OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FORNECIMENTO DE BENS
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CONFISSÃO JUDICIAL
Sumário


I – O acordo e admissão de dívida referentes a anterior execução, que se extinguiu por deserção, não muda a natureza da dívida (que resulta da mesma relação jurídica subjacente ao título), não a retirando da previsão da al. b), do artigo 317.º, do Código Civil, não se lhe aplicando o prazo ordinário de prescrição, previsto no artigo 309.º, do Código Civil.
II – Apenas se verifica a confissão tácita se, em sede de audiência, o beneficiário da prescrição, se recusar a depor ou a prestar juramento.
III – A declaração confessória, para valer com a força probatória plena atribuída à confissão, tem de ser reduzida a escrito na acta da audiência de discussão e julgamento.

Texto Integral

Apelações em processo comum e especial (2013)
*
Relator: Falcão de Magalhães
1.ºAdjunto: Des. António Silva
2.º Adjunto: Des. Cristina Neves
Apelação n.º 1665/20.2T8VIS-A.C1
 
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
 
I - A) - 1) - «[…]2 AA, executado nos autos principais, onde é exequente A..., Lda., veio deduzir oposição à execução, peticionando o seguinte:
“1- Devem as exceções invocadas serem julgadas procedentes por provadas, nomeadamente, por inexistência e inexequibilidade do título executivo, bem como por a dívida já se encontrar prescrita, tudo nos exatos termos do que acima se deixou dito;

2- Deve o Executado, ora Embargante, ser absolvido do pedido, por nada ser devido à Exequente, seja a que título for, em acolhimento de todo o supra alegado;

3- Devendo ser ordenado o imediato levantamento das penhoras efetuadas; 4- Seja a Exequente condenada como litigante de má-fé, nos termos do disposto nas als. a), b) e d) do n.° 2 do artigo 542.° do Código de Processo Civil, em multa a fixar por este Digníssimo Tribunal e ainda seja também condenada a pagar ao Executado/Embargado, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 542.°e no artigo 543.° do mesmo diploma legal, indemnização tendente a reembolsar as despesas a que a má- fé da
Exequente/Embargada o obrigou, e obrigará, a suportar e a satisfazer os gravosos prejuízos que sofreu em consequência daquela má fé, indemnização cuja liquidação terá de ser relegada para momento ulterior,

 
deduzindo nesta sede pedido genérico, em virtude de não ser possível, na presente data, determinar de modo definitivo os valores supra. 5- Seja a Exequente condenada em custas e procuradoria condigna.”. Para tanto, alega, em síntese, o seguinte: nos finais dos anos 90 as partes contrataram o fornecimento de todo o material necessário e utilizado na construção da sua casa, onde reside atualmente; durante cerca de dez anos, até à conclusão da construção, entre as partes vigorou um contrato de fornecimento, nunca tendo ocorrido qualquer situação de incumprimento de pagamentos por parte do Executado/Embargante; por volta do ano de 2007/2008, o Executado/Embargante teve necessidade de se deslocar para França por motivos profissionais e o exequente exigiu- lhe uma garantia para o pagamento dos materiais fornecidos e a fornecer ainda; o executado passou então o cheque n.º ...53 do Banco 1..., no valor de € 7.500,00, tendo as partes combinado que a data do cheque ficaria por preencher e apenas seria preenchida em caso de incumprimento nos pagamentos por parte do Executado/Embargante; em 2010, sem qualquer fundamento, a Exequente instaurou a ação executiva n.° 15/10...., apresentando como título o referido cheque, que é o mesmo dos autos principais; naquela altura, o Executado encontrava-se a trabalhar em França, tendo sido citado na pessoa de BB, no dia 21.05.2010; o Executado/Embargante foi informado pela D. BB meses mais tarde, quando regressou de França, de que haviam estado umas pessoas à sua procura para cobrar um dívida, mas que não tinham lhe tinham deixado qualquer documento, nem mesmo uma cópia do papel que havia assinado, porém foi informada que era uma dívida reclamada pelo Sr. CC (Sócio Gerente da Exequente); o Executado diligenciou junto da Exequente para realizar o pagamento integral da dívida, tendo pago uma primeira prestação no valor de € 3.000,00 (três mil
 
euros), e, posteriormente, assumiu com a Exequente/Embargada um acordo de pagamento em prestações mensais no valor de € 250,00, desta forma tendo liquidado a totalidade da dívida reclamada pela Exequente/Embargada; o Executado apenas teve efetivo conhecimento da referida ação executiva em julho de 2019, quando teve necessidade de prestar garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.° 264/19...., e aí foi informada que havia uma penhora sob a sua casa e que a mesma foi levada a cabo no âmbito da citada ação executiva; o executado deslocou-se então às instalações da Exequente, onde falou com o Sr. CC, que o informou que aquele processo estava já resolvido e encerrado em virtude do pagamento que lhe foi feito da quantia reclamada no processo, tendo até mostrado ao Executado/Embargante a cópia do último despacho, datado de 01/06/2017, com o título “Extinção da instância por deserção”; a Exequente apresenta como título executivo um cheque datado de 17.11.2009; independentemente da data de apresentação a pagamento, é por demais evidente que o cheque, enquanto título cambiário, encontra-se prescrito em virtude o prazo de seis meses, previsto no artigo 52.° da LUC, ter já decorrido na sua totalidade há muito tempo; a factualidade alegada em sede requerimento executivo, acrescida da omissão das respetivas faturas cujo pagamento pretende, não se mostra suficiente para determinar objetivamente a relação jurídica que foi estabelecida entre as partes e que esteve na base da emissão do cheque aqui apresentado como título executivo, na medida em que o fornecimento dos materiais de construção pela Exequente/Embargada aconteceu durante cerca de dez anos, tendo o Executado/Embargante realizado todos os respetivos pagamentos; nem enquanto mero quirógrafo da obrigação exequenda poderá valer o cheque apresentado nos presentes autos como título executivo; a al. b) do artigo 317.° do Código Civil estatui que
 
“Prescrevem no prazo de dois anos: (...) Os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou não os destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.”; prescrição que o executado invoca; tal prescrição inclui os juros peticionados; a exequente alegou factos que sabe falsos e omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa, deduzindo pretensão cuja manifesta falta de fundamento não podia ignorar; deve ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do disposto nas als. a), b) e d) do n.° 2 do artigo 542.° do Código de Processo Civil, em multa e indemnização ao executado, tendente a reembolsar as despesas a que a má-fé o obrigou, e obrigará, a suportar (verbi gratia, com os honorários da Mandatária signatária) e a satisfazer os gravosos prejuízos que sofreu em consequência daquela má fé, indemnização cuja liquidação terá de ser relegada para momento ulterior, deduzindo nesta sede pedido genérico, em virtude de não ser possível, na presente data, determinar de modo definitivo os valores supra. «»
Notificado da dedução de oposição por parte do executado, veio a exequente apresentar contestação, alegando, em suma, o seguinte: o executado não ignora, nem poderia ignorar a existência dos autos executivos que correram termos com o processo n.° 15/10....; o mesmo foi regularmente citado, não deduziu oposição à execução nem à penhora, foi promovida a venda do imóvel penhorado nos autos e foi celebrado um acordo de pagamento faseado da dívida em prestações, tendo o executado aceite e confessado a existência da dívida e acordou proceder ao pagamento da mesma em prestações mensais de 250,00€ cada; esse
 
acordo nunca foi cumprido, não tendo o executado realizado qualquer pagamento que fosse referente ao mesmo; atento o alegado no requerimento executivo, o cheque vale como quirógrafo da dívida e não apenas como título cambiário, pelo que não tem aplicação nos autos a alegada prescrição; quem litiga com evidente e manifesta má fé é o executado e não a exequente, pelo que, haverá este de ser condenado pois oculta de forma propositada factos e acontecimentos em que participou e documentos que assinou, por forma a escusar-se ao pagamento das quantias que sabe serem devidas à exequente; deve por isso, atendendo ao teor do documento n.° 2 que se junta e face ao que veio alegar nestes autos, ser o executado condenado como litigante de mafé em multa e em indemnização condigna à exequente, cuja indemnização não deverá ser inferior a 2.000€.
«»
Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual se conheceu e julgou improcedente a invocada exceção de inexistência de título executivo. Fixaram-se o valor da ação, o objeto do litígio e os respetivos temas de prova. […]».
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2) Realizada que foi a audiência final, a Mma. Juiz do Juízo de Execução de Viseu, em sentença de 13/05/2023, considerando demonstrada a prescrição presuntiva da obrigação exequenda, julgou os embargos procedentes, e extinta, a execução.
No que respeita aos pedidos de condenação, por litigância de má fé, considerou-os improcedentes.
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B) – 1) - Inconformada, a Exequente/Embargada recorreu dessa sentença, oferecendo, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
 
«A. O Tribunal a quo, na douta sentença de que se recorre, considerou como não provado que o executado deve a quantia exequenda peticionada nos autos;
B. Considera a Recorrente que existiu um erro no julgamento da matéria de facto;
C. O Tribunal a quo não considerou a existência de uma confissão tácita do executado, não atendeu à prática pelo executado de factos incompatíveis com a presunção do incumprimento;
D. Tendo, por via do erro no julgamento da matéria de facto, procedido a uma errada aplicação do direito, ao considerar o instituto da prescrição presuntiva;
E. O prazo de prescrição a considerar, é o prazo ordinário, pois o executado reconheceu a existência da dívida e, a partir daqui, deixa de beneficiar da presunção de pagamento
F. A Recorrente não concorda com a douta decisão em apreço.
G. Não resulta do depoimento do executado que este tenha procedido ao pagamento da dívida;
H. O Embargante contesta reiterada e sistematicamente a existência da dívida, conforme resulta do seu depoimento, com referência para o CD de gravação áudio, com início no minuto 2:50 até minuto 5:50;
I. O Executado não alega que procedeu ao pagamento da dívida na sequência do acordo celebrado - contrariamente ao que fez constar no articulado de embargos de executado, conforme depoimento de parte do executado, com referência para o CD de gravação áudio, com início no minuto 9:05 até ao minuto 9:37;
J. A versão dos factos trazida aos autos pelo Executado em sede de audiência de julgamento, é totalmente oposta à alegação de que procedeu ao pagamento da quantia peticionada pela recorrente;
 
K. Não tendo o embargante alegado o pagamento, o tribunal a quo não poderia ter procedido à aplicação do regime da prescrição presuntiva. L. O executado nega ter celebrado ou assinado qualquer acordo com a Recorrente, conforme se retira das declarações de parte do executado, com referência para o CD de gravação áudio, com início no minuto 11:38 até ao minuto 13:09.

M. A prescrição presuntiva não pode aproveitar ao embargante, por não alegar que pagou.

N. Considera a Recorrente que, a douta sentença do tribunal a quo, devia considerar como provado que o executado deve á exequente a quantia peticionada nos autos.

O. A postura do embargante terá de ter outra apreciação e valorização pelo tribunal, pois que, no entender da Recorrente, tal constituirá uma confissão tácita, nos termos do disposto no artigo 314.° CC;

P. O facto do executado contestar a existência da dívida terá de ser apreciado com um ato incompatível com a presunção de cumprimento, para efeitos de se considerar uma confissão tácita do embargante;

Q. A sentença andou mal ao desconsiderar a existência de circunstâncias que afastassem a presunção de cumprimento - como o facto do embargante contestar a existência da dívida e da celebração do acordo e, bem assim, a existência de uma confissão tácita pelo embargante;

R. Do depoimento do Executado resulta uma confissão tacita de que é devedor à exequente da quantia peticionada;

S. O executado coloca em causa a existência da dívida, a celebração do acordo e o correspondente pagamento, contrariamente ao que ele próprio alegou e sustentou em articulado;

T. Não faz sentido aceitar que o embargante diga que cumpriu a obrigação, facto este extintivo da obrigação que se presume pelo decurso do tempo,

 
para, em julgamento, contestar a existência da obrigação dizendo que não celebrou qualquer acordo, quanto mais o cumprimento do mesmo;

U. É esta a conduta processual do embargante no caso vertente: incorre na contradição assinalada;

V. O que acarreta uma confissão judicial tácita, que não foi apreciada nem valorada pelo tribunal a quo.

W. A Mm Juíza do Tribunal a quo, não procedeu à valoração da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente as declarações de parte do Executado que além de constituir uma confissão tácita de não pagamento, é claramente um ato incompatível com a presunção de pagamento.

X. Atendendo à prova produzida, deverão V. Exa. dar como provado que o executado deve a quantia exequenda à Recorrente.

Y. O executado celebrou um acordo de pagamento em prestações da dívida, documento que consta dos autos, o qual não cumpriu;

Z. O executado ao celebrar o acordo com a exequente, que foi rececionado pelo Agente de Execução, aceitou e admitiu a existência da divida à Recorrente;

AA. Após a celebração do acordo de confissão de divida e pagamento faseado, converte-se o prazo curto de prescrição presuntiva, no prazo ordinário de prescrição;

BB. O direito de crédito da exequente, aqui Recorrente foi reconhecido pelo Executado e, a partir deste momento, o executado deixa de beneficiar da presunção do pagamento inerente á prescrição presuntiva, valendo o prazo ordinário de prescrição, nos termos do art.309.°, do Código Civil; CC. O prazo prescricional anterior é inteiramente irrelevante e inócuo a partir do momento em que se formou a confissão de dívida, no âmbito do processo executivo anterior;

 

DD. Uma vez que o devedor assumiu a existência da dívida através de um acordo de pagamento em prestações, deixa de beneficiar da presunção de pagamento, devendo considerar-se o prazo ordinário de prescrição, nos termos do disposto no artigo 309.° e 311.° do CC.

EE. A sentença em apreço violou assim o disposto nos artigos 309.°, 311.°. 313.°, 314.° e 317.° b) do Código Civil, devendo ser substituída por outra que considere como facto provado que o executado, aqui Recorrido, deve a quantia exequenda peticionada nos autos, cujo crédito não se encontra prescrito, julgando os embargos de executado improcedentes por não provados, só assim se fazendo JUSTIÇA! […]». *
2) – O Apelado, na resposta à alegação de recurso, defendeu a improcedência deste e a manutenção da decisão recorrida; *

3) – O Relator, por despacho de 2/2/2024, indeferiu a pretensão do Apelado de se rejeitar do recurso, na parte relativa à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto. * C) As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 - doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC3 - , o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente

 
se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”4 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, o que importa solucionar, para além do atinente ao pedido de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, é saber se é de manter a sentença recorrida, v.g., no que respeita ao aí decidido com base na prescrição presuntiva. * II - Fundamentação:
1) - Na decisão recorrida consignou-se o seguinte:
«[…] A) Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1- No dia 16.04.2020 A..., Lda. requereu a execução de AA, reclamando o pagamento da quantia de € 10.646,56 (dez mil seiscentos e quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), o que constitui os autos principais;

2- No processo referido em 1, a exequente apresentou, como título executivo, um cheque com validade até 17.06.2009, assinado pelo executado, referentes a conta do Banco 2..., ..., titulada também pelo executado, no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), com o número ...53 datado de 17.11.2009, respetivamente, de 03.03.2018, 11.04.2018 e 15.11.2018, o qual foi

 
apresentado a pagamento, respetivamente, em 28.09.2018, 15.11.2018 e
15.11.2018, e devolvidos com a menção “queixa de furto’

3- O exequente alegou em sede de requerimento executivo: “1. A exequente dedica-se ao comércio de materiais de construção. 2. No âmbito da sua actividade comercial, a exequente forneceu diversos artigos ao executado, designadamente telhas, vigas de cimento, cumos, tinta, cimento, blocos de cimento, tijolo, areia, ripas de cimento, tijolos rústicos, ferro, pregos, tubos, acessórios de canalização, tela, barrotes, tábuas de madeira e outros). 3. Materiais que o executado encomendou e recebeu para construção de uma moradia/café em .... 4. Tendo o executado, para pagamento dos mesmos, emitido e entregue à exequente, o cheque n.º ...53, sobre o Banco 2..., no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) 5. Apresentado a pagamento, veio o referido cheque a ser devolvido, com a indicação de ter sido revogado por furto. 6. O executado bem sabe que entregou o referido cheque à exequente nos termos e condições supra expostas, tendo com despurada má-fé, e apenas para se furtar ao cumprimento das suas obrigações, revogado o cheque, alegando um furto que nunca aconteceu. 7. Não obstante interpelado para proceder ao pagamento, o executado nada pagou à exequente por conta da sua dívida. 8. Pelo que a quantia de 7.500,00€, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data do seu vencimento, até efectivo e integral pagamento. 9. Os juros vencidos montam, à presente data, a 3.125,76€ (três mil cento e vinte e cinco euros e setenta e seis euros) 10. É também da responsabilidade do executado, as despesas havidas pela devolução do cheque supra referido, no montante de €20,80 11. A dívida é certa, liquida e exigível, pelo que, deve o executado pagar à exequente a quantia total de € 10.646,56 (dez mil seiscentos e quarenta e

 
seis euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros vincendos até efetivo e integral pagamento.”;

4- A exequente dedica-se ao comércio de materiais de construção; 5- No âmbito da sua atividade comercial, a exequente forneceu diversos artigos ao executado, designadamente telhas, vigas de cimento, cumos, tinta, cimento, blocos de cimento, tijolo, areia, ripas de cimento, tijolos rústicos, ferro, pregos, tubos, acessórios de canalização, tela, barrotes, tábuas de madeira e outros para construção de uma moradia;

6- Tendo o executado, para pagamento dos mesmos, emitido e entregue à exequente, o cheque dado à execução;

7- Apresentado a pagamento, veio o referido cheque a ser devolvido, com a indicação de ter sido revogado por furto;

8- Em janeiro de 2010 a exequente instaurou ação executiva com o n.° 15/10...., sendo o título executivo o mesmo cheque agora dado à execução;

9- Naquela altura o executado encontrava-se a trabalhar em França, tendo sido citado naquela execução na pessoa de BB, no dia 21.05.2010;

10- O executado, ora embargante, foi informado pela mesma da citação efetuada;

11- E diligenciou junto da exequente por acordo de pagamento em prestações da dívida, o qual não cumpriu;

12- O referido processo de execução veio a ser extinto por deserção, por decisão transitada em julgado em 10.07.2017.
B) Factos não Provados
Com relevo para a decisão da causa, ficou por provar o seguinte: a) O executado deve a quantia exequenda;

 

b) O cheque dado à execução foi entregue como garantia de pagamento, dento das partes combinado que a data do cheque ficaria por preencher e apenas seria preenchida em caso de incumprimento nos pagamentos por parte do executado/embargante;

c) Aquando da citação referida em 9 não foi deixada cópia de qualquer papel relativo à citação;

d) No âmbito do acordo referido em 11, o embargante efetuou o pagamento da quantia em dívida, através de uma primeira prestação de € 3.000,00 (três mil euros) e depois por prestações mensais de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);

e) O executado apenas tomou conhecimento efetivo da execução referida em 8, em julho de 2019, quando teve de prestar garantia no âmbito de uma execução fiscal e foi informado de ma penhora sobre a casa;

f) O Executado/Embargante deslocou-se, então, às instalações da Exequente/Embargada, onde falou com o Sr. CC, que o informou que aquele processo estava já resolvido e encerrado em virtude do pagamento que lhe foi feito da quantia reclamada no processo, tendo até mostrado ao Executado/Embargante a cópia do último despacho, datado de 01/06/2017, com o título “Extinção da instância por deserção”, proferido no âmbito do processo;

g) A exequente alegou factos que sabia serem falsos e ocultou outros essenciais à descoberta da verdade, com o objetivo de fazer do processo um uso reprovável;

h) O executado oculta de forma propositada factos e acontecimentos em que participou, por forma a escusar-se ao pagamento.». *
2) - Anteriormente à redacção introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o art.º 46º do CPC, elencando nas suas diversas alíneas as

 
espécies de títulos executivos, consignava na sua alínea c): “As letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quis conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis”.
Na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, o teor desse artº 46º, passou a ser o seguinte:  «À execução apenas podem servir de base:  a) As sentenças condenatórias; 

b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; 

c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto; 

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.».
A alínea c) do artigo em causa veio a ser modificada pelo DL nº 38/2003, de 08/03, passando a ter a seguinte redacção: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».
O DL nº 226/2008, de 20/11, introduziu a essa alínea c) a seguinte redacção: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético

 
de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».
Finalmente, a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que deu origem ao Código de Processo Civil de 2013, comummente designado como novo Código de Processo Civil (utilizaremos, doravante, para o mencionar, a sigla NCPC), consagrou, no Artigo 703.º, sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos”, o seguinte:
“1 - À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias;

b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”.
Desaparecidos, com a entrada em vigor do NCPC, do elenco dos títulos executivos, como espécie própria, os “documentos particulares…”, o Tribunal Constitucional, no Acórdão de 23 de Setembro de 2015 n.º 408/15, veio a decidir, com força obrigatória geral “…a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de
Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo

 
Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).”.
No caso “sub judice”, não é necessário chamar à colação a doutrina deste Acórdão do TC, já que o cheque apresentado à execução apesar da data da sua emissão ser a de 2009/11/17, é um título de crédito que vale, e como tal foi considerado pelo Tribunal “a quo”, de mero quirógrafo, sendo que a relação subjacente foi alegada no requerimento inicial executivo, estando previsto, pois, enquanto título executivo, na alínea c) do nº 1 do citado artº 703.º.
Não estando aqui em causa a relação cartular - pois que esta, que já não podia emanar do cheque, enquanto quirógrafo -, na sentença recorrida, foi considerada prescrita, sem discordância da Exequente, o problema central que se nos depara, como já mais acima referimos, prende-se com a extinção da obrigação exequenda (resultante da relação subjacente), por força da prescrição presuntiva de dois anos prevista no artº 317.°, al. b), do Código Civil.
Contra este entendimento a Exequente suscita, dois argumentos distintos e, de algum modo, contraditórios.
Um deles, é a de que o ora Executado numa anterior Execução que, em Janeiro de 2010, a ora exequente lhe instaurou (n.° 15/10....), com base no mesmo cheque (e que foi mais tarde declarada extinta, por deserção), celebrou com ela um acordo de pagamento em prestações, da dívida, sendo que - entende a Apelante - após a celebração do acordo de pagamento faseado, com confissão de dívida, o prazo curto de prescrição - aplicado nos autos – converte-se no prazo ordinário de prescrição. 
A outra, é de que o ora Apelado, no seu depoimento de parte, em audiência final, prestou declarações contrárias ao putativo pagamento que está na base da presunção, sendo que, de tal depoimento, no entender da Apelante,
 
resulta uma confissão tácita do Executado de que é devedor à exequente da quantia peticionada, confissão essa que não foi apreciada nem valorada pelo tribunal “a quo”.
Vejamos.
Dos factos dados como provados, quanto ao acordo em causa, firmado na execução instaurada em 2010, consta, entre o mais, o seguinte:
«[…] 8- Em janeiro de 2010 a exequente instaurou ação executiva com o n.° 15/10...., sendo o título executivo o mesmo cheque agora dado à execução;

9- Naquela altura o executado encontrava-se a trabalhar em França, tendo sido citado naquela execução na pessoa de BB, no dia 21.05.2010;

10- O executado, ora embargante, foi informado pela mesma da citação efetuada;

11- E diligenciou junto da exequente por acordo de pagamento em prestações da dívida, o qual não cumpriu;

12- O referido processo de execução veio a ser extinto por deserção, por decisão transitada em julgado em 10.07.2017. […]».
Ora, na petição de embargos, invocou-se a prescrição presuntiva prevista na alínea b) do artigo 317.º do Código Civil (artºs 23º e 24º) e alegou-se o pagamento integral da dívida (artºs 10º e 26º),
O acordo e admissão da dívida reportados à anterior execução, que se iniciou em Janeiro de 2010 e se extinguiu, por deserção, em 10.07.2017, não muda a natureza da dívida (que resulta da mesma relação jurídica subjacente ao título), não a retirando da previsão da alínea b) do artigo 317.º do Código Civil, pelo que não colhe a alegação de que é aplicável o prazo de prescrição ordinário do artº 309º.

 
A Apelante refere o artº 311º, nº 1, do CC, mas, na presente execução, o título não é outro – v.g., o referido acordo - senão o cheque, no valor de € 7.500,00, datado de 17.11.2009, que já titulava a anterior execução, embora, agora, com o valor de quirógrafo, sendo invocada a relação que esteve subjacente à emissão desse cheque - fornecimento, pela exequente, ao executado, para a construção da moradia do mesmo, de materiais de construção, do comércio daquela – e é esta, precisamente, que funda a considerada presunção presuntiva.
Tendo como assente – como teve o Tribunal “a quo” - que o ora Apelante, na petição de embargos, alegou matéria idónea à aplicação da prescrição presuntiva que aí invocou, prevista na alínea b) do artigo 317.º do CC, não cabia, a ele, Embargante, a prova do pagamento – mas apenas a alegação do mesmo, como fez.
É claro que o Embargante, ao invocar o pagamento, está a alegar que até proceder a este, era devedor da Exequente, mas aí não se pode ver qualquer conduta contraditória.
Vejamos este exemplo que nos dá o Acórdão do STJ, de 18/12/2007, Revista nº 07A4435:
«[…] Antes de darmos uma resposta cabal à questão que nos preocupa, importante é, ainda, dizer que as presunções prescritivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor elidir a presunção em causa, provando o não cumprimento.
Simplesmente – e aqui reside o ponto curioso – o credor só poderá almejar tal objectivo mediante um acto confessório do próprio devedor, como resulta claro do art. 313º do CC.
Acrescente-se, ainda, que essa atitude confessória do devedor pode ser surpreendida não só judicialmente, como também extrajudicialmente.
 
Interessa-nos aqui em particular a chamada confissão judicial tácita, admitida na 2ª parte do art. 314º do CC (prática de actos em juízo incompatíveis com a presunção do cumprimento).
A resposta à pergunta inicialmente formulada passa necessariamente pela análise do teor global da defesa do R. vertida na contestação.
Ora, lendo tal articulado, pode ver-se que o R. disse nada ter ficado a dever à A.
(art. 9º), que todos os valores constantes das facturas juntas foram liquidados (art.
10º), que nada deve à A. (art. 11º), que pagou à A. os serviços prestados (art. 15º), que a própria A. teve conhecimento de que a dívida está paga (art. 39º), que ela própria não nega a existência originária da dívida nem do seu montante, mas afirma que a mesma está paga (arts. 42º e 43º).
Daqui só é possível tirar a conclusão de que o R., reconhecendo a existência original da dívida reclamada pela A., acabou por dizer que a mesma estava extinta pelo pagamento.
É certo que ao longo do articulado contestatório foi referindo que a sua situação estava contemplada pelo art. 317º, al. c, do CC (cfr. arts. 13º, 20º e 25º), mas isso em nada colide com a posição de defesa clara que assumiu, de ter cumprido e, portanto, de ter extinto, pelo pagamento, a dívida invocada pela A..
Parece-nos perfeitamente desnecessário fazer aqui apelo às regras interpretativas, tal qual estão consagradas nos arts. 236º e ss. do CC, para tirar a limpo a verdadeira atitude do R. perante a investida da A..
De qualquer maneira sempre se dirá, em reforço da posição defendida, que qualquer declaratário normal, posto perante a peça contestatória, lendo a seu teor na globalidade, acabaria, necessariamente, por chegar à conclusão já referida: que o que ele quis efectivamente dizer foi que a dívida existiu, que a pagou e que, atentas as circunstâncias temporais em causa e a sua qualidade de não comerciante, até beneficiava do regime do art. 317º, al. b) do CC.
Onde está a incongruência, a contradição da Defesa?
 
Sinceramente, não a vemos. […]» (o itálico e o sublinhado são nossos). Vejamos, ainda, o que se disse no Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/10/2018, Apelação nº 283/18.0YIPRT-A.L1-65:
«[…] Como observa RODRIGUES BASTOS, Notas ao CC, Vol. II, 78, para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, o réu deve alegar que deveu, mas já pagou. Se o réu alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição. Se o réu acaba por impugnar a obrigação, ou a prestação dos serviços em concreto, ou vicissitudes relacionadas com as faturas, nada lhe vale invocar a prescrição presuntiva, pois em momento algum alega o cumprimento por forma a beneficiar da prescrição, ou mais concretamente da inversão do ónus da prova que tal prescrição lhe facultaria.
Esta tem sido a posição maioritária na jurisprudência mais recente, tal como se alude no Ac. Da RL de 20/12/2017: «Defende-se maioritariamente na jurisprudência que, para se valer da prescrição presuntiva, o réu, quando contesta uma acção de dívida terá de alegar, expressa e claramente, que pagou, para além, evidentemente de alegar a prescrição - cfr., entre muitos, Acs. STJ de STJ 22.04.2004 (Pº 04B547), de 24.06.2008 (Pº 08A1714), de 08.05.2013 (Pº
199632/11.5YIPRT.L1.S1); Ac. TRL de 21/10/86, BMJ, 364º-934, de 07.06.2011 (Pº 9150.4YIPRT-A.L1) e de 03.06.2014 (Pº
6514/10.7YIPRT.L1-7), Acs. TRP de 13/12/93, C.J., Ano XVIII, T. V, 240, de 03.02.2004 (Pº 0326591), de 04.10.2005 (Pº 0523106), de 08.11.2007 (Pº 0735486), de 23.02.2016 (Pº 598/15.9T8PVZ.P1), Ac. TRC de 10.12.2013 (Pº 229191/11.0YIPRT.C1), TRG de 11.07.2013 (Pº 1331/11.0TBVVD.G1), todos acessíveis em www.dgsi.pt […]» (o itálico e o sublinhado são nossos). Sendo, pois, à Embargada que competia afastar a apontada presunção, em sede audiência final apenas o poderia fazer – não havendo recusa do
Embargante a depor ou a prestar juramento (artº 314º do CC) – mediante
 
confissão judicial deste, ou seja, confissão obtida em depoimento de parte (artºs 313, nº 1).
Ora, como se pode comprovar daquilo que ficou exarado em acta, na sessão de 30/9/2022, da audiência final, em que o Embargante prestou o seu depoimento de parte, este nada confessou, tendo-se, aliás, exarado em acta que “Prestado o depoimento de parte nada a consignar em acta uma vez que a parte, manteve a posição manifestada nos autos, nada confessando.”. Como não foi arguida a falsidade da acta, temos que aceitar o que dela consta.
No que respeita à confissão tácita, apenas podem configurar a mesma, em sede de audiência, a recusa a depor ou a prestar juramento, que já assinalámos, e que aqui não ocorreram.
O afirmado pelo Embargante no seu depoimento de parte, desde que não integre a confissão da falta de pagamento, não tem qualquer relevância para ilidir a apontada presunção.
Aliás, ainda que o Embargante tivesse – ao invés do que ficou assinalado em acta – prestado declarações no sentido de confessar o não pagamento da dívida (e sem entrar, aqui, na necessidade de arguir a falsidade da acta), não se poderia considerar verificar-se uma vera confissão, pois que esta, para valer como tal, com força probatória plena, teria de estar reduzida a escrito (artºs. 463º, nº 1, do NCPC, 356º, nº 1, e 358º, nº 1 e 4, do CC) o que aqui, como flui do exposto, não se passou.
Efectivamente, sempre faltaria a redução a escrito das declarações confessórias imposta pelos artºs 356º, nº 2 do CC e 463º, nº 1, do NCPC (artº 563º, nº 1, do pretérito CPC), não podendo, assim, tais declarações, valer com a força probatória plena atribuída à confissão, mas antes ficando sujeitas à livre apreciação do Tribunal.
Assim se se entendeu no Acórdão do STJ de 16/12/2010, (Revista nº
 
1873/06.9TBVCD.P1.S1): “A não redução a escrito do depoimento de parte produzido, oralmente, mesmo que tenha sido objecto de gravação, visando obter a confissão judicial provocada, não lhe assegura força probatória plena contra o confitente, encontrando-se, então, sujeito ao princípio da livre apreciação de prova, impondo-se concluir pela inexistência da confissão do depoente, ou seja, a confissão judicial não escrita tem o valor de prova livre.”. (Cfr., tb. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “in” Código de Processo Civil Anotado Vol. I - Parte Geral e Ação Declarativa, 2ª edição, pág. 547, nas notas 1 e 2 ao artº 463º).
Do exposto decorre que, só podendo entender-se ter influência, para efeitos de ilidir a aludida presunção, a declaração confessória (que haja sido reduzida a escrito), não ocorrendo esta, as afirmações que o Embargante haja produzido no seu depoimento de parte, por mais contraditórias que sejam com aquilo que articulou na petição de embargos, não relevam para a mencionada ilisão, o que desde logo também leva a concluir, não ser possível, com base em tais declarações, proceder à alteração que a Apelante pretendia introduzir na decisão proferida quanto à matéria de facto, que era a de que a Relação desse como provado “…que o executado deve a quantia exequenda à Recorrente.”, indeferindo-se, pois, tal pretensão.
Escreveu-se na sentença ora sob recurso:
«[…] como vem alegado nos autos, tendo presente a factualidade que esteve na origem da obrigação de pagamento, há que considerar a prescrição presuntiva fundada na presunção do cumprimento.
No caso dos auto, a relação subjacente à emissão do cheque, encontra acolhimento no preceituado no artigo 317.°, al. b), do Código Civil, sendo o prazo de prescrição a considerar de apenas 2 (dois) anos.
Ora, se atentarmos no final da interrupção do prazo de prescrição decorrente do trânsito em julgado da decisão de deserção proferida no primeiro processo, em
 
10.07.2017, (artigo 327.°, n.° 1, do Código Civil), e a data da propositura da nova execução, em 16.04.2020, verifica-se que decorreu muito mais do que o referido prazo de dois anos.
Por outro lado, relativamente a tal período - entre 10.07.2017 e 10.07.2019 - não ficou demonstrada qualquer circunstância que afastasse a presunção de cumprimento, no termos do artigo 313.°, do Código Civil, tanto mais que o embargante nunca confessou a existência da dívida, alegando, pelo contrário, que tudo se encontra pago.
Assim sendo, e uma vez que também não se verificou nenhuma das situações previstas no artigo 314.°, do mesmo diploma legal, outra alternativa não resta ao tribunal se não considerar prescrita a obrigação exequenda, nos termos expostos.
[…]».
Vejamos.
A prescrição interrompe-se, entre outras causas, pela citação (artº 323 nº1, do CC), e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente (artº 326º, nº 1, do cc), mas, nesse caso – diferentemente da regra geral estabelecida pelo artº 326º, nº 1 -, os efeitos da interrupção prolongam-se até ao julgamento da causa, só começando a correr o novo prazo com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (artº 327, nº 1, do CC).
Sucede que, “ex vi” do nº 2 do citado artº 327º, quando a instância for considerada extinta por deserção– como sucedeu no presente caso, no despacho de proferido na execução nº 15/10...., em 01-06-2017 (transitado em julgado em 10/7/2017) - o novo prazo de prescrição, igual ao prazo aplicável inicialmente (pois que não se verificam as hipóteses previstas na parte final do nº 1 do artº 311, do CC), conta-se a partir do evento interruptivo (no caso, a partir da citação ocorrida em 21/5/2010 - factos provados nºs 8), 9) e 12)).
 
Portanto, se é certo que o prazo de dois anos, da prescrição presuntiva, contado, no entendimento da 1ª Instância, do trânsito em julgado da decisão de deserção proferida no primeiro processo, em 10.07.2017, já decorrera em 16.04.2020, aquando da instauração da presente execução, tal prazo já havia decorrido há muito, se se atender a que o novo prazo de dois anos se iniciou, atenta a apontada deserção, após a citação de 21/5/2010. Em todo o caso e de harmonia com tudo o que ficou explanado, sempre chegamos à conclusão de que, sendo aplicável, a beneficiar o Embargante, no caso “sub judice”, a prescrição presuntiva prevista na al. b) do artigo 317.º do Código Civil, a Exequente/Embargada não logrou afastar a presunção de cumprimento que está na sua base, pelo que é de confirmar a decisão recorrida quanto a ter-se verificado a prescrição presuntiva da obrigação exequenda e, consequentemente, quanto ao julgarem-se procedentes, os embargos, e a declarar-se extinta, a acção executiva.
A Apelação improcede, pois, confirmando-se a decisão recorrida.
* III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, confirmar a sentença recorrida.
 
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
 
18/6/20246
 
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Fernando Marques da Silva)
(Cristina Neves)
 
 
                                                 

1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, evidentemente, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Transcrição de extracto da sentença ora sob recurso.

3 Salvaguardando-se os casos em que esta última sigla seja transcrita de outro texto em que seja utilizada para referir já o novo código.

4 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, vierem a ser citados.
5 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.

6 Processado e revisto pelo Relator.