INSOLVÊNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

Tendo sido o processo de insolvência encerrado nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, encontrando-se totalmente liquidado o património dos Devedores que tinha sido apreendido para a massa insolvente, não resta outra sorte às ações executivas pendentes que não seja a respetiva extinção.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Exequente: (…) – Fabrico de Embalagens e (…), Lda.
Recorridos / Executados: (…) e (…)

A presente execução foi instaurada a 05/06/2020 para cobrança da quantia de € 8.386,12 sustentada na condenação dos Executados, proferida a 06/01/2020, a indemnizar os credores de (…) – Produtos Alimentares, Lda. por força da qualificação como culposa da insolvência desta sociedade, sendo afetados pela mesma os Executados.
Os Executados tinham sido declarados insolventes por decisão transitada em julgado a 13/11/2018.
Por despacho de 12/10/2021, a execução foi suspensa nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 85.º/2 e 88.º/2, do CIRE.
O Exequente requereu o prosseguimento da ação executiva, invocando que, por se tratar de crédito constituído após a declaração de insolvência e decorrente de indemnização fundada em responsabilidade civil por factos ilícitos, não está sujeito a exoneração.
O Exequente foi convidado a comprovar ter reclamado o crédito no processo de insolvência na qualidade de indemnização por factos ilícitos dolosos praticados pelos devedores ou a impossibilidade de reclamação do crédito por ser superveniente ao encerramento do processo de insolvência.
Por requerimento de 27/02/2023, o Exequente apresentou-se a requerer a verificação ulterior do crédito exequendo junto do processo de insolvência.
Foi proferido despacho mantendo a suspensão da instância até ao encerramento do processo de insolvência.
A 14/11/2023, foi proferido despacho declarando encerrado o processo de insolvência de (…) e (…), nos termos do disposto no artigo 230.º/1, alínea a), do CIRE.


II – O Objeto do Recurso
Foi proferida sentença declarando extinta a execução nos termos do disposto nos artigos 88.º/3, do CIRE, 849.º/1, alínea f) e 277.º, alínea e), do CPC.
Inconformado, o Exequente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o prosseguimento da execução.
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«I. A sentença recorrida determinou a extinção dos autos de execução com base na alegada inutilidade superveniente da lide;
II. Sustenta o Tribunal a quo que se verifica inutilidade superveniente da lide, o que conduziu o mesmo a decidir julgar extintos os autos de execução;
III. O CIRE não acautela uma situação, como a dos presentes autos, em que existe encerramento do processo por rateio final, e créditos constituídos posteriores à declaração de insolvência e com a natureza de responsabilidade civil por factos ilícitos.
IV. O título que está subjacente à presente execução é uma sentença de qualificação de insolvência da sociedade (…) – Produtos Alimentares, Lda., a qual e) Condeno (…) e mulher (…), a indemnizar os credores no montante dos créditos reclamados, e reconhecidos no apenso B de reclamação de créditos, bem como no apenso E de verificação ulterior de créditos, por sentença transitada em julgado, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre ambos os afectados.
V. A referida sentença foi proferida em 06-01-2020.
VI. O crédito aqui reclamado pelo recorrente não consta da lista de créditos reconhecidos na insolvência dos aqui executados.
VII. O crédito foi constituído após a declaração de insolvência.
VIII. Nada obsta a que se entenda que pode ser proposta Acão executiva contra os Recorridos, na medida que o encerramento do processo de insolvência dos recorridos não tem qualquer efeito quanto a esta execução.
IX. O crédito exequendo tem natureza de responsabilidade civil por factos ilícitos.
X. Os artigos 88.º e 233.º do CIRE não preveem o que sucede às ações executivas propostas em momento posterior à cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
XI. Não se pode concordar e nem aceitar na medida em que o recorrente não se encontra ressarcido, o seu crédito não foi liquidado e é posterior à declaração de insolvência.
XII.
XIII. Nesse sentido, verificando-se essa lacuna legal, deve observar-se o que dispõe o artigo 10.º do Código Civil.
XIV. Não havendo caso análogo, terá de observar-se o n.º 3 do artigo 10.º Código Civil.
XV. Neste sentido, entende a Recorrente que, respeitando o espírito do sistema, nada obsta a que se entenda que pode ser proposta acção executiva contra os Recorridos, dada a cessação antecipada de exoneração do passivo restante.
XVI. A decisão em crise coarta e impedido o recorrente de dar entrada de uma ação executiva violando o estatuído no artigo 20.º da C.R.P. e artigo 703.º do C.P.C..
XVII. Afigura-se que o tribunal a quo pretende com a decisão proferida que os executados se eximam ao pagamento, o que não se concorda, nem se aceita.
XVIII. Nem tão pouco a sentença proferida pelo tribunal a quo aferiu se o crédito do aqui recorrente foi reconhecido e/ou reclamado.
XIX. Ao contrário que consta da sentença proferida não resulta dos autos que tenha sido proferida sentença de reclamação de créditos e em caso afirmativo em que termos é que isso ocorreu e se o crédito do aqui recorrente foi reclamado e/ou reconhecido.
XX. Neste mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 03-04-2014 disponível para consulta no site www.dgsi.pt “IV – Inexistindo no processo elementos que permitam verificar em que termos foi graduado e reconhecido o crédito da exequente no processo de insolvência, não pode dizer-se que esse crédito, que não foi pago, originou um título executivo diferente da livrança dada à execução, e que esta não pode agora servir como suporte para a exequente fazer executar o seu crédito.”
XXI. Deste modo, deve a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, deverá prosseguir a presente ação executiva.
XXII. Sucede que o Tribunal a quo, ao declarar extinta a instância executiva por inutilidade superveniente da lide com base no artigo 277.º, alínea e), está a interpretar o referido artigo em desconformidade com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
XXIII. A decisão proferida pelo tribunal a quo violou o estatuído no artigo 189.º/2, e) e artigo 245.º/2, b), do C.I.R.E..
XXIV. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o estatuído no artigo 20.º da C.R.P., 277.º/ e) e 703.º do C.P.C. e 233.º/1, c), 243.º, 244.º, 245.º e 246.º, todos do C.I.R.E.».
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar o desacerto da decisão de extinção da instância executiva.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os acima mencionados.

B – A questão do Recurso
Os Executados foram declarados insolventes por decisão transitada em julgado a 13/11/2018.
Nos termos do disposto no artigo 88.º/1, do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
É que o processo de insolvência, atento desde logo o disposto no artigo 1.º do CIRE, é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência. O pagamento dos créditos há de operar-se no âmbito do processo de insolvência, segundo as regras nesse âmbito aplicáveis.
Pretendendo a credora da quantia de € 8.386,12 obter dos Devedores Insolventes o respetivo pagamento, crédito esse ancorado na condenação judicial proferida a 06/01/2020, impunha-se o recurso à verificação ulterior de créditos nos moldes definidos no artigo 146.º do CIRE, pois a declaração de insolvência obsta à instauração de ação executiva intentada pelos credores da insolvência.
A ação executiva foi, contudo, instaurada.
Seguiu-se a respetiva suspensão por força do regime inserto no artigo 88.º/1, do CIRE.
O processo de insolvência foi encerrado nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE. O que vale por dizer que se realizou o rateio final, afetando-se massa insolvente ao pagamento aos credores.
O artigo 88.º/3, do CIRE estatui o seguinte:
As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
Ora,
«A letra da lei é muito clara.
O novo n.º 3 do artigo 88.º do CIRE não oferece dúvidas quanto ao destino das ações suspensas quando o processo de insolvência seja encerrado após o rateio final, ou por insuficiência do ativo da massa para satisfazer as dívidas próprias dela. Por regras as ações extinguem-se, ressalvando-se, todavia, o caso de exercício do direito de reversão legalmente previsto.»[1]
O que bem se compreende.
Dado que o património dos Devedores que tinha sido apreendido para a massa insolvente se encontra totalmente liquidado, inexistindo outros bens que permitam a satisfação de credores, não resta outra sorte às ações executivas pendentes que não seja a extinção. Extinção que opera ope legis.
A extinção, por determinação legal expressa, da ação executiva suspensa nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRE não implica a extinção do crédito exequendo. Nem contende com a questão de saber se o crédito resultou extinto por via do incidente de exoneração do passivo restante.
Na verdade, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos – cfr. artigo 233.º/1, alínea d), do CIRE. Poderão, então, nos termos gerais, intentar nova ação executiva para o efeito, caso se afigure não ter resultado o crédito extinto por via do mencionado incidente de exoneração. Só perante a pretensão de obter pagamento de crédito que subsista à data em que seja concedida a exoneração do passivo restante, no âmbito de nova execução, é que se colocará a questão de saber se foi ou não afetado por tal exoneração.
Não obstante,
«Compreendemos a dificuldade de aceitação dessa solução para os credores, que se verão perante novos encargos.
(…)
Parecendo não fazer muito sentido que se decrete, sem mais, a extinção da execução pendente quando, no momento seguinte, é facultado ao exequente a instauração de uma execução para cobrança do crédito não satisfeito, cremos que a intenção do legislador foi a de tornar o processo de insolvência mais ativo na satisfação dos credores, desincentivando o ressuscitar das execuções pendentes.»[2]
Mais cumpre mencionar que a situação em análise é distinta da versada na decisão singular proferida pelo TRC[3], citada pela Recorrente, pois nesta o requerimento executivo foi apresentado depois de encerrado o processo de insolvência e a questão suscitada não era a de saber se tinha lugar a extinção da execução que estava suspensa por força do regime inserto no artigo 88.º/1, do CIRE.

Termos em que se conclui não merecer reparo a decisão de extinção da execução nos termos do disposto no artigo 88.º/3, do CIRE, consentânea aos normativos de cariz constitucional atinentes ao exercício dos direitos em juízo.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Évora, 11 de julho de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário João Canelas Brás



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[1] Ac. TRE de 15/09/2022 (Anabela Luna de Carvalho).
[2] Ac. TRE citado supra.
[3] Decisão singular do TRC de 15/02/2023 (Fonte Ramos), tendo por objeto a aferição de título executivo bastante para o prosseguimento da ação.