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ADMISSIBILIDADE DE MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário
I - O artigo 415º do Código de Processo Civil garante o contraditório quanto às provas admissíveis ao estabelecer que “não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. II - A admissibilidade de meios de prova exclusivamente produzidos no processo decorrente da imposição do contraditório, princípio fundamental de processo civil, impede que o tribunal se possa socorrer de quaisquer meios de prova sobre os quais as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar, nomeadamente as que resultam de consultas efetuadas pelo juiz na Internet ao responder à matéria de facto.
Texto Integral
Proc. n.º 188/22.0T8PVZ.P1
Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
AA e mulher BB demandaram CC pedindo que:
a) seja fixado prazo para proceder à consignação em depósito do remanescente do preço nos
termos do artigo 830º, nº 5, do Código Civil;
b) se declare a execução específica do contrato promessa e, em consequência, a prolação de sentença que produza os efeitos translativos da propriedade do prédio da Ré para si, designadamente, de declaração de venda do prédio indicado em 2, ordenando-se a liquidação dos impostos devidos às taxas legais em vigor.
Invocam a celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel, e o incumprimento da Ré do dever de celebrar a escritura definitiva.
A Ré contestou sustentando que o contrato promessa ajuizado foi celebrado com a intenção de servir de garantia de bom pagamento/restituição do valor de empréstimo de quantia em dinheiro dos AA a terceiro, DD amigo da Ré.
Requereu a intervenção acessória de DD e cônjuge EE a qual, foi admitida.
Os Autores exerceram o contraditório quanto às exceções.
A SENTENÇA JULGOU A AÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE.
I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença declarou provados os seguintes factos:
1. Por escrito, com assinaturas da Ré e do Autor reconhecidas pelo Solicitador FF em 30 de Abril de 2021, a primeira declarou prometer vender ao segundo, que declarou prometer comprar, livre de quaisquer hipotecas, ónus ou encargos, pessoas e bens, a fração autónoma designada pelas letras “CL”, correspondente ao ... andar esquerdo-centro com orientação nascente – Habitação com a área de 52 m2 e uma arrecadação no terraço, último piso, a 8ª do lado esquerdo no sentido nascente-poente e voltada a sul, descrita na Conservatória de Registo Predial de Vila do Conde com o nº ...00..., freguesia e concelho ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...45... [alínea A) do despacho em referência e documento 1 junto com a petição].
2. Foi declarado que o preço acordado era de €70.000, a liquidar da seguinte forma:
“a) a quantia de €50.000 (…), a título de sinal e princípio de pagamento, na data de assinatura do presente contrato, por intermédio de transferência bancária a ser efetuada da conta do Promitente Comprador com o IBAN ...423 para a conta da Promitente Vendedora com o IBAN ...923;
b) o remanescente no valor de €20.000 (…) na data da escritura pública de compra e venda” [alínea B) do despacho em referência e documento 1 junto com a petição].
3. Na cláusula 4ª ficou a constar que a escritura teria lugar nos quinze dias seguintes após terem vencido três meses da assinatura, numa conservatória ou num dos Cartórios Notariais de Vila do Conde, Póvoa de Varzim ou Barcelos, a agendar pelo Autor que notificaria a Ré da data e hora com antecedência mínima de cinco dias úteis [alínea C) do despacho em referência e documento 1 junto com a petição].
4. Ficou a constar da cláusula 6ª 1 f) do escrito identificado em 1) “não há qualquer contrato promessa, de arrendamento ou outro, seja de que natureza for, relacionado com o imóvel que possa materialmente restringir ou limitar a utilização ou disposição por parte do promitente comprador [alínea D) do despacho em referência e documento 1 junto com a petição].
5. Na cláusula 10ª foi declarado “a primeira contraente poderá anular o presente contrato através do cumprimento cumulativo das seguintes condições:
a. devolução da quantia entregue a título de sinal, no valor de €50.000, acrescida do valor adicional de €20.000 (…), devendo a ordem de transferência ser dada no prazo máximo de dois meses da assinatura do presente contrato;
b. a devolução terá de ser efetuada para a conta bancária do promitente comprador acima indicada;
c. a referida devolução só pode ser confirmada após confirmação do crédito em conta por parte do promitente comprador no prazo máximo de dois dias úteis após a ordem de pagamento ter sido efetuada;
d. o cumprimento cabal das anteriores condições anteriormente referidas conferirá à primeira contraente o direito ao cancelamento do registo do presente contrato na Conservatória de Registo Predial correspondente [alínea E) do despacho em referência e documento 1 junto com a petição].
6. A aquisição da fração identificada em 1) foi registada a favor da Ré pela Ap. ...08 de 11 de Outubro de 2019 [alínea F) do despacho em referência e documento 2 junto com a petição].
7. Pela Ap. ...79 de 21 de Junho de 2021 foi registada a aquisição provisória da fração identificada em 1) a favor do Autor com menção do prazo referido em 3) [alínea G) do despacho em referência e documento 2 junto com a petição].
8. Com data de 30 de Abril de 2021, o Banco 1... comunicou a GG que havia debitado €50.000 da conta com o IBAN ...358 para crédito da conta com o IBAN ...923 em nome de Dr. DD.
9. Em 4 de agosto de 2021, o Autor remeteu à Ré carta registada comunicando que a escritura estava agendada para 13 de agosto de 2021, pelas 10 horas, no Cartório Notarial de HH, sito na Rua ..., ..., em Barcelos, informando que deveria apresentar no ato a licença de utilização e o certificado energético.
10. A carta referida em 9) foi entregue em 9 de agosto de 2021.
11. Em 13 de Agosto de 2021 o Notário Dr. HH, com Cartório na Rua ..., ... rés-do-chão, Barcelos emitiu certificado onde consta que:
- o Autor fez diligências junto do seu Cartório no sentido de obter o agendamento de uma escritura pública de compra e venda relativa à fração identificada em 1);
- a escritura fora agendada para essa data, pelas 10h00, tendo o Autor entregue os seus dados pessoais, bem como a certidão permanente do registo, caderneta predial e o contrato promessa;
- não fora entregue o certificado energético nem a licença de utilização;
- à hora agendada não se encontrava presente a vendedora e, aguardando cerca de 30 minutos, procedera
novamente à chamada, verificando-se a ausência da Ré, não se realizando a escritura por essa falta de comparência e dos documentos que lhe incumbia entregar.
12. Em meados do ano de 2021, o Interveniente Acessório DD precisava de liquidez financeira mas não tinha património livre que lhe servisse de garantia.
13. Sabendo que a fração identificada em 1) pertencia à Ré, o Interveniente Acessório, aproveitando-se da relação de amizade entre ambos, pediu-lhe para a usar como garantia do pagamento do valor que o Autor lhe iria emprestar, explicando que a devolução do valor emprestado ocorreria, no máximo, em dois meses.
14. Explicou, ainda, que pretendiam evitar custos e que, para o objetivo visado, bastaria a celebração de um contrato promessa de compra e venda, no qual incluiriam uma cláusula do teor da referida em 5), destinada à restituição do valor emprestado e de um acréscimo a título de remuneração.
15. A Ré não pretendeu prometer vender nem o Autor pretendeu prometer comprar o imóvel.
16. O montante referido em 8) não foi entregue à Ré.
17. O valor de mercado da fração é de, pelo menos, €95.000 [resposta ao artigo 37º da contestação].
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Declarou não provados os seguintes factos:
a) Ré adquiriu a fração para arrendamento;
b) desde finais de 2019 a fração estava arrendada a II, para habitação própria permanente deste;
c) a renda que aufere relativamente a esse imóvel é um rendimento extra que a Ré tem e pretende manter;
d) o acordo identificado em 1) a 5) foi feito com o intuito de reduzir os encargos fiscais e emolumentos decorrentes da celebração de um contrato de mútuo com hipoteca.
II DESTA SENTENÇA APELARAM OS AA QUE FORMULARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A. Deve ser considerado não provado o facto descrito na sentença como facto provado no ponto 17.
B. (…) A única prova produzida em audiência sobre o facto foi o depoimento do Autor e este
referiu que o valor está entre 70, 80, 90 mil euros, sendo que após negociação referiu só ofereceu 70 mil euros e que ainda que era necessário gastar em obras 50 mil euros.
C. O facto dado como provado deveria ser ter a seguinte redação: O valor de mercado da fração oscilava entre os 70.000€ e os 90.000€. [resposta ao artigo 37º da contestação]. A que se deveria ter aditado o complemento: que era necessário gastar 50.000€ para colocar o apartamento em condições.
(…).
F. Foram incorretamente julgados provados os factos dos pontos 12 a 16, que se devem ser dados como não provados, devidamente:
12. Em meados do ano de 2021, o Interveniente Acessório DD precisava de liquidez financeira, mas não tinha património livre que lhe servisse de garantia [resposta ao artigo 5º da contestação].
13. Sabendo que a fração identificada em 1) pertencia à Ré, o Interveniente Acessório, aproveitando-se da relação de amizade entre ambos, pediu-lhe para a usar como garantia do pagamento do valor que o Autor lhe iria emprestar, explicando que a devolução do valor emprestado ocorreria, no máximo, em dois meses [resposta aos artigos 8º, 9º, 10º da contestação].
14. Explicou, ainda, que pretendiam evitar custos e que, para o objetivo visado, bastaria a celebração de um contrato promessa de compra e venda, no qual incluiriam uma cláusula do teor da referida em 5), destinada à restituição do valor emprestado e de um acréscimo a título de remuneração [resposta ao artigo 11º, 12º, 13º da contestação].
15. A Ré não pretendeu prometer vender nem o Autor pretendeu prometer comprar o imóvel (resposta ao artigo 17º da contestação].
16. O montante referido em 8) não foi entregue à Ré [resposta aos artigos 17º, 30º da contestação].
G. A única prova produzida em audiência relativamente aos factos dados como provados nos pontos 12) a 16) foi o depoimento de parte do Autor, que não confessou e o depoimento de parte do associado da Ré.
H. O contrato promessa celebrado entre Autor e Ré, cuja matéria está assente nos autos, é um documento autenticado com força probatória plena nos termos dos arts.º 393.º, n.º 2, 377.º e 371.º, n.º 1, do Código Civil. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 393.º do CC «quando o facto estiver plenamente provado por documento, ou por outro meio com força probatória plena», «não é admitida prova por testemunhas», nos termos do art.º 351.º do CC fica vedada a prova por presunções judiciais.
I. O alegado mútuo, bem como o alegado contrato de garantia com valor de 50.000€ invocados pela Ré correspondem a declarações negociais que, por força de lei, teriam de ter sido reduzidas a escrito ou necessitariam de ser provadas por escrito ou confissão, não sendo admitida a sua prova mediante testemunhas (art.º 393.ºCC) ou presunções judiciais (art.º 351.º CC).
J. Não foi junto qualquer documento, nem o Autor confessou, nem a Ré depôs pelo que não podia tal matéria ter sido dada como provada apenas com o depoimento do associado da Ré.
K. Por outro lado, quanto à prova da eventual existência de simulação, o n.º 1 do art.º 394.º do CC direciona a prova de alegadas convenções contra conteúdos de documentos ou para além deles, considerando inadmissível a prova por testemunhal. E o nº 2, em conjugação com o nº 1, exclui expressamente, a utilização de prova testemunhal para a demonstração da existência, quer do acordo simulatório, quer do negócio dissimulado, quando - como ocorre no caso vertente - um e outro sejam invocados pelos próprios simuladores.
L. (…) só quando há princípio de prova escrita e, mesmo aí, terá de ser emanado pelo simulador e a prova testemunhal admissível destinar-se-á, precisamente, a complementar ou a interpretar o sentido de tal documento (tendo, por isso, mera função de complemento ou de interpretação do seu sentido) e não o meio de prova estrutural da alegada simulação.
M. Não foi junto ao processo, não existe na sentença, nem na motivação referência a documento escrito emitido pelo Autor com teor e virtualidade de por si constituir princípio de prova ao depoimento do interveniente acessório referido na motivação.
N. As declarações do Assistente estão desprovidas de valor probatório pleno e são apreciadas nos termos do 361.º do CC e 455.º do CPC, encontrando-se ao mesmo plano da prova testemunhal e, por isso, sujeita às mesmas restrições que aquela.
O. Ao atender ao depoimento do assistente nos termos em que se faz na douta sentença foi infringida a proibição de prova imposta pelo n.º 2 do art.º. 394º do Código Civil e assim trata-se de matéria excluída à regra de liberdade de julgamento, consagrada no n.º 1 do art.º 655.º do CPC devendo-se ter como não provados os factos vertidos nos pontos 12 a 16 do elenco dos factos provados.
Sem prescindir,
P. Devem ser considerados não provados os factos supra transcritos e descritos na sentença como matéria de facto provada sob ponto 12) a 16) por não se ter feito prova dos mesmos conforme resulta da prova.
Q. O depoimento do assistente da Ré, particularmente contra documento autêntico, não foi valorado atendendo as circunstâncias e a posição na causa e de quem o requereu. Ademais resultou inequívoco do seu depoimento uma duvidosa fiabilidade só ultrapassada, e mesmo assim de forma errática, pela adesão fática a informação retirada quer do questionário, quer lendo texto;
S. Ainda que sob o princípio da livre apreciação, o Tribunal a quo não considerou as circunstâncias especificas do associado e a sua posição na causa, até porque este não foi capaz de ser claro quanto à falta de liquidez no momento da celebração do contrato promessa, não conseguiu identificar o momento em tal ocorreu, nem soube descrever o alegado empréstimo ou como o evidenciou ao Autor, tão pouco as quantias alegadas e entregues; não foi claro porque motivo o Autor exigiu a alegada garantia para os 50 mil e não para as supostas outras entregas; não soube explicar porque no mínimo não fez constar do documento essa realidade; foi taxativo em referir que não estava prevista qualquer remuneração para o referido processo o que inviabilizada desde logo os factos dados como provados e o contexto referido da clausula alegadamente remuneratória; não foi capaz de expor o alegado prazo, a própria tese do motivo para o qual necessitaria de liquidez é disruptiva com qualquer senso comum e lógica, no momento em que o país vive em Pandemia e as pessoas pedem moratórias ao Banco, o associado vislumbra transformar €150.000 em €1.300.000, em 3 meses.
T. Ofende os juízos da experiência comum e da racionalidade que se forme convicção probatória em que se crê que a Ré, amiga de há mais de 20 anos, Private broker, dê de garantia um imóvel seu ao seu associado para garantir um empréstimo deste por três meses, conhecendo a sua insolvência e indisponibilidade financeira!!
U. Bem como Autor e Ré embarcassem, por várias vezes, num investimento surreal.
V. Errou ainda o tribunal ao dar como provado que o valor não foi entregue à Ré, quando na verdade resultou da prova que todo o processo foi conduzido pelo seu associado e que o IBAN previsto no contrato foi aquele para onde foi transferido o valor do sinal.
W. Acresce que não foi corretamente apreciada a prova designadamente resultante do autor do que sempre referiu a sua vontade em adquirir o imóvel em causa e que olhando para todo o percurso crê que aqueles acautelaram a possibilidade de encontrarem um melhor negócio, sem prejuízo da pressa na conclusão daquele.
X. O Tribunal errou ainda ao não equacionar o evidente interesse do associado na exoneração da Ré e ao considerar como provados os factos vertidos nos pontos 12) a 16) que assim se devem ter como não provados.
Y. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 240.º;
241.º, 405 n.º 1, 410.º n.º1, 2 e 3,.º, 342.º, n.º 1, 347.º, 351.º, 371.º, n.º1, 376.º e 377.º, 393, n.º 1 e 2.º, 394.º, n.º 1 e 2, 699.º, 1142.º, 1143.º todos do código civil, e art.º 413.º, 414.º, 415.º, 455.º, 607.º e 655.º, todos do Código do Processo Civil, no sentido supra exposto.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, revogar-se a decisão proferida pelo tribunal julgando-se ação provada e procedente e seja fixado prazo para seja fixado prazo para proceder à consignação em depósito do remanescente do preço nos termos do artigo 830º nº 5 do Código Civil; se declare a execução específica do contrato promessa e, em consequência, a prolação de sentença que produza os efeitos translativos da propriedade do prédio da Ré para si, designadamente, de declaração de venda do prédio referido nos autos, ordenando-se a liquidação dos impostos devidos às taxas legais em vigor.
RESPONDEU A RÉ A SUSTENTAR A DECISÃO APELADA.
Nada obsta ao mérito.
III - O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões dos recorrentes as questões a decidir são as seguintes:
1- Saber se ocorre a (in)admissibilidade da prova testemunhal 2. Saber se o tribunal à quo errou na apreciação da prova produzida.
3. Na afirmativa reapreciar o direito aplicado na sentença.
IV O MÉRITO DO RECURSO:
V FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
VI. A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VI.1.
Pretendem os recorrentes a alteração do ponto 17 da matéria de facto com o seguinte teor:
“O valor de mercado da fração é de, pelo menos, €95.000” propondo a seguinte redação:
17. O valor de mercado da fração oscilava entre os 70.000€ e os 90.000€. sendo necessário gastar 50.000€ para colocar o apartamento em condições.
Sustentam que nenhuma prova se fez em audiência quanto ao valor do imóvel constante deste ponto de facto, sendo que os elementos probatórios em que se fundou a decisão de facto não foram discutidos em audiência pelo que não podem servir de base à motivação da prova.
É a seguinte a motivação da sentença: “o preço estabelecido corresponde a €1.346,15/m2, em função da área do apartamento que consta do registo, sendo certo a fração integra também uma divisão destinada a arrumos situada no terraço; considerando que se trata de um edifício situado em primeira linha de mar na marginal de ..., mesmo ponderando que tem mais de 35 anos, dado que se trata de um prédio registado na Conservatória de Registo Predial em 1985, no confronto com anúncio do site ... para venda de um apartamento exatamente com a mesma área, sito no ..., com arrumos privativos e acesso ao terraço comum existente na cobertura, integrado num prédio em primeira linha de mar, construído em 1983 que poderá ser o mesmo edifício, pois não existem outros edifícios em primeira linha de mar com essa idade nem altura], pelo preço de €189.000 e outro anúncio do site ... de um apartamento com 120 m2, T1 transformando em T3, no mesmo edifício, à venda por €220.000, sem aspe-to de ter sido remodelado, verificamos uma enorme discrepância de preços, já que no primeiro caso corresponde a €3.634,61/m2 e no segundo a €1.833,33/m2; por referência aos anúncios in ... e ... temos, respetivamente, uma moradia de 97 m2 para restauro, em segunda linha de praia, sita em ..., o preço anunciado de €200.000, ou seja, €2.061,85/m2 e uma moradia em ruína, situada no centro de ... com área de de 59 m2, com projeto de reconstrução aprovado, com o preço anunciado de €110.000, ou seja, €1.864,41/m2; embora se trate de meros valores de oferta, desconhecendo-se se os vendedores irão ter êxito na sua pretensão de alienar por aqueles preços, percebemos que, na comparação dos imóveis, o preço previsto no contrato promessa encontra-se claramente abaixo do valor anunciado, pelo menos no montante de cerca de € 500/m2, o que se poderia compreender num contexto de necessidade de venda em curto prazo; os resultados desta pesquisa em conjugação com o depoimento de parte do Autor conduziu à fixação do ponto 17) da fundamentação de facto”;
Por sua vez o Autor declarou que o valor da fração constante do contrato promessa foi um valor negociado, quer era o máximo de que podia dispor e que a fração necessitava de obras que ascenderiam a cerca de 50.000 euros.
A ré sustenta o acerto da decisão e que os elementos probatórios de que o tribunal à quo se valeu estão dentro do âmbito dos seus poderes inquisitórios.
VI.1.1
Qui iuris?
Concordamos com o recorrente quando afirma que de acordo com o “disposto no art.º 415.º do CPC e ainda o princípio fixado no art.º 413.º do CPC, segundo o qual só são atendíveis as provas produzidas em audiência”.
Com efeito o artigo 415º do Código de Processo Civil garante o contraditório quanto às provas admissíveis ao estabelecer que “não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”.
Trata-se de um principio fundamental de processo civil sendo que o recurso pelo tribunal a tais meios de prova por si e sem que as partes pudessem sobre as mesmas pronunciar-se viola de forma manifesta esta garantia do processo justo e equitativo consignada ainda no artigo 3º do Código de Processo Civil).
Donde que o tribunal para fundamentar a sua convicção apenas pode utilizar o depoimento do Autor única prova produzida no processo e que, como resulta do exposto, não valida o juízo de que o imóvel teria um valor comercial superior ao constante do contrato promessa.
Procede em tais termos o recurso nesta parte, declarando-se não provado o facto nº 17 da fundamentação da sentença e ora impugnado, não sendo de admitir como provada a redação proposta pelos recorrentes que se apresenta insuficiente motivada na prova produzida.
VI.2.
Sustentam os Recorrentes a alteração de «provado» para «não provado» dos pontos 12 a 16 da matéria de facto, invocando num primeiro momento que tais factos estão motivados no depoimento de parte do autor que não confessou esta matéria e no depoimento de parte do interveniente associado da ré e que uma vez que tais factos se referem à simulação do negócio, a qual arguida pela própria simuladora, esta prova é inadmissível em face do disposto nos artigos 393º e 394º nº 1 e 2 do CC, não existindo nos autos qualquer principio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado” e que como tal pudesse validar a admissibilidade desta prova, nem tal é referido na sentença.
Num segundo momento na ausência de prova relativamente aos mesmos.
VI.2.1.
É o seguinte o teor dos pontos 12 a 16 da matéria de facto:
12. Em meados do ano de 2021, o Interveniente Acessório DD precisava de liquidez financeira mas não tinha património livre que lhe servisse de garantia.
13. Sabendo que a fração identificada em 1) pertencia à Ré, o Interveniente Acessório, aproveitando-se da relação de amizade entre ambos, pediu-lhe para a usar como garantia do pagamento do valor que o Autor lhe iria emprestar, explicando que a devolução do valor emprestado ocorreria, no máximo, em dois meses.
14. Explicou, ainda, que pretendiam evitar custos e que, para o objetivo visado, bastaria a celebração de um contrato promessa de compra e venda, no qual incluiriam uma cláusula do teor da referida em 5), destinada à restituição do valor emprestado e de um acréscimo a título de remuneração.
15. A Ré não pretendeu prometer vender nem o Autor pretendeu prometer comprar o imóvel.
16. O montante referido em 8) não foi entregue à Ré.
VI.2.1.2
No que respeita à (in)admissibilidade probatória do depoimento do associado da Ré:
Aceita-se concordando com a tese defendida pelos recorrentes de que este depoimento deve ser apreciado livremente pelo juiz conforme o disposto no artigo 455º do Código de Processo Civil.
No que respeita à sua (in)admissibilidade como meio de prova livre, não vem discutido no recurso, que como aliás, se refere no acórdão do TRC de 08-05-2018 (VÍTOR AMARAL) 1/17.0T8MBR-A.C1, in dgsi “A doutrina e a jurisprudência vêm acolhendo uma interpretação algo flexível da norma proibitiva do art.º 394.º, n.º 2, do CC., defendendo a admissibilidade, em matéria de acordo simulatório, da prova testemunhal corroborante, isto é, desde que assente em base documental que constitua começo de prova (documentos fundantes de uma primeira convicção, uma possibilidade séria de simulação, a confirmar, ou não, com os depoimentos testemunhais). 2. - Tal base documental pode traduzir-se em documento assinado pelos simuladores ou algum deles ou resultar da conjugação de diversos documentos relevantes”.
Entendimento, este, dominante na jurisprudência dos Tribunais superiores como resulta dos arestos, citados no referido acórdão: Ac. da TRC de 15/11/2016, Proc. 394/11.2TBNZR.C1 (Rel. Fonte Ramos); Ac. STJ de 15/12/1998 (() Proc. 98A795 (Cons. Francisco Lourenço); Ac. STJ de 23/09/1999, Proc. 99A593 (Cons. Garcia Marques); Ac. STJ de 15/05/2013 (() Proc. 279/10.0TBMIR.C1.S1 (Cons. Lopes do Rego), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
No acórdão do STJ de 07-02-2017 (SEBASTIÃO PÓVOAS) 3071/13.6TJVNF.G1.S1, consultável in dgsi, enfatiza-se que:
(…) “princípio de prova” (ou “começo de prova”) (…) só pode ter correspondência no conceito de “fumus bonni juris”, ou prova indiciária, sobretudo elaborado em sede de procedimentos cautelares.
A assim não se entender caímos nos princípios de experiência geral, de verosimilhança que a nada mais conduzem do que a presunções simples, judiciais ou de experiência (cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 310; Prof. A. Varela, in “Manual de Processo Civil”, 1984, 486; e Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 191).
(…) inadmitida a prova testemunhal não são de admitir presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil).
Daí que o tal “princípio de prova” só poderia ser constituído por qualquer dos documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 394.º que, se não unívocos, só poderão tornar-se completos se conjugados com a prova secundária (que ,então, se concede ser testemunhal), complementarou, com rigor, meramente residual, e só por si sem valor autónomo, por não lho permitir o n.º 2 do artigo 394.º.
De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.
Daí que, adicionando esse documento à existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394.º (v.g. os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 – Pº 7A1364; Pº 758/06.3TBCBR-BP1.S1; e de 9.7.2014 -5944/07.6TBVNG.P1:S1)
VI.2.1.3
À luz de tais entendimentos cumpre sindicar se nos autos inexiste efetivamente documento escrito que sirva de base documental permissiva da admissibilidade da prova por declarações efetuada nos autos.
Aqui, não custa reconhecer tal princípio de prova no documento nº 4 junto com a petição, o qual, embora emitido pelo Banco 1..., foi junto pelos AA como meio de prova do pagamento do sinal acordado entre as partes outorgantes.
Donde que por corresponder à informação de pagamento alegada pelos Autores como correspondente ao sinal e princípio de pagamento estipulado no contrato e efetivamente entregue se trata de documento que será de subsumir ao conceito de documento base da prova testemunhal in casu, pois a simulação funda-se, para além do mais, em que valor do sinal na realidade constituiu um mútuo a favor do DD.
Efetivamente , pelo referido documento levado à matéria assente no ponto 8º da matéria de facto com data de 30 de Abril de 2021, o Banco 1... comunicou a “GG que havia debitado €50.000 da conta com o IBAN ...358 para crédito da conta com o IBAN ...923 em nome de Dr. DD”.
(Decidiu de modo equivalente o acórdão do TRL de 10/01/2008 (NETO NEVES) CJ ano 2008 I-pp75-78, apud nota 456 in Direito probatório material, Luis Filipe de Sousa pp 222, num caso em que os AA demandaram o Réu por alegada simulação de procuração irrevogável outorgada a favor deste a conferir poderes para vender imóveis sua pertença (…)invocando que o que pretendiam era apenas garantir um empréstimo do Réu aos AA, foi admitido como principio de prova o documento demonstrativo da transferência bancária do dinheiro do Réu para os AA com data do contrato).
VI.2.2
Sustentam ainda os Recorrentes que em qualquer caso o depoimento do assistente da ré, não
é verosímil dado que não conseguiu sequer identificar quando começaram as suas dificuldades financeiras ou a sua indisponibilidade patrimonial, aliás começou por referir que vendeu as empresas no início do ano de 2021, sendo que o contrato é de 30 de abril de 2021, depois refere que não tinha disponibilidade causa do divórcio (que situou entre setembro de 2021 e 2022), e por fim, por conta de um alegado processo de arresto corrigindo o depoimento à medida que a instancias do tribunal são lhe questionadas as inconsistências (…) foi mesmo incapaz de explicar os elementos integrantes e constitutivos do alegado mútuo supostamente celebrado com o Autor: não conseguiu balizar critérios essenciais como o tempo, o modo, nem sequer o prazo do empréstimo. Não explicou de que forma o evidenciou ao Autor, o que utilizou para o convencer, pelo contrário até foi perentório em referir que não fixaram rentabilidades, nem remuneração, qual ou quais os documentos que o suportam.
A sentença por sua vez fundamenta a prova destes pontos de facto pela seguinte forma:
(…) O Interveniente Acessório DD explicou que após a venda da sua participação em empresas, começou a dedicar-se a investimentos financeiros de risco (criptomoedas), tendo sido apresentado ao Autor na empresa deste, onde foi levado por um amigo comum, JJ, que lhe transmitiu que aquele tinha liquidez, acabando por lhe propor a realização de investimento, garantindo-lhe a liquidez, ao qual o mesmo aderiu com €25.000/30.000, que não correu bem e subsequentemente, tendo-lhe sido transmitido pelo broker que para levantar €1.000.000 de resultados, teria de depositar € 50.000 (devidos a título de impostos e taxas), recorreu ao Autor e porque este não estava confiante na devolução, exigiu uma garantia para que não acontecesse como anteriormente; explicou que embora tivesse património na Póvoa de Varzim e na ... o mesmo estava arrestado no âmbito de um processo judicial que lhe havia sido movido pelo Ex Presidente da Câmara Municipal ... e conhecendo o apartamento da Ré, de quem é amigo e que anteriormente lhe tinha emprestado dinheiro, pediu-lhe para prestar a garantia pretendida, o que a mesma aceitou embora com reticências uma vez que não conhecia o Autor; afirmou não se recordar da fixação de juros nem o lapso de tempo do empréstimo mas que lhe “agradeceria” como reconhecimento que sem ele não teria feito a operação; relatou que o contrato foi elaborado pelo Solicitador Dr. FF, pessoa da inteira confiança do Autor que lhe enviou a minuta, que encaminhou para a Ré que colocou várias questões, que as colocou ao irmão que é Advogado, o qual leu e transmitiu que nada tinha a opor se era essa a vontade das partes; não recordava de se ter falado de hipoteca, mas sim de garantia e de ser uma solução sem custos; falou também num empréstimo posterior de €10.000 relativamente ao qual não foi exigida garantia pois o valor da garantia ultrapassava-o largamente; precisou que o desfecho do assunto foi-lhe desfavorável percebendo que era uma burla, tendo perdido €1.300.000 e ficado insolvente.
Embora com imprecisões e falta de memória que atribuiu a sequelas de um AVC grave que teve aos 47 anos, existem elementos objetivos que vão ao encontro do relato que realizou: foi o beneficiário da transferência bancária [documento 4 junto com a petição], iria compensar o Autor pela ajuda [cláusula 10ª do documento 1 junto com a petição inicial], este estava assessorado por Solicitador de nome FF [as assinaturas foram Ré e do Autor reconhecidas pelo Solicitador FF e ficou logo previsto na cláusula 10ª que o contrato seria registado na Conservatória de Registo Predial, falando-se, aí, em cancelamento]”.
Os Recorridos vêm invocar que o depoimento prestado abona o juízo valorativo constante da decisão recorrida.
VI.2.1. APRECIEMOS.
O interveniente no essencial declarou o que consta da motivação da sentença, tendo o seu depoimento sido impreciso, hesitante, com recurso recorrente a justificação de ausência de memória e mesmo contraditório, nalguns pontos, sendo certo que do global das suas afirmações se aproveita que o mesmo afirmou que o contrato promessa dos autos serviu para a ré garantir o empréstimo de 50.000,00 euros que o Autor lhe fez e cujo valor ele esperava restituir dois meses depois contando para isso com o retorno do investimento de risco (compra de criptomoeda) a que o capital se destinava.
Mais assegurou que a celebração do contrato promessa se ficou a dever a uma “exigência do Autor”, não tendo em momento algum afirmado que a opção pelo contrato promessa em detrimento de uma hipoteca teve por finalidade era a de suprimir custos fiscais ou outros. De resto afirmou que não se lembra de ter sido falado em hipoteca.
Quid iuris?
A valoração das declarações prestadas pelo interveniente não pode fazer-se sem ter em linha de conta de que “as mesmas se tratam de meio de prova com papel secundário e destinado a determinar o alcance dos documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar (…) sempre que com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico o depoimento das testemunhas é admitido com a finalidade de confirmar ou infirmar essa convicção (…) como legitimo é a partir desse mesmo começo de prova pela via das presunções judiciais, deduzir a existência se simulação com base em factos existentes no processo” Direito probatório material, Luís Filipe de Sousa pp 215.
Feito este considerando entendemos que neste segmento de valoração da prova processual a transferência do alegado montante de sinal para a conta bancária do interveniente acidental permite uma convicção segura de que efetivamente a Ré não recebeu qualquer quantia a este titulo e uma vez que a conta em causa é a indicada no contrato promessa, que efetivamente subjacente ao mesmo terá estado antes a vontade de transferir para aquele terceiro o dinheiro tal como veio a ser afirmado pelo interveniente, cujas declarações apesar de diríamos desastradas e imprecisas, dado o referido valor probatório complementar que têm relativamente ao teor dos documentos enunciados, são por isso suficientes no entanto para confirmar a versão da ré trazida ao processo secundando-se por tal razão a sentença, quanto aos pontos 13, 15 e 16 da matéria de facto.
Já não, assim, quanto ao ponto 14 na parte que refere “que pretendiam evitar custos” pois o que o interveniente declarou foi que a garantia prestada por via do contrato promessa foi uma exigência do autor, nada em contrário resulta dos referidos documentos juntos aos autos, pelo que. elimina-se essa parte deste referido ponto de facto.
No mais mantém-se a decisão de facto, intocada.
VI.3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O recurso da sentença vem sustentado na alteração da matéria de facto, nada tendo sido oposto ao direito aplicado na sentença aos factos provados, com o qual de resto concordamos.
Não tendo sido acolhida no essencial a pretensão impugnatória da matéria de facto apresentada é por consequência de confirmar sem mais a decisão de direito constante da sentença, que vai por nós secundada, sem reserva.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 10-07-2024
Isoleta de Almeida Costa
Carlos Portela
Judite Pires