ACÇÃO POPULAR
ISENÇÃO DE CUSTAS
INDEFERIMENTO LIMINAR
CUSTAS DE PARTE
REEMBOLSO
Sumário

1-Deve entender-se que os nºs 1, 2 e 3 do artº 20º da Lei 83/95, de 31/08, relativa ao Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, vulgo, Lei de Acção Popular, e que estabeleciam um regime especial de preparos e custas para as Acções Populares, foram revogados pelo artº 25º do DL 34/2008, de 26/02 - que introduziu o Regulamento das Custas Processuais (RCP) - o qual constitui uma norma geral revogatória, em matéria de isenção de custas, previstas em qualquer diploma legal que não o RCP.
2- Assim, é em sede do RCP que deve buscar-se o regime de custas processuais relativo às Acções Populares, designadamente no artº 4º nº 1, al. b) e nºs 5 e 7 desse RCP.
3- Destes normativos resulta que a “isenção de custas” referida na al. b) do nº 1 do artº 4º do RCP é limitada pelo que estabelecem os nºs 5 e 7 do mesmo artigo: (i) em caso de indeferimento liminar da acção popular por manifesta improcedência do pedido, o autor paga as custas nos termos gerais; (ii) nos restantes casos, excepto nas situações de insuficiência económica, o autor vencido suportará o reembolso das custas de parte à parte vencedora.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, nos termos do artº 616º nº 1, ex-vi do artº 666º do CPC, os juízes deste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-N, SA, ré e apelada nos autos de Acção Popular contra ela instaurada por CV – CA e Autores Populares, notificada do acórdão proferido a 24/05/2009, que julgou o recurso improcedente e, em consequência manteve a decisão da 1ª instância – que havia ordenado que os autores juntassem aos autos comprovativo do número de associados inscritos à data da apresentação da petição inicial e, juntar aos autos documentos relacionados com o financiamento da acção pelos seus órgãos sociais e simpatizantes com a causae, em termos de custas decidiu: “Custas, neste recurso: seriam pelos autores, mas, estando isentos do pagamento de custas, aplica-se, assim, o artº 26º nº 2 do RCP.”, vem requerer a reforma da decisão quanto a custas, em termos de determinar a condenação da apelante em custas ainda sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Alega, em síntese, que nos termos do artº 4º nº 7 do RCP, salvo nos casos de insuficiência económica nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte que, naqueles casos as suportará.
Invoca diversa jurisprudência.
2- Os autores/apelantes não se pronunciaram.
3- Cumpre apreciar e decidir.
A apelada, ora reclamante, tem razão.
Vejamos porquê.
A Lei 83/95, de 31/08, relativa ao Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, vulgo, Lei de Acção Popular, refere, no seu artº 20º com epígrafe “Regime especial de preparos e custas” que:
1 - Pelo exercício do direito de acção popular não são exigíveis preparos.
2 - O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.
3 - Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência.
4 - A litigância de má-fé rege-se pela lei geral.
5 - A responsabilidade por custas dos autores intervenientes é solidária, nos termos gerais.
Os autores/apelantes, no seu requerimento apresentado nos termos do artº 643º do CPC – que deu azo à prolação do acórdão sobre que incide a presente reforma quanto a custas – invocaram aquele artº 20º nºs 1 e 2 da Lei 83/95, mencionando estarem isentos do pagamento de taxas de justiça.
Ora, salvo o devido respeito, impõe-se esclarecer que aquele artº 20º da Lei 83/95, se encontra revogado.
Na verdade, aquele normativo é anterior ao DL 34/2008, de 26/02, que introduziu o Regulamento das Custas Processuais (RCP), revogando o então Código de Custas Judiciais. E, no preâmbulo desse DL 34/2008, refere-se expressamente “No âmbito dos objectivos de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais, a presente reforma procurou concentrar todas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial, administrativa ou fiscal num só diploma - o novo Regulamento das Custas Processuais - mantendo algumas regras fundamentais, de carácter substantivo, nas leis de processo.” E, pelo artº 25º desse DL 34/2008, foi introduzida uma norma geral revogatória, justamente com epígrafe “Norma revogatória”, que determinou:
1 - São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei.”
Aliás, neste sentido, veja-se João Alves (“Ação popular: manifesta improcedência do pedido – parecer do Ministério Público, Revista do Ministério Público 148, Dezembro de 2016, pág. 143) que expressamente defende: “No que respeita a custas, de acordo com o art.º 25º, nº 1 (norma revogatória) do DL 34/2008, de 26/2 (Regulamento de Custas Processuais-RCP) «São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei», pelo que, encontra-se revogado o art.º 20º, nº 1 da Lei 83/95, de 31/8.
Note-se, de resto, que aquele artº 20º da Lei 83/95 usa expressões arredadas do CPC e do RCP, como sucede com o termo “preparos”.
Portanto, em face da revogação daquele artº 20º da Lei 83/95, de 31/08, é em sede do RCP que deve buscar-se o regime de custas processuais relativo às Acções Populares.
Pois bem, determina o artº 4º nº 1, al. b) do RCP que estão isentos de custas:
b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de acção popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da acção popular;
Além desta alínea b), do nº 1 do artº 4º, estabelece o nº 5 do mesmo artigo que:
5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
E o artº 4º nº 7 do RCP, aditado pela Lei 27/2019, de 28/03, prevê que:
7 - Com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará.”
Destes normativos decorre que com excepção dos casos de insuficiência económica, “…a parte isenta, para ficar desvinculada da obrigação de pagamento de custas de parte à parte vencedora, tem de demonstrar, em prazo útil, por via da alegação dos pertinentes factos, que está em situação de insuficiência económica, nos termos dos artigos 8º e 8º-A da Lei 34/2004.” (Salvador da Costa, As Custas Processuais, 6ª edição, pág. 122).
Destes normativos resulta que a “isenção de custas” referida na al. b) do nº 1 do artº 4º do RCP é limitada/restringida pelo que estabelecem os nºs 5 e 7 do mesmo artigo: (i) em caso de indeferimento liminar da acção popular por manifesta improcedência do pedido, o autor paga as custas nos termos gerais; (ii) nos restantes casos, excepto nas situações de insuficiência económica, o autor vencido suportará o reembolso das custas de parte à parte vencedora.
Custas de parte essas que são as referidas no artº 533º nº 2 do CPC.
Do que se expôs conclui-se pela procedência da reforma do acórdão na parte relativa à decisão sobre custas.
***
Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente a reclamação e, em consequência, reformam o acórdão proferido nos autos a 09/05/2024, na parte relativa à decisão sobre custas, alterando-a nos seguintes termos:
Custas na instância de recurso, pelos autores/reclamantes, na modalidade de custas de parte.
Sem custas nesta reclamação.    

Lisboa,11/07/2024
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
Nuno Lopes Ribeiro