CONTRATO PROMESSA
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
INEFICÁCIA RELATIVA
ABUSO DO DIREITO
Sumário


 I - O mandato com representação pode apresentar-se com uma estrutura integrada, em que, simultaneamente, com a constituição do mandato se emite uma procuração, conferindo ao mandatário poderes de representação para a execução do mandato ou o mandato e a procuração se apresentam como atos distintos, sendo que, em ambos os casos estamos perante um contrato misto de tipo múltiplo.
II - A circunstância de alguém ter intervindo no contrato-promessa de compra e venda, subscrevendo-o na qualidade declarada de representante do Autor, não transforma um mandato que se constituiu sem a atribuição de poderes representativos para tal vinculação contratual, num mandato com representação. Tal circunstância apenas revela que essa pessoa agiu em nome do Autor sem estar investido de poderes para o fazer, pelo que estamos perante um caso de representação sem poderes, previsto no art.º 268º do C. Civil.
III – Se determinados atos não refletirem concludentemente uma vontade de ratificar um contrato-promessa de compra e venda celebrado por um representante sem poderes para outorgar esse negócio e de não obedecerem à forma escrita exigida para uma ratificação desse tipo de negócio, os mesmos nunca podem ser encarados como uma ratificação implícita, uma vez que não se provou que tenham ocorrido posteriormente a ter sido dado conhecimento ao Autor dos termos do contrato necessitado de ratificação.
IV - O venire é uma manifestação do princípio da confiança, exigindo-se, que excecionalmente se tenha verificado uma situação de confiança na ratificação do negócio celebrado sem poderes de representação, traduzida na boa fé subjetiva da contraparte causada pela atuação do principal, que lhe tenha feito crer, com uma margem elevada de segurança, que iria ratificar aquele negócio.
V – Inexistindo elementos fácticos suficientes que nos permitam concluir que a não ratificação pelo Autor do contrato-promessa celebrado em seu nome pelo Réu constitua um venire contra factum proprio, permitindo o recurso ao instituto do abuso de direito para que se dispense a ratificação daquele negócio pelo Autor de modo a que o mesmo o vincule, aquele contrato-promessa é ineficaz relativamente ao Autor.

Texto Integral



Adjuntos: Cristina Neves
                 Falcão de Magalhães

                                                                      
Autor: AA


Réus:  BB
                                CC

                                                 *

  Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente ação contra o 1.º Réu e a A..., pedindo:
 a) a declaração de invalidade e ineficácia do contrato promessa em relação ao A.; caso assim não se entenda
b) a declaração de nulidade do contrato promessa celebrado entre o A. e a 2.ª R. no dia 20 de outubro de 2021; caso assim não se entenda;
c) a anulação do contrato promessa por haver erro que atingiu os motivos determinantes da declaração do A.;
d) a condenação dos RR. a restituírem solidariamente ao A. a quantia de € 3.000,00 por este entregue a título de sinal, acrescida de juros à taxa legal, desde 17 de janeiro de 2022 até efetivo e integral pagamento; casso assim não se entenda;
e) a condenação da 2.ª R. a restituir ao A. a quantia de € 3.000,00 entregue a título de sinal, acrescida de juros à taxa legal, desde 17 de janeiro de 2022 até efetivo e integral pagamento;
f) a condenação dos RR. ao pagamento solidário do montante de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora contados desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, recuperando o relatório da sentença recorrida:
Numa visita a Portugal, ocorrida no ano de 2019 ficou maravilhado com a aldeia da ..., em ..., tendo nessa altura ficado alojado, juntamente com a esposa, numa habitação cedida pelo R. BB, tendo depois regressado ao Brasil.
Assevera o A. que no decurso das conversas mantidas com o R. BB partilhou o sonho de viver numa aldeia e o interesse em adquirir uma habitação na ..., tendo o referido R. informado que aí existia uma habitação cuja venda estava a ser promovida pela 2.ª R., pelo preço de € 27.000,00, incluindo as mobílias e que a mesma estava em perfeitas condições de habitabilidade, carecendo apenas de uma limpeza.
Assevera ainda o A. que o R. BB sabia da sua necessidade em ter uma casa para habitar logo que regressassem do Brasil, tendo o mesmo desaconselhado a aquisição de um imóvel para reconstrução em virtude da demora e incerteza das obras, mais tendo dito conhecer um amigo que teria uma casa pronta para ser habitada de imediato e com boas condições de habitabilidade, circunstância que o A. assevera ter confirmado com o representante da 2.ª R., que lhe garantiu que a aquisição do imóvel seria um ótimo negócio.
Continua o A. que no dia 4 de outubro de 2021, em troca de mensagens com o R. BB lhe deu instruções para fazer o contrato nas condições que entendesse as melhores e que, para o efeito, o mesmo se socorreu de uma procuração por si subscrita a 25 de novembro de 2019, da qual constavam poderes para celebrar, alterar ou resolver contratos de fornecimento de água, energia elétrica, gás e telecomunicações com as entidades públicas ou privadas prestadoras desses serviços.
Assevera também o A. que, com vista a segurar o negócio e a pedido do R. BB, lhe transferiu o montante de € 2.580,00 em 6 de outubro de 2021 e o montante de € 9.000,00 em 7 de outubro de 2021, confiando na seriedade no negócio por o mesmo estar a ser levado a cabo pelo referido R., pessoa em quem confiava.
O A. prossegue na sua alegação factual, aduzindo que tinha animais de estimação que pretendia trazer para Portugal, tendo diligenciado por obter autorização para tanto, indicando a morada da habitação do cedida pelo R. BB por incentivo deste.
Afirma o A. que no dia 20 de outubro de 2021, o R. BB, na qualidade de seu procurador, assinou juntamente com a 2.ª R., na qualidade de vendedora um contrato promessa que tinha por objeto o prédio urbano para habitação sito na Avenida ..., ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º ...6, de que são proprietários DD e EE, tendo sido acordado o preço de € 27.000,00 e entregue a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 3.000,00, devendo os remanescentes € 24.000,00 ser pagos no ato da escritura, o que foi realizado omitindo-se o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes e sem verificação dos poderes e qualidades invocados.
Continua o A. que chegou a Portugal no dia 17 de novembro de 2021 juntamente com a esposa e que o R. BB lhes cópia do contrato e as chaves do imóvel para que o pudessem visitar, o que fizeram, tendo constatado que o mesmo não reunia condições de habitabilidade como pretendiam e que aquilo que lhes foi dito não tinha correspondência com a realidade por entrar água da chuva pela lareira, por os tacos dos quartos se encontrarem podres e levantados, por existir um cheiro a humidade em toda a casa, por a mesma não ser dotada de canalização de água quente e fria, não ter ligação elétrica, de água ou de saneamento à rede pública, por todo o chão de madeira estar «comido pelo caruncho», por existirem infiltrações de água nas paredes, por a casa de banho ter uma janela virada para um quarto e outra para a rua, sem qualquer privacidade e ainda por não ter polibã ou banheira e por a água do chuveiro cair diretamente no chão.
Afirma o A. ter contactado a proprietária do imóvel, tendo a mesma referido que a casa não tinha condições de habitabilidade, que necessitava de obras de fundo e que apenas se tinha proposto a vendê-la por € 15.000,00.
Mais diz o A. que percebeu ter sido engando, tendo ido falar com o representante da 2.ª R. e verificado que o mesmo anuiu no negócio com o R. BB, tendo aquele dito que era obrigado a celebrar a escritura de compra e venda. Nessa sequência alega ter remetido ao representante da 2.ª R. uma carta a denunciar o estado do imóvel e a solicitar a devolução do sinal pago no valor de € 3.000,00, sem que tenha obtido resposta ou a devolução do sinal. Além disso, afirma ter solicitado ao R. BB a devolução da quantia de € 8.580,00.
Conclui o A. que não assinou a escritura de compra e venda e que nunca ratificou qualquer contrato, mais dizendo que toda a situação o deixou a sentir-se enganado, angustiado, preocupado e desconfiado nas suas relações interpessoais, tendo padecido de grande inquietação e revolta, pelo que passou imensas noites sem dormir. Mais diz  padece de doença coronária e que situações de stress agravam o seu estado de saúde, tendo inclusivamente de tomar medicação ansiolítica e para dormir. E alega que, por tudo, deixou de ter liquidez financeira para honrar os seus compromissos junto de instituições bancárias e deixou de beneficiar de um seguro de saúde que havia contratualizado.

O Réu BB, contestando, impugnou a versão do Autor, defendendo a improcedência da ação.

A Ré, invocou a sua falta de personalidade judiciária e impugnou a factualidade alegada pelo Autor. Formulou pedido reconvencional.

O Autor apresentou réplica, defendendo a inadmissibilidade da reconvenção e impugnando a factualidade alegada pelo Autor.

Requereu ainda a intervenção principal de CC, ao lado dos demandados, tendo esta sido admitida.

O Interveniente contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pelo Autor, conclui pela improcedência da ação.
Deduziu reconvenção com vista à procedência dos seguintes pedidos:
2 . Deve ser considerada como provada e procedente a presente reconvenção do segundo réu/reconvinte e em consequência, ser o reconvindo condenado a pagar ao reconvinte o valor total de 5.820,00 euros, distribuídos da seguinte forma:
a) 2.120,00 euros pelos prejuízos imediatos, designadamente pela não concretização de negócios que se encontravam em curso, incluído o valor da comissão do contrato de compra e venda não cumprido pelo autor/reconvindo;
b) 3.200,00 euros para ressarcimento de perdas por lucros cessantes, no semestre seguinte à cessação da actividade de mediador do reconvinte;
c) 500,00 euros para o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.
d) bem como o valor correspondente aos juros de mora que vierem a vencer-se, desde a data da notificação da presente contestação com reconvenção ao autor até efetivo e integral pagamento.

O Autor replicou, impugnando os factos alegados pelo Réu Reconvinte como fundamento do pedido reconvencional, concluindo pela sua improcedência.

Foi proferido despacho que só admitiu o pedido reconvencional quanto ao valor do prejuízo que o Réu diz ter sofrido em consequência do incumprimento do Autor que é computado em € 810,00.
No mesmo despacho a réplica foi admitida unicamente no que concerne à resposta à matéria de facto alegada em sede de reconvenção relativamente à quantia de € 810,00 peticionada pelo R./reconvinte.

Foi julgada procedente a exceção dilatória decorrente da falta de personalidade judiciária invocada pela Ré A..., absolvendo-se esta da instância.

Não foi admitida a réplica referente à contestação apresentada pelo Réu BB.

Foi proferida sentença que julgou a ação pela seguinte forma:
Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo os RR. dos pedidos.
Mais julgo o pedido reconvencional formulado pelo R./reconvinte totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, absolvo o A./reconvindo do pedido.


                                                           *

O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
O presente recurso tem como objeto apenas e tão só matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, porquanto se considera que a matéria de fato foi devidamente avaliada, interpretada e julgada E,
a) Prende-se pelo fato de absolver os RR. dos pedidos formulados pelo A.;
b) Em 20 de Outubro de 2021, na qualidade de representantes dos promitentes vendedores e promitente comprador, os Recorridos celebraram um contrato promessa de compra e venda do prédio urbano destinado a habitação, sito na Avenida ..., União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...6, conforme ponto 15 dos factos provados;
c) Todavia, o Recorrido BB não estava investido de poderes para o efeito;
d) Entendeu o Tribunal a quo qualificar a relação jurídica encetada entre o Recorrente e o Recorrido BB, como um mandato sem representação, cujo regime se encontra estatuído no art.º 1180º do Código Civil.
e) A sentença do tribunal a quo erra ao qualificar a relação jurídica civil desenvolvida entre o Recorrente e o Recorrido BB, como um mandato sem representação, fazendo, outrossim, uma errada e inadequada aplicação do direito, violando assim, o disposto nos artigos 258º, 1180º, 1178º, todos do Código Civil.
f) Porquanto, para que assim fosse, necessário se tornaria, antes de mais, que: o mandatário agisse em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos atos que celebra.
g) Ora, se atendermos ao teor do contrato, conforme plasmado no ponto 15 dos factos provados, verificamos que o referido contrato é subscrito pelos Recorridos CC e BB, este último na qualidade de representante/procurador do Recorrente.
h) O mandato sem representação pressupõe o interesse de certa pessoa na realização dum negócio sem intervenção pessoal, interposição de outra pessoa a fazer o negócio por incumbência não aparente do titular do interesse, celebração do negócio pela interposta pessoa sem referência ao pelo mandatário.
i) Tudo isto de acordo com a ótica do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça e ainda, do Tribunal da Relação de Lisboa, vidé acórdão proferido no âmbito do processo 448/07.0TBRMR.L1-2, em 17-12-2014.
j) Igual posição é sustentada ainda, entre tantos outros, pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos em 11-5-2000 (Relator- Abílio Vasconcelos) e em 21-01-2008 (Relator- Azevedo Ramos);
k) Cremos, pois, não estarem verificados os pressupostos que a lei impõe para que possamos enquadrar a situação sub judice no mandato sem representação;
l) Isto porque, o Recorrido BB assinou o referido contrato, não em nome próprio, mas como procurador/representante do Recorrente;
m) Para que a conduta atrás elencada pudesse enquadrar-se na situação prevista no art.º 1180º do Código Civil, necessário seria que o Recorrido BB, mandatado pelo Recorrente na celebração do referido contrato promessa de compra e venda, tivesse agido por conta do Recorrente, mas em nome próprio.
n) Porém, a realidade é que o Recorrido BB agiu em nome do Recorrente, tendo assinado tal documento na qualidade de representante/procurador do mesmo, a coberto de um mandato com representação socorrendo-se, para o efeito, de poderes de representação que não detinha.
o) O Recorrido atuou por conta do Recorrente sem estar investido num poder de representação. Ou melhor, atuou extrapolando os poderes que lhe foram conferidos.
p) Além do mais e da forma como foi redigido e subscrito o referido documento, também os efeitos jurídicos daí decorrentes, produziram-se, na esfera jurídica do Recorrente e não na esfera jurídica do Recorrido BB.
q) Não operando, in casu, a tese da dupla transferência, isto é, do terceiro para o mandatário e deste para o mandante.
r) Também por via desta circunstância, não se pode enquadrar a presente situação no mandato sem representação.
s) Para corroborar o que aqui se deixa escrito, chama-se novamente à colação o sobredito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 987/06.0TBFAF.G1.S1, em 12-01-2012, pelo Relator- Serra Baptista, que bem dita, a este propósito, o seguinte: «O que caracteriza esta forma de mandato, como atrás dito, é o facto de o mandatário agir em seu próprio nome (nomine proprio), de que resulta que este adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes. E, assim, em vez de os actos produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante (art. 258.º), produzem-nos na esfera do mandatário. Sendo certo que, embora o mandato seja exercido em nome próprio o negócio pertence sempre ao mandante, pelo que os resultados úteis conseguidos pelo mandatário devem ser para aquele transferidos.» (Realce nosso).
t) No mandato sem representação, o mandatário, embora agindo por conta, e no interesse do mandante, não assume a qualidade de seu representante, e, como que age em nome próprio, adquire todos os direitos e assume todos os deveres que decorrem dos atos que celebra.
u) Ora, o enquadramento fático do presente caso, configura, não um mandato sem representação, como idealiza o art.º 1180º, mas antes um mandato com representação, como se encontra figurado no art.º 1178º, ambos do Código Civil;
v) Decorrendo da factualidade provada, mormente do ponto 8, que a procuração que o Recorrente outorgou a favor do Recorrido BB, não lhe dava poderes para a celebração do referido negócio;
w) Destarte, o Recorrido BB atuou a coberto de um mandato com representação, extrapolando os poderes que lhe foram conferidos. Até porque, o concreto negócio em que o mesmo interveio, requeria um mandato especial, tal e como, como vem configurado no n.º 2, do art.º 1159º do Código Civil;
x) Na hipótese de não se considerar o arrazoado, diga-se ainda que, no que respeita à forma do contrato de mandato sem representação, dita o n.º 2, do art.º 410º do Código Civil que “ a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
y) A norma transcrita, de natureza excecional, foi legislada para o âmbito específico do contrato promessa.
 z) É certo que, conforme dispõe o art.º 11º do Código Civil, as normas excepcionais não comportam aplicação analógica. Mas admitem, contudo, uma interpretação extensiva.
aa) Vale por isso dizer que, in casu, não é de afastar a interpretação extensiva daquela norma, uma vez que, o campo de aplicação é o mesmo para o qual se legislou.
bb) Assim e na hipótese de se considerar o pelejado pelo Tribunal “a quo”, deve entender-se ser de aplicar ao presente caso a norma excecional prevista no n.º 2, do art.º 410º do Código Civil.
cc) Considerando-se, assim, que o contrato de mandato sem representação deve ser sujeito àquela forma especial (a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar).
dd) Forma essa que, não tendo sido observada, deve determinar a invalidade do contrato em relação ao Recorrente.
ee) Ao considerar não ser exigível forma escrita para o mandato sem representação, o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 410º, n.º 2, 11º e 1159º, n.º 2 todos do Código Civil.
ff) Do ponto 34 dos factos provados, resulta assente que o Recorrente nunca ratificou o contrato promessa de compra e venda celebrado.
gg) Porém e também quanto a este ponto, não acolhe a argumentação do tribunal a quo, ao sustentar que o R. BB deu conhecimento ao A. da declaração referida em 15) a 7 de dezembro de 2021, já depois de ter entregue ao A. as chaves do imóvel referido em 4), como resulta provado que o A. nunca abordou o R. BB quanto ao estado do referido imóvel, assim se concluindo que o A. aprovou a atuação do R. BB, nos termos do art.º 1163.º do Código Civil.
hh) O que aqui se coloca em crise, não é o momento da entrega da declaração referida em 15), vulgo, contrato promessa de compra e venda, a qual, como consta provado, foi entregue ao Recorrente a 7 de dezembro de 2021, mas sim o facto de o tribunal a quo considerar que o A. nunca abordou o R. BB quanto ao estado do referido imóvel.
ii) Da prova documental junta aos autos (mensagem de 06-12-2021, pelas 11:07- junta aos autos como Doc. n.º 2, através de requerimento de referência 5817745, de 09-03-2023), resulta, da conversa encetada entre o Recorrente e o Recorrido BB, alguma crispação por parte do Recorrente em relação ao estado do imóvel e que a seguir se transcreve: “Mas às vezes temos de apertar o calo dos outros (mediador imobiliário, por exemplo). Não se preocupe D. FF. A amizade que temos é superior a pequenos problemas, mas que devem ser expostos, para sermos verdadeiros, como quero ser sempre, com vocês (…)” (negrito e sublinhado nossos).
jj) Dali se extrai que o A. não aprovou a atuação do R. BB.
kk) Tão pouco, se extrai que tenha ratificado de forma verbal o referido contrato.
ll) Aliás, através do envio da referida mensagem, o Recorrente quis alertar o Recorrido e a sua esposa para a existência de problemas no imóvel.
mm) Pelo que, não podemos comungar da posição do tribunal a quo, ao referir que a conduta do A. e atentatória do princípio da confiança.
nn) Mais se diga que, a existir, a ratificação encontrar-se-ia sujeita à observância da forma exigida para a procuração, a qual é análoga à que deve ser observada no negócio jurídico a realizar pelo procurador- como bem ditam os artigos 262º, n.º2 e 268º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Civil.
oo) A invocação da ausência de ratificação por parte do A. não consubstancia abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
pp) Chamando à colação toda à factualidade em torno da qual gravitam os presentes autos, não podemos aderir à concepção defendida pelo tribunal a quo.
qq) Porquanto, se comportamentos há que se manifestam como atentatórios ao princípio da boa fé, tê-lo-ão que ser imputados aos Recorridos.
rr) Já que, o Recorrido BB asseverou ao Recorrente que a casa apenas precisava de limpeza, estando pronta para ser habitada (conforme ponto 12 dos factos provados).
ss) O Recorrente apenas recebeu as chaves do imóvel após o dia 18 de novembro de 2021, conforme resulta dos pontos 18, 19 e 20 da matéria de facto provada.
tt) Dos pontos 22, 23, 25 e 26 da matéria de facto provada, resulta que o Recorrente quando visitou o imóvel verificou que o mesmo não tinha instalados os contadores de água e eletricidade, não tinha instalação de água quente (canalização e sistema de aquecimento) e não tinha ligação à rede pública de saneamento, que parte do taco de encontrava danificado  das paredes se encontrava cascada.
uu) O contrato promessa de compra e venda foi entregue pelo Recorrido BB ao Recorrente apenas em 7 de dezembro de 2021.
vv) No dia seguinte ao envio da mensagem identificada em “ii”, o Recorrido BB entregou ao Recorrente o contrato promessa de compra e venda.
ww) O Recorrido CC, mediador imobiliário à data dos factos, não atuou com a diligência que lhe era exigível, nomeadamente, na formalização do contrato promessa de compra e venda, redigindo um contrato de uma forma “atabalhoada”, não conferindo poderes de representação a quem se arroga procurador e omitindo formalidades essenciais à validade do negócio.
 xx) Por conseguinte e relevando-se aqui a gíria, “a cereja no topo do bolo” foi o Recorrente tomar conhecimento de que o imóvel foi vendido por 15.000,00€ e não pelos 27.000,00€ propostos.
yy) Uma vez que a casa não possuía as prometidas condições de habitabilidade, o Recorrente chamou ao local um construtor civil, a fim de ser elaborado um orçamento para a colocação de uma base na casa de banho, aumento do espaço da cozinha, colocação de mosaico na cozinha e instalação de canalização para água quente.
zz) Porém, tal facto não torna legitima e justificada a convicção de que o Recorrente fosse celebrar o negócio de compra e venda do imóvel.
aaa) Porquanto, o intento do Recorrente não era efetuar, mas sim, quantificar o valor de tais obras.
bbb) Constatando, que o custo de aquisição do imóvel era bem superior ao seu valor real.
ccc) E nessa sequência, deslocou-se ao escritório do Recorrido CC a fim de lhe entregar as chaves.
ddd) Contudo e não o tendo encontrado, em 14 de janeiro de 2022, enviou carta registada com aviso de receção a devolver as chaves e a solicitar a devolução do sinal pago.
eee) Não existe nos autos fundamento fático e legal para considerar que a conduta do Recorrente excedeu, manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme estatui o art.º 334º do Código Civil.
fff) Nem tão pouco, que o comportamento do Recorrente tenha criado nas outras partes a legítima convicção de que o mesmo nunca iria invocar as nulidades atinentes ao modo de celebração do negócio.
ggg) Por conseguinte, deve inviabilizar-se a procedência do instituto do abuso de direito no caso em apreço.
hhh) Pelo que, ao paralisar os efeitos decorrentes da ausência de ratificação, o tribunal a quo fez uma errada e inadequada aplicação do direito, violando assim o disposto nos artigos 262º, n.º2, 268º, n.º 1 e n.º 2, 334º, 410º, n.º2, 1159º e 1163º, todos do Código Civil.
iii) Ademais, nos termos do n.º 3, do art.º 410º do Código Civil, o contrato promessa de compra e venda celebrado pelos Recorridos deveria conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes;
jjj) Ora, conforme resulta do ponto 17 da fundamentação de facto, o documento que incorpora esse contrato celebrado pelos Recorridos não contém o reconhecimento presencial das assinaturas dos Recorridos, omitindo, deste modo, a formalidade legal imposta pelo citado art.º 410º, n.º 3 do Código Civil.
kkk) A omissão desta formalidade implica a nulidade do contrato.
lll) A qual, nas palavras de Inocêncio Galvão Telles “trata-se de nulidade atípica, também chamada híbrida ou mista, porque participa de caracteres das nulidades propriamente ditas e da anulabilidade. A nulidade, na sua configuração normal, individualiza-se por três notas: ser arguível a todo o tempo; poder ser invocada por qualquer interessado; poder ser conhecido «ex officio» pelo tribunal (art.286º). A nulidade atípica não se apresenta com essa pureza, obedecendo sob algum ou alguns aspectos ao regime das meras anulabilidades.
mmm) Na esteira do mesmo entendimento, pronunciou-se Calvão da Silva, o qual “qualifica a situação como nulidade atípica que, como tal, poderá ser invocada, a todo o tempo, pelo promitente-comprador (já que, como se referiu, o promitente-vendedor nem sempre a poderá invocar), sem prejuízo da sua preclusão por eventual abuso de direito”.
nnn) Note-se que, as referidas posições colheram a adesão da generalidade da jurisprudência e que foi consagrada formalmente por dois Assentos: assentos n.º 15/94, de 28 de junho de 1994 e n.º 3/95, de 1 de fevereiro (hoje com valor de jurisprudência uniformizada e que mantêm atualidade).
ooo) Feita esta breve jornada pelas correntes doutrinárias e jurisprudenciais enquadráveis no thema decidendum, parece-nos indubitável que a omissão de tal formalidade no contrato promessa de compra e venda objeto dos presentes autos, configura uma nulidade (ainda que atípica) que poderá ser invocada a todo o tempo pelo promitente comprador.
ppp) Todavia e reconhecendo a invocada nulidade, vem o Tribunal a quo paralisar os efeitos daí decorrentes, socorrendo-se, mais uma vez, da figura do abuso de direito.
qqq) Porém, s.m.o, entendemos que da leitura da factualidade provada, não se encontra aqui qualquer eco da existência de uma situação enquadrável na figura do abuso de direito.
rrr) Com efeito, atentemos o Recorrente apenas teve conhecimento de tais omissões quando consultou a sua patrona. O que, terá acontecido em inícios de janeiro de 2023.
sss) E daí decorre que essa formalidade veio a ser invocada na petição inicial, isto é, sensivelmente um mês após o seu conhecimento.
ttt) A preterição de tais formalidades não emergiu, tão pouco, de instruções do Recorrente, o qual, como se disse e sublinha, nem sabia da exigência de tais formalidades.
uuu) Pelo que, a existir qualquer responsabilidade por essa omissão, a mesma deve ser assacada aos Recorridos, os quais, tinham plena consciência, pela forma “atabalhoada” com que foi redigido o referido contrato que nenhuma entidade autenticadora lhe faria o referido reconhecimento, desde logo, porque teriam de demostrar os poderes e qualidades invocadas que, in cau, não detinham.
vvv) E assim, a omissão de tais formalidades resultou de circunstâncias alheias à vontade do Recorrente.
www) Nestes casos, a lei confere ao promitente comprador a faculdade de invocar a nulidade decorrente do disposto no n.º 3, do art.º 410º do Código Civil.
xxx) Nulidade essa que pode ser invocada a todo o tempo.
yyy) Pelo que e com o respeito que é devido, não se compreende e nem se aceita o pelejado pelo tribunal a quo ao referir-se ao dia 7 de dezembro de 2021 como o momento em que o Recorrente “tomou ou devia ter tomado conhecimento de tais omissões”.
zzz) De igual modo e ao concluir que o A. nunca se insurgiu quanto às condutas levadas a cabo pelo R., o tribunal a quo não teve em consideração toda a prova documental junta aos autos, designadamente, o teor da mensagem enviada pelo Recorrente no dia 6 de dezembro de 2021, na qual o mesmo transmite ao Recorrido BB e esposa, a existência de problemas no imóvel;
aaaa) O Recorrente nunca habitou o imóvel (veja-se o ponto 18 dos factos provados), nunca efetuou obras de remodelação no imóvel, nem tão pouco, começou a preparar a sua remodelação.
bbbb) Aliás, o Recorrente sempre deixou claro, conforme resulta dos factos provados, que pretendia uma casa pronta a habitar.
cccc) Pelo que, nunca fora sua intenção adquirir uma casa para remodelar.
dddd) O Recorrente deteve a chave do imóvel no período compreendido entre finais de novembro de 2021 e 14 de janeiro de 2022, cerca de mês e meio.
eeee) A qual foi enviada via correio registado e não foi entregue antes porque apesar do Recorrente se ter deslocado por diversas vezes ao escritório do Recorrido CC, nunca o encontrou, conforme aliás resulta da carta remetida ao mesmo e cujo teor se encontra reproduzido no ponto 30 da matéria de facto dada como provada.
ffff) Pelo que, não se vislumbra onde é que o comportamento do Recorrente foi suscetível de criar na contraparte a convicção ou expectativa fundada de que aquele não invocaria a nulidade do contrato firmado entre os Recorridos.
gggg) Aliás, os Recorridos tinham todas as razões para acreditar que o Recorrente iria invocar a nulidade/anulabilidade do contrato, em primeiro lugar, porque o Recorrente, na carta que enviou ao Recorrido CC, já tinha pedido a devolução do valor pago a título de sinal por ter constatado que a casa não se apresentada no estado que lhe havia sido prometido.
hhhh) Tanto assim é que, cabendo ao Recorrido CC marcar a escritura de compra e venda, este nunca a marcou, ou se marcou não avisou o Recorrente- conforme resulta da alínea M) do elenco dos factos não provados.
iiii) Posto isto, não se pode sufragar o entendimento preconizado pelo tribunal a quo, no que tange à inalegabilidade das nulidades formais, ao considerar que o Recorrente atuou em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
jjjj) Porquanto, impunha-se a verificação de outros elementos circunstâncias que melhor alicerçassem a justificada situação de confiança dos Recorridos.
kkkk) Recorrendo aos ensinamentos de Carolina Rebordão Nunes, a justificação de confiança consiste em que “o beneficiário da inalegabilidade se tenha alicerçado em elementos razoáveis, capazes de provocar a adesão de uma pessoa normal'. Por seu lado, a imputação da confiança consiste na 'existência de um autor a quem se deve a entrega confiante do tutelado. Ao proteger-se a confiança de uma parte, está, em regra, a onerar-se outra. Isso implica que a outra, seja de algum modo, responsável pela situação criada”.
llll) Daí que, conforme se faz notar nos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbito dos processos n.º3161/04.6TMSNT.L1.S1, de 08.06.2010 e n.º2234/11.3TBFAF.G1.S1, de 17.03.2016, não se possa generalizar nem banalizar o recurso à figura do abuso de direito de modo a fazer precludir a aplicação sistemática da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o ato, dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e prova de ter ocorrido um particular e fundado “investimento de confiança” na estabilidade e definitividade do contrato”.
mmmm) Destarte e de modo paralisar as consequências da omissão das formalidades previstas no n.º 3, do art.º 410º, do Código Civil, lançando mão, mais uma vez, do instituto do abuso de direito, o tribunal a quo fez uma errada e inadequada aplicação do direito, violando, assim, o disposto no art.º 334º do Código Civil.
nnnn) Mais resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente, dos pontos 20, 22, 23, 24, 25 e 26 dos factos provados, que o imóvel objeto do contrato promessa de compra e venda não reunia as prometidas condições de habitabilidade.
oooo) Muito embora, fosse do conhecimento do Recorrido BB que o pretendido pelo Recorrente era adquirir um imóvel pronto a habitar.
pppp) Ainda assim, asseverou o mesmo, que o referido imóvel apenas precisava de uma limpeza, estando pronta a ser habitada (vide ponto 12 dos factos provados).
qqqq) A declaração negocial do Recorrente quando foi exteriorizada, estava viciada por erro, porquanto a ideia que o mesmo tinha das condições da casa que estava prestes a adquirir não tinha qualquer correspondência com a realidade.
rrrr) Ou seja, o Recorrente manifestou vontade de adquirir a referida casa, no pressuposto, que agora sabe-se errado, de que a mesma estaria pronta a habitar.
ssss) Tendo, inclusive, ficado patente das declarações prestadas pelo A. em sede de audiência de julgamento, que se o mesmo tivesse conhecimento de antemão que o imóvel não tinha instalados os contadores de água e eletricidade, não tinha instalação de água quente (canalização e sistema de aquecimento) e não tinha ligação à rede pública de saneamento, que parte do taco de encontrava danificado pelo caruncho, que a casa de banho não tinha banheira/duche e que a tinta das paredes se encontrava cascada, jamais teria dado instruções para celebrar o dito contrato promessa de compra e venda ou pelo menos não o teria feito pelo preço proposto.
tttt) A vontade negocial deve ser livre, esclarecida e ponderada.
uuuu) A declaração negocial emitida pelo Recorrente tinha como pressuposto uma falsa representação da realidade, pelo que, verifica-se assim um erro que atingiu os motivos determinantes da declaração do mesmo.
vvvv) Sendo, por isso, tal contrato anulável à luz do disposto no art.º 247º CC, que preceitua que, quando em virtude de erro, a vontade declarada desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
wwww) Pelo que, mal andou o tribunal a quo ao afastar a aplicação do disposto no art.º 247º do Código Civil.
xxxx) Acresce que, da matéria de facto provada (pontos 15 e 16 dos factos provados), resulta assente que o R. BB entregou ao R. CC a quantia de € 3.000,00.
yyyy) O enriquecimento do R. CC foi obtido à custa de bens pertencentes ao Recorrente (veja-se, com efeito, o ponto 14 dos factos provados).
zzzz) Com a referida deslocação patrimonial, verifica-se o empobrecimento do A., que se vê sem a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel e desprovido do preço desse direito.
aaaaa) Ao mesmo tempo, verifica-se do lado do Recorrido CC, um incremento do seu património no montante do valor pago a título de sinal.
bbbbb) Apresentando-se esse incremento, em face da invalidade do contrato promessa de compra e venda, sem causa que o justifique.
ccccc) Isto porque, o referido contrato padece, como já tivemos oportunidade de referenciar, de diversas irregularidades.
ddddd) A deslocação patrimonial operada tinha em vista a aquisição do prédio urbano.
eeeee) Contudo e como já é sabido, tal prédio não veio a ser adquirido pelo Recorrente.
fffff) Ora, esta deslocação patrimonial carece de causa justificativa.
ggggg) E neste segmento, obriga à restituição, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 473º do Código Civil.
hhhhh) Por último, é ainda de frisar que todo este enredo teve como consequência a produção de danos não patrimoniais na esfera pessoal do Recorrente.
Conforme dispõe o art.º 483º, n.º 1 do Código Civil, são pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O primeiro deles, esta patente na forma “atabalhoada” com que todo este negócio foi conduzido pelos Recorridos e no ato de transmissão ao Recorrido que o imóvel seria vendido por 27.000,00€, quando se vem a saber que foi vendido por 15.000,00€, com o diferencial de preços apresentado ao Recorrente e ainda na omissão de formalidades impostas por lei imperativa;
E tenha-se presente que, o Recorrido CC exercia, à data dos factos, a atividade de mediador imobiliário, pelo que, se impunha que tivesse agido com a diligencia que lhe é exigível.
Quanto ao segundo, diga-se que com tal comportamento, os Recorridos violaram as seguintes disposições legais: art.º 410º, n.º3, 258º, 227º, todos do Código Civil e no caso do Recorrido CC, ainda as seguintes disposições- art.º 16º, 17º,18º, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro que Estabelece o Regime Jurídico a que fica sujeita a Atividade de Mediação Imobiliária.
Da conduta perpetrada pelos Recorridos, o Recorrente sofreu danos não patrimoniais identificados nos pontos 40 e 41 dos factos provados.
Quanto ao último dos pressupostos (nexo de causalidade entre o facto e o dano), importa salientar que, a este propósito, prevê o artigo 563º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
É sobre este último pressuposto que, no nosso humilde entender, o decidido em primeira instância merece reparo.
Porquanto, da sentença recorrida ficou a constar que as perturbações sofridas pelo A. tiveram como causa a quebra de amizade com o R. BB, o que não tem qualquer relevância jurídica.
É certo que, o terminus da relação de amizade encetada entre o Recorrente e o Recorrido BB, abalou psicologicamente o Recorrente.
Todavia, esse abalo e os danos que daí resultaram, ficaram-se a dever, sobretudo, ao facto de o Recorrente se sentir enganado por uma pessoa que julgava sua amiga.
Isto para dizer que, o dano não tem de ser necessariamente provocado por uma só condição e a doutrina da causalidade adequada não pressupõe e exclusividade da condição.
É o que, aliás, resulta do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de junho de 2008, ao entender que no contexto da causalidade adequada contemplada no art.º 563º do Código Civil- “é configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, do mesmo passo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano”
Apreciando o caso vertente e numa perpspetiva naturalística, cremos não existirem dúvidas de que todo este comportamento protagonizado pelos Recorridos, foi gerador do dano sofrido pelo Recorrente.
Porquanto, sem as referidas condutas, o Recorrente jamais teria sofrido os danos atrás mencionados.
Em abstrato, a quebra de laços de confiança que uma relação de amizade necessariamente pressupõe, não acarretaria stress, angústia, noites sem dormir, depressão.
Porém, quando essa rutura é motivada por uma traição, deslealdade, é suscetível de criar os danos atrás elencados.
Entendemos, deste modo, que tais danos não podem ser analisados com a superficialidade e ligeireza que constam da sentença e que, contrariamente, ao entendimento sufragado pelo tribunal a quo, têm relevância jurídica.
Inserindo-se, deste modo, na previsão do disposto no n.º 1, do art.º 496º do Código Civil.
É certo que a lei não apresenta uma definição de danos não patrimoniais,
No entanto, tem entendido a doutrina que poderemos estar perante um dano não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual16; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro18; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária.
Transportando tais ensinamentos para o caso objeto de recurso, é indiscutível que o Recorrente sofreu um dano de natureza não patrimonial, dano esse, retratado nas noites sem dormir, na depressão, angústia e stress e no recurso a ansiolíticos para tentar restabelecer a normalidade.
É, aliás, o que resulta dos pontos 39,40 e 41 dos factos provados.
Á luz dos quais, não nos revemos no percurso lógico-dedutivo seguido pelo tribunal a quo, feito, no nosso humilde entendimento, através de uma escassa argumentação e que conduziu, também neste ponto, à absolvição dos RR.
Contudo, importa ainda salientar que, o Recorrente formulou pedido de indemnização civil também contra o Recorrido CC.
E que, em relação a este último, o Recorrente não possui qualquer relação de amizade.
Sendo que, estando o seu comportamento, também ele, na génese dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente.
No entanto e quanto a este, o tribunal a quo não se pronunciou.
Ocorrendo, deste modo, a omissão prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil.
Concluímos, assim, que existe nexo de causalidade entre o facto e o dano, verificando-se, no caso, os demais pressupostos da responsabilidade civil, a que alude o art.º 483º, do Código Civil.
llllll) Pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 483º, 496º e 563º, todos do Código Civil.
mmmmmm) Tudo visto, impõe-se que seja dado provimento ao presente recurso, dado que o despacho em crise fez uma errada e inadequada aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 11º, 258º, 262º, n.º2, 268º, n.º 1 e 2, 247º, n.º1, 334º,410º, n.º2 e 3, 473º, n.º1,483º, n.º 1, 496º,563º, 1159º, 1163º, 1178º e 1180º, todos do Código Civil.
Concluiu pela procedência do recurso.

Os Réus apresentaram resposta, pugnando pela confirmação da sentença proferida.
                                                
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1. O objeto do recurso
Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da sentença recorrida são as seguintes as questões a apreciar:
- a ineficácia do contrato outorgado pelos Réus, face à ausência de poderes de representação;
- subsidiariamente, a nulidade do contrato, por inobservância da forma legal;
- ainda subsidiariamente, a anulabilidade do contrato por erro;
- a responsabilidade dos Réus pela devolução ao Autor do sinal entregue, no valor de € 3.000,00.
-subsidiariamente, a responsabilidade do Réu CC pela devolução daquele montante;
- a responsabilidade dos Autores pelo pagamento de uma indemnização por danos morais, no valor de € 10.000,00.

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2.  Os factos
Os factos provados são os seguintes:
1) O A. AA emigrou para o Brasil em 1976, onde viveu até novembro de 2021, altura em que fixou definitivamente residência em Portugal;
2) Em data não concretamente apurada do ano de 2018, o A. deslocou-se a Portugal para outorgar uma escritura pública de compra e venda referente a um imóvel que tinha comprado no concelho ...;
3) Entre outubro e novembro de 2019, por ocasião de uma visita a Portugal, o A. e a esposa ficaram alojados numa habitação cedida pelo R. BB e pela esposa, sita na ..., ..., tendo depois regressado ao Brasil;
4) Durante a estadia em Portugal, o A. passeou junto do prédio urbano destinado a habitação, sito na Avenida ..., União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...6;
5) Na ocasião descrita em 4) quando o R. CC se encontrava no exterior do referido imóvel, tendo depois aparecido o R. BB, foram abordados pelo A., que manifestou interesse em ver o imóvel;
6) Nesse momento, o R. CC afirmou que a casa ia ser posta à venda;
7) Após o descrito em 5) e 6), o A., a sua esposa e os RR. viram o imóvel referido em 4) por fora;
8) Em 25 de novembro de 2019, o A. outorgou uma procuração a favor do R. BB, através da qual lhe conferia poderes para celebrar, alterar ou resolver contratos de fornecimento de água, energia elétrica, gás e telecomunicações com entidades públicas ou privadas prestadoras desses serviços;
9) Em data não concretamente apurada, mas após o descrito em 8), o A. regressou ao Brasil;
10) Quando o A. e a esposa se encontravam no Brasil comunicavam via WhatsApp com o R. BB e a sua esposa através de mensagens de texto e videochamada, dando-lhes conta que era sua intenção fixarem-se em Portugal e adquirir uma habitação na ... para o efeito;
11) Em data não concretamente apurada do ano de 2021 e anterior a 4 de outubro de 2021, o A. visualizou que o imóvel referido em 4) se encontrava à venda no website da plataforma «Idealista» e que o mesmo estava mobilado;
12) No dia 4 de outubro de 2021, o R. BB e a esposa entraram em contacto com o A. e a esposa, informando que o imóvel referido em 4) se encontrava à venda por € 27.000,00 e que teriam de outorgar um contrato promessa de compra e venda, após o que seriam facultadas as chaves do imóvel e que a escritura seria feita quando o A. e a esposa se deslocassem a Portugal, mais dizendo que a casa apenas precisava de limpeza, estando pronta para ser habitada;
13) Na sequência do descrito em 12), o A. disse ao R. BB para fechar o negócio e para fazer o contrato nas condições que considerasse as melhores;
14) Após o descrito em 13) o A. transferiu para a conta bancária do R. BB a quantia de € 2.580,00 a 6 de outubro de 2021 e a quantia de € 9.000,00 a 7 de outubro de 2021, com vista a assegurar o negócio, quantias que o R. recebeu;
15) No dia 20 de outubro de 2021, os RR. elaboraram o seguinte texto, titulado «Declaração»: a. «CC, sócio-gerente da Imobiliário “A...” com o nº ...82, situado no Largo ..., ... ..., declara para os devidos efeitos que recebeu e tem em seu pode 3,000 € (Três mil euros) como sinal da venda do imóvel Urbano (casa) com o artigo matricial n.º ...6 de que são proprietários os Srs. DD com o nif. ...37 e EE com o nif. ...29 respetivamente marido e mulher e fica situado na Avenida ... ... da União das Freguesias ..., pelo preço de 27,000€ (vinte e sete mil euros) vendem a AA com o nif. ...41 aqui representado neste ato pelo Srº BB com o nif. ...07 morador na Rua .... Os restantes 24,000€ (vinte e quatro mil euros) serão pagos no ato da escritura. Mais declaram as duas partes que a escritura será realizada até só dia 31 de Janeiro de 2022, assim o disseram e concordam. ..., 20 de Outubro de 2021. Imobiliária “A...” [assinatura manuscrita do R. CC]. O Comprador AA O procurador BB [assinatura manuscrita do R. BB]»;
16) Na ocasião referida em 15), o R. CC entregou as chaves do imóvel referido em 4) ao R. BB que entregou àquele a quantia de € 3.000,00, em nome do A. e segundo as instruções por este dadas;
17) Não foi efetuado o reconhecimento presencial das assinaturas apostas no documento referido em 15) nem certificada a existência de licença de utilização;
18) O A. e a esposa regressaram a Portugal em data não concretamente apurada mas entre os dias 16 e 18 de novembro de 2021, tendo ficado alojados na casa referida em 3);
19) Ainda no decurso do mês de novembro de 2021, o R. BB entregou ao A. as chaves do imóvel referido em 4);
20) Dias após ter em seu poder as chaves referidas em 19), o A. e a esposa deslocaram-se ao imóvel referido em 4);
21) Na sequência do descrito em 20), o A. e a esposa desmontaram alguns móveis e as camas que se encontravam no interior da casa referida em 4);
22) Na ocasião referida em 20) o imóvel referido em 4) não tinha instalados os contadores de água e eletricidade; não havia instalação de água quente (canalização e sistema de aquecimento) e não tinha ligação à rede pública de saneamento;
23) O chão do imóvel era composto por «taco» em madeira, sendo que parte dele já se encontrava levantado e outra parte foi levantada pelo A. e pela esposa, encontrando-se o mesmo parcialmente danificado pelo «caruncho»;
24) O imóvel estava mobiliado com as mobílias constantes das fotografias que acompanhavam o anúncio referido em 11) que se encontravam em bom estado de conservação;
25) A casa de banho tinha uma sanita, um bidé, um lavatório e um chuveiro, mas não tinha banheira/duche, apenas existindo um ralo no chão para escoar a água do chuveiro e tinha duas janelas, uma para um quarto e outra para a rua;
26) A tinta de uma das paredes de um dos quartos encontrava-se cascada;
27) Em data não concretamente apurada, mas após o descrito em 20) e antes de 7 de dezembro de 2021, o A. entregou cópia do seu cartão de cidadão e do cartão de cidadão da esposa ao R. BB;
28) No dia 7 de dezembro de 2021, o R. BB entregou ao A. o documento referido em 15);
29) Em data não concretamente apurada do mês de dezembro de 2021, o A. chamou ao imóvel referido em 4) um construtor civil a fim de ser elaborado um orçamento para a colocação de uma base na casa de banho, aumento do espaço da cozinha, colocação de mosaico na cozinha e instalação de canalização para água quente;
30) O A. remeteu ao R. CC uma carta registada com aviso de receção a 14 de janeiro de 2022 com o seguinte teor: a. « NOTIFICAÇÃO Conforme DECLARAÇÃO (cópia em anexo), emitida em 20 de Outubro de 2021, porém, apenas recebida pela minha pessoa na data de 07 de Dezembro de 2021, através do Sr. BB, onde é "declarado para os devidos efeitos", que foi recebido, por V.Excia., o valor de 3.000,00 (três mil euros), em data de 20 de Outubro de 2021, e que se "encontram em seu poder", como sinal da venda do imóvel urbano (casa), com o artigo matricial n. ...6, de que são proprietários os Srs., DD, portador do nif. ...37 e EE, com o NIF n. ...29, respectivamente marido e mulher, e cujo imóvel fica situado na Avenida ..., ..., pertencente à União das Freguesias .... ... e ... pelo preço de 27.000,00 (vinte e sete mil euros), que declara ter vendido a AA, portador do NIF n. ...41, "representado pelo Sr. BB", portador do NIF n. ...07, morador na Rua ..., .... Na DECLARAÇÃO, consta ainda que "os restantes 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), serão pagos no ato da escritura", e ainda que "Mais declaram as duas partes (CC e BB), que assina a DECLARAÇÃO como Procurador do Comprador, que "a escritura será realizada até ao dia 31 de Janeiro de 2022, assim disseram e concordaram A DECLARAÇÃO está assinada pelo Sr. CC e pelo Sr. BB, sem ser acompanhada da procuração citada para tal finalidade. Assim, e exposta a DECLARAÇÃO, informo V.Excia., de que o imóvel objeto da declaração citada, não está em conformidade com o que me foi informado na ocasião do pagamento dos 3.000,00 (três mil euros), a título de sinal, já que me foi informado que "a casa precisaria apenas de uma boa limpeza e estaria pronta a habitar, tendo inclusive móveis para essa finalidade." Tal informação, constante de uma mensagem recebida através do Whatsapp, que recebi quando ainda me encontrava no Brasil, NÃO CORRESPONDE AO VERDADEIRO ESTADO GERAL DA CASA, como se poderá verificar nas fotografias em anexo, sendo que a mesma não tem canalização de água quente e fria, não tem ligação, nem elétrica nem de água e esgoto à rede pública, sendo uma instalação elétrica antiga e em desacordo com as normas vigentes. A casa tem TODOS OS TACOS descolados do piso, sendo que os tacos de um dos quartos estão totalmente "comidos pelo caruncho" e tem infiltração de água nas paredes e a existência de um furo para fornecimento da água, já que não está ligada à rede pública. Além desses problemas que não me foram colocados quando do pagamento do sinal, a casa de banho tem janelas para um quarto e esse quarto tem outra janela para a rua, para que possa entrar claridade, totalmente em desacordo com as normas vigentes que regem a construção e venda de imóveis. A cozinha também não possui fornecimento de água quente e fria, e os canos de descarga das águas indicam que não devem estar ligados à rede pública de esgoto, que para tal finalidade, deveria existir a ligação de fornecimento de água, que como já citado, era fornecida através do furo existente. As fotografias — em número de 15 (quinze) — que, comprovam o alegado, encontram-se em anexo. Assim, e pelo exposto, solicito a imediata DEVOLUÇÃO DO SINAL PAGO NO VALOR DE 3.000,00 (três mil euros), que deverão ser creditados em minha Conta Corrente, no Banco 1..., IBAN n.  ...23, Agência ... As chaves — entregues ao Sr. BB, são devolvidas neste ato, e tudo o que a casa contém, permanece na mesma, conforme provam outras fotografias em meu poder. No aguardo de suas urgentes providências, agradeço a atenção dispensada e a RESTITUIÇÃO do valor pago a título de sinal. Considerando que já procurei a loja da qual o Sr., é Sócio-Gerente, por duas vezes, e encontrando-a sempre fechada, e caso o mesmo ocorra nesta data 14.01.2022, esta NOTIFICAÇÃO, será postada nos CTT, acompanhada das chaves do imóvel, e será registada e com o devido aviso de recepção»;
31) A carta referida em 30) foi recebida pelo R. CC no dia 17 de janeiro de 2022;
32) O R. CC não respondeu à carta referida em 30);
33) O A. não manifestou junto do R. BB qualquer descontentamento relativamente ao estado do imóvel referido em 4);
34) O A. não ratificou qualquer contrato;
35) Em data não concretamente apurada mas após o referido em 31), o A. contactou telefonicamente a filha dos proprietários do imóvel referido em 4), tendo esta dito que a casa estava à venda por € 15.000,00 e que não tinha recebido do R. CC qualquer quantia monetária;
36) Em data não concretamente apurada, o R. CC entregou a quantia de 3.000,00 referida em 15) e 16) a GG, procurador dos proprietários do imóvel referido em 4);
37) Em virtude de ter vendido a casa onde habitava no Brasil e por o imóvel referido em 2) ainda se encontrar em remodelação, o A. pretendia ter uma casa pronta a habitar assim que chegasse a Portugal;
38) O R. BB sabia que o A. tinha vendido a sua casa no Brasil e que queria ter uma casa pronta a habitar assim que chegasse a Portugal;
39) O A. e o R. BB desenvolveram entre si uma relação de amizade que cessou em virtude de o A. não ter assinado a escritura de compra e venda referente ao imóvel aludido em 4);
40) Em virtude disso, o A. sentiu-se stressado e angustiado, ficou deprimido e passou a ter dificuldades em dormir, necessitando de medicação ansiolítica e para dormir;
41) O A. padece de doença coronária e, quando confrontado com situações de stress, o seu estado de saúde agrava-se.

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3 .O direito aplicável
3. 1. Um contrato-promessa
No dia 20 de outubro de 2021, os Réus elaboraram o seguinte texto, intitulado «Declaração»:
a. «CC, sócio-gerente da Imobiliário “A...” com o nº ...82, situado no Largo ..., ... ..., declara para os devidos efeitos que recebeu e tem em seu pode 3,000 € (Três mil euros) como sinal da venda do imóvel Urbano (casa) com o artigo matricial n.º ...6 de que são proprietários os Srs. DD com o nif. ...37 e EE com o nif. ...29 respetivamente marido e mulher e fica situado na Avenida ... ... da União das Freguesias ..., pelo preço de 27,000€ (vinte e sete mil euros) vendem a AA com o nif. ...41 aqui representado neste ato pelo Srº BB com o nif. ...07 morador na Rua .... Os restantes 24,000€ (vinte e quatro mil euros) serão pagos no ato da escritura. Mais declaram as duas partes que a escritura será realizada até só dia 31 de Janeiro de 2022, assim o disseram e concordam. ..., 20 de Outubro de 2021. Imobiliária “A...” [assinatura manuscrita do R. CC]. O Comprador AA O procurador BB [assinatura manuscrita do R. BB].
A sentença recorrida qualificou estas declarações como um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel.
O Recorrente não questiona esta qualificação, a qual também consideramos correta, face ao texto da declaração conjunta, sendo as prestações a que os outorgantes se obrigaram típicas de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel.

3. 2. A ineficácia relativa do contrato-promessa
O Reu HH interveio neste contrato, invocando a qualidade de representante do promitente-comprador, o Autor.
Essa intervenção ocorre no seguinte contexto considerado provado:
Quando o A. e a esposa se encontravam no Brasil comunicavam via WhatsApp com o R. BB e a sua esposa através de mensagens de texto e videochamada, dando-lhes conta que era sua intenção fixarem-se em Portugal e adquirir uma habitação na ... para o efeito (facto provado 10);
Em data não concretamente apurada do ano de 2021 e anterior a 4 de outubro de 2021, o A. visualizou que o imóvel referido em 4) (o que foi objeto do contrato-promessa) se encontrava à venda no website da plataforma «Idealista» e que o mesmo estava mobilado (facto provado 11);
No dia 4 de outubro de 2021, o R. BB e a esposa entraram em contacto com o A. e a esposa, informando que o imóvel referido em 4) se encontrava à venda por € 27.000,00 e que teriam de outorgar um contrato promessa de compra e venda, após o que seriam facultadas as chaves do imóvel e que a escritura seria feita quando o A. e a esposa se deslocassem a Portugal, mais dizendo que a casa apenas precisava de limpeza, estando pronta para ser habitada (facto provado 12);
Na sequência do descrito em 12), o A. disse ao R. BB para fechar o negócio e para fazer o contrato nas condições que considerasse as melhores (facto provado 13).
Após o descrito em 13) o A. transferiu para a conta bancária do R. BB a quantia de € 2.580,00 a 6 de outubro de 2021 e a quantia de € 9.000,00 a 7 de outubro de 2021, com vista a assegurar o negócio, quantias que o R. recebeu (facto provado 14).
Estamos perante a constituição de uma relação de mandato entre o Autor e o Réu HH, visando a aquisição pelo primeiro do imóvel em causa, através da atuação do segundo.
Conforme dispõe o art.º 1157º do C. Civil, mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
O mandato pode ser conferido com representação ou sem representação – art.º 1178º e 1180º do C. Civil.
O mandato com representação pode apresentar-se com uma estrutura integrada, em que, simultaneamente, com a constituição do mandato se emite uma procuração, conferindo ao mandatário poderes de representação para a execução do mandato ou o mandato e a procuração se apresentam como atos distintos, sendo que, em ambos os casos estamos perante um contrato misto de tipo múltiplo [1].
No presente caso inexiste qualquer procuração em que o Autor tenha conferido a HH quaisquer poderes de representação para adquirir ou celebrar contratos-promessa de aquisição do referido imóvel.
A única procuração emitida pelo Autor em 25 de novembro de 2019, a favor de BB, limitou-se a conferir-lhe poderes para celebrar, alterar ou resolver contratos de fornecimento de água, energia elétrica, gás e telecomunicações com entidades públicas ou privadas prestadoras desses serviços (facto provado n.º 8).
Estamos, pois, perante um mandato sem representação.
A circunstância de HH ter intervindo no contrato-promessa de compra e venda, subscrevendo-o na qualidade declarada de representante do Autor, não transforma um mandato que se constituiu sem a atribuição de poderes representativos para tal vinculação contratual, num mandato com representação. Tal circunstância apenas revela que HH agiu em nome do Autor sem estar investido de poderes para o fazer, pelo que estamos perante um caso de representação sem poderes, previsto no art.º 268º do C. Civil.
Dispõem os dois primeiros números deste artigo:
1 – O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2 – A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
Foi considerado provado que o Autor não ratificou qualquer contrato - facto n.º 34. Sob pena de tal conteúdo encerrar uma conclusão jurídica, deve entender-se que esta prova se reporta apenas a uma declaração expressa de ratificação.
No entanto, a ratificação pode ser expressa ou tácita – art.º 217º do C. Civil - e neste caso a forma exigida era a forma escrita, uma vez que a procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deve realizar – art.º 262º, n.º 2, do C. Civil - e um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel deve constar de documento escrito – art.º 410º, n.º 1 e 2, do C. Civil.
Relativamente a possíveis atos de ratificação tácita, apenas se provou o seguinte:
- O Autor e a esposa regressaram a Portugal em data não concretamente apurada, mas entre os dias 16 e 18 de novembro de 2021 - facto n.º 18.
- Ainda no decurso do mês de novembro de 2021, o Réu BB entregou ao A. as chaves do imóvel prometido comprar - facto n.º 19.
- Dias após ter em seu poder as chaves, o Autor e a esposa deslocaram-se ao imóvel, tendo desmontado alguns móveis e as camas que se encontravam no interior dessa casa (factos n.º 20 e 21).
- No dia 7 de dezembro de 2021, o Réu BB entregou ao A. o contrato-promessa por si celebrado em nome do Autor - facto provado n.º 28.
- Em data não concretamente apurada do mês de dezembro de 2021, o Autor chamou ao imóvel em causa um construtor civil a fim de ser elaborado um orçamento para a colocação de uma base na casa de banho, aumento do espaço da cozinha, colocação de mosaico na cozinha e instalação de canalização para água quente - facto n.º 29.
Destes factos não é possível concluir que quer o recebimento das chaves, quer a desmontagem dos móveis e camas, quer o pedido de um orçamento de obras, tenha ocorrido posteriormente a ter sido dado conhecimento ao Autor da celebração do contrato-promessa e dos seus termos, uma vez que só temos notícia dessa comunicação em 7 de dezembro de 2021 e o recebimento das chaves e da desmontagem dos móveis e camas ocorreu em Novembro do mesmo ano, e não sabemos se o pedido de orçamento, efetuado numa data desconhecida de Dezembro, se verificou antes ou depois do referido dia 7 desse mês.
Assim, além destes atos não refletirem concludentemente uma vontade de ratificar um contrato-promessa de compra e venda celebrado por um representante sem poderes para outorgar esse negócio e de não obedecerem à forma escrita exigida para uma ratificação desse tipo de negócio, os mesmos nunca poderiam ser encarados como uma ratificação implícita, uma vez que não se provou que tenham ocorrido posteriormente a ter sido dado conhecimento ao Autor dos termos do contrato necessitado de ratificação.
A sentença recorrida, no entanto, recorrendo ao instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, considerou que a prática pelo Autor dos referidos atos - recebimento das chaves, desmontagem dos móveis e camas e pedido de orçamento de obras no imóvel -, o impede de invocar a ausência de ratificação do contrato-promessa celebrado pelo seu mandatário, sem poderes de representação para o ato, para se escusar ao seu cumprimento.
O venire é uma manifestação do princípio da confiança [2], exigindo-se, que excecionalmente se tenha verificado uma situação de confiança na ratificação do negócio celebrado sem poderes de representação, traduzida na boa fé subjetiva da contraparte causada pela atuação do principal, que lhe tenha feito crer, com uma margem elevada de segurança, que iria ratificar aquele negócio [3].
Ora, não só a matéria fáctica provada não revela que os referidos atos de recebimento das chaves, desmontagem dos móveis e das camas e do pedido de orçamento de obras tenham sido praticados com o conhecimento da contraparte, como tais atos, pelo seu significado, não teriam a relevância suficiente para justificadamente criar na contraparte a exigível confiança na ratificação do contrato-promessa celebrado pelo Réu HH em nome do Autor.
Não existem, pois, elementos fácticos suficientes que nos permitam concluir que a não ratificação pelo Autor do contrato-promessa celebrado em seu nome pelo Réu HH constitua um venire contra factum proprio, permitindo o recurso ao instituto do abuso de direito para que se dispense a ratificação daquele negócio pelo Autor de modo a que o mesmo o vincule.
Assim sendo, nos termos do art.º 268º, n.º 1, do C. Civil, aquele contrato-promessa é ineficaz relativamente ao Autor, ficando por isso prejudicada a apreciação dos pedidos b) e c) deduzidos pelo Autor na sua petição inicial.

3. 3. A restituição do sinal entregue
Face à reconhecida ineficácia relativa do contrato-promessa, tem o Autor direito a que lhe seja restituída a quantia entregue a título de sinal com a celebração do contrato-promessa ao Réu CC, seja pela aplicação das consequências do negócio inválido – art.º 289º do C. Civil -  seja pela figura subsidiária da condictio indebiti – art.º 473º, n.º 1, do C. Civil [4].
No entanto, a título principal, o Autor pretende que, solidariamente, com este Réu, também o Réu HH seja condenado a restituir-lhe esse valor.
Esta pretensão só poderia ter como fundamento um incumprimento das obrigações de mandatário, por ter celebrado um contrato-promessa em nome do mandante, sem que estivesse munido de poderes de representação.
A sentença recorrida entendeu, porém, que o Autor, atento os referidos atos praticados por ele relativamente ao imóvel prometido comprar, aprovou a celebração do contrato-promessa pelo seu mandatário.
Note-se que aprovação do comportamento do mandatário não deve ser confundida com a eventual ratificação do contrato outorgado pelo mandatário. A aprovação é um negócio jurídico unilateral que produz efeitos na relação entre o mandante e o mandatário, enquanto a ratificação produz efeitos na relação estabelecida pelo mandatário com terceiro, em nome do mandante [5].
No entanto, a existência ou não de uma aprovação não é aqui relevante, uma vez que não estamos perante um incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato, dado que o Autor deu instruções ao Réu HH para “fechar o negócio e para fazer o contrato nas condições que considerasse melhores” - facto provado n.º 13 - após este lhe ter comunicado no dia 4 de outubro de 2021, que o imóvel em causa se encontrava à venda por € 27.000,00 e que teriam de outorgar um contrato promessa de compra e venda, após o que seriam facultadas as chaves do imóvel e que a escritura seria feita quando o Autor e a esposa se deslocassem a Portugal - facto provado n.º 12.
Revelando-se que a outorga do contrato-promessa de compra e venda do imóvel em questão se encontrava devidamente autorizada pelo Autor, o comportamento do Réu HH, ao celebrar aquele contrato sem estar munido de poderes de representação do Autor, não constitui qualquer violação do contrato de mandato [6], que justifique uma pretensão indemnizatória.
Apesar de não estar munido de poderes de representação, o Réu HH limitou-se a celebrar, em nome do Autor, um contrato para cuja outorga este o havia mandatado, permitindo-lhe que o viesse ou não a ratificar. A falta de poderes apenas o poderia responsabilizar perante a contraparte no caso de não a ter informado [7].
Não há, pois, razões, que justifiquem a condenação solidária do Réu BB na devolução ao Autor do valor do sinal pago ao Réu CC.
Atento o raciocínio exposto, deve o contrato-promessa celebrado entre os Réus ser considerado ineficaz relativamente ao Autor e, em consequência, o Réu CC ser condenado a devolver àquele o valor do sinal pago - € 3.000,00.
A este valor acrescem juros de mora sobre ele, calculados à taxa definida por lei, que tem sido de 4% ao ano, contados desde 17.1.2022, data em que o Réu CC foi interpelado para proceder à devolução daquela quantia, até ao pagamento daquela quantia, nos termos dos art.º 804º, 805º e 806º do C. Civil.

3. 4. A indemnização por danos morais
Mas o Autor pretende também que ambos os Réus lhe paguem uma indemnização, por danos morais, alegando que estes urdiram um plano para que o Autor adquirisse uma casa que não tinha condições de habitabilidade, o que lhe causou sofrimento psicológico e agravamento da sua condição de saúde.
Porém, apenas se provou que o Autor e o Réu BB desenvolveram entre si uma relação de amizade que cessou em virtude de o Autor não ter assinado a escritura de compra e venda referente ao imóvel em causa - facto provado n.º 39 - e que, em virtude disso, o Autor sentiu-se stressado e angustiado, ficou deprimido e passou a ter dificuldades em dormir, necessitando de medicação ansiolítica e para dormir; - facto provado n.º 40 -, sendo certo que o A. padece de doença coronária e, quando confrontado com situações de stress, o seu estado de saúde agrava-se - facto provado n.º 41.
Da matéria de facto provada resulta, pois, que os danos morais sofridos pelo Autor tiveram como causa a cessação da relação de amizade com o Réu HH, a qual não pode ser imputada a qualquer um dos Réus.
É certo que a cessação da relação da amizade teve como causa o facto de o Autor não ter assinado a escritura de compra e venda do imóvel, mas tal não se deve a qualquer comportamento ilícito dos Réus, mas sim à opção do Autor não ratificar o contrato-promessa outorgado pelos Réus.
Não há lugar, pois, ao pagamento de qualquer indemnização pelos Réus relativa aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor. 

3. 5. Conclusão
Face ao acima exposto, deve o recurso interposto pelo Autor ser julgado parcialmente procedente e, em consequência, condenar-se o Réu CC a pagar ao Autor a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora desde 17.1.2022 até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei, que tem sido de 4% ao ano, absolvendo-se o Réu CC dos demais pedidos condenatórios formulados e o Réu BB de toso os pedidos contra ele formulados.
Deve considerar-se prejudicada a apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas b) e c) da petição inicial.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e em consequência revoga-se parcialmente a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a ação e decidindo-se:
- julgar-se ineficaz relativamente ao Autor o acordo descrito no ponto 15 dos factos provados;
- condenar-se o Réu CC a pagar ao Autor a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora desde 17.01.2022 até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei, que tem sido de 4% ao ano;
- manter-se o demais decidido;
- julgar prejudicada a apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas b) e c) da petição inicial.

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Custas da ação e do recurso pelo Autor, na proporção de 77%, e pelo Réu CC, na proporção de 23%.

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                                                                               18.6.2024




[1] Pedro Leitão Paes de Vasconcelos, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, p. 713.
[2] Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil. Parte geral. Exercício jurídico, 3.ª ed., Almedina, 2018, p. 323.

[3] Admitindo essa possibilidade, Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, 2.ª ed., UCP Editora, p. 797, e Rui Ataíde, Direito dos Contratos II. Mandato, AAFDL, 2020, p. 36.
[4] Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, ob. cit. p. 799.

[5] Sobre esta distinção, Pedro Leitão Paes de Vasconcelos, ob. cit., pág. 678-679.

[6] Neste sentido, Pedro Leitão Paes de Vasconcelos, ob. cit., pág. 678.

[7] Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, ob. cit. p. 799-800.