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APOIO JUDICIÁRIO
REQUISITOS
COMPETÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário
I - Sendo atribuída à Segurança Social a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica, compete a tal entidade administrativa, e não aos tribunais judiciais, aferir da verificação dos pressupostos de que depende a apreciação e o deferimento da pretensão deduzida; II - Apenas em sede de impugnação judicial caberá aos tribunais judiciais a reapreciação da decisão sobre o pedido de proteção jurídica; III - Não competindo ao tribunal judicial apreciar e decidir o pedido de proteção jurídica formulado, impõe-se respeitar a decisão proferida pela Segurança Social, carecendo de fundamento legal a retirada de efeitos a tal decisão. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 1288/19.9T8OLH.E1
Juízo de Comércio de Olhão
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
(…), melhor identificada nos autos, apresentou-se à insolvência em 12-12-2019 e requereu a exoneração do passivo restante.
Por sentença de 13-12-2019, foi declarada a insolvência da devedora.
Os autos prosseguiram e, por decisão de 05-02-2020, foi declarado o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente e declarado o carácter fortuito da insolvência; mais se admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, tendo-se determinado a entrega ao fiduciário nomeado do rendimento disponível que a mesma venha a auferir nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, com exclusão da quantia mensal equivalente a duas vezes a retribuição mínima mensal garantida.
Por despacho de 09-05-2023, foi considerado findo o período de cessão de rendimento disponível e concedida à insolvente a exoneração do passivo restante.
Foi elaborada conta de custas em 06-06-2023, na sequência do que foi a insolvente notificada para, até 19-06-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 3.607,57, correspondente às custas a seu cargo.
A insolvente veio aos autos, a 16-06-2023, requerer que as custas em causa sejam imputadas à massa insolvente e comunicar que apresentou pedido de apoio judiciário.
O Ministério Público teve vista aos autos, emitindo parecer nos termos seguintes:
«Após ter sido notificada para pagar as custas da exoneração do passivo restante veio a insolvente informar ter, depois disso, requerido o apoio judiciário, invocando ainda o argumento de que as custas são da responsabilidade da massa e não dela própria.
Quanto à questão de saber sobre quem recai a responsabilidade das custas da exoneração a lei estatui que o devedor que apresente um pedido de exoneração beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o seu pagamento integral (cfr. artigos 240.º e 248.º do CIRE).
Retira-se daí que a responsabilidade do pagamento das custas da exoneração da parte que não for paga pela massa é da insolvente, excepto se beneficiar de apoio judiciário requerido ou concedido no processo antes do despacho final de exoneração.
O que quer dizer que quando o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça ou demais encargos é formulado pelo devedor após o despacho final de exoneração apenas para se eximir ao pagamento das custas deve este ser desconsiderado pelo tribunal (neste sentido, cfr. Ac. RP de 18-04-2023 e Ac. RE de 13-06-2023).
Assim, promovo que se indefira o requerimento agora apresentado, por falta de fundamento legal.»
Em 02-10-2023, após vicissitudes várias, deu entrada nos autos ofício do Instituto da Segurança Social comunicando que, por decisão de 27-09-2023, foi concedido à insolvente o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o presente processo.
A insolvente veio aos autos, em 05-10-2023, juntar documento comprovativo do deferimento do pedido de apoio judiciário, sustentando que se encontra dispensada do pagamento da conta de custas elaborada.
Em 11-10-2023 foi proferido o despacho seguinte: Foi concedido à Insolvente o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas e outros encargos com o processo. Recente jurisprudência dos Tribunais Superiores tem considerado que, após a elaboração e notificação para pagamento da conta de custas elaborada na sequência de decisão final do incidente de exoneração do passivo restante, os insolventes podem requerer e beneficiar do apoio judiciário – cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Porto de 13.06.2018, proc. n.º 1525/12.0TBPRD.P1, e de 08.03.2022, processo n.º 2656/15.0T8STS.P1, disponíveis em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. Revendo posição anterior, o Tribunal perfilha esta posição aderindo na íntegra aos fundamentos expendidos no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2022, supra identificado. Assim sendo, o Tribunal considera que a Insolvente está dispensada do pagamento de custas e outros encargos do processo, em face do apoio judiciário concedido. Notifique.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva substituição por decisão que não considere a insolvente dispensada do pagamento das custas contadas em 06-06-2023, terminando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
1. Recorre-se do despacho judicial proferido em 11-10-2023 que considerou que a insolvente está dispensada do pagamento de custas e outros encargos do processo, em face do apoio judiciário concedido que lhe foi concedido após o transito em julgado da decisão final da exoneração do passivo restante e da conta de custas
2. Esta decisão viola claramente o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e 248.º do CIRE.
3. Dispondo, expressamente, o artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em que momento deve ser requerido o apoio judiciário, em nosso entender, resulta claro que se for requerido após a prolação da decisão final do incidente de exoneração do passivo restante, não pode abranger as custas já devidas antes da concessão desse apoio.
4. O apoio judiciário não tem efeito retroactivo, aplicando-se apenas aos actos processuais praticados para o futuro e enquanto o litigio se mantiver, isto porque se destina a garantir o exercício dos direitos em juízo, não podendo ser visto como meio destinado a obter a dispensa do pagamento das custas e encargos a que a participação no processo deu causa.
5. Não está em causa o acesso ao direito ou à justiça uma vez que tendo a decisão final do incidente transitado em julgado, o apoio judiciário apenas terá por finalidade o não pagamento das custas do processo.
6. Permitir que o responsável pelas custas fique desobrigado do pagamento das mesmas, depois do fim do processo é criar uma isenção que o regime das custas não permite.
7. O pedido de apoio judiciário formulado pela insolvente ao ISS em 13-06-2023, porque requerido já após o transito em julgado da decisão final é intempestivo, não podendo produzir qualquer efeito relativamente às custas já contadas.
8. Ao considerar válido o apoio judiciário concedido à insolvente depois de transitada a decisão final do incidente de exoneração, dispensando-a do pagamento das custas contadas após tal decisão, o tribunal errou na aplicação do direito aplicável ao caso e objecto da decisão.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, cumpre decidir da atendibilidade do apoio judiciário requerido pela insolvente, após notificação da conta elaborada na sequência da decisão de concessão da exoneração do passivo restante, e concedido pela Segurança Social.
2. Fundamentos
2.1. Fundamentos de facto
Constam do relatório supra os elementos com relevo para a apreciação da questão suscitada na apelação.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
A apelada, em 12-12-2019, apresentou-se à insolvência – que foi declarada por sentença de 13-12-2019 – e formulou pedido de exoneração do passivo restante – que foi admitido liminarmente por despacho de 05-02-2020 –, vindo a exoneração do passivo restante a ser concedida por decisão de 09-05-2023, proferida findo o período de cessão de rendimento disponível, na sequência do que foi elaborada conta de custas em 06-06-2023 e a insolvente notificada para, até 19-06-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 3.607,57, correspondente às custas a seu cargo.
Entretanto, a devedora informou em 16-06-2023 que solicitou pedido de apoio judiciário, após o que veio a Segurança Social comunicar que, por decisão de 27-09-2023, foi concedido à insolvente o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o presente processo.
A 1.ª instância, por despacho de 11-10-2023, impugnado na presente apelação, decidiu que, em face do apoio judiciário que lhe foi concedido, a insolvente está dispensada do pagamento de custas e outros encargos do processo.
Discordando deste entendimento, o apelante defende que o apoio judiciário não tem efeito retroativo, não dispensando a insolvente do pagamento das custas já contadas nos presentes autos.
Cumpre apreciar.
Vem posto em causa na apelação o despacho que considerou que o apoio judiciário requerido pela insolvente após notificação da conta elaborada na sequência da decisão de concessão da exoneração do passivo restante, e concedido pela Segurança Social, a dispensa do pagamento das custas e demais encargos dos presentes autos.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais encontra-se regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que alterou o regime anterior, revogando a Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, e transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
Especificando as finalidades do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, dispõe o n.º 1 do artigo 1.º da citada lei que se destina a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos; esclarece o n.º 2 do preceito que, para concretizar os objetivos referidos no número anterior, desenvolver-se-ão ações e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de proteção jurídica.
O acesso ao direito, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 2.º, compreende a informação jurídica e a proteção jurídica, revestindo esta última, nos termos estatuídos no n.º 1 do artigo 6.º, as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário.
Regulando o âmbito pessoal, o artigo 7.º dispõe, no n.º 1, que têm direito a proteção jurídica os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica; esclarece o n.º 1 do artigo 7.º que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo, nos termos definidos nos artigos seguintes.
Sob a epígrafe Pedido de apoio judiciário, dispõe o artigo 18.º, além do mais, o seguinte: 1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária; 2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica; 3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º; 4 – (…).
No que respeita à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal, o n.º 1 do artigo 44.º determina a inaplicabilidade dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, estabelecendo que deve o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
Regulando a competência para a decisão, dispõe o artigo 20.º, além do mais, o seguinte: 1 - A decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente; 2 - No caso de o requerente não residir ou não ter a sua sede em território nacional, a decisão referida no número anterior compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social onde tiver sido entregue o requerimento; 3 - A competência referida nos números anteriores é suscetível de delegação e de subdelegação; 4 – (…).
Dispõe o n.º 2 do artigo 26.º que a decisão sobre o pedido de proteção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo suscetível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
Decorre deste regime que a lei fixa as regras relativas à oportunidade da formulação do pedido de apoio judiciário, a saber: i) não se tratando de processo penal, deve ser formulado antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica (artigo 18.º, n.º 2); ii) em processo penal, a concessão de proteção jurídica ao arguido pode ser requerida até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância (artigo 44.º, n.º 1).
Porém, sendo atribuída à Segurança Social a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica (artigo 20.º), dúvidas não há de que compete a tal entidade administrativa, e não aos tribunais judiciais, aferir da verificação dos pressupostos de que depende a apreciação e o deferimento da pretensão deduzida; apenas em sede de impugnação judicial caberá aos tribunais judiciais a reapreciação da decisão sobre o pedido de proteção jurídica.
Assim sendo, uma vez concedido o apoio judiciário pela Segurança Social e não estando em causa a apreciação de impugnação judicial de tal decisão, não há que reapreciar a decisão proferida, a qual se impõe respeitar, o que afasta a verificação pelo tribunal judicial dos pressupostos da concessão de proteção jurídica, designadamente a aferição da oportunidade da formulação do pedido, nos termos defendidos pelo apelante.
Neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2018 (relator: Antero Veiga), proferido no processo n.º 977/15.1T8VRL.G1, de cujo sumário consta o seguinte: I - Actualmente em face do teor do artigo 18.º da lei do apoio judiciário (LAJ), este deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica. (…) III - Concedido o apoio judiciário, ainda que com desrespeito pelo citado normativo, não pode o tribunal desconsiderar o mesmo, sob pena de violação do poder de decisão concedido na lei à segurança social no artigo 20.º da LAJ e da autonomia do procedimento – artigo 24.º e seguintes da LAJ. IV - A competência dos tribunais relativamente ao apoio judiciário respeita apenas à apreciação da impugnação judicial que seja interposta contra a decisão da administração.
Não competindo ao tribunal judicial apreciar e decidir o pedido de proteção jurídica formulado, impõe-se respeitar a decisão proferida pela Segurança Social, carecendo de fundamento legal a retirada de efeitos a tal decisão, nos termos defendidos pelo apelante.
Estabelecendo a lei que compete à Segurança Social apreciar a decidir os pedidos de proteção jurídica, o apoio judiciário concedido não poderá ser esvaziado de conteúdo por decisão judicial que o declare ineficaz nos autos a que se reporta, o que impõe a improcedência da apelação.
Nesta conformidade, na improcedência da apelação, cumpre confirmar a decisão recorrida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 11-07-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1.ª Adjunta)
Eduarda Branquinho (2.ª Adjunta)