PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
MEDIDA TUTELAR
ADOPÇÃO
Sumário

1-Sendo a factualidade discriminada no acórdão recorrido amplamente reveladora da incapacidade que os progenitores demonstram para se estruturar em termos de poderem voltar a receber no seu agregado as três crianças que geraram, não obstante os vários apoios e o acompanhamento profissional de que têm podido beneficiar ao longo dos anos que decorreram desde o inicio dos processos instaurados com vista a promover a protecção das três crianças, beliscando, ademais e notoriamente, essa revelada incapacidade com a saúde, assim como com a formação e o desenvolvimento adequado e harmonioso das três crianças, comprometendo, outrossim, seriamente, a constituição dos vínculos de afectividade que habitualmente caracterizam a filiação, não sendo ainda de olvidar, a este propósito, o desinvestimento que qualquer um dos progenitores tem revelado em termos de convivência com as três crianças, patenteado na ausência de visitas a estas durante cerca de seis meses no ano de 2023 no CAT onde as mesmas se encontram acolhidas há quase dois anos, bem como a ausência de respostas credíveis ao nível da respectiva família alargada para receber os três pequenos, apenas se prefigura como actual e adequada à correcta preservação do superior interesse das três crianças o decretamento da medida decidida no acórdão recorrido de confiança das mesmas a instituição com vista a futura adopção;
2-O acolhimento residencial não é, nem deve ser, um fim em si mesmo, ou seja um projecto de vida para qualquer criança, nem o tempo desta se compadece com o tempo dos adultos;
3-Se os progenitores não revelam capacidades para assegurar o “colo” a que toda a criança tem direito impõe-se cumprir esse desiderato através do respectivo encaminhamento para uma família substituta/adoptiva que esteja em condições de o garantir.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação n.º 2637/20.2T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Família e Menores de Santarém-Juiz 3
Apelante: (…)
Apelado: Ministério Público
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)

*
Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:

I – RELATÓRIO
No âmbito do presente processo de promoção e protecção instaurado pelo Ministério Público e que corre desde 09/11/2020 em benefício dos gêmeos (…), (…), ambos nascidos em 17/11/2019 e (a partir de despacho proferido em 13/11/2023), ainda de (…), nascida em 29/12/2020, todos filhos de (…) e de (…), realizou-se debate judicial tendo na sequência do mesmo sido proferido em 14/03/2024 acórdão que inclui o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal decide:
I. Aplicar à menor (…) a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando à guarda do CAT da APPACDM da Figueira da Foz – Rua (…), n.º 39, Figueira da Foz, nomeando-se curador provisório da criança a Diretora Técnica da instituição.
II. Aplicar ao menor (…) a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando à guarda do CAT da APPACDM da Figueira da Foz – Rua do (…), n.º 39, Figueira da Foz, nomeando-se curador provisório da criança o Diretor Técnico da instituição.
III. Aplicar à menor (…) a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando à guarda do CAT da APPACDM da Figueira da Foz – Rua do (…), n.º 39, na Figueira da Foz, nomeando-se curador provisório da criança o Diretor Técnico da instituição.
IV. O decretamento da medida suprarreferida tem como um dos seus efeitos a inibição do exercício das responsabilidades parentais dos progenitores, pelo que deverá, após trânsito, ser remetida certidão da sentença à Conservatória do Registo Civil para efeitos de averbamento ao assento de nascimento das crianças – artigo 1978.º-A do Código Civil.
V. Consignar que a medida dura até ser decretada a adoção, não está sujeita a revisão e que não há lugar a visitas por parte da família natural das crianças.
VI. Caso decorrem seis meses desde a presente data sem que tenha sido instaurado o processo de adoção, solicite imediatamente ao Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Santarém, informação sobre os procedimentos em curso com vista à adoção das crianças.
Fixa-se à presente ação o valor de € 30.000,01 (artigo 303.º, n.ºs 1 e 2, do Código Processo Civil).
Sem custas.
Registe e notifique.”
*
Inconformado com a decisão proferida reagiu o progenitor (…) em 09/04/2024 através da interposição de recurso do acórdão proferido no Tribunal a quo, alinhando no final da peça processual apresentada as seguintes conclusões:
“1 - Por sentença proferida nestes autos, foi determinado aplicar aos menores (…), (…) e (…), a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, ficando à guarda do CAT da APPACDM da Figueira da Foz.
2 - O recorrente não se conforma com esta decisão, nem a aceita.
3 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, o sentido da decisão ora em recurso, é de uma violência extrema em termos emocionais, psicológicos, quer para os progenitores, quer para os menores.
4 - Pois destrói um vínculo familiar natural e em construção, certo que com dificuldades, descritas nos autos, mas também com esforços dos progenitores em manterem e desenvolverem esses laços.
5 - Parece confundirem-se as dificuldades de vida enfrentadas pelos progenitores, com a alegada incapacidade destes em exercerem cabalmente as responsabilidades parentais.
6 - Como se a pobreza ou alguma insuficiência de meios económicos e as consequentes dificuldades de vida, fossem critérios para se determinar a retirada de filhos aos pais e a entrega daqueles para adopção.
7 - Dificuldades de vida que na maior parte das vezes, emergem de factores exógenos e que a vontade dos progenitores não domina, na sua produção e nos seus efeitos.
8 - Como é o caso nos autos, da questão da dificuldade em os progenitores lograrem providenciar em tempo útil uma habitação a acessível aos seus rendimentos – provenientes de actividades sazonais – e adequada em termos de conforto.
9 - Evidente como o é, aos dias de hoje a profunda crise na habitação, o que não será de muitos menores e respectivos progenitores?
10 - Por outro lado, evidenciando-se nos autos alguma dificuldade da mãe dos menores para o acompanhamento destes, também vem a ser evidenciada a partir de certa altura, uma atitude colaborante da mesma, no sentido de obter competências nessa área.
11 - O que parece ter-se tornado relevante para a decisão de os menores serem retirados aos progenitores, foi a questão habitacional e as questões de conexas com a habitação.
12 - Mas da fundamentação de facto da sentença, referem-se de seguida os pontos, enumerando-os que nos parece serem relevantes para a contextualização do que de deixou alegado e do que se alegará de seguida.
Designadamente:
Pontos 44 a 77, quanto às dificuldades enfrentadas no seio do agregado familiar.
Mas quanto a aspectos menos negativos e a outros mais positivos, pontos 22 a 43, 70 a 101, com ênfase para os pontos 80 e 81, 84 a 86, 90 a 95 e 116 a 128, em que se vislumbrou ser possível mediante um acompanhamento institucional aos progenitores, apetrechar estes de responsabilidade e aquisição de competências, para exercerem melhor a parentalidade.
13 - No que respeita ao depoimento de (…), gravado em suporte electrónico, no ficheiro 20240118151553_2923762_3995022, refere no registo dos minutos 00:0035 a 00:01:26 que se encontram a “:…morar na Portela das (…) num hotel, não sei como se chama (…) não encontrei uma casa”, (…) antes estava em S. …” (…) “dona da casa faleceu e filho dela não quis dar a casa para alugar”.
De minutos 00:04:00 a 00:05:53, declara que “Trabalho na floresta há um mês”; de minutos 00:10:22 a 00:10:30, declara que aufere “mil e poucos por mês (…) à semana trezentos…”.
Quanto à assiduidade de contactos com os filhos, durante o período de tempo em que esteve ausente na Roménia, em 2023, por motivo de doença do pai e do irmão, que faleceram nesse período de tempo, declara de minutos 00:13:07 a 00:14:01 que telefonicamente “(…) sim, todos os dias, vídeo chamadas também”.
Quanto à sua relação com o consumo de álcool, refere de minutos 00:15:00 a 00:15:18, “agora já não” (…) Há um ano”.
14 - Ora, salvo o devido respeito por opinião diferente, destas declarações, fácil é retirar que exceptuando a questão premente, da habitação, o pai dos menores descreveu uma vida pessoal com exercício profissional, auferindo vencimento acima do vencimento mínimo nacional. 15 - Refira-se que também a mãe dos menores mantinha já, à data do julgamento, vínculo laboral com a mesma entidade que o companheiro.
16 - O que permite concluir que a alegada ineptidão dos progenitores para terem os filhos a viverem com eles, alicerça-se em algumas competências em falta e na falta de habitação adequada… Comuns a grande parte da população nessas circunstâncias de parentalidade…
17 - Factores supríveis por uma adequada intervenção da segurança social… conforme se evidenciou já, acima ser possível e os progenitores terem sido até colaborantes a partir de determinada altura do acompanhamento determinado ao nível daquela entidade…
18 - No que respeita ao depoimento do director da APPACDM da Figueira da Foz, o mesmo presta declarações que, enquanto factos próprios dos menores e dos progenitores dos mesmos, foram quanto a nós erroneamente qualificados, na sentença.
Efectivamente, declara no ficheiro 20240207100303_2923762_3995022:
Acerca do estado em que os menores chegaram à instituição na data da sua institucionalização, declara de minutos 00:00:02 a 00:02:00 “(…) chegaram com uma apatia enorme (…)”. Nem tristeza nem alegria, mas também que é estranho, não choraram”(..) “talvez também por uma questão de linguagem, nessa altura não falavam praticamente nada de português”.
De minutos 00:12:23 a 00:14:30, declara “A (…) tem agora então a mania de chamar mãe a qualquer pessoa do sexo feminino e chamou pai também a mim” (…) “Não as vejo com referências muito esclarecidas sobre que serão estas pessoas”.
19 - O tribunal devia ter avaliado estas declarações devidamente, o que não fez! Errando desta maneira!
20 - Ou seja, os menores de muito pouca idade, serem levados repentinamente para uma instituição estranha, longe, bem longe da casa que habitavam e da proximidade com os progenitores, na perspectiva de um cidadão médio, teriam duas opções de reacção, ou apatia, como foi o caso, ou de choro! O depoente ao não compreender isto, demonstra insensibilidade e falta de inteligência emocional! E o tribunal devia ter interpretado este facto de forma diferente!
21 - E o mesmo se diga quanto ao facto de a (…) chamar mãe a qualquer pessoa do sexo feminino e ter chamado pai também ao depoente!
22 - Ao invés de ver nessa atitude como que um desapego aos progenitores, ao vínculo natural, deviam, o depoente e o tribunal também, ter percebido e interpretado tal facto como a carência de presença das figuras, materna e paterna! Consanguíneas, com as quais, ainda que com algumas carências, no início das suas vidas, criaram laços naturais. Enveredando agora, por impossibilidade desse objecto, por figuras de substituição…
23 - E também isto, o tribunal interpretou erroneamente.
24 - Quando devia ter interpretado, com sendo fundamento para decidindo, contribuir para uma solução que não destruindo um vínculo familiar natural, desse espaço físico e temporal, para que os progenitores apoiados pela segurança social, adquirissem mais competências e fosse facultada uma habitação condigna para o agregado familiar, completo.
25 - Tal passaria pela manutenção da medida de acolhimento em curso… por mais tempo.
26 - O que seria o mais certo, razoável e aceitável!
27 - Não é crível que o processo de adopção seja rápido, tanto mais certo quanto é tratar-se de três irmãos, os quais não podemos aceitar o estado queira separar por famílias de adopção separadas, quebrando mais outro vínculo natural.
28 - Prevendo-se a eternização da institucionalização enquanto a adopção não se concretiza!
29 - Ou seja, prevê-se um período de tempo durante o qual os progenitores apoiados pela segurança social, adquirissem mais competências e fosse facultada uma habitação condigna para o agregado familiar, completo.
30 – Salvo o devido respeito o tribunal errou na apreciação da matéria de facto que se deixou alegada;
31 – Dessa foram violando a lei, pois atento o que se deixou alegado, entende o recorrente que urge a manutenção da medida actualmente em vigor para os menores, acolhimento prolongado, conferindo-se tempo ao casal para preparar o seu regresso definitivo à Roménia, com os menores;
32 - O que entende ser possível com respaldo, designadamente, no artigo 50.º da Lei n.º 147/99, de 01/09, preceito este, e concomitantemente o superior interesse dos menores num vínculo parental natural, que a sentença recorrida, violou.
33 – Devendo a sentença ser revogada por esta Relação, substituindo-a por outra que acautele a pretensão do recorrente e o superior interesse dos menores.
Assim, com o Douto Suprimento de V/Exªs., Srs. Juízes desembargadores, se fazendo JUSTIÇA!”

O Ministério Público respondeu a este recurso em 05/05/2024 elencando as seguintes conclusões:
1. São aplicadas nos presentes autos, porque de processo de promoção e proteção se trata, as regras estabelecidas no Código de Processo Civil para os recursos (cfr. artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 126.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).
2. A impugnação da matéria de facto deve observar as exigências estabelecidas nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil, pelo que não cumprindo o recorrente tais exigências deve o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, ser rejeitado.
3. Versando o recurso sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente respeitar o requerido pelo artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sob pena de rejeição.
4. Conforme referido no douto acórdão em crise, a convicção do tribunal relativamente aos factos provados baseou-se no depoimento das testemunhas (…) e (…), na prova documental (processos da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, relatórios do SIATT, informações intercalares, informações da Instituição de Acolhimento, assentos de nascimento dos menores), e nas declarações dos progenitores das crianças.
5. Atentando no recurso, o recorrente indica as concretas passagens dos depoimentos e declarações que considera incorretamente julgados: “e (…), gravado em suporte electrónico, no ficheiro 20240118151553_2923762_3995022, refere no registo dos minutos 00:0035 a 00:01:26 (…) De minutos 00:04:00 a 00:05:53(…) de minutos 00:10:22 a 00:10:30 (…) declara de minutos 00:13:07 a 00:14:01 (…) minutos 00:15:00 a 00:15:18 (…) No que respeita ao depoimento do director da APPACDM da Figueira da Foz, o mesmo presta declarações que, enquanto factos próprios dos menores e dos progenitores dos mesmos, foram quanto a nós erroneamente qualificados, na sentença. Efectivamente, declara no ficheiro 20240207100303_2923762_3995022; Acerca do estado em que os menores chegaram à instituição na data da sua institucionalização, declara de minutos 00:00:02 a 00:02:00 “(…) De minutos 00:12:23 a 00:14:30, declara (…) O tribunal devia ter avaliado estas declarações devidamente, o que não fez! Errando desta maneira!”
6. Sucede que o recorrente não cumpriu plenamente o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois, pese embora, indique passagens dos depoimentos, com base nas quais defende existir uma incorreta valoração da prova, acaba por formular considerações genéricas, não concretizadas (“O depoente ao não compreender isto, demonstra insensibilidade e falta de inteligência emocional! E o tribunal devia ter interpretado este facto de forma diferente!”), não indicando com precisão os factos importantes, resultantes da prova produzida, que não foram considerados pelo Tribunal, nem individualizando de modo concreto onde sucedeu erro do julgador e o porquê de tal erro, para além de não ter referido explicitamente qual a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida e não demonstrando que, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, que outra não poderia ser a apreciação da prova senão aquela que defende.
7. Assim, deverá ser rejeitado o recurso no que concerne à pretensa impugnação da matéria de facto, pois que não tendo o recorrente cumprido integralmente os ónus de especificação a que estava obrigado nos termos legalmente preceituados, com vista a conseguir a reapreciação da prova testemunhal e a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, tal circunstância determina o não conhecimento do recurso, nesta parte, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil.
8. O recorrente, na parte em que refere que o Tribunal errou ou interpretou de forma errada, não mais que manifesta discordância com a apreciação da prova.
9. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para a apresentação de recurso, ou revogação de decisão. O princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, consagra que o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
10. Assim, também quanto a esta parte não deverá haver conhecimento do recurso.
11. A intervenção do tribunal tem como principal objetivo o afastamento da situação de perigo em que as crianças e jovens se encontrem, procurando desta forma proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e nos casos em que seja necessário permitir e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vitimas de explorações ou abuso.
12. As crianças são acompanhadas, primeiro pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, depois pelo Tribunal, desde o seu nascimento.
13. Os pais tiveram todos os apoios disponíveis pelas entidades que visam salvaguardar o bem-estar das crianças. Usufruíram de bens materiais, de apoios económicos, de acompanhamento para aprendizagem de organização de habitação, confeção de alimentação, organização doméstica.
14. Foram acompanhados pelo Centro Humanitário de Santarém e Cartaxo, SAAS–CVP/CHSC, ATT, Associação “Ajuda de Mãe”, ADSCS.
15. Foi proposto que a progenitora integrasse Casa de Apoio à Vida com as crianças.
16. A progenitora foi apoiada para diligenciar pela legalização da sua situação em território nacional, junto do ex-SEF.
17. Os meninos foram integrados em Ama e Creche, de forma gratuita.
18. O agregado beneficiou de subsídios atribuídos quer pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens quer pela Segurança Social.
19. Foram realizadas visitas pelas Sr.ªs Técnicas, que transmitiram aos progenitores como organizar a habitação, confecionar refeições adequadas à idade das crianças, criar e manter rotinas de higiene, alimentação e sono nas crianças.
20. Promoveu-se junto da progenitora, ações de confeção de refeições nutricionalmente equilibradas e ajustadas à faixa etária dos menores, com indicação do modo adequado de preservação dos alimentos, organização e gestão doméstica e orçamental, bem como, triagem e organização do vestuário, calçado e brinquedos dos menores.
21. Realizaram-se ações de treino de competências parentais, tendo sido alvo de monitorizações semanais. Estas ações, foram essencialmente desenvolvidas junto da (…), atendendo à maior disponibilidade da própria.
22. Estas crianças viveram em várias casas e até em quartos. As rotinas e ambientes securizantes que conheceram desde o nascimento foram providenciados por terceiros – amas, creches, instituição de acolhimento.
23. Foram esgotadas todas as possibilidades junto da família biológica. Os progenitores, que não tiveram um percurso linear, sendo que em certos momentos foram colaborantes, acabando por não conseguir solidificar/interiorizar tudo o que lhes foi transmitido/ensinado de modo a providenciarem por um ambiente securizante, organizado, digno, para os meninos.
24. Os pais das crianças tiveram acesso a todos os meios disponíveis para que pudessem, tendo em atenção as suas fragilidades, hábitos, dependências, aprender a colmatar as necessidades dos meninos, de forma a criar um ambiente que permitisse o desenvolvimento integral e saudável das crianças.
25. Os progenitores não se mostram conscientes das necessidades das crianças, tendo-as sujeitado à aleatoriedade do seu comportamento enquanto residiram com os progenitores (que oram aderiam e eram organizados e responsáveis, ora regrediam, e a habitação pautava-se pela desorganização, falta de higiene, falta de estimulo, falta alimentos, falta de bens de higiene), e demonstram-se incapazes, mesmo em sede de recurso, de identificar as necessidades das crianças.
26. Relembre-se que no dia da visita das Sr.ªs Técnicas, aquando do acolhimento de emergência, os meninos tinham comido uma lata de feijão, estavam na banheira, porque não havia fraldas, com diarreia, numa casa desorganizada, suja, sem alimentos, e em risco de ficaram desalojados.
27. Importa reconhecer a incapacidade de os progenitores realizarem uma economia doméstica, além de incapacidade de proverem por uma adequada organização, alimentação, estimulação, e criação de um ambiente securizante para os meninos.
28. Desde o acolhimento institucional, a 15.07.2022, face ao comportamento dos progenitores, que se pautou pela ausência de contactos e visitas, não foram mantidos / criados laços / ligação / vinculação dos menores aos progenitores. É forçoso concluir que não existe qualquer vinculo entre as crianças e os progenitores face à prova colhida e conforme resulta dos pontos 157, 158, 159, 160, 165, dos factos provados do douto acórdão em crise.
29. Saliente-se que conscientes de que a Instituição de Acolhimento se localizava longe do local de residência dos progenitores (e saliente-se aqui que a institucionalização foi em caracter de emergência, e se conseguiu o acolhimento das três crianças na mesma Instituição de Acolhimento), foi tentada uma transferência de instituição dos menores para instituição mais perto do local de residência dos progenitores, mas, entretanto, a progenitora foi morar para (…), o pai manteve-se em (…), e, posteriormente, alteraram de domicilio para local desconhecido, acabando-se por se entender que estando os meninos adaptados à Instituição de Acolhimento e estando os pais em local desconhecido, não seria profícua a mudança de Instituição de Acolhimento. Sabe-se, agora, que o progenitor esteve no estrangeiro, sem que informasse o Tribunal ou a Instituição de Acolhimento.
30. Em relatório de 13.02.2023, o CAT referiu “É nosso parecer que a situação regrediu e que os Pais foram-se distanciando cada vez mais não tendo resposta eficaz para as necessidades dos seus filhos. No nosso entendimento a medida deverá manter-se como está exigindo aos progenitores mudanças significativas das suas vidas por forma a poderem ser efetiva solução para estas crianças. (…) deverão ser equacionadas outras alternativas de Projeto de vida que não o regresso à família.”
31. Como referido na douta decisão do Tribunal a quo:
“Os progenitores demonstram um alheamento das suas responsabilidades enquanto pais, bem como das necessidades dos menores refletido; no abandono dos menores na instituição que apenas visitaram intermitentemente ou nem sequer visitaram (como é o caso da progenitora ausente de novembro de 2022 a junho de 2023 e do progenitor ausente de junho a dezembro de 2023), no não arranjar de condições estáveis (habitacionais e trabalho) que permitissem o ponderar o retorno dos menores ao agregado familiar e na falta de noção das necessidades dos menores (de vinculação afetiva securizante essencial ao seu salutar desenvolvimento).”
32. As crianças não têm, neste momento, vinculação emocional e afetiva com nenhum dos seus familiares.
33. A avó materna, apesar de residir em território nacional, não conhece os meninos.
34. O avô materno tem hábitos alcoólicos, e conflitos com o progenitor, nunca tendo sido elemento de suporte ou apoio dos progenitores, mesmo quando os progenitores e os gémeos residiam na mesma habitação que o avô materno.
35. O avô paterno, que ainda visitou os meninos, faleceu, e a avó paterna trabalha e reside no estrangeiro, tendo visitado os menores na instituição exíguas vezes.
36. Os contactos telefónicos dos progenitores aos meninos não são regulares, e mesmo as videochamadas, que são irregulares, não são suficientes para as crianças estabelecerem com os pais laços, vínculos.
37. Não é conhecido qualquer elemento familiar que sirva de suporte ou retaguarda aos progenitores ou que se afigure como alternativa à institucionalização das crianças.
38. Durante os 19 meses de acolhimento, o progenitor esteve a residir no estrangeiro, e a mãe no Alentejo, durante meses, sem que tal fosse comunicado ao tribunal ou à instituição.
39. Os progenitores mudam com frequência de telefone, ou usam telefones de terceiros para contactar a instituição, inviabilizando qualquer conhecimento do seu paradeiro, ou informação sobre o local onde se encontram a residir e a trabalhar.
40. O critério que norteia este processo é o interesse da criança e, ponderando todos os elementos constantes dos autos, e face aos factos provados, correta e doutamente decidiu o tribunal a quo quando entendeu que a família biológica apresenta disfuncionalidades, que comprometem o estabelecimento (ou manutenção) duma relação afetiva gratificante e securizante para as crianças.
41. Como resulta do douto acórdão, os meninos não têm ligação afetiva aos progenitores. Não foi apresentada família alargada pelos progenitores. As visitas por elementos da família biológica (tendo em consideração a avó paterna e os progenitores) não foram profícuas para os menores.
Os meninos não demonstram especial apego ou afetividade pelos progenitores.
42. Encontra-se esgotada a intervenção junto dos pais. Os progenitores não reúnem competências para a mudança.
43. Importa, neste momento, inverter o percurso destes meninos e proporcionar às crianças crescer no seio da uma família, que não a sua família biológica.
44. Na verdade, face ao historial de vida das crianças e dos seus pais, não é possível fazer um juízo de prognose favorável de que o futuro destes meninos passa por regressar aos cuidados da família. Neste sentido, sempre será de formular um juízo de inadequação e insuficiência de qualquer medida que contemple a integração de (…), (…) e (…) no seio da sua família biológica. O superior interesse destas crianças não se compadece com a continuação de uma medida de institucionalização, sendo necessário facultar um projeto de vida adequado.
45. Esse projeto de vida, em nosso entendimento, passa pela sua integração junto de uma família que esteja preparada para os receber e em consequência lhes proporcione todas os cuidados e afetos de que estes carecem e merecem, procurando assegurar um correto crescimento físico emocional e social. Estes meninos merecem crescer no seio de uma família, que lhes dê carinho, atenção, que lhes proporcione, como merecem, um crescimento equilibrado, num ambiente familiar securizante e protetor e que lhes preste todos os cuidados de que o (…), (…) e (…) necessitam.
46. E é este direito que tem que ser salvaguardado pelo Tribunal, através deste processo. O direito a ter e a pertencer a uma família.
47. Estas crianças não podem continuar acolhida em instituição, à espera que os pais reúnam condições pessoais, emocionais, habitacionais e socioeconómicas para que os filhos lhes sejam entregues.
48. Os menores estão acolhidos há mais de 20 meses. Aguardar que os progenitores alcancem o que não lograram em 4 anos e 5 meses será eternizar a institucionalização destes meninos.
49. Em números, (…) e (…) encontram-se em Instituição de Acolhimento durante cerca de 1/3 da sua vida e (…) encontra-se a viver na Instituição de Acolhimento durante mais de metade da sua vida.
50. Pretende o recorrente que o bem-estar, o desenvolvimento, a vivência das crianças fique suspensa na volatilidade do comportamento e desorganização dos progenitores por tempo indefinido.
51. Os progenitores pela persistente revelação da sua ausência de competências para, no seio da família por eles composta, promoverem o pleno desenvolvimento psicológico e físico dos meninos, e a ausência de família alargada, demonstraram ao tribunal a quo que o futuro destas crianças tem de passar pela integração numa família, que não a biológica. 52. A Recomendação n.º 7/2017, aprovada em reunião do Conselho Nacional de Adoção a 13.03.2017, refere “Os irmãos não deverão se separados, exceto se o seu superior interesse o desaconselhar, pelo que no encaminhamento de irmãos, as equipas de adoção deverão assumir a subsidiariedade da separação das fartarias em relação ao seu encaminhamento conjunto, devendo, por todas a formas, e em tempo útil para as crianças, esgotar as hipóteses do mesmo antes de propor a sua integração em famílias diferentes (…). A separação de fartarias deverá assumir um carácter de exceção, estar devidamente ponderada e tecnicamente fundamentada e verter o respeito pelo envolvimento da(s) criança(s) nessa decisão (quando aplicável!), sendo admissível, apenas, quando os elementos da fartaria tiverem percursos de vida diferentes ou projetos de vida definidos em tempos diferentes, ou na ausência constatada, após pesquisa de família para encaminhamento conjunto, de candidaturas disponíveis e preparadas para corresponderem às necessidades concretas de um grupo de irmãos em situação de adoptabilidade, devendo ainda assim e sempre que possível a manutenção da relação entre irmãos ser garantida através da escolha de famílias adotivas que permitam um efetivo relacionamento entre eles”.
53. Por todo o exposto, os fatores de risco que determinaram a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção aos meninos foram identificados e doutamente fundamentados na sábia decisão, que não merece qualquer reparo, pelo que deverá o erudito acórdão ser mantido nos seus precisos termos.
Porém, Vossas Excelências, decidindo, farão JUSTIÇA!”
*
O recurso foi recebido na 1ª Instância por despacho de 09/05/2024 como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
Colheram-se os legais Vistos.
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II- OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), ex vi do artigo 126.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01/09 (doravante apenas LPCJP), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2-Do mérito focado na (in)adequação da medida de promoção e de protecção aplicada no acórdão recorrido às três crianças, (…), (…) e (…).
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III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Consta da sentença recorrida a seguinte matéria de facto que passamos a reproduzir:
“1. Factos provados
Com interesse para a boa decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) (…) e (…) são irmãos gémeos dizigóticos, nasceram em 17.11.2019 e são filhos de (…) e (…). São naturais de Santarém.
2) No dia 29.01.2021 nasceu (…), filha de (…) e (…). É natural de Santarém.
3) Os menores (…) e (…) viveram, após o nascimento, com os pais e com o avô materno (…) na Rua (…), n.º 1, em Santarém.
4) Os pais dos menores são de nacionalidade romena.
5) Há registo de situações de violência doméstica e consumo de bebidas alcoólicas em excesso por parte do progenitor e do avô materno.
6) Em fases de maior exaltação, em estado de embriaguez, o progenitor profere acusações humilhantes que se repercutem negativamente no estado emocional da progenitora.
7) A progenitora caracteriza-se por ser uma jovem submissa, totalmente dependente emocional e financeiramente do companheiro. Em certos momentos foi uma mãe atenciosa e cuidadosa nos cuidados a prestar aos menores.
8) A progenitora, apesar de instada e orientada por diversas instituições, não diligenciou de forma a obter legalização da sua situação de permanência em território nacional.
9) Durante a gravidez dos gémeos, a progenitora compareceu uma única vez no Serviço de Obstetrícia em 25.07.2019, tendo, então, 15 semanas de gestação. Foi, nessa ocasião, que (…) teve conhecimento da gravidez dos menores. Assim, a gravidez gemelar não foi vigiada.
10) Em junho de 2019, a progenitora esteve internada no Serviço de Obstetrícia do Hospital Distrital de Santarém por surto psicótico, com comportamento de agitação, com queixas de alucinações acústico-verbais.
11) Ficou referenciada como doente psiquiátrica e foi-lhe marcada consulta para setembro de 2019, mas faltou à mesma ficou sem diagnóstico definido.
12) Em 25.11.2019, o Serviço Social do Hospital Distrital de Santarém sinalizou a situação da mãe dos menores junto do Centro Humanitário de Santarém e do Cartaxo, com fundamento na vulnerabilidade dos recém-nascidos.
13) No Hospital Distrital de Santarém foi observado que nos dois primeiros dias após o nascimento dos bebés a progenitora néo manteve muito contacto com eles, enquanto estiveram no referido Serviço de Neonatologia, situação que gradualmente se alterou, passando a progenitora a mostrar-se mais dedicada, interessada e presente na realização das tarefas.
14) Constatou-se que a progenitora também se refugiava, muitas vezes, no seu quarto e que, em 20. 11.2019, três dias após o nascimento, os pais dos menores ainda não haviam levado roupa para os mesmos.
15) Após o parto, a progenitora foi sujeita a reavaliação psiquiátrica, tendo-se concluído inexistir necessidade de cumprir medicação.
16) O progenitor, na altura do nascimento dos gémeos, tinha trabalhos precários como trabalhador agrícola não qualificado. A mãe dos menores não tinha emprego.
17) Aquando do nascimento dos menores (…) e (…), o progenitor estava em Santarém há cerca de 8 meses, depois de já ter estado em Itália, Inglaterra e, durante 5 meses, em Lisboa.
18) À data de nascimento dos meninos, o progenitor trabalhava para (…), fazendo trabalhos na área agrícola e florestal, ao dia, de segunda a sexta feira, inicialmente sem contrato de trabalho. Auferia um valor mensal de mais de € 1.000,00.
19) A progenitora dos menores tem uma filha, mais velha 3 anos do que os gémeos, de outro relacionamento, que permanece na Roménia aos cuidados do respetivo pai.
20) (…) e (…) conheceram-se meses antes do nascimento dos menores, através da rede social Facebook.
21) A progenitora veio sozinha para Portugal, em fins de 2018, com o intuito de vir ter com a mãe, que vive em território nacional há mais de 5 anos, na zona de Grândola.
22) Estando a trabalhar em Grândola, os progenitores dos menores conheceram-se pelo Facebook, tendo-se mudado para Santarém.
23) A avó materna não veio visitar nem conhecer os netos, porque o seu companheiro não o permitiu. Na altura do nascimento dos gémeos, entre a progenitora e a avó materna dos menores apenas havia contatos pelo Facebook. A progenitora enviou fotos dos bebés a sua mãe através do Messenger.
24) Em 20.11.2019, na sequência de visita domiciliária do SAAS-CVP/CHSC à habitação, verificou-se que o apartamento em que a família residia apresentava forte odor a tabaco, carecia de ser higienizado e organizado.
25) O apartamento estava dotado dos eletrodomésticos necessários, mas o espaço ocupado pelos progenitores dos menores tinha pouco mobiliário: não existiam berços, banheira, roupa para os bebés (apenas tinham dois baby-grows, de mangas curtas e para as idades dos 18 aos 24 meses, inadequados à época e à idade dos menores), ou produtos de higiene para os menores.
26) A família não se preparou para receber os menores.
27) Os pais dos menores repartiam as despesas da renda (€ 300,00), da água, gás e luz com o avô materno, com quem residiam.
28) O único elemento de referência e apoio para os progenitores em Santarém era, à data de nascimento dos gémeos, o patrão do progenitor.
29) O patrão, (…), referiu aos serviços sociais que iria providenciar com a esposa roupas e outros bens essenciais para o casal poder receber os recém-nascidos em casa.
30) Os pais dos menores nunca procuraram ajuda nos Serviços Sociais antes do nascimento dos meninos.
31) Nesse contexto, por falta de condições habitacionais, de roupas, de produtos de higiene e demais artigos necessários aos bebés, que nasceram prematuros, foi a sua situação sinalizada pelo SAAS à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém que, em 25/11/2019, instaurou processos de promoção e de proteção aos mesmos.
32) Os bebés e a mãe tiveram alta hospitalar em 09.12.2019.
33) À data da alta, ambos os gémeos apresentavam boa vitalidade.
34) Da nota de alta hospitalar consta que a mãe dos menores tem antecedentes de depressão/psicose, medicada com Sertralina 50 (1 vez ao dia) e Onlazapina 5 (1 vez ao dia), com hábitos tabágicos (3 cigarros ao dia).
35) Em fevereiro de 2020, no âmbito das visitas domiciliárias do SAAS, em articulação com outros serviços, designadamente da saúde, verificou-se que os bebés estavam bem cuidados, limpos e com vestuário adequado.
36) Nessa época os pais eram cumpridores e frequentavam as consultas médicas e de enfermagem.
37) Os bebés apresentavam-se bem de saúde com medidas e pesos compatíveis com a sua fase de crescimento.
38) Por isso os processos dos menores (…) e (…), existentes na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém, foram arquivados.
39) No início de março de 2020, o Serviço SRAS CVP/CHSC veio solicitar a reabertura dos processos de promoção e de proteção dos menores dando conta da necessidade de salvaguarda dos mesmos. Os pais dos menores eram jovens e imaturos, tendo-se constatado não haver partilha e interajuda de tarefas e cuidados aos bebés, estando a mãe sobrecarregada, aparentando um maior desgaste psicológico.
40) A casa onde viviam os bebés continuava a apresentar fode cheiro a tabaco e carecia de limpeza e organização. Apesar de os bebés terem um berço para cada um, dormiam no mesmo berço, estando o outro com roupa aí acumulada, o mesmo sucedendo com o muda-fraldas.
41) Na visita domiciliária pelas senhoras Técnicas – porque se verificava situação de plagiocefalia em ambos os bebés – os pais foram aconselhados a comprar almofadas adequadas para prevenção de danos maiores, tendo sido explicado á progenitora a necessidade de os mudar de posição.
42) Os pais estavam confinados a um quarto sem contacto com o meio exterior, a mãe estava isolada, dependente do companheiro e, alegadamente, em estado depressivo.
43) Os pais não estimulavam adequadamente os bebés.
44) O pai e o avô materno dos menores continuavam a trabalhar e a auferir os correspondentes salários. No entanto, verificava-se existir má gestão e organização dos recursos económicos para a satisfação das necessidades básicas essenciais.
45) No âmbito da ajuda disponibilizada por várias entidades, foram entregues ao agregado dos menores vários equipamentos e artigos para os mesmos, tais como um móvel muda fraldas, resguardo muda fraldas, fraldas de pano, fraldas descartáveis, caixas de organização, produtos de higiene vários, resguardos para o berço, toalhas de banho, duas alcofas, dois sacos cama/edredons, almofada de amamentação, leite em pó, várias peças de amamentação, entre outros bens.
46) Foi sugerido aos pais que amealhassem algum dinheiro para futuras aquisições, situação que não se verificou.
47) Com a situação de pandemia e quarentena devido ao Covid-19, a vulnerabilidade do agregado familiar agravou-se, o pai deixou de trabalhar, e o patrão adiantou algum dinheiro.
48) O pai e o avo materno foram vistos, por várias vezes, alcoolizados, ouvindo-se discussões no interior e no exterior do prédio de habitação.
49) As dinâmicas familiares agravaram-se, e as necessidades básicas de todo o agregado foram supridas com a ajuda de terceiras pessoas.
50) O progenitor revelou-se elemento desestabilizador, faltava ao trabalho alegando que necessitava de ir comprar leite para os meninos, pois a progenitora não conseguia sair de casa com eles, já que não tinha carro para os transportar.
51) O pai desviava recursos económicos para consumos alcoólicos.
52) Na sequência da reabertura dos processos de promoção e de proteção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém, em 17.04.2020, os progenitores dos menores assinaram acordo de promoção e proteção.
53) No dia 19.07.2020, a PSP foi acionada para uma emergência pré-hospitalar no Largo (…), n.º 1, Santarém – a progenitora dos menores estava num apartamento com todas as divisões fechadas a cadeado. estando aquela numa divisão, com os bebés de 8 meses, a chorar e quando abordada aumentou a intensidade do choro e começou a tremer. Nessa ocasião, a progenitora recusou-se a ser transportada ao Hospital Distrital de Santarém. Segundo o progenitor, a mãe dos menores estava naquele estado já há alguns dias.
54) Os pais dos menores tinham mudado de casa para um quarto que não dispunha as condições mínimas para acolher a família devido a desentendimentos e conflitos familiares – informação não transmitida à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
55) No dia 20.07.2020, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém procedeu a visita domiciliária ao mencionado quarto e constatou que tanto os bebés como a mãe tinham um aspeto descuidado.
56) Entretanto, em 05.08.2020, os pais dos meninos e estes já haviam retornado à casa onde viviam anteriormente, com o avó materno, e na qual dispunham de todos os bens necessários, tendo a mãe sido alertada para limpar a cozinha.
57) Nesta ocasião, apurou-se que (…) estava grávida.
58) Nesta altura, os conflitos familiares entre o casal e o avô materno e entre o (…) e um primo de (…) eram frequentes, atingindo níveis de envolvimento físico e com armas brancas, surgindo associados a problemas de alcoolismo.
59) Todavia, os progenitores levavam os menores às consultas de vigilância e às vacinas.
60) Em 06.08.2020, os bebés apresentavam bom desenvolvimento, com interação adequada e ajustada aos estímulos face à idade corrigida.
61) Em 07.08.2020, as Senhoras Comissárias verificaram que a progenitora ainda não tinha limpo a cozinha, nem as panelas, contendo numa delas, mal lavada, aletria cozinhada com cenoura para os bebés comerem verificando-se, face à ausência de sopa, frutas e papas, que os bebés estavam a ser alimentados à base de leite, ultrapassando a quantidade diária aconselhável e com boiões de comida confecionada.
62) A progenitora não seguiu as orientações das Técnicas, não preparando alimentos adequados à fase etária e de crescimento dos filhos.
63) Em 11.08.2020, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém deliberou aplicar, em conjugação com a medida de promoção e de proteção de apoio junto dos pais, apoio económico, regular durante 6 meses, no valor de € 150,00 para cada um dos bebés.
64) Em 16.09.2020, o Serviço SAAS da CVP procedeu a nova avaliação da família. Foram observados os seguintes condicionalismos: Persistiam conflitos conjugais, com consequências negativas no bem-estar e harmonia do casal e dos menores,' Ausência de interajuda e de partilha efetiva de tarefas e cuidados a serem prestados aos menores em virtude do que a progenitora Se encontrava sobrecarregada, aparentando maior desgaste físico e psicológico e consequentemente menor disponibilidade e capacidade para tratar e velar pelos menores,' O pai dos menores e o avó materno continuavam a consumir bebidas alcoólicas em excesso, provocando desacatos e distúrbios, no interior e no exterior do prédio, principalmente ao fim-de-semana, sendo necessário chamar a Polícia de Segurança Pública; Em 03.08.20 a EIP emitiu o seguinte parecer da avaliação efetuada: "Do avaliado, verificou-se que ambas as crianças apresentam um desenvolvimento estato — ponderal dentro do percentil adequado à idade cronológica, ainda que se tenham verificado alterações do formato crânio — por eventual posicionamento em decúbito dorsal por períodos alargados (plagiocefalia) _ Em termos de desenvolvimento psicomotor não foram verificadas alterações significativas, tendo ficado a situação em vigilância trimestral. Mantinham-se a viver num quarto exíguo e de fraco estímulo para os menores. Em todas as visitas efetuadas os menores estavam no berço ou sentados no carrinho de bebé, não usando os brinquedos didáticos entregues para os estimular, Os pais não se interessaram por organizar uma dieta equilibrada aos bebés, apesar de apoio económico de € 150,00 para cada menor, a progenitora adquiriu alimentos industrializados, altamente processados, não adequados à idade dos menores, tais como iogurtes açucarados com pedaços de frutos vermelhos ou sopa não indicada para eles; na alimentação dos menores existia sobredosagem de leite suplementar e farinhas lácteas, escolhas que, para além de não serem as adequada, também saem mais caras. indiciando má gestão de recursos (por vezes, uma vizinha ajudava a família, levando sopa para os menores, pensando que a mãe vivia com dificuldades económicas e que não sabia confecionar a comida); Persistia má gestão e organização dos recursos do agregado familiar, sem salvaguarda das necessidades essenciais; no entanto, o pai estava a trabalhar mais, efetuando turnos; ainda assim, a família continuava a pedir dinheiro emprestado aos vizinhos referindo que se destina à compra de fraldas, leite e outros bens para os bebés; O requerimento do abono de crianças e jovens veio indeferido devido à falta de titulo de residência válido da progenitora; A progenitora estava grávida, mas não realizou as análises, eximindo-se à vigilância que a gravidez impunha; A família não estava a preparar-se para receber um novo bebé, tal como anteriormente sucedeu com os menores (…) e (…).
65) Na avaliação efetuada pelo SAAS, no decorrer do acompanhamento social no período de 10 meses, os progressos obtidos pela família eram nulos e infrutíferos, verificando-se estagnação e agravamento no que respeita aos cuidados efetivos prestados pelos progenitores aos menores e às competências parentais dos mesmos.
66) Persistiam os Indicadores de risco quanto à satisfação das necessidades alimentares, de saúde, conforto e bem-estar dos menores, os quais eram negligenciados.
67) A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém deliberou, em 23.09.2020, remeter os processos ao Ministério Público por incumprimento reiterado do Acordo de promoção e proteção. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém solicitou o cancelamento do apoio em meio natural de vida relativamente aos menores.
68) Devido ao especial contexto familiar e social da mãe, esta foi internada no Serviço de Obstetrícia II do Hospital de Santarém, no dia 15.12.2020. Foi proposto à progenitora dos menores que juntamente com todos os seus três filhos menores fosse acolhida numa Casa de Apoio À Vida e inicialmente a mesma, aparentemente, aceitou para poder usufruir, sem separação dos filhos, de todo o apoio necessário para melhor cuidar deles. Todavia, acabou por não se concretizar o acolhimento proposto.
69) No relatório da ATT junto em 21.12.2020, é referido que "Em sede de visita domiciliária, verificou-se apenas a existência de leite e papas para as crianças, néo obstante ser próximo da hora do almoço, não havia comida confecionada adequada às crianças, nem géneros alimentares disponíveis para o efeito. Confrontada com o que seria o almoço das crianças, a progenitora referiu que iria comprar sopa já confecionada, e que seria o progenitor a adquirir os alimentos necessários, ao final do dia, quando regressasse do trabalho. (…) referiu, também, que as crianças se encontravam febris, devido à vacinação, e por isso não estavam com apetite, tentando dar-lhes apenas leite. por razões culturais, também a prestação de cuidados ás crianças apresenta diferenças, sendo (…) mais estimulado e melhor alimentado do que a sua irmã (…), por ser do sexo masculino. (...) Aquando da realização de visita domiciliária, a habitação encontrava-se organizada, estando (…) a efetuar a limpeza da mesma, enquanto cuidava das crianças. (…) é uma jovem mãe, numa relação conjugal que demonstra alguma submissão da mulher para com o marido, e que apresenta algum desgaste psicológico, ao qual se associa o final de uma nova gravidez, com referência a antecedentes de ordem psiquiátrica, que a própria não valorizou, manifestando maior preocupação com o acompanhamento da gravidez. Efetuada articulação com o Hospital de Santarém – Serviço Social, verificou-se que (…) foi internada no Serviço de Obstetrícia em 15/12/2020, permanecendo em internamento dado o seu bebé não apresentar crescimento adequado ao seu tempo de gestação”.
70) Entretanto, após o dia 23.12.2020, os gémeos estavam entregues aos cuidados de uma Ama, Sra. (…), no horário compreendido entre as 06h e as 20h, sendo este apoio extrapolado aos fins de semana, nos dias em que o pai dos meninos necessitava de ir trabalhar.
71) Em 29.12.2020 nasceu a irmã dos meninos, (…).
72) Durante o internamento da progenitora devido ao parto, o pai saía cedo de casa para ir trabalhar, sendo que os menores (…) e (…) ficavam aos cuidados da ama.
73) A ama fornecia aos meninos as quatro refeições principais, tomando a iniciativa de dar o banho às crianças.
74) À data, os progenitores ainda não tinham providenciado todos os bens essenciais aos menores, e faltavam condições e estrutura habitacional no quarto de transição, bem como, ausência de bens primários nomeadamente, produtos de higiene, roupa de cama e vestuário ajustado à faixa etária e época do ano.
75) Quer a progenitora, quer menores não tinham acesso a direitos / prestações sociais, no que concerne ao abono pré-natal e ao abono de crianças e jovens, uma vez que, a (…) não dispunha de documentos de identificação pessoal válidos para o efeito, situação para o qual foram sobejamente alertados os progenitores e que teriam de ser os próprios a regularizar junto da embaixada do pais de origem
76) O casal não tinha preparado, nem providenciado, os bens indispensáveis para a chegada da filha recém-nascida, (…), apesar do conhecimento da gravidez.
77) O Hospital Distrital de Santarém sinalizou a menor (…) junto da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em 06.01.2021.
78) Os progenitores não consentiram na intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens; tendo esta entidade remetido o Processo de Promoção e Proteção da bebé (…) ao Ministério Público, que instaurou a competente ação, passando o processo da menor (…) a correr termos por apenso com a letra A) aos autos principais.
79) Em 09-02-2021, por acordo homologado por decisão do Tribunal, foi determinada a aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais aos menores (…) e (…) e (…).
80) (…) e (…) iniciaram a frequência presencial de Creche, na Santa Casa da Misericórdia de Santarém, em meados de fevereiro de 2021, em pleno confinamento da situação pandémica que se vivenciava na época.
81) Os gémeos eram assíduos e pontuais, faltando apenas para efeitos de consultas médicas, tendo a progenitora o cuidado de avisar a Educadora. Ao nível da apresentação social, as crianças apesentavam-se limpas, cuidadas, asseadas e vestidas de acordo com as condições climatéricas.
82) Devido a virose, acompanhada de febre e diarreia, as crianças (…) e (…) apresentaram algumas assaduras dos genitais, descuido na seu vestuário e higiene pessoal, período que coincidiu igualmente com a mudança de residência do agregado familiar.
83) A equipa da ATT expressou duvidas que a progenitora assegurasse a confeção de refeições equilibradas nos diversos horários do dia e a todas as crianças, nomeadamente a sopa, e a administração de bens alimentares ajustados e adequados à sua faixa etária.
84) Quanto ao seu desenvolvimento global, era adequado à sua faixa etária, nomeadamente ao nível cognitivo, motor, linguagem e autonomia. Ao nível da linguagem, já diziam algumas palavras.
85) Ao nível social, as crianças mantinham boa relação com os seus pares e com os adultos.
86) A progenitora foi colaborante com a creche, levando todos os produtos de higiene e mudas de roupa solicitados.
87) Os progenitores estiveram algum tempo sem telemóvel, e não dispõem de endereço eletrónico, dificultando a comunicação entre a instituição e também com os serviços de saúde, sobretudo quando as crianças ficaram com febre na instituição e quando tiveram de se deslocar ao hospital, e realizar testes à Covid-19, havendo necessidade de comunicar os seus resultados, que foram negativos, de modo a que as crianças pudessem regressar à creche.
88) Em maio de 2021, e na sequência de conflitos entre o avô materno, (…), e os progenitores, com necessidade de recorrer à intervenção das forças de segurança, a composição do agregado familiar alterou-se, passando este a ser composto pelo casal e pelos seus três filhos.
89) Por se sentirem ameaçados e por considerarem não estar reunidas as condições de segurança necessárias a restabelecer a harmonia familiar, os progenitores decidiram abandonar a habitação onde residiam, acompanhados pelas crianças, passando a viver temporariamente no 10 andar disponível da habitação de uma família sua amiga, e vizinha.
90) Ao longo deste período de tempo, efetuaram procura ativa de habitação, tendo indicado como nova morada a Praceta (…), n.º 3, r./c.-Dto., em Santarém.
91) A mudança de habitação não se efetivou de imediato, dado a mesma necessitar de algumas obras de melhoria. Tratava-se de um apartamento, com condições de habitabilidade, arrendado, pelo valor de € 350,00 de renda mensal.
92) Com o apoio do SAAS, os progenitores requereram a prestação familiar de abono de família para as crianças, a qual foi deferida em maio / 2021, com o valor de € 224,77, por cada criança, equivalente ao 10 escalão, o que se traduz no valor total de € 674,31.
93) A creche das crianças não representava um encargo mensal, dado a família estar isenta de qualquer pagamento, por se encontrar no 10 escalão de rendimentos.
94) Atento ao facto de a progenitora ser multo jovem, não ter retaguarda familiar, se encontrar desempregada, ser a principal cuidadora das crianças, e perante algumas dúvidas que persistiam sobre a prestação de cuidados de higiene pessoal, confeção de refeições e gestão do orçamento familiar, dando com frequência primazia à administração de bens alimentares altamente processados e industrializados às crianças, como papas e refeições confecionadas, foi a progenitora encaminhada para a frequência de sessões práticas de aconselhamento parental com enfoque nestes aspetos.
95) A progenitora iniciou a frequência de um Atelier de Costura, desenvolvido pela Associação ‘Ajuda de (…), no qual se podia fazer acompanhar da bebé (…), durante o qual também se verifica alguma supervisão por parte da Equipa Técnica, que informalmente transmitia algum aconselhamento na prestação de cuidados de higiene pessoal e alimentação às crianças.
96) No dia 15/07/2021 a sra. Técnica do SAAS de Santarém deparou-se com o progenitor visivelmente alcoolizado. O progenitor verbalizou aquando transição para a nova habitação, não pretendia que os serviços continuassem a realizar visitas.
97) Quando a família mudou de casa constatou-se um descuido notório e evidente nos cuidados e asseio da higiene pessoal dos menores, nomeadamente ao nível da roupa e assadura dos genitais.
98) No que concerne à situação de saúde, a progenitora manteve o acompanhamento às consultas de enfermagem e de medicina geral e familiar e demais especialidades no centro de Saúde do (…) e Hospital Distrital de Santarém, no que concerne aos gémeos.
99) No que concerne ao acompanhamento ao nível de saúde da menor (…), verificou-se que, até à data de 26/08/2021, a mesma não teria tido acesso aos cuidados primários de saúde, e mantinha-se sem acesso às vacinas imprescindíveis à faixa etária, e de acordo com plano nacional de vacinação. Assim, as sras. Técnicas acompanharam a (…) e a progenitora ao Centro de Saúde de referência, para efeitos de à vacinação dos 6 meses de idade que se encontravam em atraso.
100) Por decisão judicial de 04-08-2021 foi mantida a medida de apoio junto dos pais em beneficio dos menores (…) e (…) e (…).
101) Entretanto, o agregado mudou de casa, para a Praceta (…), n.º 303-r/c, Dto., em Santarém.
102) Nas visitas domiciliárias efetuadas na referida habitação, identificou-se: ausência de hábitos de higiene e organização funcional da habitação. Em visita realizada no dia 23 de setembro verificou-se uma elevada falta de higiene, mau cheiro, a casa de banho e cozinha muito sujas. Não existia balde do lixo, (…) colocava o lixo dentro de um saco plástico, o qual se encontrava aberto, dentro da despensa a deitar mau cheiro, para os alimentos que lá se encontram, estando â mistura uma caixa no chão com amontoados de roupa, a qual, segundo (…), era para ir para o lixo, porque os filhos já não vestiam. Numa das prateleiras, encontravam-se legumes podres. O frigorifico apresentava uma grande falta de higiene, existiam duas panelas muito sujas por fora, sem tampa, esclarecendo (…) que eram duas sopas, uma pertencente a (…) e outra pertencente aos gémeos. Existiam ainda vários iogurtes abertos com colheres dentro, referindo (…) que pertenciam aos filhos e que depois iam comendo. Encontrava-se também uma taça com massa e atum, igualmente sem tampa, a qual, (…) explicou que era o almoço dos filhos O frigorifico encontrava-se bastante sujo, sem higiene. (…) não tinha alimentos adequados para as crianças, Não tinha fruta, nem leite na despensa e frigorifico, nem peixe, e tinha no congelador uns sacos de carne com borrego que (…) comprou a um amigo, para o próprio. (…) transmitiu que ia comprando a carne e peixe, mas que confecionava logo, por isso, não tinha ali comida. O chão da cozinha apresentava muita sujidade, notando-se que não era lavado há bastante tempo, sendo mais um fator de risco, pois as crianças andavam e brincavam pelo chão na referida falta de higiene. A casa de banho encontrava-se igualmente muito suja, sem as mínimas condições, encontrava-se um saco de plástico aberto, no chão, para o papel higiénico utilizado, estando acessível às mãos das crianças, Na varanda, encontravam-se vários montes de roupa, em caixas, transmitindo (…) que colocava ali para ir arrumando, todavia logo ao lado estava roupa suja de (…), com lama ou terra. No quarto do casal, dentro do roupeiro encontrava-se muita roupa amontoada, por cima do roupeiro, outro monte de roupa. Ao lado, numa prateleira, mais amontoados de roupa, Estava um colchão no chão que era a cama do casal. só tinham cobertor em cima do colchão. No quarto das crianças, nos berços, não existem lençóis. A cómoda que se encontra no quarto das crianças tinha gavetas entreabertas, podendo verificar-se que não havia uma peça de roupa dobrada Estava tudo enrolado e ao monte. Nas duas ultimas visitas, verificou-se biberons com resto de leite neste quarto.
103) Existia na casa um espaço exterior, um quintal, com umas escadas perigosas, sendo que se encontravam montes de objetos e sacos, tudo desarrumado e misturado, espaço onde por vezes, as crianças se encontravam a brincar.
104) Na sala, encontra-se "um parque" que foi doado através da Ajuda de (…), o qual já estava praticamente destruído, com brinquedos e outros objetos à mistura.
105) Constatou-se, ainda, a existência de tomadas desprotegidas, móveis danificados com risco de danos graves para os menores, produtos tóxicos expostos em lugares acessíveis, e o facto de deixarem a filha mais nova sozinha em casa sem supervisão.
106) Da articulação efetuada pela ATT com a Educadora (…), a mesma declarou que os gémeos se apresentam razoavelmente limpos e com higiene. Acrescentou que ambas as crianças estavam muitas vezes com "diarreia" e, consequentemente, manifestavam assaduras. Reportou, ainda, que os gémeos estiveram com diarreia e apresentaram febre, ficando em casa. Acabaram por permanecer em casa durante duas semanas, pois a (…) não diligenciou no sentido de obter uma declaração junto de um médico, para apresentar na Creche, de modo a que as crianças pudessem regressar. Reportou ainda que ambas as crianças manifestavam ter um comportamento complicado e dificuldade em obedecer e eram agitados. O (…) tentava morder em todas as crianças na sala. Entre irmãos, brigavam muito e ofereciam resistência ao "Não", tinham muita dificuldade em ficarem sossegados quando se dá essa orientação.
107) Durante a visita domiciliária, realizada pelas Sras. Técnicas, foi possível verificar que as crianças estavam sempre muito agitadas. Empurraram o carro de bebé contra a parede, (…) abriu a porta da rua, deu pontapés, bateu muito à irmã, tirou a chucha à irmã e vice-versa. Perante estes comportamentos, a técnica, teve de intervir, pois (…) continuava com uma atitude passiva, não exercendo qualquer tipo de autoridade perante o filho, acabando este por continuar a ter comportamentos desadequados e de agressividade.
108) Os gémeos tinham vinte e um meses de idade. Os gémeos não costumavam dormir a sesta, porque não queriam, segundo (…), e à noite adormeciam por volta da meia noite. As técnicas presentes na visita, alertaram e reforçaram para a necessidade de dormir a sesta, nas crianças desta idade, e que, provavelmente por esse motivo, é que se apresentavam tão agitadas. Foi referido igualmente que "à meia noite", não são horas de deitar crianças, dado que as horas de sono são essenciais para um bom crescimento e desenvolvimento. Foi transmitido que a hora correta de deitar as crianças, seria depois do banho e jantar, por volta das 20H30, e ainda, que (…) se devia organizar nesse sentido. A progenitora justificou que não conseguia que os filhos adormecessem mais cedo. Reportou ainda, que qualquer dia, os vizinhos faziam queixa, porque deviam pensar que estaria a bater aos filhos, porque choram muito, mas que, não lhes batia. (…) acordava uma e duas vezes por noite, para beber leite, chorava e acordava os irmãos.
109) A ama de (…) informou que a bebé (…) ia muitas vezes ‘com um cheiro’, mas que não se apresenta suja. No primeiro dia que (…) levou a sopa, levou também massa com atum.
110) (…) trabalhava no sector agrícola, passando muitas horas ausente de casa.
111) A progenitora, encaminhada para frequentar a Ajuda de (…), para que tivesse oportunidade de adquirir competências pessoais e parentais e para estar ocupada e até ter oportunidade de conseguir obter algum rendimento através de alguns trabalhos de costura, frequentou apenas um curto período e deixou de comparecer, sem aviso prévio e justificação perante os técnicos.
112) O agregado recebia o valor de € 674,00 referente à prestação social abono de família dos três filhos. O progenitor auferia cerca de € 700,00 mensais. Como despesas tinham a renda de casa no valor de € 350,00, acrescendo o valor de cerca de € 70,00 correspondente à água, luz e gaz.
113) Apesar de todo o acompanhamento de que o agregado beneficiou, através das diferentes entidades, não se verificaram melhorias ao nível das aprendizagens, da aquisição de competências e da forma de cuidar das três crianças.
114) (…) e (…) revelaram grandes fragilidades a nível das capacidades e competências parentais adequadas e necessárias para poder proporcionar às crianças um bom crescimento e desenvolvimento integral, assim como evidenciaram pouca disponibilidade para a mudança.
115) A 22/09/2021, a senhoria informou que os progenitores estavam em incumprimento com o pagamento de dois meses de renda (agosto e setembro), assim como tinha recebido mensagens de incumprimento pagamento luz, com aviso de corte.
116) O SAAS de Santarém, no âmbito das suas funções, delineou junto dos progenitores, ações de apoio à organização da vida quotidiana. Assim, e em contexto domiciliar, promoveu-se junto da progenitora, ações de confeção de refeições nutricionalmente equilibradas e ajustadas à faixa etária dos menores, com indicação do modo adequado de preservação dos alimentos; organização e gestão doméstica e orçamental, bem como, triagem e organização do vestuário, calçado e brinquedos dos menores, visto que a acumulação e desorganização habitacional era uma problemática latente.
117) As ações de treino de competências parentais, tiveram inicio a 22-10-2021, tendo sido alvo de monitorizações semanais. Estas ações, foram essencialmente desenvolvidas junto da (…), atendendo à maior disponibilidade da própria. A existência de sopa e refeições adequadas, quer em contexto informal / domiciliar, como em contexto formal (Ama – ADSCS), bem como a disponibilidade de bens de puericultura e de roupa adequada, foram indicadores que foram sendo sistematicamente monitorizados, sem necessidade de grandes reparos ou melhorias a anotar.
118) A circunstância de, em setembro de 2021, a bebé (…) ter sido integrada em Creche Familiar – Ama, da ADSCS, dado não ter sido identificada vaga na creche SCMS, que os irmãos frequentavam, apresentou dificuldades acrescidas à progenitora na entrega das crianças diariamente em locais diferentes, bem como no seu regresso a casa, dado não terem transporte próprio, pelo que as transporta a pé, sendo os gémeos em cadeira própria, e a bebé em mochila / marsúpio.
119) As crianças gémeas frequentavam a sala dos 2 anos, sendo assíduas e pontuais, de acordo com os horários definidos e faltando apenas por doença, tendo a progenitora o cuidado de avisar a Creche quando isso se verifica. Ao nível da apresentação social, as crianças, neste período, apesentavam-se limpas, cuidadas, asseadas e vestidas de acordo com as condições climatéricas Relativamente ao desenvolvimento global, as crianças encontravam-se na média relativamente â sua faixa etária, ao nível motor, da linguagem, cognitivo e autonomia. Ao nível da linguagem, já verbalizavam algumas palavras soltas, mas este processo apresentava alguma dificuldade acrescida, atento ao facto de a sua língua materna ser o Romeno.
120) Quanto ao desenvolvimento social, mantinham boa relação com os seus pares e adultos, manifestando algumas dificuldades em aceitar as regras da sala, estando num processo de aprendizagem e de aquisição de regras de convivência social.
121) A progenitora foi colaborante com a creche, levando todos os produtos de higiene e mudas de roupa solicitados, cumprindo as normas da instituição, bem como aceitando as orientações dadas pela Educadora.
122) De acordo com a articulação efetuada com a Educadora Coordenadora das Amas, verificou-se que a criança (…) foi assídua e pontual, de acordo com os horários definidos e faltando apenas por doença, tendo a progenitora o cuidado de avisar a ama quando isso se verifica.
123) Ao nível da apresentação social, a criança apresentou-se limpa, cuidada, asseada e vestida de acordo com as condições climatéricas.
124) Ao nível da alimentação, também se registou evolução positiva, sendo que a progenitora levou a alimentação adequada à criança, e devidamente acondicionada.
125) A progenitora foi recetiva às orientações da ama, quanto aos cuidados necessários, bem como colaborante quando solicitados bens essenciais à higiene da bebé (…), tais como, fraldas, toalhitas, cremes, ou géneros alimentares considerados adequados à sua alimentação, aceitando sugestões e colocando-as em prática.
126) A criança (…) teve registo de vários episódios de doença, tais como constipações, bronquiolites.
127) No que concerne aos cuidados de saúde, os progenitores compareceram a todas as consultas agendadas, nos diversos serviços, quer seja no Centro de Saúde ou no Hospital, tendo as crianças a vacinação atualizada, faltando apenas por doença das crianças.
128) Em 23-03-2022, por acordo e decretou-se a manutenção da aplicação da medida de apoio junto dos pais aos menores (…) e (…), pelo período de 12 (doze) meses com revisão semestral.
129) No dia 30/06/2022 a senhoria da habitação onde residia o agregado familiar das crianças, deu conhecimento ao SAAS que formalizou, junto do Ministério Público, a rescisão do Contrato de Arrendamento que tinha celebrado com os progenitores, (…) e (…), e junto dos próprios, a partir do dia 31/07/2022, devido a mora de pagamento de renda e encargos, superior a dois meses.
130) Nesta sequência, e por estar em curso ação de despejo da família, a ATT e o SAAS realizaram visita domiciliária. no dia 06/07/2022, pelas 10h00 com o objetivo de tomar conhecimento das diligências efetuadas pelo casal no sentido de encontrar habitação alternativa, bem como de se inteirar do seu projeto de vida futura.
131) Chegadas à habitação, as Técnicas verificaram-se que a mãe se encontrava em casa com as três crianças, (…), (…) e (…). Logo à entrada a casa denunciava um cheiro bastante desagradável, denunciando falta de higiene. De facto, a casa encontrava-se sula e desorganizada, com roupa sula espalhada pelas várias divisões, incluindo roupa suja das crianças em cima da bancada da cozinha. As camas não tinham lençóis e a cama do casal encontrava-se partida, estando apoiada num tijolo, aos pés da cama. Em cima da mesa da cozinha havia um cinzeiro cheio de beatas e pratos sujos com restos do dia anterior e outra louça suja, tal como na bancada. O frigorifico tinha apenas duas caixas pequenas, que aparentavam ter sopa. Não havia quaisquer outros géneros alimentares adequados ás crianças, tais como fruta, leite, iogurtes, carne, peixe, etc., nem produtos de higiene pessoal ou detergentes. Havia um saco com algumas batatas, cabeças de nabo, na despensa, e uma caixa com um pouco de arroz, num dos armários da cozinha, que também tinha um vidro partido de uma das portas. No quarto do casal, também estava um vidro da janela partido há algum tempo. Todas as crianças estavam dentro da banheira. A casa de banho encontrava-se às escuras, dado a lâmpada se encontrar avariada. Questionada sobre por que razão as crianças não tinham ido para a creche e para a ama, (…) respondeu que (…) estava com diarreia e que iria com eles ao Centro de Saúde. (…) referiu que não tinha fraldas para a (…). Referiu que tinham procurado casa e que tinham encontrado uma disponível, sita em (…), Santarém, compatível com os seus rendimentos.
132) (…) referiu que se encontrava bastante cansada, que o marido não ajudava, nem queria saber de nada, que não conseguia dormir, porque as crianças acordavam durante a noite, demonstrando algum desgaste emocional e denunciando alguns problemas no relacionamento entre o casal. Também confirmou que ainda não tinha efetuado qualquer diligência quanto à sua legalização.
133) Por decisão judicial de 15.07.2022, foi cautelarmente aplicada a medida de acolhimento residencial aos menores (…) e (…) e a (…), ficando à guarda e cuidados de instituição CAT da APPACDM da Figueira da Foz, sito na Rua do (…), n.º 39, Figueira da Foz, tendo os meninos integrado a instituição na mesma data e onde ainda permanecem.
134) As crianças efetuaram uma boa adaptação às dinâmicas e rotinas da instituição.
135) Não apresentavam problemas de saúde, registando-se as doenças transversais à sua faixa etária, as quais contraíram por contágio de outras crianças que frequentam o mesmo equipamento de infância.
136) No CAT foi verificado que são crianças afáveis, demonstram estar felizes e mantêm boa relação com os seus pares e com os adultos.
137) Ao nível da comunicação, também se regista evolução positiva, pois verifica-se maior domínio da língua portuguesa.
138) Ao nível familiar, verifica-se que os progenitores têm estabelecido contactos regulares com a instituição, no sentido de obter informação sobre o bem-estar das crianças, recorrendo a videochamada e telefonemas, através da qual a interação com os progenitores é diminuta, o que parece ser normal atendendo idade das crianças.
139) Inicialmente, os progenitores efetuavam visitas com a periodicidade quinzenal, não obstante a distância entre a instituição e a sua residência ser considerável, não terem transporte próprio e recorrerem ao transporte público, ou eventualmente ao apoio de amigos, contribuindo com o pagamento do combustível e portagens.
140) Durante as visitas, e num período inicial, as crianças reconheciam os pais e demonstram-se felizes. No entanto, quando os progenitores terminavam a visita e se ausentavam, as crianças não apresentavam sinais de ansiedade ou instabilidade emocional, ficando tranquilas e retomando as suas rotinas e dinâmicas da instituição com normalidade.
141) Logo após a institucionalização da fratria, os progenitores foram residir na Rua Dr. (…) – Casais da (…) – Fonte do (…) – (…) Santarém. Tratava-se de casa arrendada, com fracas condições de habitabilidade, na qual pagam € 150,00 de renda mensal. Era uma pequena habitação, anexa à habitação principal, tipo vivenda, na qual residia a sua senhoria. Em sede de visita domiciliária, conjunta com o SAAS de (…), verificou-se que a habitação apresentava alguma desorganização e falta de higiene. Não tinham contrato de trabalho e a progenitora mantinha situação irregular em território nacional.
142) A 11-11-2022 no relatório do CAT da APPACDM da Figueira da Foz encontra-se mencionado que "É nosso entendimento que existe uma notória relação entre pais e filhos que, no entanto, consideramos poder, com intervenção de apoio social, ainda ser mais estruturada e consequentemente melhorada. Julgamos que talvez faça sentido aproximar estas crianças da zona residencial dos seus pais para assim permitir que as visitas sejam ainda de maior assiduidade e também por forma a ajudar os Progenitores a não despenderem maiores quantias de dinheiro para o fazer. Esta mudança a acontecer, deverá ser feita a curto prazo, antes que o seu envolvimento emocional com esta casa e cuidadores não se torne ainda mais forte, podendo deixar maiores lesões de perda a estas crianças".
143) Em 20.12.2022 foi determinado pelo Tribunal que se oficiasse à Segurança Social solicitando informação de vaga para acolhimento dos menores (mantendo a fratria junta) em instituição mais próxima da área de residência dos progenitores. Foi, também, mantida a medida cautelar de promoção e proteção de acolhimento residencial, por mais seis meses.
144) Em 29.12.2022 as missivas dirigidas aos progenitores pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca de Santarém foram devolvidas.
145) Em 10.01.2023, ATT diligenciou junto da Equipa de Gestão de Vagas da Segurança Social de Santarém, no sentido de encontrar vagas disponíveis para acolher a fratria – (…), (…) e (…), em instituição mais próxima da área de residência dos progenitores.
146) A 12-01-2023 os progenitores não compareceram na diligência agendada no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Santarém.
147) Em relatório de 13.02.2023, o CAT referiu "É nosso parecer que a situação regrediu e que os pais foram-se distanciando cada vez mais não tendo resposta eficaz para as necessidades dos seus filhos. No nosso entendimento a medida deverá manter-se como está exigindo aos progenitores mudanças significativas das suas vidas por forma a poderem ser efetiva solução para estas crianças. Lembramos que o tempo das crianças é diferente do tempo dos adultos e caso não se revelem significativas mudanças nas vidas dos progenitores deverão ser equacionadas outras alternativas de Projeto de vida que não o regresso à família".
148) No início de 2023 foi percecionado que os progenitores se encontravam separados.
149) Os progenitores continuaram a estabelecer contactos com a instituição, no sentido de obter informação sobre o bem-estar das crianças, recorrendo a videochamada.
150) A progenitora alegou falta de condições económicas para se deslocar, referindo encontrar-se a residir em (…), concelho de Grândola, junto da sua mãe, avó materna das crianças.
151) O pai visitou os filhos, alegando ter tido necessidade de se deslocar à Roménia, pelo que não lhe foi possível voltar a visitar as crianças
152) Mantinha-se, naquela altura, desconhecida a morada dos progenitores.
153) O progenitor tem efetuado vários contactos com a ATT, referindo que continua a diligenciar por melhorar as suas condições socio-económicas e habitacionais, tendo como objetivo o regresso dos filhos ao seu agregado familiar. Igualmente referiu que a sua família, nomeadamente a sua mãe, residente na Roménia, está a considerar a possibilidade de emigrar para Portugal, de modo a apoiar na prestação de cuidados aos netos.
154) A progenitora refere que se mantém desempregada e ainda sem a sua legalização concluída, ou eventualmente em curso.
155) A 20-04-2023, por acordo, foi decretada a aplicação da medida de acolhimento residencial aos menores (…), (…) e (…).
156) O desenvolvimento dos meninos regista-se a um nível um pouco inferior ao esperado para as suas idades mas em evolução positiva (…) e (…) continuam a frequentar o Jardim de Infância, e a sua irmã (…) mantém-se integrada na creche da mesma instituição As crianças continuam a ser afáveis, a demonstrar sentir a casa onde se encontram acolhidas como sendo a sua e a estar felizes. Mantém boa relação com os seus pares e com os adultos.
157) No final das visitas dos progenitores, as crianças não apresentam qualquer recaída emocional, ficando tranquilas e retomando as suas rotinas e dinâmicas da instituição com normalidade.
158) Aquando da realização de vide-ochamadas, também se verifica falta de interação de qualidade entre pais e filhos.
159) Os progenitores não comunicaram nem à instituição, nem à ATT, nem ao Tribunal, qualquer alteração de morada ou de contacto telefónico ou da sua relação.
160) Foram efetuadas várias tentativas de contacto telefónico, pela ATT / IA com ambos os progenitores, todas sem sucesso, em nenhum dos números de telemóvel conhecidos.
Mais se provou:
161) O progenitor esteve ausente de Portugal, de junho a final de novembro de 2023, na Roménia, em virtude de doença do seu pai, que acabou por falecer. Faleceu, igualmente, durante esse período de tempo, um seu irmão.
162) O progenitor não comunicou aos autos, à ATT ou à instituição a ausência de Portugal.
163) Entretanto os progenitores reataram a relação, estando a viver juntos de novo.
164) Não se conhecem outros familiares que possam cuidar das crianças.
165) Desde o acolhimento dos menores, a 15-07-2022, os progenitores efetuaram a seguintes visitas:
i.14-08-2022 – visita dos dois progenitores;
ii. 28-08-2022 – visita dos dois progenitores;
iii. 26-09-2022 – visita do progenitor;
iv. 23-10-2022 – visita dos dois progenitores;
v. 06-11-2022 – visita dos dois progenitores;
vi. 20-11-2022 – visita dos dois progenitores;
vii. 29-01-2023 – visita do progenitor;
viii. 26-02-2023 – visita do progenitor;
ix. 12-03-2023 – visita do progenitor;
x. 26-04-2023 – visita do progenitor e avós paternos;
xi. 14-05-2023 – visita do progenitor e avós paternos;
xii. 18-06-2023 – visita do progenitor;
xiii. 24-06-2023 – visita da progenitora;
xiv. 10-12-2023 – visita dos progenitores;
xv. 23-12-2023 – visita dos progenitores;
xvi. 07-01-2024 (faltaram à visita) – video-chamada dos progenitores;
xvii. 14-01-2024 – visita dos progenitores;
xviii. 21-01-2024 (faltaram à visita) – video-chamada dos progenitores;
xix. 03-02-2024 – visita dos progenitores.
Resulta provado ainda:
166) Na consulta ao SISS relativo ao progenitor consta que:
i. registo de remunerações para a entidade empregadora (…), Unipessoal, Lda., desde 02-01-2023 a 31-05-2023 com o último vencimento de € 295,55.
ii. registo de remunerações para a entidade empregadora (…), Construções e Obras Públicas, Unipessoal, Lda. desde 04-12-2023 com o último vencimento em dezembro de € 59,86.
167) O progenitor encontra-se a trabalhar na atividade agrícola, desde dezembro de 2023, para o anterior patrão (…), auferindo um vencimento mensal médio (recebe à semana) de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
168) Na consulta ao SISS relativo à progenitora consta que:
i. registo de remunerações para a entidade empregadora (…), desde 09-05-2023 a 18-08-2023 com o último vencimento de € 1.196,26.
ii. registo de remunerações para a entidade empregadora (…) Construção e Obras Públicas, Unipessoal, Lda. desde 04-12-2023, com o último vencimento em dezembro, de € 59,85.
169) A progenitora encontra-se a trabalhar na atividade agrícola, desde dezembro de 2023, para o patrão do progenitor (…), auferindo um vencimento mensal médio (recebe ao dia) de € 560,00.
170) A progenitora não tem contato com a filha mais velha (que reside com o progenitor) nem participa no seu sustento.
171) A progenitora já tratou da sua legalização em Portugal.
172) Os progenitores dos menores vivem, atualmente, num quarto de hotel, sito na Portela das (…).

2. Factos não provados
“Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.”
*
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Do cotejo dos normativos constantes dos artigos 549.º, n.º 1, do CPC e 126.º da LPCJP, resulta aplicável ao caso vertente “as normas relativas ao processo civil declarativo comum”.
Assim, resulta do artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]”.
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, alínea a) do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Resulta do artigo 662.º do CPC, o seguinte:
1 – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima identificada, pág. 287), que:
“O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos n.ºs 1 e 2 , alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte:
“A redação do preceito [artigo 662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os ‘factos assentes’ para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.
[…]
A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, ‘confrontados’ com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:
4 – Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
5 – O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), que:
“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração […]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis”.
Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do n.º 4 do supra referido artigo 607.º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol. I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:
“O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados”.

Aqui chegados, urge baixar ao caso concreto.
Nas suas conclusões recursivas o Apelante não refere expressamente pretender impugnar a decisão relativa à matéria de facto contida na sentença recorrida.
O que menciona expressamente no ponto 30 das ditas conclusões é que “o tribunal errou na apreciação da matéria de facto que se deixou alegada”, a qual corresponderá à que ficou vertida nos pontos identificados no n.º 12 das aludidas conclusões recursivas, pontos esses que não diz conterem factos incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido, mas antes serem pontos “relevantes para a contextualização do que se deixou alegado e do que se alegará de seguida”.
De resto, sempre se acrescentará que caso pretendesse atacar a decisão tomada quanto a tais factos, ou seja, a demonstração dos mesmos, sempre o Apelante deveria referir inequivocamente ter o Tribunal a quo errado no julgamento deles e não errado na “apreciação” dos mesmos que no contexto em que o expressa se afigura reconduzir-se apenas à respectiva interpretação.
Na verdade, ao trazer à colação o depoimento dele próprio, progenitor, bem como do Director da APPACDM da Figueira da Foz, o Apelante apenas parece pretender vincar que à luz das pequenas passagens e excertos que salienta dos mesmos o Tribunal a quo deveria ter interpretado de forma diferente factos que deu como provados atinentes à vida pessoal e profissional dele Apelante e da progenitora das crianças, bem como atinentes à assiduidade de contactos com as mesmas, bem como factos relativos a reacções destas no meio institucional em que se encontram desde que ali foram acolhidas.
De todo o modo, mesmo que assim não se entendesse a verdade é que nem do corpo das alegações, nem das conclusões recursivas, resulta expressa a indicação, ou especificação, de factos concretos que possam eventualmente ter sido considerados como incorrectamente provados na sentença recorrida e que, por isso, se pretenda convictamente infirmar e menos ainda se descortina nesta última eventualidade qual a decisão a considerar, então, como correcta para os mesmos.
Dito isto, sem necessidade de discorrer mais sobre o assunto, afigura-se-nos infundada uma eventual impugnação da decisão relativa à matéria de facto discriminada no acórdão recorrido, sendo de considerar como definitiva a factualidade discriminada no mesmo.

2 – Do mérito focado na (in)adequação da medida de promoção e de protecção aplicada no acórdão recorrido às três crianças, (…), (…) e (…).
O Apelante centra a sua discordância no tocante à concreta medida que foi aplicada pelo Tribunal a quo às três crianças no acórdão recorrido, medida essa que se traduz na medida de confiança a instituição com vista a futura adopção da (…), do (…) e da (…), de que são progenitores o Apelante e (…).
No essencial, defende o Apelante que deveria manter-se em vigor “por mais tempo” a medida de acolhimento residencial prolongado a favor das três crianças por forma a conferir-se “tempo ao casal para preparar o seu regresso definitivo à Roménia, com os menores.”
Argumenta o Apelante que a substituição da medida que estava em vigor pela aplicada no acórdão recorrido alicerça-se essencialmente, no que tange aos progenitores, “em algumas competências em falta” e “na falta de habitação adequada”, acrescentando serem “factores supríveis por uma adequada intervenção da segurança social”, rematando ainda que a partir de certa altura do acompanhamento determinado por tais serviços tem sido colaborante, o mesmo sucedendo com a progenitora.
Já o Ministério Público defende o acerto da decisão tomada no acórdão recorrido considerando que “os progenitores pela persistente revelação da sua ausência de competências para, no seio da família por eles composta, promoverem o pleno desenvolvimento psicológico e físico dos meninos e a ausência da família alargada, demonstraram ao tribunal a quo que o futuro destas crianças tem de passar pela integração numa família, que não a biológica”.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Perante a factualidade assente no acórdão recorrido dúvidas não temos e elas tão pouco existem na mente do Apelante, que pugna pela manutenção da medida de acolhimento residencial prolongado, sobre a necessidade de continuação de intervenção ao nível da promoção e protecção no interesse das meninas (…) e (…) e do menino (…).
A questão reduz-se apenas a saber se a medida que entretanto foi decidida no acórdão proferido pelo Tribunal Misto na primeira instância, qual seja a de confiança da fratria constituída pelas aludidas três crianças a instituição com vista a futura adopção, se perfila neste momento como a mais adequada e compatível com o prosseguimento e preservação do superior interesse das mesmas, ou se deverá decidir-se pela prorrogação da medida de acolhimento residencial prolongado das três crianças.
Prevê-se no princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, o seguinte:
“A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança” (realce a itálico nosso).
Nessa esteira estatuiu-se na Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela dita Assembleia Geral da ONU em 20/11/1989, aprovada, para ratificação, pela Resolução n.º 20/90 da Assembleia da República de 08/06/1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90 de 12/09 e publicada nessa mesma data no Diário da República n.º 211/90, Série I – 1.º Suplemento, o seguinte:
“Artigo 3.º
1. Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança […] (realce a itálico nosso).
Artigo 19.º
1. Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.
2. Tais medidas de protecção devem incluir, consoante o caso, processos eficazes para o estabelecimento de programas sociais destinados a assegurar o apoio necessário à criança e àqueles a cuja guarda está confiada, bem como outras formas de prevenção, e para identificação, elaboração de relatório, transmissão, investigação, tratamento e acompanhamento dos casos de maus-tratos infligidos à criança, acima descritos, compreendendo igualmente, se necessário, processos de intervenção judicial.
Artigo 20.º
1. A criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente, tem direito à protecção e assistência especial do Estado.
2. Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma protecção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.
3. A protecção alternativa pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do direito islâmico, a adopção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em estabelecimentos adequados de assistência às crianças. Ao considerar tais soluções, importa atender devidamente à necessidade de assegurar continuidade à educação da criança, bem como à sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística (realce a itálico nosso).
Artigo 21.º
Os Estados Partes que reconhecem e ou permitem a adopção asseguram que o interesse superior da criança será a consideração primordial neste domínio e:
a) Garantem que a adopção de uma criança é autorizada unicamente pelas autoridades competentes, que, nos termos da lei e do processo aplicáveis e baseando-se em todas as informações credíveis relativas ao caso concreto, verificam que a adopção pode ter lugar face à situação da criança relativamente a seus pais, parentes e representantes legais e que, se necessário, as pessoas interessadas deram em consciência o seu consentimento à adopção, após se terem socorrido de todos os pareceres julgados necessários; […]” (realce a itálico nosso).
No nosso ordenamento jurídico constitucional encontramos o artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que nos diz que:
“1-As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2-O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. […]” (realce a itálico nosso).
No domínio da lei ordinária prevê o artigo 3.º da já acima identificada LPCJP o seguinte.
“1- A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2- Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
[…]
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
[…]
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.”
Por seu turno, preceitua o artigo 4.º do aludido diploma, ao elencar os “Princípios orientadores da intervenção”, que:
“A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; […]
e) Proporcionalidade e atualidade – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; […]
h) Prevalência da família – na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável” (realces a itálico nossos).
Dispõe, ainda, o artigo 34.º da LPCJP que:
“As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.
No artigo 35.º do dito diploma, atinente à identificação das medidas admissíveis, consta o seguinte:
“1- As medidas de promoção e proteção são as seguintes:
[…]
f) Acolhimento residencial.
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”.
Já no artigo 49.º da LPCJP encontramos a seguinte definição sobre a medida de acolhimento residencial:
“1- A medida de acolhimento residencial consiste na colocação da criança ou do jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados.
2- O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral.”
Por seu turno, o artigo 38.º-A, sempre do referido diploma legal, diz-nos o seguinte:
“A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste:
a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo da segurança social;
b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção”.
Continuando no desvendar das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto importa por fim mencionar o artigo 1978.º do Código Civil (doravante apenas CC), epigrafado precisamente “Confiança com vista a futura adoção”, para que remete o supra mencionado artigo 38.º-A da LPCJP, de que destacamos o seguinte:
“1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: […]
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela. […]”.
Aqui chegados, impõe-se salientar a importância de que se reveste para a tomada de qualquer decisão de promoção e protecção o principio do superior interesse da criança, qual farol capaz de orientar para a medida mais acertada e adequada a cada caso.
Percebemos essa importância e relevância do excurso que fizemos supra e que abrangeu normas de direito internacional e normas de direito interno.
A propósito do significado do termo “interesse da criança”, que se traduz num conceito vago e genérico utilizado pelo legislador por forma a permitir ao julgador gozar de alguma discricionariedade, bom senso e de alguma criatividade e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso, podemos, no entanto, considerar o entendimento sufragado no acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra de 19/04/1988 (in C.J., Ano XIII, Tomo 2), que percepcionou o mencionado interesse como “tudo aquilo que mais convêm para a formação equilibrada da personalidade do menor de forma a evitar-lhe traumas e propiciar-lhe ao mesmo tempo sossego e estabilidade”.
Dito isto, importa relembrar o modo como o Tribunal a quo tratou no acórdão recorrido a factualidade relevante para a tomada da decisão a que chegou, passando a transcrever-se de seguida os segmentos respectivos:
“Os menores (…) e (…), (com 4 anos e 4 meses de idade) e (…), (com 3 anos e 2 meses de idade), pertencem a uma fratria de 4 irmãos, três (os destes autos) germanos e o quarto uterino (residente com o pai na Roménia).
Nenhuma destas crianças se encontra aos cuidados desta mãe, sendo que os três irmãos germanos estão acolhidos em instituição, ao abrigo de medidas de promoção e proteção aplicadas em seu benefício nestes autos, e o quarto com o progenitor (residentes no estrangeiro).
A criança mais velha (irmã uterina aos cuidados do seu progenitor), não mantém com a progenitora (aqui requerida) qualquer contato nem esta comparticipa no seu sustento.
Do acompanhamento que tem sido feito desde a integração na Instituição, tem-se verificado que a qualidade e assiduidade nos contactos aos menores (a ausência de contato e insuficiência) não permitiu que se mantivessem/criassem laços/ligação/vinculação dos menores aos progenitores.
São, assim, crianças que não tem ligação aos progenitores, que são insuficientes no amor, carinho, cuidado e atenção que lhes prestam, mesmo na instituição (onde não têm de cuidar de suprir todas as demais necessidades dos menores).
De facto, nos 20 meses de institucionalização dos menores estes receberam 9 visitas presenciais dos progenitores (conjuntas), tendo o progenitor estado 6 meses sem visitar os menores e a mãe 7 meses.
São, ainda, crianças [os gémeos com 4 anos e 4 meses (52 meses de idade) e a (…) com 3 anos e 2 meses (38 meses) — institucionalizados há 1 ano e 8 meses (20 meses)] que se encontram institucionalizados e em suspenso à espera (há metade da sua pequena vida) que estes pais se organizem de forma consistente e duradoura, no sentido de reunirem condições pessoais, sociais, habitacionais e económicas para que as crianças possam ser entregues aos seus cuidados.
Nem os pais, nem quaisquer outros familiares reuniram condições socio-económicas, psicossociais e habitacionais para garantir a salvaguarda dos interesses das crianças
Durante este tempo, os pais das crianças, em virtude, é certo, das suas próprias dificuldades pessoais, habitacionais, socio-económicas, não alteraram as suas condições, nem reuniram, de forma efetiva e duradoura, condições para que os filhos lhes sejam confiados.
Os progenitores demonstram um alheamento das suas responsabilidades enquanto pais, bem como das necessidades dos menores, refletido: no abandono dos menores na instituição que apenas visitaram intermitentemente ou nem sequer visitaram (como é o caso da progenitora ausente de novembro de 2022 a junho de 2023 e do progenitor ausente de junho a dezembro de 2023), no não arranjar de condições estáveis (habitacionais e trabalho) que permitissem o ponderar o retorno dos menores ao agregado familiar e na falta de noção das necessidades dos menores (de vinculação afetiva securizante essencial ao seu salutar desenvolvimento).
Realce-se que com os rendimentos auferidos (então € 1.000,00 do progenitor acrescidos dos apoios sociais de € 674,00; ou os agora referidos pelo progenitor € 1.200,00 e os € 560,00 referidos pela progenitora) não se pode dizer que existia ou existe uma questão de pobreza e que os menores foram retirados aos progenitores por estes serem pobres (como referido pelo progenitor em sede de alegacões).
Aliás, a descrição do estado em que estes progenitores mantinham os menores, os cuidados de higiene e alimentação que lhes prestavam o maior e melhor indicador dos motivos porque as crianças foram retiradas e, realce-se, as condições materiais dos progenitores de hoje não são substancialmente melhores que as de então.
Verifica-se, assim, não possuírem nem terem, qualquer deles, conseguido reunir condições pessoais (no sentido de ganhar competências para o exercício da parentalidade), familiares ou sociais, para poderem proporcionar, aos menores, condições normais de desenvolvimento emocional, físico e intelectual no seio da família biológica.
A afetividade e o sentimento de pertença é essencial para o normal desenvolvimento da criança que necessita de se sentir amada, acarinhada e protegida pelos pais, para além de ver satisfeitas as suas demais necessidades básicas.
Os menores, encontram-se bem integrados e adaptados na instituição, cujos membros têm providenciado no sentido da satisfação dos seus cuidados de alimentação, higiene, conforto e saúde mas carecem de uma família que lhes de prioridade, que deles cuidem e proteja, de uma família que os integre e onde se sintam pertencer.
Urge, assim, integrar a (…), o (…) e a (…) numa família de forma a fomentar e promover, o mais cedo possível, as suas capacidades e competências com vista a, desse modo, obviar ao comprometimento futuro do seu desenvolvimento. Comprometimento esse que a permanência numa instituição, à espera de uns progenitores que não chegam, se poderá tornar irreversível.
O tempo de espera destas crianças, para que os progenitores se organizassem e arranjassem (em conjunto ou separado) efetivas condições para os irem buscar, mostra-se largamente ultrapassado e, se na perspetiva dos progenitores adultos ainda teriam tempo de mudar, na perspetiva dos menores é toda a uma Vida: os gémeos com 4 anos e 4 meses (52 meses de idade) e a (…) com 3 anos e 2 meses (38 meses) encontram-se institucionalizados há 1 ano e 8 meses (20 meses).
É manifesto que o interesse dos menores – o seu superior interesse – tem de passar por crescer no seio de uma família, que lhe dê carinho, atenção, que lhe proporcione, como merecem, um crescimento equilibrado, num ambiente familiar securizante e protetor e que lhes preste todos os cuidados de que uma criança necessita. Esse caminho é, sem dúvida, o da adoção, hoje entendida como a medida ideal e privilegiada de proteção de menores privados de meio familiar, na medida em que permite a sua inserção, em termos estáveis e seguros, no meio de uma família substitutiva.
Ao invés do alegado pelos progenitores, em sede de alegações, a situação dos menores não se compadece com uma medida no seio da família biológica, por ser insuficiente para garantir o seu superior interesse, nem por mantê-los em acolhimento residencial prolongado à espera que alterem as suas condições (sendo que em 20 meses não o fizeram nem se perspetiva que o façam – dadas as condições que na presente data detêm), sendo premente encontrar um projeto de vida que lhes permita um crescimento adequado, que passa pela sua integração junto de uma família que esteja preparada para o(s) receber e em consequência lhes proporcione todos os cuidados e afetos de que carecem e merecem, procurando assegurar um correto crescimento físico emocional e social.
Embora a progenitora, e o progenitor, pelo que resulta das suas alegações, não queiram perder os laços que os ligam aos menores (o que se compreende), o superior interesse destas crianças prevalece, sempre, sobre o interesse dos progenitores”.
Relembrando que a matéria de facto considerada como provada no acórdão recorrido não sofreu qualquer modificação percebemos que a análise efectuada pelo Tribunal recorrido mostra-se acertada tendo ainda os factos instrumentais e as presunções de que a Mmª Juíza a quo deitou mão, decorrentes de factos essenciais considerados como assentes, sido correctamente intuídos para concluir, como o fez, pela aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Importa sublinhar, pois o Apelante voltou a bater nessa tecla em sede de alegações e conclusões recursivas, que não constituiu, nem constitui agora, fundamento determinante para aplicação da medida protectiva aplicada no acórdão recorrido a alegada “pobreza ou insuficiência de meios económicos” dos progenitores das três crianças, pois até resultou provado que os mesmos auferem rendimentos de actividades essencialmente sazonais que têm desempenhando (cfr. designadamente pontos 166) a 169) dos factos considerados como provados no acórdão recorrido).
Como igualmente não se afigurou determinante as também alegadas condições de habitação, sem embargo de resultar da matéria de facto assente nos autos que tem havido clara inconsistência por parte dos progenitores no tocante à preservação por banda dos mesmos de uma habitação mantida adequadamente, sendo ainda certo que actualmente se encontrarão a viver de novo juntos num quarto de hotel, sito na … (cfr. ponto 172) dos factos considerados como provados).
Certo é que a necessidade de intervir na vida dos gémeos (…) e (…) se iniciou com o requerimento do Ministério Público, que deu origem a estes autos, em Novembro de 2020 (ou seja apenas um ano após o nascimento das duas crianças) e relativamente à menina (…) com requerimento apresentado pela mesma Entidade, que redundou no Apenso A destes autos, em 09/02/2021, ou seja apenas 11 dias após o nascimento desta criança, tendo sido aplicada por mais que uma vez medida de promoção e protecção a executar em meio natural de vida, concretamente de apoio junto dos progenitores, no tocante a qualquer uma das três crianças, que acabou por se revelar inadequada, o que motivou a necessidade de aplicação de medida de colocação, mormente de acolhimento residencial, a favor e no interesse das três crianças, medida essa que vem vigorando desde 15/07/2022 (inicialmente com natureza cautelar), ou seja há 23 meses, tendo-se convertido em medida de acolhimento residencial prolongado em 20/04/2023, na sequência de acordo obtido em conferência de promoção e protecção realizada nessa data.
A factualidade discriminada no acórdão recorrido é amplamente reveladora da incapacidade que os progenitores demonstram para se estruturar em termos de poderem voltar a receber no seu agregado as três crianças, não obstante os vários apoios e o acompanhamento profissional de que têm podido beneficiar ao longo destes anos que já decorreram desde o inicio dos processos instaurados com vista a promover a protecção das três crianças, incapacidade essa que belisca seriamente com a saúde, assim como com a formação e o desenvolvimento adequado e harmonioso das três crianças, comprometendo outrossim, seriamente, a constituição dos vínculos de afectividade que habitualmente caracterizam a filiação, não sendo ainda de olvidar pela descrição constante do ponto 165) dos factos considerados como provados no acórdão recorrido, que qualquer um dos progenitores tem vindo claramente a desinvestir em termos de convivência com o (…), a (…) e a (…), tendo aqueles estado durante praticamente todo o segundo semestre do ano de 2023 sem visitar as três crianças no CAT da APPACDM da (…).
De resto, sempre será significativo do que agora se salienta o facto de entre 15/07/2022 e o momento da realização do debate judicial nos autos, que, após algumas sessões, terminou em finais de Fevereiro de 2024, as três crianças apenas tenham sido visitadas pelos progenitores, ou por algum deles, 17 vezes, o que não corresponde sequer à média de uma visita por mês, optando aqueles em duas datas no mês de Janeiro de 2024 por realizarem videochamada, faltando, assim, presencialmente à visita.
Acresce que do cotejo da factualidade considerada como provada essencialmente sob os pontos 140), 156), 157) e 158) é possível concluir, sem margem para rebuços, que as três crianças estão integradas na instituição onde residem neste momento e que as acolheu mantendo “boa relação com os seus pares e com os adultos”, não denotando qualquer “recaída emocional” após as parcas visitas efectuadas pelos seus progenitores, constatando-se ainda progressiva “falta de interação de qualidade entre pais e filhos”.
Vai longo o período de institucionalização das três crianças, o qual, por referência à sua tenra idade, representa uma franja muito significativa da respectiva vida, não se prefigurando, outrossim, da matéria de facto considerada como provada, alternativas ao nível de família alargada para receber as aludidas crianças.
O acolhimento residencial não é, nem deve ser, um fim em si mesmo, ou seja um projecto de vida para qualquer criança.
Como alguém já referiu “toda a criança tem direito a um colo”, sendo certo que o tempo de institucionalização que os pequenos (…), (…) e (…) já levam não se compadece, em prol da prossecução do superior interesse das ditas crianças, com a concessão de mais oportunidades aos respectivos progenitores, que não aproveitaram as anteriores, padecendo estes de falta de capacidade para se descentrarem dos seus intentos egoísticos e até algo difíceis de captar (a progenitora tratou da sua legalização em Portugal, enquanto o progenitor invoca em sede recursiva pretenderem ambos tempo “para preparar o seu regresso definitivo à Roménia, com os menores”), devendo reconhecer-se que pela sua tenra idade, desenvolvimento físico e cognitivo, as três crianças em causa são abstractamente adoptáveis e merecem amplamente a oportunidade de beneficiar de uma família verdadeira que por elas se interesse e delas cuide adequadamente, pois o seu tempo não é o dos adultos e concretamente o dos seus progenitores e, repete-se, a institucionalização para crianças da sua idade não é, nem pode ser, de todo um projecto de vida.
Encontramos vasta jurisprudência no sentido que acabamos de sufragar, com a qual concordamos, de que destacamos, desde logo, o acórdão do STJ de 09/10/2008 (Agravo n.º 2742/08- 2.ª secção), publicado in Boletim do STJ, de que transcrevemos do respectivo sumário o seguinte:
“I - No decretamento da medida de confiança do menor a pessoa singular ou instituição com vista a futura adopção releva não só o interesse dos pais, mas fundamentalmente o interesse do menor. II - Em caso de conflito entre o interesse do menor e o dos pais, deve decidir-se a favor do primeiro.”
Do mesmo passo indica-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/03/2007 (Processo n.º 1210-07.2, relator Jorge Leal), publicado in www.dgsi.pt, de que destacamos o seguinte:
“Deve ser aplicada a medida de confiança para adopção a uma criança de 4 anos de idade quando a família biológica apresenta disfuncionalidades que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, as quais determinaram a aplicação de igual medida de protecção a dois irmãos mais velhos”.
E ainda do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa salienta-se o acórdão, proferido mais recentemente em 26/01/2017, que nos diz que:
“1. Se os progenitores não estabelecerem com os filhos uma relação afetiva segura e estável encontram-se seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
2. Os menores necessitam e têm direito a ter uma família com a qual possam estabelecer uma relação afetiva segura, com adultos que estejam presentes de forma contínua e que assumam na íntegra os seus cuidados, pois só desta forma poderão crescer com sentimentos de segurança e confiança nos outros e em si próprios.
3. Verificando-se a falência da família natural, uma vez que os progenitores dos menores se mostram incapazes de lhes proporcionar um adequado desenvolvimento, donde a solução que melhor se ajusta ao seu caso, por ser a que mais se aproxima dessa família natural, é a do seu encaminhamento para a adoção e consequentemente para uma família substitutiva”.
Deste mesmo Tribunal da Relação de Évora importa realçar o acórdão proferido em 06/12/2007 (Processo n.º 2256/07.3, relator Pires Robalo) e bem assim o acórdão proferido em 08/07/2010 (Processo n.º 100/09.1TMFAR.E1, relator Bernardo Domingos), ambos igualmente acessíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Destacamos do primeiro dos arestos ora mencionados o seguinte:
“[…] II - Em regra e por força do primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio.
III - Quando tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança, quer porque a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, designadamente desencadeando os mecanismos legais com vista à adopção”.
Por seu turno, decorre do douto acórdão proferido em 08/07/2010, que: “I - Ser progenitor, de corpo inteiro, implica dar carinho, atenção, protecção, segurança e ter capacidade para formar, tratar e cuidar dos filhos. Se o(s) mesmo(s), apesar dos apoios que lhe(s) foi(ram) dado(s) por terceiros continua(m) a ser incapaz(es) de desempenhar tais tarefas e funções, terá necessariamente de se arranjar um substituto, capaz de, com vantagens evidentes para o menor, as exercer.
II - A incapacidade de exercer uma paternidade ou maternidade responsável pode configurar uma situação que pode qualificar-se de maus tratos. Na verdade, por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também 'o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso.
III - Nestes casos justifica-se e impõe-se a tomada de medidas protectoras, designadamente a do afastamento ou ruptura com a família biológica, com vista a integração noutra família que ame e proteja a criança”.
De todo o exposto e sem necessidade de ulteriores alongamentos entendemos, em face da matéria de facto considerada como provada no acórdão recorrido, que apenas se mostra acertado, no superior interesse das crianças (…), (…) e (…), manter a medida de promoção e protecção decretada no dispositivo do mesmo.
Destarte, improcedem, na totalidade, as conclusões recursivas do Apelante, sendo de confirmar o douto acórdão recorrido.
*
V- DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo progenitor (…), decidindo.se, em consequência, o seguinte:
a) Confirmar o acórdão recorrido;
b) Fixar custas a cargo do progenitor Apelante, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Évora, 11/07/2024
José António Moita (Relator)
Elisabete Valente (1ª Adjunta)
Maria João de Sousa e Faro (2ª Adjunta)