I - Os prazos a que se reporta o art 498º CC não podem ser alongados em função da circunstância de o lesado desconhecer a extensão integral dos danos, exigindo-se-lhe que exerça o seu direito à indemnização em função daqueles que já conheça e em função da dimensão com que eles se lhe apresentem.
II - O início da sua contagem não está dependente do conhecimento jurídico pelo lesado do respectivo direito, apenas tem o mesmo que conhecer os factos constitutivos desse direito, isto é, saber que o acto foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.
III - A circunstância do autor não ter pedido indemnização pela privação do uso da sua casa de férias logo no Verão de 2017 não obstante não a ter podido utilizar em função do facto lesivo, mas apenas referentemente ao Verão de 2018, não interfere no inicio da prazo de prescrição que se deve contar desde então.
IV - O reconhecimento a que alude o nº 1 do art 325º CC tem de se reportar ao direito concreto que o lesado pretende vir a exercer.
V- Mesmo que persistam os efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito a indemnização, sendo irrelevante para o efeito o carácter continuado do dano.
VI - O dano continuado é um dano que radica no conhecimento da conduta lesiva inicial, ainda que prolongada ou persistente no tempo, ao contrário do não previsível dano futuro.
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I - AA, interpôs, em 29/3/2023, acção declarativa de condenação com processo comum, contra o Condomínio ..., pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de € 6.000,00, a titulo de danos patrimoniaìs e a de € 1.500,00, a titulo de danos não patrimoniais.
Alegou que sendo dono da fracção “G” do referido edifício, correspondente ao 3º esq, em Outubro de 2017, pessoalmente, e depois, por email, denunciou à Administração que na referida sua fracção havia abundantes infiltrações de água no tecto da casa de banho principal, tendo deixado as chaves de acesso em local combinado para verificação, mas não teve quaisquer noticias, apesar de ter pedido que a situação ficasse resolvida antes do período de férias do Verão de 2018, o que acabou por não suceder, não lhe tendo sido possível utilizar a fracção nesse Verão. Não obstante dois ou três contactos pessoais e pelo telefone sem sucesso, pois tudo estava na mesma e a as infiltrações a aumentarem, por mail de 13 de Maio de 2019 voltou ao contacto com a R., e indo verificar o apartamento, constatou que a mancha se estendia por todo o tecto e paredes laterais e o cheiro era nauseabundo. E em Julho de 2019 voltou a constatar in loco que a situação se mantinha inalterada no que diz respeito à reparação, mas mais graves e extensos os danos na fracção. Refere que só mais de dois anos sobre a denúncia, e após uma tentativa falhada de reparação, é que a Administração resolveu o problema. Mais alega que o valor locativo da fracção se situa entre € 750,00/€ 1000,00 na época alta – Junho, Agosto e Setembro – pelo que, tendo estado privado de a arrendar três meses em 2018 e três em 2019 e parte em 2000, o que perfaz € 6000,00, pede a condenação do R. nesse valor, a que acresce o de € 1.500 a titulo de danos não patrimoniais.
O R. contestou, desde logo salientando que a denúncia do A. não foi em Outubro de 2017 mas em Outubro de 2016, e que, em face da mesma, contactou empresa da especialidade para averiguar a origem da infiltração, que veio a concluir que a infiltração tinha origem na fraçcão correspondente ao 8º esq., na sequência do que fez participação à seguradora. Feito orçamento dos danos dessa fracção, bem como dos da A., e dos da fracção “R”, cujo custo a seguradora suportou, enviando em 24/4/2017 cheque para liquidação dos mesmos, veio a verificar-se na altura de pintar o tecto da casa de banho do A. que ainda havia humidade e que se impunham maiores pesquisas, razão por que não chegou a ser pintado. As pesquisas demoraram por estarem em causa apartamentos de segunda habitação, pelo que só foi possível resolver todos os problemas, derivados de canos e válvulas danificadas, no dia de 25 de julho de 2019, dia em que foi pintado o tecto da casa de banho do A. e montado o exaustor. Conclui que tendo o R. procedido à participação em Outubro de 2016, o direito de indemnização há muito se mostra prescrito. Salienta, não obstante, que a fracção nunca deixou de ser habitável e que as manchas na casa de banho não impediriam o arrendamento.
O A. respondeu à matéria da excepção, referindo que o episódio de que o R. fala em 2016 é outro, com características semelhantes a este, mas de menor dimensão e que foi defeituosamente reparado.
Tendo sido convidado a apresentar articulado para concretizar os danos impeditivos da utilização da sua fracção, referiu nesse articulado que as infiltrações se agravaram «devido à rutura completa de uma “corete”, sistema de canalização que nas paredes comuns do prédio faz a passagem dos esgotos de uma fracção para outra».
O R. respondeu, chamando a atenção para o facto de o A. ter introduzido factos novos no requerimento a que responde, que, de todo o modo, não correspondem a verdade, com excepção da infiltração ocorrida na casa de banho.
Foi proferido despacho saneador e elaborado o despacho a que alude o art 596º do CPC.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que, tendo julgado procedente a excepção da prescrição, julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.
II - Inconformado, apelou o A., que concluiu as repectivas alegações do seguinte modo:
1 – O objecto da presente acção é como já se verificou nos presentes autos a pretensão formulada pelo A. em ser indemnizado pela Ré pela privação de uso da sua fracção durante mais de 2 anos e meio e aqui bem identificada, devido a uma rutura não só pelo seu valor locativo como também por estar privado da a usar e a sua família naquele período de tempo devido a inundação de tecto de casa de banho, isto é, indemnizado pelos danos não patrimoniais ou morais e danos materiais que quantificou na PI.
2 – Discriminou esses valores em 6.000,00 € (valor locativo que não auferiu) e € 1.500,00 de danos morais, por privação de uso pessoal., extensivo à família.
3 – Alegou os factos no tempo e no espaço, e referenciou que se tratou de um episódio ocorrido em 2016 que foi reparado pela empresa C... ldª. a pedido da Ré e sua representante ao abrigo da Apólice existente pois verificou-se que se trava de uma ruptura de cano de uma banheira no oitavo andar de outra fracção conforme documentos nos autos juntos com a Contestação.
4 – Passou o tempo, era necessário verificar a origem da rutura mas como esta não se resolvia (tratavam-se de fracções que no seu todo são segunda habitação) e em 2019 ainda não era possível dar o assunto como resolvido procedendo a pinturas e colocação de exaustor porque de facto para além do 1º episódio, existia uma outra rutura numa “CORETE” ( cano central e elemento comum do condomínio que acompanha pilar de sustentação de laje ) que não foi reparado e continuava a derramar na laje águas de esgoto comuns.
5 – Portanto dois episódios diferentes 2016 e 2019 (Ruturas ) em locais diferentes e com repercussões diferentes que em audiência de Julgamento e no domínio da produção de prova (vide factos provados ) resultaram inequívocamente provados, apesar de em sede de MOTIVAÇÃO a Mª. Juiz “à quo” misturar ambos cuidando de ser um só quando assim não aconteceu pois no domínio dos factos provados em B), G) e L) quando se dá como provado o que citamos..... “ como as infiltrações estavam a aumentar devido a rotura do sistema de canalização de esgotos do edificio...” refere-se timidamente mas óbviamente à rutura do Cano Central “CORETE “.
6 – Devia-se referir-se a Mª.Juiz “ à quo “ não ao episódio de 2016 mas a factos ocorridos em 2019 a rutura da “CORETE”. Daí a referência pelo A. do tal mail de 13 de Maio de 2019 na PI que nada tem a ver com aquele outro de 2016.
7 – Mas a Mª JUIZ “ à quo” mistura tudo num “BOLO” e apesar de dar como provados os danos do A. em sede de “ factos provados “ conta o tempo erradamente para aplicação do instituto da prescrição desde ano de 2016 e fala em matéria de DIREITO que o prazo de Prescrição se reinicia em 26 de Julho de 2019 o que não é verdade.
8 –Errado, completamente errado, não correu quaisquer prazo de 2016 a 2019, apenas começa a correr e o seu inicio tem data 2020 data em que finalmente o A. tem conhecimento da reparação total da fracção com pintura e exaustor, porque em Julho de 2019 e só naquela data o A. teve conhecimento dos factos em concreto.
9 – A Mº. Juiz “á quo” ignora de forma adequada a prova produzida, não a interpreta criticamente, mistura dois episódios distintos no tempo e espaço e conclui apesar de o A. ter razão devia ter agido em Juízo mais rápido.
10 – Discordamos, porque esta Douta Sentença além de violar e fazer uma interpretação enviezada da prova, claramente viola os nºs 4 e 5 do Art 607 do CPCivil, nos factos dados como provados não separou os que subjazem ao episódio de 2016 e os outros que fundamentam o episódio de 2019,mistura-os, contrariando a prova produzida e desta forma e com este procedimento cai na violação da alínea c) do Artº.615 do CPC chegando até a dar como provado o que consagrou na Alínea P) ( que para o A. não é um erro material Artº.614CPCivil) dando como provado o que citamos … “ A acção entrou em juízo no dia 29.03.2023 e o réu citado e, 21.04.2021”..... porque ninguém é citado antes de a acção ser distribuída e autuada.
11- Não ocorre PRESCRIÇÃO, não existe quaisquer prazo a correr desde 2016 a 2019, não são estes os argumentos do A. o que este defende é que por episódio diferente ocorrido em 2019 que impediu a pintura e a colocação do exaustor é que este tomou conhecimento concreto dos factos, isto é, já existia a rutura na “CORETE” que só se revelou em 2019 e foi por causa disto que ele A. esteve privado da fracção.
12- Para efeitos de PRESCRIÇÂO o prazo só se inicia em 2020 não existe reinicio de prazo, no mesmo sentido veja-se o comentário de Ana Filipa Morais Antunes sobre Prescrição e Caducidade, Anotação aos Artigos 296 a 333 do C.Civil 2ª. Edição.
13- Pelo que o prazo de Prescrição só ocorreria em 19 de Abril de 2023.
A R. ofereceu contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
1 - Em Outubro de 2016 o tecto da casa de banho da fração apresentava infiltrações, o que comunicou ao réu.
2 – De imediato, a administradora do R., contactou a empresa C..., Lda., como empresa especializada na matéria, para averiguar a origem da infiltração, e fez a participação à Companhia de Seguros.
3 - Após a pesquisa efetuada, esta empresa concluiu que a infiltração teria origem na fração “R”, correspondente ao 8º Esqº, e, a 25 de outubro de 2016 efetuou o orçamento referente à pesquisa efetuada, bem como, dos danos ocorridos nas frações “G” e “R”.
4 - Foi enviado para a Companhia de Seguros o orçamento.
5 - Seguiu-se a instrução do processo por parte da Companhia de Seguros, que concluiu o mesmo com a emissão do cheque para liquidação dos danos do sinistro, a 24 de abril de 2017.
6 - As pesquisas foram sendo efetuadas pela empresa C..., à medida que ia tendo acesso aos apartamentos, e só no dia 25 de julho de 2019, foi pintado o tecto e montado o exaustor da casa de banho do A.
7 - A acção entrou em juízo no dia 29.03.2023 e o réu foi citado em 21.04.2023.
8 – Não ocorreu qualquer outra rotura, para além da referida no ponto 3.
9 – Não existem duas roturas, dois episódios, nem dois momentos temporais.
10 – Encontra-se perfeitamente fundamentada a decisão relativa à matéria de facto, a qual está de acordo com a prova produzida, atento que esteve a Meritíssima Juíz de 1ª instância, à totalidade do depoimento de cada uma das testemunhas e aos documentos relevantes como prova.
11 – Existe efetivamente um lapso de escrita no facto P) dado como provado, quando se refere a citação do réu a 21.04.2021, quando, de facto, em vez de 2021, deveria estar 2023.
12 – Lapso esse que, não altera a bondade da decisão.
13 - Pelo que, e como melhor se explica na douta sentença recorrida, o prazo de prescrição ocorreu a 02.01.2023, tendo a acção dado entrada em juízo a 29.03.2023, quando já havia decorrido o prazo de prescrição, incluindo os períodos de tempo correspondentes à suspensão legal enumerados na douta sentença.
14 - Encontrando-se, assim, prescrito o direito indemnizatório que o A. alega ter direito.
15 – A Douta Sentença é boa, e como tal, terá de ser mantida.
III – A - O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A)- O A. é proprietário da “Fracção G” correspondente ao 3º. Andar Esquerdo deste prédio em propriedade horizontal no Nº... de polícia na Cidade ...., a que corresponde o Art....41 da Freguesia ... com a descrição ...23.
B)- Em Outubro de 2016 o tecto da casa de banho apresentava infiltrações, o que o A. comunicou ao Réu.
C)- De imediato a Administradora do Réu contactou a empresa “C... Lda”, como empresa especializada na matéria, para averiguar a origem da infiltração, e fez a participação à Companhia de Seguros.
D)- Após a pesquisa efectuada, esta empresa concluiu que a infiltração teria origem na fracção “R“ correspondente ao 8º.Esq e a 25 de Outubro de 2016 efectuou o orçamento referente à pesquisa efectuada, bem como dos danos ocorridos nas fracções “G” e “R”.
E )- Foi enviado para a Companhia de Seguros o orçamento.
F)- Seguiu-se instrução do Processo por parte da Companhia de Seguros que concluiu o mesmo com a emissão de cheque para liquidação dos danos do sinistro a 24 de Abril de 2017.
G)- Como as infiltrações estavam a aumentar e a agravar-se devido a rutura do sistema de canalização de esgotos do edifício o autor voltou ao contacto com o Réu Condomínio ... em Outubro de 2017 e por mail e por mail de 13 de Maio de 2019 junto à petição e que aqui se dá por reproduzido..
H)- Face à ausência de notícias e à aproximação das Férias de Verão, voltou o A ao apartamento “ Fracção G” e constatou que nada tinha sido feito e que o problema se agudizou.
I)- Com efeito, ao abrir a porta de acesso ao mesmo vinha em abundância o cheiro intenso a esgoto e a água “CHOCA” a escorrer pelo tecto da casa de banho e paredes, bolores, paredes negras/tecto e paredes laterais/formaram-se tufos de musgo e manchas.
J )- Sendo que a estadia na fracção por breves momentos provocava náuseas e má disposição.
K)- Devido ao descrito em I) e J), o autor não conseguiu utilizar a fracção, designadamente nas férias de verão ou aos fins de semana, durante pelo menos 2 anos e meio.
L)- A fracção situa-se na Avenida ..., marginal ao areal e de onde face á altitude e localização da fracção se vê o mar ao pôr do Sol, podendo disfrutar deste conforto visual e igualmente apetecível para quem pretende gozar férias e ter acessos rápidos e garantidos ao Comércio à restauração e à Praia.
M)- Em termos de arrendamento esta fracção tem potencial para ser cedida por Contrato de Arrendamento por um valor correspondente por mês entre os 750.00 a 1.000,00 € na época alta isto é, com inicio em Junho e depois Julho Agosto e Setembro.
N)- Quando a empresa “C... Lda ia para pintar o tecto da casa de banho do A. ainda persistia alguma humidade no tecto, razão pela qual não foi pintado, tendo esta empresa pedido acesso aos apartamentos do 4º.andar para efectuar mais pesquisas, acesso esse que demorou a ser conseguido aos vários apartamentos, pois são de segunda habitação, não residindo os seus proprietários nos mesmo e foi muito difícil obter datas para obter esses acessos.
O)- As pesquisas foram sendo efectuadas pela empresa “ C... Lda.” à medida que ia tendo acesso aos apartamentos e só no dia 25 de Julho de 2019 foi pintado o tecto e montado o exaustor da casa de banho do A.
P)- A acção entrou em juízo no dia 29/03/2023 e o Réu foi citado em 21.04.2023.
IV – B ) E julgou não provados os seguintes factos:
1-A mancha estendia-se a todo o tecto e paredes laterais da casa de banho, e os tufos de musgo alastraram a outras divisões da casa, chegado a cozinha.
2- Devido as infiltrações o A deixou de poder arrendar a fracção e de a usar parte do ano de 2020.
3 – As infiltrações no tecto da casa de banho da fracção do A têm origem na fracção R correspondente ao 8º esq.
IV – Como resulta do confronto das conclusões das alegações com a decisão recorrida, o objecto do presente recurso circunscreve-se a saber se o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que o A. exerce na presente acção se mostra ou não prescrito.
Considerou-o prescrito a decisão da 1ª instância, iniciando a contagem do prazo de três anos a que se reporta o art 498º/1 CC, cuja aplicação está em causa, a partir de Outubro de 2016, data em que o A. denunciou as infiltrações ao R., «sendo esse o marco inicial do prazo de prescrição de 3 anos», por isso entendendo, consequentemente , que o mesmo terminaria em Outubro de 2019. Mas, porque, do seu ponto de vista, a circunstância do R. ter procedido à reparação do tecto da casa de banho da fracção do A., «consubstancia o reconhecimento do direito de indemnização do autor», e «porque essa reparação ocorreu em 25 de Julho de 2019 (cfr. al. O)» considerou que o prazo de prescrição se reiniciou do dia 26 de Julho 2019, pelo que resultariam completos os três anos em 26 de Julho de 2022. A partir destes pressupostos, e fazendo notar que «o decurso do prazo coincide parcialmente com â vigência da legislação excepcional e temporária relativa à situação pandémica provocada pelo conoravírus SARS-Cov-2 e da doença Covid», e, por isso, tendo em consideração os períodos de suspensão dos prazos de prescrição decorrentes desse regime legal, veio a concluir que, porque no período entre 26/7/2019 e 27/7/2022 ocorreram dois períodos de suspensão por força da legislação excepcional e temporária relativa à situação pandémica - de 09.03.2020 a 02.06.2020 (86 dias) e de 22.01 .2021 a 05.04.2021 (74 dias) - o prazo de prescrição resultou alargado em 160 dias, «pelo que o seu termo só ocorreu em 02.01.2023», com o que decidiu que quando a acção entrou em juízo - em 29/03/2023 - já havia decorrido o prazo de prescrição.
Este Tribunal comunga com o da 1ª instância o entendimento de que o direito de indemnização accionado pelo A. na presente acção se mostrava prescrito à data da propositura da mesma, mas em função de diferentes pressupostos, como se passa a expor.
Há que partir, como é evidente, do disposto no art 498º/1 do CC, que refere, no âmbito da responsabilidade civil extra-obrigacional [1], que «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».
Como resulta claro da última parte desta norma, correm ao mesmo tempo dois prazos de prescrição do direito de indemnização: o ordinário, de 20 anos, e este, muito mais curto, de três.
Mas o início de um e outro não se conta do mesmo modo.
Para o prazo prescricional em geral, vale a disposição genérica constante da 1ª parte do nº 1 do art 306º CC, segundo a qual, «a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido» [2]. Para o início do prazo de prescrição a que alude o nº 1 do art 498º CC – que é o que importa nos presentes autos – vale algo relativamente diverso - «a data a contar da qual o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete».
Diferença que implicará que naquele caso o legislador tenha adoptado o sistema objectivo no que respeita ao início do prazo de prescrição – «o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que, disso, tenha ou possa ter o respectivo credor» [3]- e que, neste caso, tenha adoptado o sistema subjectivo - o início do prazo «só se dá quando credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito».
Como o refere Menezes Cordeiro, «o sistema objectivo é compatível com prazos longos; o subjectivo joga com prazos curtos e costuma ser dobrado por uma prescrição mais longa, objectiva», e enquanto «o sistema objectivo dá primazia à segurança, o subjectivo o dá à justiça», sendo que «a junção dos dois será a melhor solução de jure condendo».
No prazo prescricional em referência, logo a contar do facto, começa a correr o prazo da prescrição ordinária de 20 anos; e apenas se o lesado tiver desde então «conhecimento do direito que lhe compete» corre em simultâneo o prazo reduzido de prescrição de três anos, de tal modo que a prescrição da obrigação de indemnização depende da ultrapassagem de um dos dois referidos prazos. O natural é, obviamente, que seja este mais curto a ditar a prescrição daquele direito, mas em (muito) última análise, se o lesado só vier a ter conhecimento do seu direito mais de vinte anos depois da ocorrência do facto danoso, de nada lhe servirá esse conhecimento, porque decorridos aqueles vinte anos o direito já estará prescrito. Nas palavras de Luís Menezes Leitão [4], «o prazo de três anos a contar do conhecimento do direito não impede todavia o funcionamento da prescrição ordinária, bastando que antes de surgir esse conhecimento, tenham já decorrido vinte anos a contar do facto danoso».
Evidentemente que do confronto entre um e outros dos prazos fácil é concluir que o legislador não quis na responsabilidade civil extra obrigacional que a efectivação do direito à mesma se arrastasse por muito tempo, sendo seu claro propósito pôr termo à incerteza dessa situação. Por outro lado, ao contrário do que sucede com a prescrição noutros domínios, em que se visa essencialmente a protecção do devedor, «relevando-o da prova»[5], pois que, à medida que o tempo passa, o devedor irá ter uma crescente dificuldade em fazer prova do pagamento que tenha efectuado, aqui está em causa essencialmente a protecção do próprio credor, estimulando-o a agir com rapidez, também perante a dificuldade de prova que o tempo necessariamente lhe implicará.
No âmbito da responsabilidade civil em que nos movemos, será, pois, do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, como o refere Antunes Varela, «a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu», que se começa a contar o prazo prescricional.
Não importa – ao contrário do que chegou a ser fixado pelo Assento de 4/10/1966 no direito anterior – que o lesado não tenha conhecimento integral dos danos.
O referido prazo de três anos - ou o maior decorrente da natureza criminal do facto danoso e que advém do disposto no nº 3 desse art 498º - não poderá resultar alongado em função da circunstância de o lesado desconhecer a extensão integral dos danos, exigindo-se-lhe que exerça o seu direito à indemnização em função daqueles que já conheça e em função da dimensão com que eles se lhe apresentem, já que, como resulta do disposto no art 569º CC, pode não indicar a importância exacta em que avalia os danos, formulando um pedido genérico de indemnização, a cuja liquidação procederá ulteriormente, ou, tendo pedido determinado quantitativo, pode, no decurso da acção, reclamar quantia mais elevada se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos, e, em última análise, pode o seu direito resultar provisoriamente acautelado com uma indemnização provisória, dentro dos limites dos danos já provados à data da sentença, sem prejuízo de vir a reclamar quantia superior por danos que se mostrem consequência daqueles.
Circunstância diversa dessa é já a referente a danos supervenientes, relativamente aos quais, desde que o lesado não tivesse podido ter conhecimento da sua existência, aquele prazo de três anos, ou o maior decorrente da natureza criminal do facto ilícito, se iniciará autonomamente para os mesmos, desde o seu específico conhecimento. Só se deverão, no entanto, ter como novos danos, os que não sejam uma consequência ou o desenvolvimento normal e previsível da lesão inicial. [6]
Vejamos melhor estas ideias, concretizando-as em relação à situação dos autos.
Como é referido no Ac STJ de 18/4/2002 [7], o lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - «quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, “o inicio da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu caracter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram par si danos”». Por outras palavras, estas utilizadas no sumário do referido acórdão: «Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer-se significar, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento».
Na situação dos autos, em que, como acima se referiu, está em causa o direito a indemnização pela privação da utilização do imóvel no Verão – mais precisamente, na época alta, que se inicia em 15/7 e termina a 15/9 - o A. só pôde ter conhecimento do seu direito em Junho de 2017, por, até aí, ainda que tendo denunciado as infiltrações em Outubro de 2016, como resultou provado, ter tido a natural esperança que a situação se resolvesse até ao Verão. O que não aconteceu, posto que recebido o cheque da seguradora para liquidação dos danos 24 de Abril de 2017, quando a empresa “C... Lda ia para pintar o tecto da casa de banho do A. ainda persistia alguma humidade no tecto, razão pela qual não foi pintado, tendo esta empresa prosseguido com maiores pesquisas.
Dever-se-á, pois concluir, que o inicio do prazo de prescrição do concreto direito à indemnização de que o A. se arroga se iniciou em 15/6/2017.
Ainda que o A. não tenha pedido na acção os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da não utilização da fracção logo nesse Verão de 2017, mas apenas a partir do Verão de 2018, a circunstância de ter tido conhecimento desse seu direito logo naquele Verão de 2017, determina que o inicio da prazo de prescrição desse direito se conte desde então.
E não pode entender-se, como o fez a 1ª instância, que o prazo prescricional em curso se interrompeu em 25 de Julho de 2019, em função do R. ter procedido à reparação do tecto da casa de banho da fracção do A., por se atribuir a essa reparação o conteúdo de reconhecimento do direito de indemnização do mesmo..
Desde logo, porque, e como é acentuado no Ac STJ atrás mencionado, «não podemos deixar de entender que o reconhecimento a que alude o nº 1 do art 325º CC tem de se reportar ao direito concreto que o lesado pretende vir a exercer».
Ora, apenas se o A. estivesse a peticionar na acção a reparação dos danos materiais existentes na sua casa de banho se poderia sustentar que a reparação, ou a tentativa de reparação dos mesmos, implicava por parte do R. o reconhecimento desse direito a indemnização.
«Na verdade, a interrupção da prescrição limita-se ao direito que se faz valer, apenas sendo de admitir as excepções fundadas na lei ou nos princípios gerais, como resulta do disposto nos arts 323 e ss do CC», como o assinala Vaz Serra, in RLJ Ano 112º, p 291.
Assim, o direito à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. com a não utilização da fracção logo no Verão de 2017, em termos normais, mostrar-se-ia prescrito no Verão de 2020 – em 15/6/2020.
Se é certo que há que fazer acrescer ao referido prazo de prescrição 160 dias, em função do regime de suspensão dos prazos nos períodos que medearam entre 09/03/2020 a 02/06/2020 (86 dias) e de 22/01/2021 a 05/04/2021 (74 dias), em virtude da situação pandémica provocada pelo Conoravírus SARS-Cov-2 e da doença Covid, o direito do A. às indemnizações que aqui pede, em 29/3/2023, data da interposição da acção, já se mostrava prescrito.[8]
Argumenta, no entanto, o A., no presente recurso, que essa conclusão esquece a circunstância de resultar dos factos provados estarem em causa dois episódios diferentes, um ocorrido em 2016 e outro em 2019, «em locais diferentes e com repercussões diferentes» (conclusão 5ª ).
Se assim fosse, se de dois episódios diferentes se pudesse falar, natural seria, com efeito, que a cada qual correspondesse um prazo autónomo de prescrição.
Mas não é isso que resulta da matéria de facto, a cuja impugnação, lembre-se, o aqui apelante não procedeu.
O que resulta da matéria de facto é uma mesma situação, ainda que continuada: Em Outubro de 2016 o tecto da casa de banho do A. apresentava infiltrações, o que o mesmo comunicou ao R. Este tratou da reparação dessa situação, participando o sinistro à seguradora, que o aceitou, na sequência do que a empresa especializada que avaliara os danos na casa de banho antes da participação do sinistro, os tentou reparar, o que acabou por não fazer, porque numa melhor avaliação da situação, e em função do agravamento dos danos decorrente do período de tempo entretanto decorrido, concluiu serem necessárias mais pesquisas, tendo estas vindo a ser realizadas à medida que aquela empresa foi tendo acesso aos apartamentos, tendo a situação sido resolvida em 25/7/2019.
É certo que foi muito discutido jurisprudencialmente se, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e para efeitos da contagem do termo inicial do prazo de prescrição estabelecido no art 498º/1 do CC, se mostrava relevante ou não a natureza instantânea ou continuada do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização, sendo que a natureza continuada dos acto lesivo, na concreta situação da ocupação ilícita de um imóvel veio a ser afastado com o recente Acórdão Uniformizador de 15/6/2023 , que fixou que «O termo inicial do prazo prescricional do art 498º1 CC, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente de ocupação de imóvel, deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data do inicio de contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados» .
As considerações tecidas nesse Acórdão Uniformizador para assim ter considerado na situação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de ocupação de imóvel são extensivas a quaisquer outras situações de responsabilidade civil extra-contratual, devendo entender-se que o critério objectivo adoptado pelo legislador no art 306º/1 CC afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização, sendo de excluir que em situações em que o facto lesivo é continuado só possa passar-se a contar o prazo de prescrição a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva dos novos danos. «Mesmo que persistam os efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito a indemnização, sendo certo também não ser indispensável conhecer a extensão integral do dano. A contagem deve assim ser unitária, para todos os danos reclamados, a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos factos constitutivos de tal direito (…) ».
Por outro lado, no Acórdão Uniformizador a que se tem vindo a fazer referência distingue-se bem o dano continuado - danos que, na expressão de Ana Prata, «Dicionário Jurídico» , 3ª ed , p 311, «se protelam, continuadamente, por um período mais ou menos longo, por forma definitiva ou temporária», - do dano futuro - «prejuízo que ainda não se verificou no momento da apreciação da situação do lesado pelo tribunal e não previsível, que se joga no conceito de “novo dano” ou “dano futuro”, um dano não decorrente do dano inicial, que não seja um mero agravamento do mesmo». «O dano continuado é um dano que radica no conhecimento da conduta lesiva inicial, ainda que prolongada ou persistente no tempo, ao contrário do não previsível dano futuro» . Mais se referindo, ainda relativamente à dicotomia dano futuro/dano continuado: «A continuidade da situação danosa representa apenas o acumular ou agravar do quantum do dano que integra o direito de que se tem conhecimento – é um dano consequente à lesão em curso». E é um dano previsível, «posto que não e fundado num outra e distinta lesão de que se veio a tomar conhecimento apenas no momento da respectiva ocorrência».
Tudo para concluir que o A./apelante não tem razão em perspectivar a situação de 2019 como um novo dano relativamente ao qual se lhe abrisse a possibilidade de um autónomo direito de indemnização, relativamente ao qual beneficiasse de um novo prazo prescricional, com o que se deve entender improceder a apelação e manter-se, ainda que por razões não inteiramente coincidentes, a decisão proferida na 1ª instância.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida
Custas pelo apelante.
Coimbra, 18 de Junho de 2024
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Pires Robalo)
(…)