CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO NEGÓCIO
OPOSIÇÃO
Sumário

I – O período mínimo de três anos de renovação para os contratos de arrendamento urbano, a que faz menção a segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, consubstancia uma norma de carácter imperativo.
II – Essa é a conclusão que o intérprete deve retirar em face quer dos objetivos de estabilidade, segurança e acessibilidade no arrendamento urbano a que se propôs a Lei n.º 13/2019, de 12-02, quer da conjugação deste artigo com o que dispõe o n.º 3 do artigo 1097.º do mesmo Diploma Legal.
III – Os artigos 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, do Código Civil, aplicam-se a situações diferentes, visto que o primeiro se aplica às situações em que o contrato foi renovado, já o segundo se aplica às situações em que o contrato, devido à oposição do senhorio, não se renovou, porém, enquanto não tiverem decorridos três anos sobre a sua celebração, essa oposição não produz efeitos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 39/24.0YLPRT.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]

I - Relatório
A requerente “(…), SA” veio requerer procedimento especial de despejo contra os requeridos (…) e (…), requerendo, a final, que, atenta a falta de restituição do imóvel no prazo legalmente previsto, fosse admitido o presente procedimento especial e efetuada a notificação dos requeridos, seguindo o procedimento os seus termos com vista à emissão de título para desocupação do imóvel.
Para o efeito, e em síntese, alegou que foi celebrado com os requeridos um contrato de arrendamento com prazo certo, que teve por objeto a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pelo lote 29 do loteamento Quinta de (…), Loulé, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo (…), contrato esse que tem o prazo de duração inicial de cinco anos, renovável por um ano, salvo denúncia das partes, e que, por meio de carta registada com aviso de receção, a requerente (que comprou o referido imóvel à primitiva senhoria e anterior proprietária do imóvel) enviou para o domicílio convencionado, em 27-04-2023 e em 13-06-2023, declaração a opor-se à renovação do contrato de arrendamento; cartas essas que foram recebidas, porém, os requeridos não procederam à entrega voluntária do imóvel locado.
O requerido (…), devidamente citado, apresentou oposição, onde invocou, em síntese, a ilegitimidade do outro requerido e sustentou que o contrato se renovou em 30-11-2022, por mais três anos, ocorrendo o seu termo apenas em 30-11-2025, solicitando, a final, a improcedência do procedimento especial de despejo, por não provado, absolvendo-se o requerido de todos os pedidos, por procedência das exceções e impugnações invocadas, ou, caso assim se não entendesse, que se procedesse ao diferimento da desocupação do locado por prazo nunca inferior a 6 meses.
Em resposta às exceções invocadas, a requerente veio apresentar a sua resposta, pugnando pela improcedência dessas exceções e pelo diferimento do pedido por si formulado.
Em 01-05-2024, o tribunal da 1.ª instância fixou à causa o valor de € 13.500,00 e, por entender que já estava em condições de apreciar de mérito as questões colocadas, proferiu sentença com o seguinte teor decisório:
Nestes termos, pelo exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, julgo o presente procedimento especial de despejo improcedente, por não provado e, em consequência, absolvo os requeridos (…) e (…) dos pedidos formulados pela requerente (…), S.A..
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Custas pelo requerente.
*
Notifique e registe.
Não se conformando com a sentença proferida, a requerente veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. Celebraram as partes um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, com início em 1 de dezembro de 2017, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
B. Sendo o arrendamento celebrado por prazo certo, automaticamente renovável pelos períodos contratualmente estabelecidos de um ano.
C. Em momento algum, mormente no ato de celebração do contrato, existiu qualquer oposição do requerido aos termos do contrato, tendo ficado estabelecidas todas as clausulas contratuais, nomeadamente o prazo de renovação.
D. Ficaram ainda estipulados contratualmente, de acordo com a lei, os prazos de denúncia, bem como de revogação do contrato.
E. O contrato esteve vigente dez anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbanos destinados à habitação passíveis de renovação, consagrado no n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.
F. Nos termos da redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração, salvo estipulação das partes em contrário.
G. A propósito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).
H. As partes admitem e aceitam, tal como já resultava da posição assumida nos articulados, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei 31/2012, de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.
I. Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n.º 1 do artigo 1096.º do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual inicial.
J. O que está em discussão é saber se o disposto no artigo 1096.º do Código Civil tem carácter imperativo ou supletivo e, em consequência, qual o prazo da Renovação em curso: é de 5 anos, de três anos ou de 1 ano.
K. Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2022, processo n.º 7855/20.0T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt., a redação da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, «porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que possa afirmar-se que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
L. Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas o arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, págs. 82-95 [Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-Jéssica-ferreira 1584.pdf]: “Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação.
M. Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano – Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente – Almedina – 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma.
N. Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.
O. Por outro lado, "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica" (S.T.J., Acórdão de 04 de Maio de 2011, proc. n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos teleológicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.
P. A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei, quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.
Q. Este argumento é reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos artigos 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1097.º e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1098.º).
R. No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, Isabel Rocha, Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, pág. 286 e Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, pág. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e págs. 686-687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.”
S. Assim, ainda que reconhecendo que as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam também aos contratos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor, a autora afasta essa aplicação quanto às normas supletivas, onde integra a nova duração supletiva do prazo de renovação:
“Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do artigo 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.
T. Não nos parece, porém, que as disposições supletivas da nova lei, como por exemplo a nova duração supletiva dos contratos de arrendamento para fins habitacionais e a renovação dos contratos por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, se apliquem aos contratos celebrados antes de fevereiro de 2019, aos quais se continuarão a aplicar as normas supletivas vigentes aquando da sua celebração, solução esta que era, aliás, a consagrada no artigo 59.º da Lei n.º 6/2006 e a que decorre do próprio n.º 2 do artigo 12.º, pois embora se trate da regulação do conteúdo da relação jurídica, estas normas não se abstraem dos factos que lhe deram origem.
U. Na verdade, ao celebrarem o contrato, as partes nortearam os seus interesses e arquitetaram o equilíbrio das suas relações com base na lei vigente, a qual se deve, por isso, considerar “como incorporada no contrato (lex transit in contractum) por ter sido como que tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”.
V. Pelo que se entende, que a comunicação de oposição de renovação do contrato por parte da Requerente/Autora, enquanto senhoria é válida, eficaz e tempestiva, tendo produzido os seus efeitos, pelo que o contrato de arrendamento cessou em 30/10/2022.
W. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096.º do Código Civil) na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro) não assume natureza imperativa, podendo por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes, estando tal acordo inserido no contrato.
X. A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1080.º, 1096.º, n.º 1 e 3, e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Y. A Douta decisão recorrida não subsume corretamente os factos ao direito aplicável, devendo como tal ser substituída por outra que, julgando o contrato validamente resolvido por oposição à renovação operada pelo Senhorio, defira a ordem de despejo requerida.
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente a ação, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação pelo senhorio) e, consequentemente condene o R. nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA».
Os requeridos não apresentaram resposta.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Já neste Tribunal, por despacho proferido em 16-06-2024, foi fixado o efeito suspensivo ao recurso e solicitada a audição das partes sobre o pedido de diferimento da desocupação do imóvel, peticionado pelo requerido (…), em sede de oposição, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O requerido veio responder, manifestando concordância quanto ao efeito suspensivo do recurso e reiterando a factualidade já anteriormente alegada sobre tal pedido.
Posteriormente foi o recurso recebido nos exatos termos, com exceção do efeito do recurso, ao qual foi atribuído efeito suspensivo.
Cumpridos os vistos, por a posição da relatora primitiva ter ficado vencida, a primeira adjunta, nos termos do artigo 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, relata o presente acórdão.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Se o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento por três anos, constante da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza supletiva ou imperativa.
III – Matéria de Facto
A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1 - Em 01/12/2017, Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional e requeridos (…) e (…) assinaram documento intitulado ‘Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente com prazo certo‘, mediante o qual o primeiro deu de arrendamento aos segundos e estes tomaram a fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao Rés-do-Chão, Esquerdo, Lote 29 do Loteamento Quinta de (…), Loulé, descrita na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número (…) e inscrito na matriz predial da respetiva freguesia com o artigo (…).
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato mencionado no ponto 1., denominada ‘Vigência e Renovação’, “2.1. O arrendamento é celebrado por prazo certo, ao abrigo do disposto nos artigos 1095.º e seguintes do Código Civil com a redação que lhe foi dada pela lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU) e terá a duração de cinco anos, com início em 1 de dezembro de 2017 e termo em 30 de novembro de 2022 e renovar-se-á por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado, por qualquer das partes nos termos da cláusula 3. (…).”
3. Nos termos da cláusula terceira do contrato mencionado no ponto 1., denominada ‘Oposição à Renovação e Denúncia’: “3.1. O senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao arrendatário por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato ou de qualquer uma das suas eventuais renovações”.
4. A cláusula oitava do contrato mencionado no ponto 1., denominada ‘Comunicações e Foro’ prevê que “8.1. Para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, as partes convencionam como domicílio do arrendatário o imóvel objeto do presente contrato de arrendamento (…)”.
5. Em 03/02/2021, Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional e o requerido (…) assinaram documento intitulado ‘Aditamento ao Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente‘, tendo acordado o seguinte: “O segundo declarante […] declara e garante que (…), NIF (…) – que também figura no contrato como arrendatário – abandonou o locado, desde janeiro de 2018, desconhecendo o segundo outorgante o paradeiro e contacto de (…), pelo que o 2º Outorgante declara e aceita ser o único arrendatário do locado, assumindo na íntegra todas as responsabilidades legais e contratuais que cabem ao arrendatário, incluindo o integral pagamento mensal das rendas e demais encargos relacionados com o imóvel”.
6. A empresa Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional vendeu à requerente (…), S.A. a fração mencionada no ponto 1, encontrando-se o registo de aquisição inscrito pela Ap. 4808, de 28/01/2022.
7. Em 27/04/2023, através de carta registada com aviso de receção para a morada indicada no ponto 1, a requerente, através da sua representante legal, comunicou aos requeridos (…) e (…) o seguinte: “Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária – (…), S.A., sociedade comercial com o NIPC (…), com poderes bastantes para o ato (…) e nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil, comunicar-lhe a oposição à renovação, por iniciativa da senhoria, do contrato de arrendamento com prazo certo celebrado em 01/12/2017, relativo à fração autónoma B a que corresponde ao imóvel sito em Rua (…), n.º 10, r/c, esquerdo, Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o n.º …/ Loulé (São …), respeitando a antecedência de 120 (cento e vinte) dias prevista contratualmente. Assim, o referido contrato cessará os seus efeitos em 30/11/2023, devendo V. Exa. desocupar o locado nessa data. Desde já se designa o período horário entre as 10h e as 17h, do dia 04/12/2023, para receção do imóvel pela senhoria, imóvel que deverá ser entregue livre de pessoas e bens, com todos os seus elementos – nomeadamente os que constam do Anexo II do Contrato de Arrendamento – e em condições de conservação que se coadunem com um uso prudente e cuidado do mesmo, conforme expressamente previsto no Contrato, sendo naquele ato lavrado o devido Termo de Entrega e Vistoria do Locado, a ser assinado por ambas as Partes”.
8. A carta mencionada no ponto 6 foi recebida pelo requerido (…) em 05/05/2023.
9. A carta mencionada no ponto 6 veio devolvida, relativamente ao requerido (…), com a menção ‘objeto não reclamado’.
10. Em 13/06/2023, através de carta registada com aviso de receção para a morada indicada no ponto 1, a requerente, através da sua representante legal, comunicou ao requerido (…) o seguinte: “Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária – (…), S.A., sociedade comercial com o NIPC (…), com poderes bastantes para o ato (…) e nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil, em cumprimento do estabelecido nos artigos 9.º e 10.º do NRAU, comunicar-lhe a oposição à renovação, por iniciativa da senhoria, do contrato de arrendamento com prazo certo celebrado em 01/12/2017, relativo à fração autónoma B a que corresponde ao imóvel sito em Rua (…), n.º 10, r/c, esquerdo, Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o n.º …/ Loulé (São …), respeitando a antecedência de 120 (cento e vinte) dias prevista contratualmente. Assim, o referido contrato cessará os seus efeitos em 30/11/2023 (…)”.
11. A carta mencionada no ponto 9 veio devolvida.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é a questão supra elencada.
1 – Se o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento por três anos, constante da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza supletiva ou imperativa
Considera a recorrente que a segunda parte do n.º 1 do atual artigo 1096.º do Código Civil (que entende ser de aplicar à presente situação, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo Diploma Legal) tem natureza supletiva, pelas seguintes razões:
- tal constar do texto do artigo, o qual se inicia com a expressão “Salvo estipulação em contrário”, aplicando-se esta ressalva a todo o número 1;
- o legislador, ao permitir que o contrato de arrendamento para habitação possa não ter renovação, admitiu o mais, pelo que não faz sentido que imponha, em caso de renovação, um limite mínimo de 3 anos, que é um menos em relação à permissão de celebração de contratos sem direito à renovação;
- no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação anterior, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, onde se considerava, sem quaisquer dúvidas, que todo o texto desse n.º 1 era supletivo, o mesmo iniciava-se igualmente com a expressão “Salvo estipulação em contrário”; e
- continuar a estar previsto prazos de oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação relativamente a contratos com duração inferior a três anos (artigos 1097.º e 1098.º do Código Civil).
Por sua vez, na sentença recorrida, na esteira do acórdão do STJ, proferido em 20-09-2023, no âmbito do processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1,[2] que se mostra citado, foi entendido que a segunda parte do n.º 1 do atual artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa, por ser a única forma de compatibilizar este artigo com a norma imperativa constante do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil e por ser a interpretação mais compatível com os objetivos declarados no artigo 1.º da Lei n.º 13/2019, de 12-02.
Apreciemos.
Vejamos primeiro o regime que existia na versão da Lei n.º 31/2012, de 14-08 (versão vigente à data da celebração do presente contrato de arrendamento), relativamente aos artigos 1095.º, 1096.º e 1097.º do Código Civil, por serem aqueles que relevam para a matéria em apreciação, visto que o artigo 1098.º se reporta à renovação ou denúncia pelo arrendatário.
Dispunha o artigo 1095.º do Código Civil que:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 – O prazo referido no número anterior não pode ser superior a 30 anos, considerando-se automaticamente reduzido ao referido limite quando o ultrapasse.

Dispunha igualmente o artigo 1096.º do Código Civil que:
1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número anterior.
2 – Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 – Qualquer das partes pode opor-se à renovação nos termos dos artigos seguintes.

Dispunha também o artigo 1097.º do Código Civil que:
1 – O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 – A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

Por sua vez, dispõe atualmente o artigo 1095.º do Código Civil, na versão da Lei n.º 13/2019, de 12-02, que:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
3 - O limite mínimo previsto no número anterior não se aplica aos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados.
4 - Por cada ano civil, e relativamente a cada fração ou prédio, apenas pode ser celebrado um contrato para fins especiais transitórios por motivos turísticos.

E estipula o artigo 1096.º que:
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Determinando, por sua vez, o artigo 1097.º que:
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º.

Perante o atual regime jurídico, duas são as posições que têm sido defendidas na doutrina e na jurisprudência relativamente à interpretação da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil.
A primeira, na esteira do defendido pela recorrente, entende que a menção ao período mínimo de três anos de renovação consubstancia uma norma de carácter supletivo, sendo subscrita por autores como Jorge Pinto Furtado em Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano,[3] Jéssica Rodrigues Ferreira em RED – Revista Electrónica de Direito, com o artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”,[4] André Mena Hüsgen em Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, com o artigo “As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano”[5], Edgar Alexandre Martins Valente em Arrendamento urbano – Comentário às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente,[6] e Isabel Rocha e Paulo Estima em Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência.[7]
Na jurisprudência destacam-se os acórdãos do TRL proferido em 17-03-2022 no âmbito do processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6; do TRL proferido em 10-01-2023 no âmbito do processo n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7; do TRP proferido em 23-03-2023 no âmbito do processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1;[8] e o TRL proferido em 27-04-2023 no âmbito do processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1-6; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Para além dos argumentos invocados pela recorrente, o acórdão do TRL, proferido em 10-01-2023, elenca ainda outro na defensa da supletividade da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil: considera que se o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento tivesse carácter imperativo retirava qualquer conteúdo útil ao n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil, visto que obrigaria qualquer contrato a ter uma vigência de quatro (um ano de vigência mínima obrigatória mais três anos de renovação obrigatória), sendo impossível haver contratos com a vigência mínima de três anos como prevê este último dispositivo legal.
A segunda, na esteira da sentença recorrida, entende que a menção ao período mínimo de três anos de renovação consubstancia uma norma de carácter imperativo, correspondendo a expressão “Salvo estipulação em contrário” à liberdade de estipulação das partes relativamente à possibilidade de o contrato de arrendamento estar sujeito, ou não, a renovação e à possibilidade de nos contratos superiores a três anos o prazo de renovação poder ser reduzida para três anos.
Subscrevem esta posição autores como Maria Olinda Garcia na revista Julgar Online com o artigo “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”,[9] Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues na Revista de Direito Civil, ano IV (2019), n.º 2, com o artigo “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”,[10] Ana Isabel Afonso em Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, com o artigo “Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano”,[11] José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, em Arrendamento urbano anotado, 3.ª edição,[12] Márcia Passos em Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, com o artigo “A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo”,[13] Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo em Novo regime do arrendamento urbano, comentários e breves notas,[14] e Luís Menezes Leitão em Arrendamento urbano, 11.ª edição.[15]
Na jurisprudência, onde esta posição é claramente maioritária, destacam-se, para além do já mencionado acórdão do STJ, os acórdãos do TRG proferido em 11-02-2021, no âmbito do processo n.º 1423/20.4T8GMR.G1; do TRG proferido em 08-04-2021, no âmbito do processo n.º 795/20.5T8VNF.G1; do TRE proferido em 10-11-2022, no âmbito do processo n.º 983/22.OYLPRT.E1; do TRE proferido em 10-11-2022, no âmbito do processo n.º 126/21.7T8ABF.E1; do TRE proferido em 25-01-2023, no âmbito do processo n.º 3934/21.5T8STB.E1; do TRP proferido em 23-03-2023, no âmbito do processo n.º 1824/22.3T8VCT.G1; do TRP proferido em 04-05-2023, no âmbito do processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1; e do STJ proferido em 17-01-2023, no âmbito do processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1.
Esclarecemos, desde já, que subscrevemos esta última posição, pelo que concordamos com a decisão proferida na sentença recorrida.
Na realidade, apesar de quer na versão anterior, quer na atual versão, do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, o mesmo se iniciar com a expressão “Salvo estipulação em contrário”, verdade é que na atual versão se acrescentou que a renovação automática ocorreria no termo do contrato por períodos sucessivos de igual duração à do contrato inicial ou de três anos se esta fosse inferior,[16] ou seja, estabeleceu-se um limite mínimo ao período de renovação. A admitir-se que este período mínimo tem natureza supletiva, tal significaria que a renovação do contrato poderia ter o período de duração estipulado pelas partes, ou seja, inferior, igual ou superior a três anos, o que praticamente esvaziaria de conteúdo efetivo tal disposição legal. Neste caso, apenas seria de aplicar o período mínimo de três anos à renovação dos contratos de arrendamento em que, apesar de ter sido estipulado pelas partes que o contrato de arrendamento seria renovável, não tivesse sido estipulado o período de vigência dessa renovação, o que, diga-se, é praticamente inexistente, visto que, quando não se atribui um período diverso do estipulado para o contrato inicial, normalmente determina-se que o mesmo se renova por igual período.
Atente-se que resulta do próprio artigo 9.º do Código Civil que a interpretação não se deve cingir à letra da lei, ainda que deva ter um mínimo de correspondência com tal letra, embora imperfeitamente expressa, devendo o intérprete recorrer à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada na procura do pensamento legislativo.
Aliás, compete ao intérprete presumir que o legislador consagrou as melhores soluções jurídicas, pelo que não deve socorrer-se de interpretações que retirem qualquer efeito útil às alterações normativas introduzidas.
Acresce que, ao se recorrer às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento teleológico da lei), resulta, quer na exposição dos motivos que constam da proposta de Lei n.º 129/XII, que esteve na base da Lei n.º 13/2019, de 12-02, quer no seu artigo 1.º, que a intenção do legislador foi a de proteger o arrendatário urbano e de reforçar a segurança e estabilidade deste tipo de arrendamentos.
Na exposição dos motivos consignou-se que:
O XXI Governo Constitucional reconheceu, no âmbito das suas prioridades políticas, o papel central da habitação para a melhoria da qualidade de vida das populações, para o desenvolvimento humano e da vida em comunidade e para a promoção da competitividade e coesão dos territórios. A habitação é um direito fundamental constitucionalmente consagrado, a base de uma sociedade estável e coesa e o alicerce a partir do qual os cidadãos constroem as condições que lhes permitem aceder a outros direitos como a educação, a saúde ou o emprego.
[…]
Para alcançar estes desideratos é fundamental equilibrar o setor da habitação em termos de regimes de ocupação, fortalecendo e promovendo o arrendamento habitacional permanente.
[…]
É, por isso, necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios. Para alcançar estes objetivos, e em complemento dos instrumentos previstos para dar resposta urgente e prioritária às situações de carência habitacional, para a promoção de oferta pública de habitação e para incentivo a uma maior oferta habitacional em regime de arrendamento a custos comportáveis face aos rendimentos das famílias, a Nova Geração de Políticas de Habitação prevê um conjunto de medidas que visam a promoção da segurança e da estabilidade no arrendamento habitacional.
Pretende-se que estas medidas contribuam para minorar uma vulnerabilidade histórica e estrutural de competitividade da habitação permanente face aos outros usos potenciais, e responder à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos agregados familiares que permaneceram ao longo de décadas numa habitação arrendada, sobretudo, das pessoas de idade mais avançada, perante o risco de cessação de contratos de arrendamento decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços.
Para tal é essencial promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento.

Dispõe, por sua vez, o artigo 1.º da referida Lei que:
A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade […]

É, assim, notório que as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, procuraram promover a estabilidade, a segurança e a acessibilidade no arrendamento urbano, de molde a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios.
Este desiderato é, por isso, mais consentâneo com a interpretação que impõe um período mínimo de três anos na renovação dos contratos de arrendamento urbano, pois só dessa forma é possível contribuir para a estabilidade, segurança e acessibilidade deste tipo de arrendamento, corrigindo as situações de desequilíbrio existente nas relações entre senhorio e arrendatário, prevenindo o risco de antecipação da cessação de contratos arrendamento “decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços”.
Mas também, se se atentar à unidade do sistema, a interpretação que impõe um período mínimo de três anos na renovação dos contratos de arrendamento urbano é a que se coaduna com as demais normas vigentes, designadamente com o que dispõe o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil, cuja natureza imperativa não é posta em causa.
Efetivamente, a imperatividade do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil reforça a ideia da imperatividade da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º, visto que, em ambas as situações, quer no início do contrato, quer na renovação do contrato, o prazo imperativo, legalmente imposto, de duração mínima, é de três anos.
Discorda-se, aliás, da argumentação do acórdão do TRL, proferido em 10-01-2023, segundo a qual, a imperatividade da duração mínima de três anos na renovação dos contratos de arrendamento urbano iria esvaziar de conteúdo o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil, impondo que todos os contratos tivessem como duração mínima quatro anos, quando esta última disposição legal estabelece uma duração mínima três anos.
Na realidade, o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil veio, por um lado, impedir que o contrato de arrendamento urbano renovável possa ter um período inferior a três anos, ainda que tenha sido estabelecido, nos termos do n.º 2 do artigo 1095.º do Código Civil, pelo período de um ano, visto que, mesmo que o senhorio se venha a opor à primeira renovação, essa oposição só se concretiza decorridos três anos; e, por outro, que, através da oposição legalmente válida manifestada pelo senhorio aquando da primeira renovação, o contrato não vigore mais do que três anos, uma vez que, apesar de o contrato se manter em vigor, por imposição legal, por não ter havido renovação, não se torna necessário que, para além do período de um ano legalmente imposto como período mínimo nos contratos de arrendamento urbano, o senhorio tenha de manter o contrato de arrendamento por mais três anos. Por sua vez, o artigo 1096.º, n.º 1, 2ª parte, apenas se aplica às situações em que não houve oposição à renovação do contrato, pelo que este se renovou automaticamente.
Os artigos 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, do Código Civil, são, assim, complementares, estabelecendo ambos um período mínimo de três anos quer de vigência do contrato de arrendamento e quer de renovação desse contrato.
Admitir-se que apenas o artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, estabelece uma norma imperativa, já não a segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do mesmo Diploma Legal, levaria, na prática, à adoção de situações, não só injustas como incompreensíveis. Na realidade, um senhorio que tivesse celebrado um contrato de arrendamento de um ano, renovável por igual período, se na segunda renovação, ou seja, no final do segundo ano, pretendesse se opor a tal renovação, poderia fazer cessar o seu contrato de arrendamento, sem qualquer limitação. Porém, o senhorio que tivesse celebrado um contrato de um ano, renovável por igual período, por já não pretender, logo na primeira renovação, renovar tal contrato, se se tivesse oposto, nos termos da lei, veria o seu contrato, ainda que não renovado, permanecer em vigor durante mais dois anos, ou seja, na prática, durante mais um ano do que aquele que não tinha tido qualquer intenção de, na primeira renovação, se opor a esta e que permitira a renovação do contrato.
A interpretação que propomos relativamente à 2ª parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil também não colide com o disposto nos artigos 1097.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) e 1098.º, alíneas b), c) e d), do mesmo Diploma Legal. Atente-se, quanto à oposição à renovação deduzida pelo senhorio, que é a que nos ocupa na presente situação, a alínea b) aplica-se exatamente às situações que se mostram previstas no n.º 3 do artigo 1097.º, visto que, apesar de a oposição só produzir os seus efeitos cumpridos 3 anos desde o início do contrato, para ser válida, e não se dar a renovação, ela terá de respeitar os prazos desta alínea b). Relativamente às alíneas c) e d), as mesmas continuam a ter aplicação nos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios em que tenha sido estipulado a renovação automática (artigos 1095.º, n.º 3 e 1096.º, n.º 2, do Código Civil), pois, nesses casos, também se torna necessário existir um procedimento de oposição a tal renovação. Aliás, as alíneas c) e d) do artigo 1097.º, na interpretação que se opõe à imperatividade da segunda parte do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, sempre deixaria igualmente por explicar como é que tais prazos se harmonizam com a imperatividade de um mínimo de um ano na celebração de contratos de arrendamento urbano, prevista no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil.
Por fim, é verdade que o legislador admitiu que no contrato de arrendamento urbano continuasse a ser possível as partes acordarem na sua não renovação e que nesses casos inexistiria qualquer outro limite, para além do limite de um ano imposto no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil. É verdade igualmente que a imposição de um período mínimo de três anos em caso de renovação pode levar os senhorios a evitar celebrar contratos de arrendamento urbano renováveis, mas tal ocorre igualmente com o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º, que impõe ao senhorio, nos contratos de arrendamento renováveis, que, mesmo que se venha a opor à renovação, logo na primeira renovação, a duração do contrato terá sempre de ser de três anos. Porém, neste caso não é questionada a imperatividade da norma e os efeitos são os mesmos.
Esta é a legislação vigente e competirá ao legislador, caso pretenda tornar efetiva a política de estabilidade, segurança e acessibilidade no arrendamento urbano, criar incentivos, designadamente do ponto de vista fiscal, como já existem nalgumas situações, para que os senhorios considerem atrativo celebrar contratos de arrendamento urbano renováveis. Ao intérprete, por sua vez, apenas compete interpretar e aplicar a lei de molde a assegurar a unidade do sistema e a respeitar as intenções manifestadas pelo legislador.
Assim, e em conclusão, improcede na íntegra o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 11 de julho de 2024
Emília Ramos Costa (1.º adjunta e relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil)
Anabela Luna de Carvalho (2.ª adjunta)
Cristina Dá Mesquita (relatora primitiva com voto de vencida)

Segue voto de vencida

Declaração de Voto

Votei vencida porquanto entendo que todo o artigo 1096.º/1, do Código Civil tem caráter supletivo, ou seja, que as partes são livres de afastar a renovação automática do contrato e de estipular prazos diferentes de renovação do contrato, ainda que inferiores a 3 anos de duração, porquanto:

1) O texto da lei, com a expressão “salvo estipulação em contrário” colocada no início do preceito legal, abrange tudo o que nele se prevê, a saber, a renovação automática do contrato no seu termo e duração do período de renovação, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos corretos (artigo 9.º/3, do CC).

2) A lei que permite o mais também permite o menos (argumento a maiori ad minus): se o legislador permite às partes optarem por não renovar o contrato, deve entender-se que permitirá o menos, isto é, que elas regulem os termos da renovação, ainda que esta implique a estipulação de prazos de renovação inferiores ao prazo inicial de duração do contrato;

3) Esta interpretação coaduna-se com a remissão operada no n.º 3 do artigo 1096.º para o regime de oposição à renovação previsto no artigo 1097.º do Código Civil, no qual estão previstos prazos de renovação automática do contrato por períodos inferiores a três anos; que sentido faria impor no artigo 1096.º/1, do CC um prazo mínimo de 3 anos de renovação automática do contrato e depois reconhecer no artigo 1097.º prazos de renovação automática do contrato inferiores àquele período de tempo?

4) A proteção à estabilidade do arrendamento está, quanto a nós, consagrada no artigo 1097.º/3, do Código Civil, que é uma norma imperativa, na medida em que ele ao estatuir que a oposição à primeira renovação do contrato por parte do senhorio apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do contrato, mantendo-se em vigor até essa data, obriga, de forma indireta, a uma vigência mínima garantida de três anos dos contratos de arrendamento com prazo certo (nos casos em que a renovação automática não foi afastada pelas partes).

Cristina Dá Mesquita (primitiva relatora)

__________________________________________________

[1] Relatora primitiva: Cristina Dá Mesquita; 1.ª Adjunta e relatora nos termos do art. 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunta: Anabela Luna de Carvalho.

[2] Consultável em www.dgsi.pt.

[3] Almedina, 3.ª edição, 2021, págs. 655 a 657.

[4] FDUP, fevereiro 2020, págs. 82 e 83.

[5] Universidade Católica Editora, Porto, 2020, págs. 86 e 87.

[6] Almedina, 2019, pág. 31.

[7] 5.ª edição, Porto Editora, 2019, pág. 286.

[8] Este acórdão veio a ser revogado pelo acórdão do STJ proferido em 20-09-2023 e citado na sentença recorrida.

[9] março de 2019, págs. 11 e 12.

[10] pág. 303.

[11] Universidade Católica Editora, Porto, 2020, págs. 26 e 27.

[12] Quid Juris, 2019, pág. 390.

[13] pág. 21.

[14] Vida Económica, 2019, pág. 183.

[15] 2022, Almedina, pág. 179.

[16] Sublinhado nosso.