com aquele preceito legal é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Defende a apelante que a sentença recorrida padece daquele concreto vício porquanto o julgador a quo não se pronunciou sobre a exceção de prescrição e sobre a falta de citação que ela-apelante suscitou nos embargos de executado.
O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC tem de ser concatenado com o artigo 608.º/2, do mesmo diploma normativo de acordo com o qual o juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, de acordo com aqueles preceitos legais impõe-se ao juiz o dever de resolvertodas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso em apreço diz a apelante que invocou em sede de embargos de executado quer a falta de citação decorrente do facto de o tribunal ter procedido à citação edital da executada com preterição de formalidades essenciais, concretamente, sem ter obtido prévia informação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e das autoridades policiais, quer a prescrição do crédito exequendo e que o julgador a quo não se pronunciou sobre as mesmas.
Não é controvertido que o tribunal de primeira instância não se pronunciou na sentença sob recurso quer sobre uma suposta nulidade processual decorrente da falta de citação da executada, quer sobre uma suposta prescrição do direito exequendo.
Deveria tê-lo feito?
Vejamos.
A falta de citação verifica-se nas circunstâncias previstas no artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a saber, quando:
1) O ato tenha sido completamente omitido;
2) Tenha havido erro de identidade do citado;
3) Se tenha empregado indevidamente a citação edital;
4) Se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade;
5) Se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
O recurso indevido à citação edital, situação invocada no caso concreto, ocorrerá quando aquela forma de citação seja efetuada fora do condicionalismo factual e legal, ou seja, em violação do disposto no artigo 225.º, n.º 6, do CPC, o qual estatui que a citação edital só pode ter lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta,nos termos dos artigos 236.º e 240.º,ou quando sejam incertas as pessoas a citar, ao abrigo do artigo 243.º.
A citação edital por ausência do citando em parte incerta tem de ser precedida da realização das diligências previstas no artigo 236.º do CPC, cujo n.º 1 estatui o seguinte:
«Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais».
A nulidade processual decorrente da falta de citação implica a anulação de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta [artigo 187.º, alínea a), do CPC].
Trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso, a menos que deva considerar-se sanada (artigo 196.º do CPC) e que pode ser arguida pelos interessados em qualquer estado do processo, mas também apenasenquanto não dever considerar-se sanada (artigo 198.º/2, do CPC).
Resulta do disposto no artigo 189.º do CPC que a nulidade decorrente da falta de citação considera-se sanada quando o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem invocar logo o vício.
Já a prescrição é uma exceção perentória que para ser eficaz tem de se invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artigo 303.º do Código Civil).
Resulta dos presentes autos de embargos de executado que a executada/embargante aqui apresentou um requerimento datado de 27.04.2023 no qual invocou expressamente (para além da questão da falta de título executivo) a falta de citação e a prescrição do direito exequendo[1]. E que sobre tal requerimento recaiu despacho proferido em 16.06.2023, no qual o tribunal a quo decidiu considerar “não escrito” tudo o que a executada/embargante alegara no seu requerimento datado 27.04.2023, com exceção do que consta do seu artigo 1.º, ou seja, com exceção da parte em que a executada impugnou a genuinidade e todo o teor dos documentos juntos pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) [2].
Extrai-se do referido despacho o seguinte trecho: «Ora, não deixando de recordar que, à luz do artigo 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, «[s]e forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo», na situação dos autos é inequívoco, atenta a fase processual em que nos encontramos, que às partes era apenas lícito exercerem o contraditório relativamente ao susodito documento junto pela “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” através da ref.ª 9617462, de 18-04-2023. Sucede que a executada/embargante excedeu, de forma ostensiva e manifesta, esse âmbito de admissibilidade da resposta, sendo que apenas no artigo 1.º do seu articulado acima referenciado mencionou, e mesmo aí sem se referir ao concreto documento em causa, que «impugna, a genuinidade e todo o teor, nos termos do preceituado no artigo 374.º do Código Civil, doravante CC e dos artigos 574.º, n.º 3 e 444.º do CPC, de todos os documentos juntos, que não sejam da sua lavra, autênticos ou autenticados, já que desconhece da sua autoria, data e veracidade dos factos neles contidos». Tudo o mais se traduz em fundamentos de embargos que deveriam ter sido invocados aquando da dedução dos mesmos, na medida em que, mais uma vez de forma manifesta, não está em causa qualquer matéria superveniente que pudesse justificar a eventual consideração do disposto no artigo 728.º, n.º 2, do mesmo diploma» (negritos nossos).
No que respeita à arguição, pela executada/embargante, da falta de citação da prescrição do direito exequendo o tribunal recorrido decidiu naquele despacho pela sua extemporaneidade. Com efeito,invocando o princípio da concentração da defesa (artigo 573.º do CPC), o tribunal a quo decidiu que a executada não podia arguir quer a nulidade acima referida quer a exceção de prescrição no momento em que o fez (isto é, por ocasião do contraditório relativamente a documentos juntos pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …).
Naquele despacho o julgador a quo conheceu da oportunidade de invocação da falta de citação e da prescrição do crédito exequendo, afirmando que aqueles fundamentos de embargos «deveriam ter sido invocados aquando da dedução dos mesmos, na medida em que, mais uma vez de forma manifesta, não está em causa qualquer matéria superveniente que pudesse justificar a eventual consideração do disposto no artigo 728.º, n.º 2, do mesmo diploma».
Aquele despacho não foi objeto de recurso, pelo que transitou em julgado (artigo 628.º do CPC) e ao transitar em julgado fez caso julgado formal (artigo 620.º/1, do CPC), tornando-se vinculativo no presente processo, logo imodificável por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu). Destarte, uma vez que julgara extemporânea a sua arguição pela executada, o tribunal a quo não tinha de voltar a pronunciar-se sobre a alegada exceção perentória de prescrição que, como é sabido, não é de conhecimento oficioso.
E quanto à nulidade do processo por falta de citação?Deverá ser outro o entendimento, na medida em que aquela nulidade é de conhecimento oficioso enquanto não dever ser considerada sanada?
A regra do conhecimento oficioso é uma manifestação do princípio constitucional dalegalidade do conteúdo da decisão e significa que o juiz não está sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação da norma de direito (seja ela de direito substantivo, seja de direito processual); logo, sendo a violação de norma (processual ou substantiva) constatada pelo julgador, este tem de tirar dela a consequência devida. Referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[3] que «apesar de nenhuma das partes suscitar qualquer nulidade, o juiz deve estar atento ao cumprimento das formalidades processuais, intervindo diretamente na regularização do processado quando as nulidades ou irregularidades ocorram em ato judicial a que presida (artigo 199.º, n.º 2), ou conhecendo das nulidades relativamente às quais a lei determina ou impõe o conhecimento oficioso. Assim, logo que o juiz se aperceba da nulidade absoluta (ainda não sanada por outra forma) derivada da falta de citação do réu ou do Ministério Público, quando este deva intervir como parte principal (artigo 187.º) (…) deve proferir de imediato a decisão anulatória dos atos que tenham sido afetados por esses vícios (…)» (negritos nossos).
Dispõe o artigo 200.º, n.º 1, do CPC, epigrafado Quando deve o tribunal conhecer das nulidades, o seguinte:
«O juiz conhece das nulidades previstas no artigo 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e no artigo 194.º logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considera-se sanadas».
Assim, os vícios relativos à falta de citação (artigo 187.º do CPC) devem ser suscitados pelo juiz assim que deles se aperceba, o que pode ocorrer em qualquer estado do processo, a não ser que devam considerar-se sanados. Donde a prolação do despacho saneador e da fixação do objeto do litígio não tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento da nulidade por falta de citação, podendo aquela ser conhecida pelo tribunal em sede de decisão final.
Aqui chegados, cumpre aferir se a alegada nulidade por falta de citação da executada deve, ou não, considerar-se sanada, nos termos do disposto no artigo 189.º do Código de Processo Civil.
Dispõe aquele preceito legal, epigrafado Suprimento da nulidade de falta de citação, o seguinte:
«Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade».
Note-se que a intervenção do Ministério Público em representação do ausente não sana uma eventual nulidade decorrente da falta de citação deste último, pois que o Ministério Público não é citado nos termos do disposto no artigo 21.º do CPC como parte principal mas sim como representante ex lege do réu.
“Arguir logo a falta” deve interpretar-se como «fazê-lo na primeira intervenção processual» - assim, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 252.
No caso em apreço, resulta dos autos principais o seguinte:
(i) Em 13.09.2021 a executada/embargada requereu nos autos principais a junção de procuração forense.
(ii) Mediante requerimento datado de 29.09.2021 junto àqueles autos, a executada alegou o seguinte:
«28. Tomou a Executada conhecimento de que o seu rendimento iria ser alvo de uma penhora na sua pensão, através de uma comunicação da Segurança Social a informar que em cumprimento do determinado pelo Solicitador de Execução iriam proceder à dedução mensal de € 196,12 (cento e noventa e seis euros e doze cêntimos) no valor do seu rendimento com início no mês de Julho de 2021, conforme comunicação que aqui se junta se e dá por integramente reproduzida para efeitos legais – doc. 1. 29. Acontece que, até à data a Executada nunca tinha tido conhecimento de qualquer processo executivo que contra si pudesse estar a decorrer. 30. Em bom rigor, nunca a Executada foi citada para o efeito. Porquanto, 31. Em matéria de citação, o procedimento regra é o da citação pessoal. 32. Só quando esta se revela impossível de concretizar deve recorrer-se à citação edital. 33. Estando em causa citação de pessoa certa, só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal e de se concluir ser impossível a sua realização, por ocitando estar ausente em parte incerta, se deverá avançar para as diligências tendentes da citação por via edital. 34. Tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir: artigo 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC) - “Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de Identificação Civil, da Segurança Social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das Autoridades Policiais.” 35. Ora, no caso em apreço, apenas se diligenciou obter informação do paradeiro da Executada no serviço de Identificação Civil, na Segurança Social e na Autoridade Tributária. 36. No caso dos autos não se diligenciou em obter informações do paredeiro da Executada nem junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e muito menos junto das Autoridades Policiais. 37. Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/03/2003, processo n.º 03B2478: “(…) frustrando-se a citação por carta registada, e tendo o oficial de justiça, que se deslocou à morada do citando, constante dos autos, para efetuar a citação, certificado que não foi possível encontrá-lo, não tendo ficado com a certeza se este ainda ali residia, devia o juiz, antes de ordenar a citação edital,determinar a realização de diligências, junto de quaisquer entidades ou serviços – serviços de identificação civil, serviços da segurança social, autoridades policiais – curando de indagar da residência ou local de trabalho do citando.” 38. Portanto, procedeu-se à citação edital, sem que se tivessem esgotado todas as opções previstas na lei para obter informações do paradeiro a Executada. 39. Não foram na predita execução, levadas a cabo todas as diligências tendentes à citação pessoal da Executada. 40. Foi ordenada citação edital da Executada sem prévia informação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e Autoridades Policiais, o que implicou a realização de tal citação com preterição de formalidades essenciais. 41. Pelo que, o uso indevido citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do ato. 42. Há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital artigo 188.º, c), do CPC. 43. Ao ser ordenada a citação edital sem aquelas diligências e informações, foi indevidamente empregue a citação edital, tendo igualmente sido preteridas formalidades essenciais determinantes da falta de citação. 44. Só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a sua realização, por o citando estar ausente em parteincerta artigo 236.º, n.º 1, do CPC é que se deverá avançar para as diligências tendentes à efetivação da citação por via edital. 45. Pelo exposto, a definitiva e indevida citação edital, bem como a preterição das formalidades essenciais, constitui “falta da citação" nos termos dos artigos 187.º, a) e 188.º, c), do CPC, requerendo, por isso, "a anulação de todo o processo depois da petição inicial". 46. E nem se diga intempestiva, pelo facto de a Executada ter tomado conhecimento da penhora em julho de 2021, pois a falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada, nos termos do artigo 198.º, n.º 2, do CPC. 47. Reputa-se sanada na sua primeira intervenção no processo, achando-se a ação executiva em curso. 48. Assim, a falta de citação deve ser arguida quando da primeira intervenção do citando no processo, independentemente da data em que teve conhecimento do vício. 49. Por tudo isto, deverá a excepção peremptória extintiva da prescrição produzir os seus efeitos, extinguindo-se a execução, ou caso assim não se entenda, deverá ser anulado todo o processo depois da petição inicial, por falta de citação da Executada. (…)».
(iii) A executada anexou àquele requerimento um documento datado de 22.06.2021, que consiste numa comunicação do Instituto da Segurança Social dirigida à primeira, com o seguinte teor: «(…) Assunto: Penhora de pensão Informo V. Exa. que em cumprimento do determinado pelo(a9 Solicitadores de Execução 2270/18.9T8ENT – PE/403/2018 (…), 2748 Rua (…), n.º 52 – 5 Este Centro vai proceder à dedução mensal de Eur. 196,12, no valor da sua pensão com início no mês de julho/2021, até perfazer o total de Eur. 196,12. (…)».
Resulta da factualidade supra enunciada que o primeiro ato processual praticado pela executada no âmbito da ação executiva – qual havia sido citada editalmente para os autos de execução e que, nessa decorrência, foi ali representada pelo Ministério Público que deduziu, inclusive, oposição à execução – foi a junção aos autos, em 13.09.2021, de uma procuração em nome da sua advogada e que a executada, só mais tarde, numa segunda intervenção realizada em 29.09.2021, veio arguir a sua falta de citação.
Resulta igualmente da factualidade supra exposta que naquela sua segunda intervenção ocorrida nos autos de execução, concretamente, mediante apresentação do requerimento de 29.09.2021, a executada e ora apelante confessou que, em julho de 2021, «Tomou conhecimento de que o seu rendimento iria ser alvo de uma penhora na sua pensão, através de uma comunicação da Segurança Social a informar que em cumprimento do determinado pelo Solicitador de Execução iriam proceder à dedução mensal de € 196,12 (cento e noventa e seis euros e doze cêntimos) no valor do seu rendimento com início no mês de Julho de 2021». Ou seja, a executada confessou nos autos que pelo menos desde julho de 2021, portanto antes de ter junto a procuração acima referida ao processo de execução, teve conhecimento de que corria contra si um processo de execução, o qual, aliás, se mostra devidamente identificado no documento que lhe foi enviado pela Segurança Social e que aquela anexou ao requerimento acima referido.
É consabido que na jurisprudência existe uma orientação que defende que a junção aos autos de procuração emitida a favor de advogado constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, permitindo presumir que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação[4] e uma outra corrente que defende uma interpretação atualista do artigo 189.º do Código de Processo Civil, atenta a atual tramitação eletrónica dos processos, sustentando que a mera apresentação de uma procuração que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual futura não sana a falta de citação[5].
Independentemente da orientação que se perfilhe no caso resulta dos autos que a executada / embargante / apelante teve efetivo conhecimento da existência do processo executivo antes de ter junto procuração aos autos e teve, por isso, a possibilidade de acesso ao processo nos termos previstos no artigo 163.º/2, do CPC, designadamente através de um advogado ainda não mandatado judicialmente. Ora, se apesar desse conhecimento interveio nos autos, juntando procuração, sem arguir logo a falta de citação, relegando-a para um momento posterior, deve considerar-se a mesma sanada. De todo o modo, sempre se dirá que quanto a nós, a junção de procuração a determinado processo constitui uma intervenção relevante na medida em que evidencia que quer o mandante quer o mandatário tomaram conhecimento da existência daquele concreto processo, ficando, consequentemente habilitados a exercer as faculdades processuais que lhes assistam, nomeadamente, a exercer o seu direito de defesa e a arguir a falta de citação, pelo que se não o fizerem com a apresentação da procuração é porque o réu/executado não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada. Como se concluiu no Acórdão da Relação do Porto, de 25/11/2013, proc. n.º 192/12.6TBBAO-B.P1, apud acórdão da Relação de Évora de 16.04.2015[6], que “a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (ato judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação”».
Em face do exposto deve considerar-se sanada a alegada nulidade por falta de citação, pelo que o tribunal não tinha de conhecer daquela oficiosamente, não padecendo a sentença do vício que lhe é imputado.
Improcede, portanto, a apelação.
III. DECISÃO Em face do exposto, acordam em julgar a apelação improcedente. As custas na presente instância são da responsabilidade da apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.
Évora, 11 de julho de 2024
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
José Manuel Tomé de Carvalho (1.º Adjunto)
Mário João Canelas Brás (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Neste requerimento, pediu a embargante que fosse declarada extinta a execução por manifesta falta de título executivo, ou se assim não se entendesse, que fosse julgada procedente a exceção perentória da prescrição, absolvendo-se a executada do pedido e, consequentemente, declarada extinta a execução, ou caso assim não se entendesse, que fosse declarada a anulação de todo o processado depois da petição inicial, por falta de citação da executada.
[2] No dispositivo do referido despacho termina o julgador a quo dizendo o seguinte: «Nestes termos e pelo exposto decido não admitir o articulado junto pela executada/embargante por intermédio da ref. 9640930 de 27-04-2023 apenas no que concerne ao seu artigo 1.º, tendo-se por não escrito tudo o mais ali alegado».
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, pág. 266.
[4] Vide, por todos, Ac. RC de 16.03.2021, processo n.º 163/20.9T8CBR.C1, relator Moreira do Carmo, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Vide, por todos, Ac. RE de 03.11.2016, processo n.º 1573/10.5TBLLE-C.E1, relator José Manuel Galo Tomé de Carvalho, consultável em www.dgsi.pt
[6] Processo n.º 401/10.6TBETZ.E1, relator Francisco Xavier, consultável em www.dgsi.pt.