DIREITO DA CONCORRÊNCIA
CONCORRÊNCIA
PRIVATE ENFORCEMENT
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL
CUSTOS
REPERCUSSÃO
REPARAÇÃO DE DANOS
Sumário

1) À luz do desenvolvimento do Direito da EU, é possível hoje a abordagem paralela, sequencial, ou mesmo autónoma das duas formas de tutela do Direito da Concorrência – public enforcementt e private enforcement.
2) No private enforcement, os particulares podem exercer os seus direitos através de ações de follow-on (estas são as ações que podem ser deduzidas na sequência de decisões de public enforcement das autoridades nacionais ou da Comissão Europeia), ou das ações de stand-alone (as ações que podem ser deduzidas sem que exista uma decisão pública prévia sancionando determinada conduta como anticoncorrencial).
3) O private enforcement deve garantir e estender a tutela a todas as fases da cadeia de distribuição. A repercussão do dano aos adquirentes sucessivos - também conhecido como pass on - é um fenómeno reconhecido e particularmente tutelado.
4) De acordo com as Orientações Destinadas aos Tribunais Nacionais Sobre a Forma de Calcular a Parte dos Custos – publicada no Joce 9/8/2019 (2019/C 267/07), da Comissão Europeia:
a. A repercussão dos custos adicionais pode ocorrer em diferentes níveis da cadeia de abastecimento e verifica-se sempre que um adquirente direto repercute, total ou parcialmente, o custo adicional no adquirente indireto, este último não só será afetado por um efeito do preço como também, em muitos casos, reduzirá a sua procura, pelo que o adquirente direto vende menos. O valor da venda que se perde pode ser referido como o efeito de volume da repercussão.
b. Um custo adicional pode ser repercutido em toda a cadeia de abastecimento, podendo abranger bens ou serviços.
c. Nessa medida, qualquer pessoa pode ser ressarcida. Aqui se incluem adquirentes diretos e adquirentes indiretos. E cada interveniente na cadeia de distribuição pode fazê-lo de forma autónoma.
d. A repercussão pode verificar-se em dois cenários: como meio de ação ou como meio de defesa. No primeiro caso, a repercussão é ilustrada como espada – quando o lesado, adquirente indireto, fundamenta a sua ação na alegação de que os adquirentes diretos dos infratores repercutiram em si os custos adicionais, parcial ou integralmente, tendo, por isso, sofrido danos; no segundo caso, a repercussão é ilustrada como escudo – quando o infrator invoca a repercussão dos custos adicionais como meio de defesa numa ação de indemnização, ou seja, alegando que o adquirente direto ou indireto repercutiu os custos adicionais, total ou parcialmente, nos seus próprios adquirentes.
5) O fenómeno da repercussão obriga a uma análise factual e económica singular, podendo requerer a aplicação de modelos económicos complexos. Não apenas porque é necessário analisar condições de preço e de mercado dos produtos e/ou serviços em causa – exercício que se torna tanto mais complexo, quanto longa é a cadeia de distribuição - como ainda, na maior parte das vezes, é necessário comparar uma situação real – a da infração – com uma situação hipotética que terá que ser ficcionada – a da ausência de infração.
6) À luz das dificuldades verificadas e dos objetivos pretendidos, surgiu a Diretiva Private Enforcement, que criou um regime com vista a garantir que qualquer pessoa pode ser ressarcida dos danos que sofra por violação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, quando exista um nexo de causalidade entre a violação e esses danos, devendo o ressarcimento ser tão justo e equilibrado quanto possível.
7) Nesse propósito, determinou que as regras nacionais que regem o exercício do direito à reparação por danos causados por infração aos artigos 101.º ou 102.º não devem onerar de forma excessivamente difícil, ou praticamente impossível, o exercício do direito à reparação garantido pelo TFUE, o que deverá ser alcançado, se necessário, pela observância dos princípios da efetividade e da equivalência (considerando 10).
8) Estabeleceu critérios que têm como objetivo garantir a efetividade do direito à reparação integral, sem postergar o equilíbrio adequado no ressarcimento os danos ao longo da cadeia de distribuição e garantindo que a reparação é a adequada a fim de evitar situações de enriquecimento sem causa (nas palavras da Diretiva, “reparação excessiva” – artigo 12.º).
9) Em concreto, determinou que as regras relativas à quantificação dos danos, que são neste tipo de processos um obstáculo significativo à reparação efetiva, são da responsabilidade dos Estados Membros, os quais devem garantir que as mesmas não são menos favoráveis do que as normas internas para ações nacionais análogas (princípio da equivalência) e que não tornam praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à indemnização garantido pelo direito da União (princípio da efetividade).
10) Garantiu que o infrator possa também invocar a repercussão dos danos emergentes como meio de defesa numa ação de indemnização (cenário da repercussão escudo já analisada).
11) Considerou uma presunção de dano (artigo 17.º, n.º 2), ou de repercussão de custos adicionais (artigo 14.º).
12) A Diretiva foi assim um mecanismo de facilitação da compensação das vítimas pelos danos sofridos em resultado de infrações ao direito da concorrência, garantindo a tutela privada, a par da já existente tutela pública do direito da concorrência, no interesse da maximização do bem-estar dos cidadãos e da competitividade da economia.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

RECURSO DE APELAÇÃO
ORIGEM: TRIBUNAL DA CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E SUPERVISÃO
APELANTE (também recorrente ou ré):
AB VOLVO, com sede em (…) Goteborg, Suécia.
APELADAS (também recorridas ou autoras):
TRANSNEIVA - SOCIEDADE DE TRANSPORTES, LDA., com sede (…) Viana;
AB…, S.A., com sede (…) MARTIM;
R.V.O. - RECICLAGEM - VALORIZAÇÃO OUTEIRENSE, LDA., com sede (…) Torres Novas;
TERRAGADO - EXPLORAÇÃO AGROPECUÁRIA, SA, com sede (…) Braga;
MARTINCO - IMOBILIÁRIA E CONSTRUÇÃO, LDA, com sede (…) Vila Nova de Famalicão;
TRANSGAMA - TRANSPORTES J. GAMA, S.A., com sede (…) Lisboa;
TRANSPORTES PINHAL DA VILA, LDA, com sede (…) Salvaterra de Magos.
DECISÃO RECORRIDA:
Sentença do tribunal de primeira instância que julgou procedentes as ações das aqui apeladas e condenou a aqui apelante:
A. A pagar à autora TRANSNEIVA - SOCIEDADE DE TRANSPORTES, LDA. a quantia de € 29.014,65 (vinte e nove mil, catorze euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 18.830,04 (dezoito mil, oitocentos e trinta euros e quatro cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.
B.  A pagar à autora AB…, S.A. a quantia de € 191.325,80 (cento e noventa e um mil, trezentos e vinte e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de €90.457,71 (noventa mil, quatrocentos e cinquenta e sete mil, setenta e um cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.
C. A pagar à autora R.V.O. - RECICLAGEM - VALORIZAÇÃO OUTEIRENSE, LDA. a quantia de € 54.648,98 (cinquenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 19.203,15 (dezanove mil, duzentos e três euros e quinze cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.
D. A pagar à autora TERRAGADOS - EXPLORAÇÃO AGRO PECUÁRIA, S.A. a quantia de € 25.854,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 8.859,78 (oito mil, oitocentos e cinquenta e nove euros e setenta e oito cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.
E. A pagar à autora MARTIMCO - IMOBILIÁRIA E CONSTRUÇÕES, LDA. a quantia de € 15.326,00 (quinze mil, trezentos e vinte e seis euros), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 9.546,63 (nove mil, quinhentos e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento
F. A pagar à autora TRANSGAMA - TRANSPORTES J. GAMA, S.A. a quantia de € 12.371,24 (doze mil, trezentos e setenta e um euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 9.866,15 (nove mil, oitocentos e sessenta e seis euros e quinze cêntimos) e vincendos, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento
G. A pagar à autora TRANSPORTES PINHAL DA VILA, LDA. a quantia de € 45.167,61 (quarenta e cinco mil, cento e sessenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos no valor de € 32.743,15 (trinta e dois mil, setecentos e quarenta e três euros e quinze cêntimos) e vincendos desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.

RELATÓRIO
1 As apeladas intentaram ações contra a apelante com vista a serem ressarcidas dos prejuízos causados pela violação das regras de concorrência por parte da apelante com base na decisão da Comissão Europeia que condenou a apelante e outras empresas por acordos colusórios relativas aos preços brutos de determinado tipo de camiões.
2 O tribunal de primeira instância decidiu apensar as ações das várias apeladas e proferiu uma única sentença final, que julgou procedente a ação e condenou a apelante nos termos descritos acima (ver título DECISÃO OBJETO DE RECURSO).
3 A apelante, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, interpôs recurso no qual formulou as conclusões que se sumarizam. Na sequência dos recursos, apresentaram os pareceres que estão juntos aos autos.
CONCLUSÕES DA APELANTE
1. Matéria de facto
1.1. Nulidade da sentença recorrida
A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, porque o tribunal de primeira instância desconsiderou factos essenciais, com relevância para a boa decisão da causa, sobre os quais estava obrigado a pronunciar-se especificamente na sentença recorrida, e que deviam ter sido dados por provados, por força da prova produzida nos autos.
1.2. impugnação da matéria de facto
1.2.1. Factos omitidos pelo tribunal a quo
O tribunal de primeira instância omitiu os factos relativos à defesa da ré, que ficaram provados e que providenciavam matéria para demonstrar, em suma, que:
Os preços brutos de tabela não são preços de venda e nenhuma entidade em Portugal pagou preços brutos de tabela.
As compras de camiões em Portugal eram objeto de negociação e envolviam a aplicação de uma variedade de descontos significativos.
O mercado dos camiões é caracterizado por forte concorrência mesmo durante o período da infração
A heterogeneidade e complexidade dos camiões pesados impede que qualquer eventual troca de informações, ou mesmo acordo relativo a preços brutos de tabela tivesse um impacto nos preços líquidos de venda.
A cadeia de distribuição dos camiões Volvo em Portugal e a autonomia e relativa complexidade com que os diversos operadores atuavam - num mercado reconhecidamente concorrencial, ao qual Portugal não era exceção - faz com que qualquer sobrecusto pudesse e tivesse de ser absorvido por qualquer um desses operadores aquando da aplicação de descontos aos seus clientes. A existência de estabilidade na relação entre preços brutos e preços líquidos ficou, por isso, longe de estar demonstrada ou mesmo verificada.
A forte concorrência pelo preço verificou-se igualmente ao nível do retalho, traduzindo-se nos descontos adicionais discricionários concedidos em função das circunstâncias concretas das transações.
A revenda do veículo com a matrícula … pela Recorrida RVO à Activelabor - Comércio de Reciclagem de Metais Lda., ficou amplamente provada nos autos, mas não foi provada pelo tribunal.
1.2.2.     Factos erradamente considerados provados
O Tribunal errou no julgamento dos factos provados n.°s 51, 52 e., 53 b., 54, 55 e., 56 e., 57 e., 58 e., 59 b., 60 e., 61 e., 62 b., 63 e., 64 e., 65, 66 b., 67 b., 68 b., 69 e., 70, 71 e., 72, 73 e., 74, 75 b., 76, 77 e., 78 e., 79 e., 80 a 83.26.
Tais factos não resultaram provados, dado que nenhuma prova foi produzida sobre os mesmos, ou foi produzida prova em sentido diverso, que levaria a resposta diversa.
1.2.3. Factos erradamente considerados não provados pelo tribunal
O tribunal errou no julgamento dos factos a, b, c, d do elenco de factos não provados, porquanto a prova produzida deveria levar forçosamente o tribunal a concluir pela sua verificação.
2. Prescrição
Atentos os elementos dos autos, é forçoso concluir que a data relevante para o início da contagem do prazo de prescrição é 20.11.2014 ou, no limite, 19.7.2016, data em que já estavam disponíveis os elementos informativos que permitiam o conhecimento dos pressupostos subjacentes à responsabilidade civil; que permitiam a tomada de consciência da existência do direito indemnizatório; e que permitiam saber que o direito podia ser exercido.
Além disso, o prazo a considerar para efeitos de prescrição deverá ser o prazo de 3 anos, previsto no artigo 498.°, n.° 1 do Código Civil e não o prazo de 5 anos aplicado pelo tribunal de primeira instância, por via do artigo 10.° da Diretiva,
com fundamento no Acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo DAF/Volvo C-267/20.
O Tribunal errou na aplicação das normas relativas à prescrição de forma retroativa, contrariando a Lei de Transposição (artigo 24.°, n.° 1), a qual transpôs o artigo 22.° da Diretiva e nos termos da qual as normas substantivas não se aplicam retroativamente, onde se incluem, naturalmente, as normas relativas à prescrição. Em resultado, o Tribunal a quo acabou por aplicar um regime jurídico que não estava vigente à data dos factos, violando o disposto no artigo 12.° do CC.
3. Pressupostos de Responsabilidade Civil
3.1. Não está verificado o requisito da culpa
A culpa é um dos requisitos essenciais da lei portuguesa, sem o qual, salvo raras exceções previstas na lei, nenhum pedido de indemnização pode proceder. Não é essa, no entanto, a posição do Tribunal a quo, que afirma que inexiste ilicitude sem culpa, assim confundindo os dois conceitos.
3.2. Não está verificado o dano
O tribunal de primeira instância presumiu o dano, recorrendo a princípios de interpretação conforme e efetividade.
Presumiu ainda a repercussão desses danos no comprador indireto dos bens ou serviços abrangidos pela Infração.
Uma tal interpretação viola os princípios da segurança jurídica e da não- retroatividade.
O princípio da efetividade é um princípio geral de Direito da UE que tem como propósito assegurar que as regras de direito interno dos Estados-Membros não tornam praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos conferidos aos particulares pelo ordenamento jurídico da União Europeia.
O tribunal a quo atribuiu erradamente ao princípio da efetividade uma vocação criadora de direito que o mesmo não tem, sendo certo que, como esclarecido pela AG Kokkot no Processo Cogeco, o princípio da efetividade estará sempre limitado pela proibição de interpretações contra legem das regras nacionais. Neste caso, o tribunal a quo não demonstrou quais as regras internas que deveriam ser desaplicadas por tornarem o exercício do direito à indemnização "impossível ou excessivamente difícil", antes limitando-se a invocar tal suposta impossibilidade ou dificuldade, quando o TJUE exige que a aplicação do princípio da efetividade seja orientada por critérios concretos de onde efetivamente resulte praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito de indemnização.
O princípio da efetividade não pode ser invocado para ultrapassar falhas próprias do autor da pretensão, sejam de alegação, sejam de prova.
Não pode, pois, o tribunal a quo recorrer ao princípio da efetividade para aplicar uma presunção de dano não aplicável, desonerando as Recorridas do ónus de prova que sobre elas impendia - o de provar que tinham sofrido um concreto dano causado por um facto ilícito praticado pela Recorrente.
A Decisão da Comissão não permite concluir que tenham existido danos ou sequer efeitos concorrenciais
A configuração de um conjunto de comportamentos como uma infração única e permanente é justificada estrita e exclusivamente sob o ponto de vista da aplicação pública das regras de direito da concorrência, pela presunção relativa à permanência de um estado antijurídico que continua a operar devido à inércia dos infratores em removê-lo.
No âmbito da aplicação privada das regras de concorrência, uma remissão genérica para essa Decisão, como faz o Tribunal a quo, reveste-se de pouca utilidade na medida em que não permite identificar a concreta conduta que terá gerado o pretenso dano causado às Recorridas.
A Decisão não determina, de modo algum e nomeadamente, que tenha havido uma fixação generalizada dos preços de venda dos camiões em geral, muito menos dos veículos supostamente adquiridos pelas Recorridas, e menos ainda um qualquer impacto nos pagamentos efetuados ao abrigo de contratos de locação financeira, sobre os quais a Decisão não se debruçou.
Ainda a propósito do âmbito da Decisão, a mesma respeita predominantemente a troca de informação sobre preços brutos de tabela, pelo que é errado o Tribunal a quo usar a expressão "fixação de preços", a qual pura e simplesmente
está ausente da Decisão.
A utilização que o Tribunal a quo fez da Decisão Scania extravasa os limites em que essa utilização poderia ser feita, tal como determinado pela própria Comissão, em violação do primeiro parágrafo do artigo 16.° do Regulamento 1/2003.
Além disso, a utilização da Decisão Scania - cujo conteúdo a Recorrente não pôde contestar -, nos moldes preconizados na sentença, é ainda violadora dos mais basilares princípios de direito nacional e da UE, como os princípios da segurança jurídica, da presunção da inocência e o princípio geral do direito a uma boa administração.
As referências à Decisão Scania são ora descontextualizadas ora incorretas. Estas referências não podem, portanto, ser utilizadas para concluir pela existência (presumida) de um dano.
O Tribunal a quo aplicou incorretamente as regras sobre a distribuição do ónus da prova: não era à Recorrente que cabia demonstrar a inexistência de danos Estavam, assim, as Recorridas oneradas com a prova da existência do dano alegado nos presentes autos; não era a Recorrente que tinha de provar, sem mais, que o dano alegado não existiu, ou seja, não era a esta que competia demonstrar que os preços não foram superiores ao devido, antes cabia às Recorridas demonstrar que o foram.
Sucede que, ao contrário do que crê (erroneamente) o tribunal a quo, não era exigido à Recorrente oferecer a chamada "hipótese alternativa" à apresentada pelas Recorridas, porquanto o ónus de prova do alegado dano cabia às Recorridas e não à Recorrente, sendo certo que o ónus da prova não é partilhado.
Ainda assim, a Recorrente não se limitou a negar a possibilidade de existência de dano, - contrariamente ao que o Tribunal a quo parece crer na sentença recorrida - tendo ela própria apresentado o Relatório Económico preparado pelo Professores GR e CM, o qual conclui pela inexistência de um sobrecusto, apresentando assim uma "versão alternativa" àquela apresentada no Relatório CC, submetido pelas Recorridas.
Em todo o caso, nunca poderia o Tribunal a quo dar por provada a existência de sobrecusto apenas por ausência de demonstração do seu contrário, o que consubstanciaria uma inversão das regras do ónus da prova, através de uma incorreta aplicação das regras probatórias materiais, mas foi o que sucedeu.
Sem prejuízo, mesmo que essa presunção pudesse valer (o que se rejeita, pelas razões apontadas), a Recorrente fez contraprova da ausência de sobrecusto, o que significa que as Recorridas não sofreram qualquer dano.
3.3. Não está verificado o nexo causal
No que ao nexo de causalidade diz respeito, vale tudo quanto se disse acerca da juridicamente insustentável aplicação pelo Tribunal a quo de uma presunção de nexo de causalidade entre o dano alegadamente sofrido pelas Recorridas e a infração pela qual a Recorrente foi condenada.
Não se aplicando a presunção de existência de um nexo causal, cabia às Recorridas fazerem a prova do mesmo, o que não lograram fazer, já que não identificaram, sequer, como se viu, qual o concreto facto ilícito que despoletou o dano por si alegadamente sofrido.
Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que essa presunção foi ilidida pela Recorrente em tribunal, tendo esta provado, pelas razões já amplamente exploradas, a interrupção do nexo causal - ainda que essas razões tenham sido simplesmente descartadas pelo Tribunal a quo por este entender (erradamente, como se viu) que as mesmas eram "irrelevantes para a boa decisão da causa".
O tribunal a quo defende que "as presunções de danos encerram em si mesmas uma presunção de causalidade, pois não é possível presumir a existência de danos sem que os mesmos tenham sido causados" (p. 92 da sentença recorrida). Ora, confundir a questão do dano e da causalidade adequada não tem qualquer sustento jurídico.
Tal ideia é contrária ao texto da Diretiva. Se o Legislador da União quisesse ter incluído uma presunção de causalidade na Diretiva (ou tê-la incluído na presunção de danos), tê-lo-ia feito de forma explícita. Pelo contrário, a Diretiva não quis que a presunção de danos abrangesse também uma presunção de causalidade adequada.
E se dúvidas existissem ficariam dissipadas pela clareza do Legislador que esclarece: "[T]odas as regras nacionais que regem o exercício do direito à reparação por danos causados por infração aos artigos 101.° ou 102.° do TFUE, inclusive as relativas a aspetos não abrangidos pela presente diretiva, como a noção de nexo de causalidade entre a infração e o dano, devem observar os princípios da efetividade e da equivalência" (Considerando 11 da Diretiva).
As Recorridas não identificaram de forma minimamente suficiente quais os factos supostamente causadores do dano — o ilícito —, limitando-se a dar por abstratamente provado um nexo de causalidade, em alegações meramente conclusivas ou não sustentadas.
A fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo não chega, pois, para se poder sequer identificar um processo causal: não há identificação do facto concreto que teria dado início ao processo causal e não há demonstração em concreto do dano sofrido.
E é importante sublinhar que a Comissão se absteve expressamente de estabelecer ou debruçar sobre qualquer efeito que tivesse resultado das condutas identificadas.
Uma "infração única e permanente", que consubstancia um juízo jurídico genérico sobre uma agregação de factos naturalisticamente autónomos, não é por si só condição suficiente para despoletar um nexo causal.
No caso da Infração, onde não foi identificado um acordo estável mas uma sucessão de comportamentos autónomos, predominantemente de troca de informações, era necessário ter-se identificado o individual e concreto comportamento naturalisticamente apto a dar início ao processo causal que redundaria num dano causado nas esferas jurídicas das Recorridas, em conformidade com o requerido pelo disposto no artigo 563.° do CC..
E ainda a propósito do nexo de causalidade, nada acrescenta o Acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do Processo C-267/20 ("Volvo and DAF Trucks"), na medida em que este se limita a repetir o que diz o texto da Diretiva.
O que o TJUE faz (para. 94) é reiterar o teor do artigo 17.°, n.° 2, da Diretiva – de que os cartéis são aptos a causar danos (em abstrato), o que não implica que se presuma que uma infração em concreto tenha causado danos em concreto a um concreto particular.
Ora, isso quer dizer que não resulta presumido o nexo de causalidade quanto a um dano em concreto, já que, em bom rigor, nem sequer há uma presunção de um cartel ter originado danos em concreto, os quais têm de ser cabalmente demonstrados pelos lesados.
3.4. Repercussão e/ou mitigação dos danos e equidade
Da prova produzida nos autos, em particular dos depoimentos prestados pelo Professor GR e pela Perita SM, resultou demonstrado que o eventual sobrecusto nos camiões Volvo adquiridos pelas Recorridas sempre se teria repercutido na sua totalidade nos clientes destas.
Não considerando o Tribunal a quo que o eventual sobrecusto foi repercutido na totalidade (cenário que aqui se coloca por mero dever de patrocínio), sempre deveria ter recorrido a critérios de equidade para o cálculo da medida da repercussão, atendendo a que a mesma não se mostrou possível por razões não imputáveis à Recorrente.
4. Cálculo de juros
O tribunal de primeira instância errou na contabilização dos juros moratórios, ao entender que os juros se contam a partir do momento em que os danos ocorreram.
Não se aplicando nesta matéria a Diretiva nem a Lei de Transposição (por se tratar de matéria substantiva), resta recorrer às disposições gerais sobre juros moratórios previstas no Código Civil, em particular o disposto no artigo 805.°, n.° 1 do CC, logo, a serem devidos juros nos presentes autos, no que não se concede, sempre o seriam por referência ao momento da citação da Recorrente até integral pagamento.
Além disso, e de forma subsidiária, sempre estariam prescritos todos os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação da Recorrente (cfr. artigo 310.°, alínea d) do CC), mas o Tribunal a quo decidiu desaplicar o artigo 310.°, alínea d) do CC supostamente por força do princípio da efetividade, num raciocínio (uma vez mais) pouco percetível e, em todo o caso, ilegal.
5. Questões jurídico-Constitucionais
Os princípios do primado e a eficácia do Direito da União Europeia não podem servir para afastar a aplicação das normas e princípios jurídico-constitucionais.
A interpretação normativa propugnada pelo Tribunal a quo, dispensando o exame autónomo da verificação dos vários requisitos da responsabilidade civil extracontratual no caso concreto, é o de que, verificando-se uma infração ao direito da concorrência, todos estes requisitos se podem presumir, independentemente de não ter sido cumprido o ónus de alegação e demonstração por parte das Recorridas, nem demonstrado o nexo de causalidade ou a culpa da Recorrente e dando-se como verificada, sem mais, a responsabilidade e obrigação de indemnizar da Recorrente.
Deixando, portanto, o intérprete e os sujeitos jurídicos em incerteza e imprevisibilidade sobre os pressupostos legais geradores da responsabilidade civil no sistema jurídico português.
Nestes termos, é inconstitucional a interpretação da norma do artigo 3.°, n.° 1 e da norma do artigo 9.°, n.° 1, ambos da Lei n.° 23/2018, de 5 de junho, por violação do princípio do Estado de Direito do artigo 2.° da CRP, quando interpretada no sentido de a mera existência de uma infração objeto de Decisão da Comissão Europeia em que seja visada uma qualquer pessoa jurídica fazer presumir, necessária e sequencialmente, todos os demais pressupostos legais e factuais da responsabilidade civil e do consequente dever de indemnizar.
É igualmente inconstitucional a interpretação da norma do artigo 3.°, n.° 1 e da norma do artigo 9.°, n.° 1, ambos da Lei n.° 23/2018, de 5 de junho, por violação do princípio da proporcionalidade em sentido lato previsto no artigo 2.° e no artigo 18.° da CRP, quando interpretada no sentido de a mera existência de uma infração objeto de Decisão da Comissão Europeia em que seja visada uma qualquer pessoa jurídica fazer presumir e aplicar, necessária e sequencialmente, todos os demais pressupostos legais e factuais da responsabilidade civil, determinando-se assim para a Recorrente - e para outros visados em igual posição - uma absolutamente excessiva e desrazoável obrigação de indemnizar.
É ainda inconstitucional a interpretação da norma do artigo 3.°, n.° 1 e da norma do artigo 9.°, n.° 1, ambos da Lei n.° 23/2018, de 5 de junho, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da CRP, quando interpretada no sentido de a mera existência de uma infração objeto de Decisão da Comissão Europeia em que seja visada uma qualquer pessoa jurídica fazer presumir, necessária e sequencialmente, todos os demais pressupostos legais e factuais da responsabilidade civil, determinando-se assim uma obrigação de indemnizar mediante parâmetros normativos diferenciados dos referentes ao artigo 483.° do CC.
CONCLUSÕES DAS APELADAS
4 As apeladas responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo, em suma, que deve manter-se o sentido decisório da sentença recorrida, pois só assim se estará a cumprir a lei e, de forma linear, a proferir uma decisão perfeita e justa.
OBJETO DO RECURSO
5 O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.°, n.°s 3 e 4, 639.°, n.° 1 e 608.°, n.° 2, do CPC). Este tribunal também não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.°, n.° 3, do CPC).
6 O recurso da apelante centrou-se em seis pontos de discórdia fundamentais, como segue:
1. impugnação da matéria de facto
2. Responsabilidade Civil;
3. Prescrição;
4. Mitigação de danos;
5. Juros;
6. Questões jurídico-constitucionais.
7 Em conformidade com a norma do artigo 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, antecipamos que o enquadramento que será dado, nesta decisão, à questão da factualidade integrante dos pressupostos da responsabilidade civil inviabilizará que este tribunal prossiga com o conhecimento das demais questões, considerando as consequências que da análise serão retiradas.
8 Os fundamentos fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório desta decisão, a que acrescem os seguintes factos, que o tribunal a quo decidiu julgar provados, com as alterações que resultam do presente acórdão, enunciadas infra no parágrafo 166.
MATÉRIA DE FACTO DE ACORDO COM O TRIBUNAL A QUO
Factos provados
1. No dia 18/01/2011, a Comissão Europeia tornou pública a realização de várias buscas e apreensões a vários fabricantes de camiões.
2. No dia 20/11/2014, foi divulgado um comunicado de imprensa emitido pela Comissão Europeia que tornou pública a prolação da Comunicação de Objeções e divulgou informação sobre: i) quem foram os destinatários da Comunicação de Objeções (i.e., diversos fabricantes de camiões médios e pesados, sem indicação das suas designações comerciais); ii) as práticas concertadas que envolveriam uma coordenação ao nível dos preços; iii) a área geográfica em questão (Espaço Económico Europeu); e iv) que as práticas em apreço poderiam constituir uma violação do artigo 101.° do TFUE e do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
3. No dia 19/07/2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa sobre a sua Decisão, incluindo a seguinte informação: (i) a identidade dos alegados infratores, incluindo a Ré; (ii) a descrição da conduta em análise; (iii) o período durante o qual ocorreu a alegada violação às normas da concorrência; (iv) o montante das multas aplicadas.
4. No dia 06/04/2017, o Jornal Oficial da União Europeia publicou o Resumo da Decisão da Comissão de 19/07/2016 relativa a um processo nos termos do art. 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art. 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu - Processo AT.39824 — Camiões.
5. No dia 18/06/2019, a Autora TRANSNEIVA deu entrada em Juízo da presente ação.
6. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
7. No dia 05/07/2019, a Ré foi citada.
8. No dia 28/06/2019, a Autora ABB deu entrada em Juízo da presente ação.
9. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
10. No dia 11/07/2019, a Ré foi citada.
11. No dia 02/07/2019, a Autora RVO deu entrada em Juízo da presente ação.
12. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
13. No dia 23/07/2019, a Ré foi citada.
14. No dia 02/07/2019, a Autora TERRAGADOS deu entrada em Juízo da presente ação.
15. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
16. No dia 23/07/2019, a Ré foi citada.
17. No dia 02/07/2019, a Autora MARTIMCO deu entrada em Juízo da presente ação.
18. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
19. No dia 23/07/2019, a Ré foi citada.
20. No dia 05/07/2019, a Autora TRANSGAMA deu entrada em Juízo da presente ação.
21. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
22. No dia 23/07/2019, a Ré foi citada.
23. No dia 09/07/2019, a Autora TPV deu entrada em Juízo da presente ação.
24. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré.
25. No dia 23/07/2019, a Ré foi citada.
*
26. A Comissão Europeia, entre 18/01/2011 e 21/01/2011, procedeu a inspeções nas instalações de diversos produtores de camiões, na sequência de um pedido de imunidade apresentado pela MAN a 20/09/2010.
27. Após a adoção da comunicação de objeções, as referidas destinatárias contactaram informalmente a Comissão e solicitaram que o processo prosseguisse no âmbito do procedimento de transação.
28. A Comissão decidiu iniciar procedimentos de transação para o processo em apreço depois de as destinatárias terem confirmado a sua disponibilidade para participarem em conversações de transação.
29. Depois, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão o seu pedido formal de transação, nos termos do disposto no artigo 10.°-A, n.° 2 do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão.
30. O Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e de posições dominantes emitiu um parecer favorável a 18/07/2016.
31. E a Comissão Europeia adotou a Decisão datada de 19/07/2016 - Processo AT.39824 — Camiões.
32. A Ré é uma das destinatárias dessa Decisão, a par das seguintes sociedades: "MAN SE", "MAN Truck & Bus AG", "MAN Truck & Bus Deutschland GmbH" (designadas conjuntamente «MAN»); "Daimler AG" (a seguir «Daimler»); "Fiat Chrysler Automobiles N.V.", "CNH Industrial N.V.", "Iveco S.p.A.", "Iveco Magirus AG" (designadas conjuntamente «Iveco»); "Volvo Lastvagnar AB", "Renault Trucks SAS", "Volvo Group Trucks Central Europe GmbH", (designadas conjuntamente «Volvo/Renault»), PACCAR Inc., DAF Trucks Deutschland GmbH, DAF Trucks N.V., DAF (designadas conjuntamente «DAF»).
33. Do texto da Decisão, com relevo, consta o seguinte:
34. «2.1. A investigação da Comissão:
(...)
(43) Entre [...] e [...], a MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault e Iveco (ou seja, os Destinatários) apresentaram à Comissão pedidos formais de transação ao abrigo do n.° 2 da alínea a) do Artigo 10.° do Regulamento (CE) n.° 773/2004 (as "propostas de transação"). A proposta de transação de cada Destinatário continha: - um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infração descrita resumidamente quanto ao objeto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infração de acordo com os resultados das negociações conducentes à transação; (...)».
35. Bem assim, a respeito da "DESCRIÇÃO DA CONDUTA":
«3.1. Outros aspetos de transparência entre os Destinatários
(46) Todos os Destinatários trocaram tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos, e a maioria dos Destinatários (ver (48) participou na troca de configuradores de camiões informatizados. Todos estes elementos constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial. Ao longo do tempo, os configuradores de camiões, que incluem os preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais. Este processo facilitou o cálculo do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões. A troca foi realizada ao nível multilateral e ao nível bilateral.
(47) Na maioria dos casos, a informação sobre os preços brutos dos componentes de camiões não estava disponível publicamente e a informação que estava disponível publicamente não era tão detalhada e precisa como a informação que foi trocada entre os Destinatários e entre outras entidades. Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos atuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados dos seus concorrentes - em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição.».
36. E a respeito da "Natureza e âmbito da infração", com relevo, consta o seguinte: «(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infração. Também incluíram trocas regulares por correio eletrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram diretamente envolvidas na negociação dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004. A partir, pelo menos, de agosto de 2002, ocorreram negociações através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, seguiam instruções das respetivas Sedes.
(50) Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6.
(51) Entre 1997 e até ao final de 2004, os Destinatários participaram em reuniões realizadas entre membros da direção superior de todas as Sedes (ver, por exemplo,
(52) Nestas reuniões, que ocorreram várias vezes por ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, chegaram a acordo em relação aos aumentos dos respetivos preços brutos. Antes da introdução das tabelas de preços aplicáveis ao nível pan-europeu (EEE) (ver acima em (28), os participantes discutiram os aumentos dos preços brutos, com a especificação da aplicação em todo o EEE dividido pelos principais mercados. Durante as reuniões bilaterais complementares em 1997 e 1998, além das habituais discussões pormenorizadas sobre os futuros aumentos dos preços brutos, os Destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE. Em determinadas ocasiões, os participantes, incluindo representantes das Sedes de todos os Destinatários, discutiram também os preços líquidos para alguns países. Concordaram também relativamente ao momento da introdução e aos encargos adicionais a aplicar às tecnologias de emissões, em cumprimento das normas de emissões EURO. Além dos acordos relativos aos níveis dos aumentos dos preços, os participantes informaram-se regularmente uns aos outros sobre os aumentos planeados para os preços bruto.
Além disso, trocaram informações sobre os respetivos prazos de entrega e as previsões gerais de mercado específicas de cada país, subdivididas por países e categorias de camiões. Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio eletrónico.
(52) Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, nomeadamente entre os Destinatários ao Nível das Sedes durante o período inicial da infração. A 17 de janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas. Participaram nesta reunião representantes das Sedes de todos os Destinatários. Os elementos de prova demonstram que foram discutidas as futuras alterações aos preços brutos de tabela. Durante uma reunião realizada a 6 de abril de 1998 no contexto de uma reunião de uma associação industrial, na qual participaram representantes das Sedes de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma EURO 3. Concordaram não comercializar camiões em conformidade com a norma EURO 3 antes de ser obrigatório fazê-lo, e chegaram a acordo em relação a um intervalo de preço adicional para os camiões em conformidade com a norma EURO 3.
(53) Nas próximas alterações às tabelas de preços em euros, os elementos de prova demonstram também que todos os Destinatários estavam envolvidos em discussões relativas à utilização da introdução da moeda Euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas constataram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços praticados nesse país tinham de ser aumentados.
(54) Após a introdução da moeda Euro e com a introdução de tabelas de preços paneuropeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os Destinatários começaram sistematicamente a trocar os respetivos aumentos planeados para os preços brutos através das filiais alemãs (ver, por exemplo, (59)), enquanto os contactos colusórios ao nível dos membros da direção superior das Sedes continuaram paralelamente entre 2002 e 2004. Por exemplo, durante uma reunião nos dias 10 e 11 de abril de 2003, no contexto de uma reunião de uma associação industrial na qual participaram, entre outros, representantes das Sedes de todos os Destinatários ocorreram discussões relativas, entre outros aspetos, aos preços e às modalidades de introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma Euro 4, semelhantes às discussões que tinham ocorrido previamente em relação à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, os representantes não-executivos das Sedes e das Filiais Alemãs organizaram ocasionalmente reuniões que incluíram pontos de ordem de trabalhos e discussões tanto comuns como individuais (ver, por exemplo, (59)).
(55) As trocas de informações que envolveram o Nível Alemão foram realizadas através de reuniões normais entre os concorrentes, e os contactos foram organizados entre os funcionários das Filiais Alemãs. Além destas reuniões, ocorreram trocas regulares de informações por telefone e correio eletrónico. Entre os tópicos discutidos, incluíram-se tópicos técnicos e prazos de entrega, mas também os preços (normalmente preços brutos). Em muitos casos, os participantes nestas trocas de informações, incluindo os Destinatários, trocaram também informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas, o stock e outras informações técnicas por correio eletrónico e telefone.
(56) Nos anos posteriores, as reuniões realizadas ao Nível Alemão tornaram-se mais formalizadas e as informações sobre os aumentos dos preços brutos que não estavam disponíveis no domínio público passaram a ser registadas numa folha de cálculo dividida por modelo padrão de camião para cada produtor. Estas trocas de informações ocorreram várias vezes por ano. As futuras informações trocadas sobre os aumentos dos preços brutos foram referentes apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (em muitos casos, estas informações foram indicadas separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não foram trocados preços líquidos nem aumentos de preços líquidos. As informações relativas aos futuros aumentos planeados para os preços brutos trocadas ao nível das Filiais Alemãs foram, em graus variáveis, encaminhadas para as respetivas Sedes.
(57) A troca de informações sobre os futuros aumentos planeados para os preços brutos e a nova tecnologia das normas de emissões continuou a verificar-se ao longo dos anos e, a partir de 2007, passou a incluir também os períodos de entrega dos produtores de camiões. A partir de 2008, as trocas de informações tornaram-se mais formalizadas através do recurso a um modelo unificado concebido para a troca de informações relativas aos aumentos planeados dos preços brutos.
(58) No mínimo, estas trocas de informações colocaram os Destinatários na posição de poder considerar as informações trocadas no âmbito do seu processo de planeamento e para o planeamento de futuros aumentos dos preços brutos no ano civil seguinte. Além disso, as informações podem ter influenciado o posicionamento de preço de alguns dos novos produtos dos Destinatários.
(59) Os seguintes exemplos ilustram a natureza das discussões nas quais participaram os representantes do Nível Alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou uma mensagem de correio eletrónico a vários destinatários, entre os quais se encontram os representantes das Filiais Alemãs, pedindo-lhes que comunicassem os seus aumentos de preços brutos planeados para 2005. As informações resumidas e compiladas sobre os preços foram enviadas, alguns dias depois, a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, e continham informações sobre os aumentos de preços brutos planeados. Os Destinatários participaram numa reunião que ocorreu entre 4 e 5 de julho de 2005 em Munique, na qual compareceram representantes não-executivos do Nível das Sedes e funcionários das Filiais Alemãs. Com base nos elementos de prova, parece que foram agendadas atividades comuns e reuniões. Além disso, foram também previstas sessões especiais com a participação de representantes não-executivos das Sedes e reuniões individuais com a participação dos representantes das Filiais Alemãs. Durante uma destas sessões individuais, os participantes, entre os quais se incluíam todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos dos respetivos preços brutos em 2005 e 2006, e também sobre os custos adicionais do cumprimento das normas de emissões EURO 4. Noutras reuniões, nas quais participaram representantes das Filiais Alemãs, foi dada continuidade às discussões sobre aumentos dos preços e os aumentos dos preços para as normas Euro 4 e Euro 5, nomeadamente as reuniões realizadas 12 de abril de 2006 e também nos dias 12 e 13 de março de 2008.
(59)Os elementos de prova demonstram que tinham sido obtidas, dos participantes nas trocas de informações e a partir de novembro de 2010 e janeiro de 2011, informações sobre os aumentos dos preços brutos de, entre outros, todos os Destinatários. O conteúdo desta lista foi reproduzido numa nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações sobre os aumentos dos preços brutos relativas aos outros participantes diretamente da Daimler. Estas informações foram fornecidas quando a Daimler contactou a MAN para ficar a conhecer os detalhes do próximo aumento dos preços brutos da MAN.».
37. Na "Apreciação Jurídica" da Decisão, tendo em conta o conjunto das provas, os factos descritos e a confirmação clara e inequívoca dos Destinatários nas respetivas propostas de transação, escreveu-se o seguinte, com relevo:
«(68) A conduta descrita na anterior Secção 4 pode caracterizar-se como uma infração complexa do Artigo 101.° do TFUE e do Artigo 53.° do Acordo EEE, uma vez que é composta por várias ações que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, no âmbito das quais os Destinatários substituíram conscientemente os riscos da concorrência pela colaboração prática.
(69) Por conseguinte, esta conduta apresenta todas as características de um acordo e/ou prática concertada na aceção do n.° 1 do Artigo 101.° do TFUE e do n.° 1 do Artigo 53.° do Acordo EEE, uma vez que tinha por objeto a prevenção, restrição e/ou distorção da concorrência no que diz respeito a Camiões no EEE.
Concretamente, os Destinatários estavam envolvidos nas atividades anticoncorrenciais descritas acima em relação à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões entre concorrentes e outros contactos, que ocorreram ao Nível das Sedes e ao Nível Alemão.».
38. Bem assim:
«(71) No presente processo, a conduta descrita na Secção 4 constitui uma infração única e continuada do n.° 1 do Artigo 101.° do TFUE e do n.° 1 do Artigo 53.° do Acordo EEE no período de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos descritos anteriormente, qualquer um dos aspetos da conduta, incluindo no que diz respeito a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados Membros (ou regiões mais vastas), tem por objetivo a restrição da concorrência e, por conseguinte, constitui, só por si, uma infração do Artigo 101.° do TFUE e/ou do Artigo 53.° do Acordo EEE. O único objetivo económico anticoncorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respetivos Destinatários e, em última análise, a reação dos clientes no mercado. As práticas de colusão tinham um único objetivo económico, nomeadamente a distorção da fixação independente dos preços e do movimento normal dos preços dos camiões no EEE.
(72) São vários os fatores, como as características comuns do conteúdo dos contactos, a identidade e, no caso de alguns dos Destinatários, as sobreposições dos indivíduos que participaram nos contactos, a temporização dos contactos ou a proximidade temporal, que confirmam que os contactos colusórios estavam interligados e tinham uma natureza complementar, uma vez que todos se destinavam a anular uma ou mais das consequências do padrão normal da concorrência no quadro de um plano ao nível do EEE com um único objetivo.
(73) Os elementos de prova disponíveis demonstram que a conduta anteriormente descrita constituiu um processo contínuo e não ocorrências isoladas ou esporádicas. Os contactos que ocorreram entre os Destinatários tiveram uma natureza contínua, com numerosos contactos regulares (reuniões presenciais, telefonemas e troca de mensagens de correio eletrónico). Os diversos elementos da infração tinham um objetivo anticoncorrencial comum, conforme descrito acima, que permaneceu o mesmo ao longo de todo o período da infração. A existência de uma infração única e continuada também é confirmada pelo facto de a conduta anticoncorrencial ter seguido um padrão semelhante ao longo de todo o período da infração.
(74) Embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objetivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões no EEE. Esta situação é comprovada pelo facto de as discussões realizadas entre os representantes das Filiais Alemãs terem continuado a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma, que as reuniões anteriores realizadas entre os representantes das Sedes.
(75) Com a troca das tabelas de preços brutos aplicáveis em todo o EEE53, os Destinatários encontravam-se em melhor posição para compreender, com base as informações sobre os aumentos dos preços que foram trocadas pelas Filiais Alemãs, a estratégia de cada um para os preços na Europa, do que se apenas pudessem contar com as informações do mercado que tinham à disposição.
(76) Além disso, um número restrito de indivíduos de cada Destinatário teve vários contactos que seguiram um padrão semelhante ao longo de todo o período da infração, embora existissem vários círculos e níveis de trocas. Os Destinatários pretendiam contribuir para os objetivos comuns da conduta anticoncorrencial continuada conforme descrito nos considerandos (49) a (60), e conheciam ou poderiam ter razoavelmente previsto o âmbito geral e as características essenciais da infração como um todo.
(77) O esquema geral foi implementado ao longo de um período de vários anos, com recurso aos mesmos mecanismos e com o mesmo objetivo comum de eliminar a concorrência.
(78) Com base nestes factos e tendo em conta a conceção comum dos contactos e o objetivo comum da infração, o conjunto de contactos colusórios que ocorreram entre os Destinatários constitui uma infração única e continuada do n.° 1 do Artigo 101.° do TFUE e do n.° 1 do Artigo 53 do Acordo EEE.».
39. E ainda:
«(81) O comportamento anticoncorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objetivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, diretamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários acordos e mecanismos adotados pelos Destinatários tinha o objetivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na aceção do significado do n.° 1 do Artigo 101.° e do n.° 1 do Artigo 53.° do Acordo EEE.
(82) É jurisprudência assente que, para os efeitos previstos no Artigo 101.° do TFUE e no Artigo 53.° do Acordo EEE, não é necessário considerar os efeitos reais de um acordo quando este tem por objetivo o impedimento, a limitação ou a distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável.
Por conseguinte, no presente processo, não é necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais reais, uma vez que o objetivo anticoncorrencial da conduta em questão ficou comprovado.».
40. Quanto aos "Efeitos no comércio', com relevo, consta o seguinte:
«(84) O setor dos camiões é caracterizado por um volume substancial de comércio entre os Estados-Membros e também entre a União e os países da AECL do EEE, e afeta a estrutura concorrencial do mercado em pelo menos dois Estados-Membros.
(85) Neste processo, tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos no comércio são consideráveis. Além disso, o âmbito geográfico da infração, que abrangeu vários Estados-Membros, e a natureza transfronteiriça dos produtos afetados também demonstram que os efeitos no comércio são consideráveis.».
41. Quanto à Responsabilidade, com relevo, o seguinte:
«(98)As seguintes entidades jurídicas são consideradas conjunta e solidariamente responsáveis pela infração cometida pela Volvo/Renault: (...)
(d) A AB Volvo, enquanto empresa-mãe, pela conduta:
- da sua filial Renault Trucks SAS de 2 de janeiro de 2001 a 18 de janeiro de 2011;
- da sua filial (indireta) Volvo Group Trucks Central Europe GmbH
(nomeadamente enquanto sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de j aneiro de 2004 a 18 de j aneiro de 2011; e
- da sua filial Volvo Lastvagnar AB de 17 de janeiro de 1997 a 8 de abril de 2010. (99) A AB Volvo confirmou que exerceu, enquanto empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Renault Trucks SAS de 2 de janeiro de 2001 a 18 de janeiro de 2011; sobre a sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (nomeadamente enquanto sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011; e sobre a sua filial Volvo Lastvagnar AB de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. sucessora legal e económica, pelo envolvimento da Renault Trucks Deutschland GmbH na infração de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011. (...)».
42. E quanto às MEDIDAS CORRETIVAS, com relevo:
«(119) A Volvo/Renault, que solicitou a não aplicação, foi o primeiro destinatário a fornecer elementos de prova convincentes relativos a acontecimentos que a Comissão desconhecia até então, o que permitiu à Comissão identificar a data de início da infração para todos os Destinatários a partir de 17 de janeiro de 1997. Por conseguinte, a data de início da infração foi alterada de 16 de janeiro de 2001 para 17 de janeiro de 1997. Entre os elementos de prova fornecidos pela Volvo/Renault, incluíam-se notas manuscritas da época, relatórios de reuniões e convites para reuniões de um funcionário que participara pessoalmente em reuniões com concorrentes que fazem parte da infração. Os elementos de prova continham as datas exatas das reuniões e informações detalhadas sobre outros contactos de caráter anticoncorrencial. Uma vez que estes factos permitiram à Comissão aumentar a duração da infração, não foram tidos em conta contra a Volvo/Renault para efeitos da determinação da sua coima. Por conseguinte, em aplicação do Ponto 26 das Orientações relativas às coimas, é concedida imunidade parcial à Volvo/Renault para o período que vai de 17 de janeiro de 1997 a 15 de janeiro de 2001. (...)»
43. A infração abrangeu a totalidade do EEE e prolongou-se de 17/01/1997 a 18/01/2011, designadamente, no que à Ré respeita.
44. Os produtos abrangidos pela infração são camiões com um peso entre 6 e 16 toneladas («camiões médios») e camiões de peso superior a 16 toneladas (a seguir «camiões pesados»), que tanto podem ser camiões rígidos como camiões tratores (os camiões médios e pesados designados que se referem conjuntamente como «camiões»), não abrangendo os serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, a venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços.
45. Na fixação das coimas, a Comissão teve em conta, entre outros aspetos, para além do modo intencional com que a infração foi cometida, o facto de os mecanismos de coordenação de preços, de entre as restrições à concorrência, assumirem os efeitos mais prejudicais; a duração da infração; a elevada quota de mercado dos destinatários no mercado europeu de camiões médios e pesados e o facto de a infração ter abrangido todo o território do EEE - vide ponto "7. MEDIDAS CORRETIVAS" da Decisão.
46. A Comissão concedeu imunidade total da coima à MAN, a VOLVO e a RENAULT beneficiaram de uma redução de 40% do montante da sua coima, a DAIMLER de uma redução de 30% e a IVECO de uma redução de 10%.
47. Assim, foram aplicadas as seguintes coimas:
DESTINATÁRIA                 COIMA €
MAN                                     0
VOLVO /RENAULT           670 448 000
DAIMLER                             1 008 766 000
IVECO                                   494 606 000
DAF                                       7 529 000
48. A Comissão Europeia adotou, desta forma, a Decisão, declarando a prática pela Ré e pelas restantes destinatárias da Decisão de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, em violação do Artigo 101.° da TFUE e do Artigo 53.° do Acordo EEE - vide artigo 1.° da Decisão.
*
49. A Ré, integra o "Grupo VOLVO", no qual figura como empresa-mãe das firmas Renault Trucks SAS, Volvo Group Trucks Central Europe GmbH e Volvo Lastvagnar AB, e tem sede na Suécia.
50. A Ré e o respetivo grupo empresarial, no qual se insere, dedicam-se à produção e comercialização de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de transmissão para aplicações marítimas e industriais.
DA AUTORA TRANSNEIVA
51. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu dois veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
52. No que respeita ao veículo .:
a) A Autora, no dia 16.04.2004, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 305550, em que foi locadora a sociedade Locapor - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., com o preço de venda de €82.466,26 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, a Autora pagou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e pagou o valor residual.
f) A propriedade do ...foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 5546, em 02.12.2008.
g) A propriedade do referido veículo, no dia 01.03.2010, foi transferida pela Autora à Scania Portugal, S.A.
53. No que respeita ao veículo …:
a) A Autora, no dia 22.10.2002, comprou-o à sociedade Auto-Sueco (Minho), S.A., pelo preço de € 86.716,02 (acrescido de IVA à taxa legal), através do Contrato de Compra e Venda a Prestações n.° 19/2002.
b) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as prestações e respetivos juros.
c) A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 195, em 04.11.2002.
DA AUTORA ABB
54. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu treze veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
55. No que respeita aos veículos …:
a) A Autora, no dia 04.03.2010, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 100005195, em que foi locadora a sociedade Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A.
b) A Autora escolheu os referidos veículos junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., com o preço de venda, por cada veículo, de €110.299,77 (acrescido de IVA), preço que englobava chassis e báscula.
c) Estes preços coincidiram com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço dos veículos.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 2867, em 16.04.2014.
g) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 2910, em 16.04.2014.
56. No que respeita aos veículos …:
a) A Autora, no dia 17.03.2008, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 10019980, em que foi locadora a sociedade Banco BPI, S.A.
b) A Autora escolheu os referidos veículos junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., com o preço de venda, cada veículo, de €100.297,77 (acrescido de IVA), preço que englobava chassis e báscula.
c) Estes preços coincidiram com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço dos veículos.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 2472, em 28.09.2012.
g) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 7728, em 05.11.2012.
h) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 7554, em 06.07.2012.
i) A Autora, em 30.08.2012, revendeu o veículo ... à sociedade Urbancraft Trading Unipessoal Lda..
57. No que respeita ao veículo …:
a) A Autora, em 2004, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 400009683, em que foi locadora a sociedade Banco Comercial Português Leasing, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco Braga, S.A. com o preço de venda de €82.466,26 (acrescido de IVA).
c) Este peço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 3586, em 11.09.2007.
58. No que respeita ao veículo …:
a) A Autora, no dia 10.12.2002, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 029710/015/001, em que foi locadora a sociedade LOCAPOR - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., com o preço de venda de €87.289,63 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 6437, em 10.02.2006.
59. No que respeita ao veículo …:
a) A Autora, no dia 11.09.2002, comprou-o à sociedade Auto-Sueco (Minho), S.A., pelo preço de €92.277,61 (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 878 PN.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do … foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 217, em 20.09.2002.
60. No que respeita ao veículo …:
a) A Autora, no dia 07.04.2000, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 318840, em que foi locadora a sociedade BPI Leasing - Sociedade de Locação Financeira, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Braga), S.A., com o preço de venda de €91.030,62 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ...foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 280, em 07.10.2003.
61. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, em 1999, celebrou, na qualidade de locatária, um contrato de locação financeira com a sociedade Mello Leasing - Sociedade de Locação Financeira, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Braga), S.A., com o preço de venda de €91.030,62 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 156, em 09.09.2002.
g) A Autora, em 19.10.2015, revendeu o veículo à sociedade Paviazemeis Pavimentações de Azeméis, Lda.
62. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 15.12.1998, comprou-o à sociedade Auto-Sueco (Braga), S.A., pelo preço de €79.807,66 (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 470 PN.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 00235, em 29.07.1999.
63. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 25.09.1998, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 9804182, em que foi locadora a sociedade Leasing Atlântico, S. A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Braga), S.A., com o preço de venda de €81.054,71 (acrescido de IVA), preço que englobava chassis e betoneira.
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 327, em 30.01.2002.
64. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 25.09.1998, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 9804183, em que foi locadora a sociedade Leasing Atlântico, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco (Braga), S.A., com o preço de venda de €81.054,71 (acrescido de IVA), preço que englobava chassis e betoneira.
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 00097, em 29.01.2002.
DA AUTORA RVO
65. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu quatro veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ..., ..., ... e ....
66. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 05.05.2010, comprou-o à sociedade Auto-Sueco, Lda., pelo preço de €84.593,33 (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 54/10049.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 04666, em 17.05.2010.
67. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 10.11.2010, comprou-o à sociedade Auto-Sueco, Lda., pelo preço de €91.593,33 (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 54/10116.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 06360, em 22.11.2010.
d) A A., em 13.03.2019, revendeu o veículo à sociedade Activelabor - Comércio e Reciclagem de Metais, Lda.
68. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 10.11.2010, comprou-o à sociedade Auto-Sueco, Lda., pelo preço de €91.593,33 (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 54/10115.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 06361, em 22.11.2010.
69. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, em 2010, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 400094128, em que foi locadora a sociedade Banco Comercial Português, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco, Lda., com o preço de venda de €105.377,71 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 10627, em 08.05.2013.
DA AUTORA TERRAGADOS
70. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu dois veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ... e ....
71. Para o efeito,
a) A Autora, em 2002, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 76509, em que foi locadora a sociedade Besleasing Mobiliária - Sociedade de Locação Financeira, S.A.
b) A Autora escolheu os referidos veículos junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., tendo o veículo com a matrícula ... o preço de venda de €106.742,75 (acrescido de IVA) e o veículo com a matrícula ... o preço de venda de €39.903,83 (acrescido de IVA).
c) Estes preços coincidiram com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral dos preços dos veículos.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 03954, em 05.07.2007.
g) A Autora, em 04.03.2014, revendeu o referido veículo à sociedade Servima - Prestação de Serviços, Lda.
DA AUTORA MARTIMCO
72. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ....
73. Para o efeito,
a) A Autora, em 2003, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 84184, em que foi locadora a sociedade Besleasing Mobiliária - Sociedade de Locação Financeira, S.A.
b) A Autora escolheu os referidos veículos junto do fornecedor Auto-Sueco (Minho), S.A., tendo o veículo o preço de venda de 89.921,02€ (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 02846, em 31.10.2007.
g) A Autora, em 28.03.2014, revendeu o veículo à sociedade Servima - Prestação de Serviços, Lda.
DA AUTORA TRANSGAMA
74. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ....
75. Para o efeito,
a) A Autora, no dia 21.03.2001, comprou-o à sociedade Auto-Sueco, Lda., pelo preço de 67.337,72€ (acrescido de IVA à taxa legal), através da Fatura n.° 31/10037.
b) A Autora pagou o referido preço.
c) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 00419, em 27.03.2001.
DA AUTORA TPV
76. A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu três veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ..., ...e ....
77. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, no dia 14.10.2002, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 200212245, em que foi locadora a sociedade BCP Leasing, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco, Lda., com o preço de venda de €75.817,28 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
78. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, em 2002, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 200205924, em que foi locadora a sociedade BCP Leasing, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco, Lda., com o preço de venda de €92.776,40 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
79. No que respeita ao veículo ...:
a) A Autora, em 2000, celebrou, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.° 98101488, em que foi locadora a sociedade BPN Leasing - Sociedade de Locação Financeira, S.A.
b) A Autora escolheu o referido veículo junto do fornecedor Auto-Sueco, Lda., com o preço de venda de €81.054,66 (acrescido de IVA).
c) Este preço coincidiu com o capital do contrato de locação.
d) As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo.
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
f) A propriedade do ... foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.° 10812, em 12.06.2007.
g) A Autora, em 10.07.2008, revendeu o veículo à sociedade Evicar (Centro) Comércio de Camiões, S.A..
80. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões, aumentou, de forma ilícita, intencional, coordenada e continuada, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17/01/1997 a 18/01/2011.
81. Tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos, tendo a Ré fixado um preço superior àquele que seria devido, caso não tivesse ocorrido a referida conduta ilícita.
82. O aumento do preço fixou-se num mark-up de preço de, pelo menos, 15,4% por veículo.
83. As Autoras, ao pagarem os preços mencionados para aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, nos seguintes valores, correspondentes a 15,4% do preço de compra de cada veículo, atualizado a preços constantes do ano de 2011, com base no deflator do PIB disponibilizado pelo Banco de Portugal:
DA AUTORA TRANSNEIVA:
83.1. Relativamente ao veículo ... - €13.726,57;
83.2. Relativamente ao veículo ... - €15.288,08.
DA AUTORA ABB:
83.3. Relativamente ao veículo ... - €14.236,04;
83.4. Relativamente ao veículo ... - €14.236,04;
83.5. Relativamente ao veículo ... -€13.027,83;
83.6. Relativamente ao veículo ... -€13.027,83;
83.7. Relativamente ao veículo ... -€13.027,83;
83.8. Relativamente ao veículo ... - €13.698,89;
83.9. Relativamente ao veículo ... - €15.389,21;
83.10. Relativamente ao veículo ... - €16.268,59;
83.11. Relativamente ao veículo ... - €17.345,32;
83.12. Relativamente ao veículo ... - €17.945,38;
83.13. Relativamente ao veículo ... - €15.732,94;
83.14. Relativamente ao veículo ... - €13.694,95;
83.15. Relativamente ao veículo ... - €13.694,95.
DA AUTORA RVO
83.16. Relativamente ao veículo ... - €12.388,70;
83.17. Relativamente ao veículo ... - €13.413,85;
83.18. Relativamente ao veículo ... - €13.413,85;
83.19. Relativamente ao veículo ... - €15.432,58.
DA AUTORA TERRAGADOS
83.20. Relativamente ao veículo ... - €18.819,00;
83.21. Relativamente ao veículo ... - €7.035,00.
DA AUTORA MARTIMCO
83.22. Relativamente ao veículo ... - €15.326,00.
DA AUTORA TRANSGAMA
83.23. Relativamente ao veículo ... - €12.371,24.
DA AUTORA TPV
83.24. Relativamente ao veículo ... - €13.366,62;
83.25. Relativamente ao veículo ...- €16.356,53;
83.26. Relativamente ao veículo ... - €15.444,46.
84. A Autora Transneiva interpelou extrajudicialmente a Ré para o pagamento da quantia de € 28.5520,19, através de carta datada de 21/12/2018.
85. A Autora ABB interpelou extrajudicialmente a Ré para o pagamento da quantia de € 184.199,12, através de carta datada de 11.01.2019.

Factos não provados
a. Que as Autoras tiveram conhecimento da infração imputada à Ré e dos seus alegados infratores antes de qualquer um dos momentos referidos nos factos provados elencados sob os pontos 1. a 4;
b. Que as Autoras repercutiram o sobrecusto nos preços praticados junto dos seus clientes;
c. Que as Autoras mitigaram o sobrecusto através da revenda dos veículos;
d. Que as Autoras mitigaram o sobrecusto por força de vantagens fiscais obtidas.

Factos sem relevo
Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos alegados nos articulados ou discutidos na Audiência Final, que não estejam em oposição ou que não tenham ficado prejudicados pelos evidenciados, sendo que outros houve que não foram objeto de resposta por consubstanciarem matéria irrelevante, repetida, conclusiva ou de Direito.
De referir que não se deu resposta à matéria articulada pela Ré nas Contestações, referente às características técnicas dos camiões; do processo de negociação e fixação de preços dos camiões; da cadeia de comercialização dos camiões em Portugal durante o período da infração; das caraterísticas do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração e do contexto da diferença entre preços de lista e preços de venda. na medida que a mesma ficou prejudicada pela prova evidenciada, e, por conseguinte, veio a revelar-se irrelevante para a boa decisão da causa, sem prejuízo de a mesma ter sido objeto de discussão na audiência de discussão e de julgamento e de o Tribunal ter feito alusão à mesma na subsunção dos factos ao Direito aplicável, aí explicando a razão pela qual a considerou irrelevante.

CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO CONFORME DEFINIDO
9 Na sequência da decisão condenatória da Comissão Europeia, as apeladas intentaram ações contra a apelante, com fundamento na circunstância de terem sido adquirentes indiretas dos camiões objeto da infração, e de terem sofrido um sobrecusto por força daquela infração. As ações visaram o ressarcimento dos danos, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.
10 A apelante manifesta discordância da decisão recorrida relativamente à verificação de todos os pressupostos de responsabilidade civil. Acentua-a, porém, relativamente ao dano, ao nexo causal e à quantificação do dano. São igualmente estes pressupostos que maior divergência suscitam entre as partes.
11 Nesta ação, a análise do dano, do nexo causal e da quantificação do dano assumem uma complexidade relevante, como veremos. Que se agrava pela natureza das questões relativas à prova por presunção, de que é evidência a abordagem da sentença quanto à análise concreta da presunção de dano – tratada nos factos, por remissão para a subsunção jurídica subsequente onde a questão é efetivamente analisada, e onde todos os enquadramentos e argumentos são expendidos.
12 Por esse motivo, previamente, nesta decisão, importará fazer os enquadramentos, legal e jurídico, da questão da responsabilidade civil no âmbito das ações do private enforcement, na medida em que este regime prevê presunções que, enquanto método específico de valoração da prova - acompanhamos Luís Filipe Sousa, em Prova por Presunção no Direito Civil, 2.ª Edição, Almedina, 2013, p. 160 -, podem conformar a matéria de facto.
13 No segundo passo da análise, será analisada a impugnação da matéria de facto.

Enquadramento legal
Artigo 1.º, n.º 1 da Diretiva 104/2014
1. A presente diretiva estabelece certas regras necessárias para assegurar que quem sofra danos causados por uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas possa exercer efetivamente o direito a pedir a reparação integral desses danos por essa empresa ou associação. A presente diretiva estabelece regras que fomentam a concorrência não falseada no mercado interno e eliminam os obstáculos ao seu bom funcionamento, assegurando uma proteção equivalente em toda a União para as pessoas que sofram tais danos.
Artigo 17.º, nºs 1 e 2, da Diretiva 104/2014 da Diretiva
1. Os Estados-Membros asseguram que nem o ónus da prova nem o grau de convicção do julgador exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais sejam competentes, de
acordo com os processos nacionais, para calcular o montante dos danos, se for estabelecido que o demandante sofreu danos, mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis.
2. Presume-se que as infrações de cartel causam danos. O infrator tem o direito de ilidir essa presunção.
Artigo 22.º da Diretiva 104/2014
1. Os Estados-Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.
2. Os Estados-Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.
Artigo 16.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1/2003
Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 81.º ou 82.º* do Tratado que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão.
* atualmente artigos 101.º e 102.º, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia ou TFUE.
Artigo 3.º, n.º 1, da Lei 23/2018
A empresa ou associação de empresas que cometer uma infração ao direito da concorrência fica obrigada a indemnizar integralmente os lesados pelos danos resultantes de tal infração, nos termos previstos no artigo 483.º do Código Civil.
Artigo 4.º, da Lei 23/2018
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, calculados desde o momento da ocorrência do dano.
Artigo 24.º, da Lei 23/2018
1 - As disposições substantivas da presente lei, incluindo as relativas ao ónus da prova, não se aplicam retroativamente. 2 - As disposições processuais da presente lei, incluindo as alterações pela mesma introduzidas à Lei da Organização do Sistema Judiciário, não se aplicam a ações intentadas antes da sua entrada em vigor
Artigo 349.º, do Código Civil
Presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Artigo 350.º, do Código Civil
1 – Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2 – As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei i proibir.
Artigo 351.º, do Código Civil
As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, al. c), e n.º 3, als. b) e c) do CPC
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma: (…) b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições; c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
Enquadramento da questão da tutela no âmbito do private enforcement
14 As ações de direito privado por violação das normas de concorrência são um fenómeno recente do Direito da Concorrência, que durante muitos anos se limitou a tratar as questões do public enforcement (ações de Direito Público por violação das normas de concorrência) .
15 A necessidade de garantir, a par do public enforcement, a tutela dos direitos dos particulares, prejudicados pela violação das normas concorrência na União Europeia – reconhecido de forma clara pelo TJUE -, ditou a necessidade de uma abordagem própria e significativamente adequada à realidade em causa, que culminou na Diretiva 2014/104/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de novembro de 2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva do Private Enforcement (doravante apenas Diretiva).
16 Esta Diretiva estabeleceu um regime legal de suporte às ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União, a fim de assegurar o pleno efeito dos artigos 101.º e 102.º do TFUE e o correto funcionamento do mercado interno tanto para as empresas como para os consumidores.
17 À luz do desenvolvimento do Direito da EU, é possível hoje a abordagem paralela, sequencial, ou mesmo autónoma das duas formas de tutela do Direito da Concorrência – public enforcementt e private enforcement.
18 No private enforcement, os particulares podem exercer os seus direitos através de ações de follow-on (estas são as ações que podem ser deduzidas na sequência de decisões de public enforcement das autoridades nacionais ou da Comissão Europeia), ou das ações de stand-alone (as ações que podem ser deduzidas sem que exista uma decisão pública prévia sancionando determinada conduta como anticoncorrencial).
19 O private enforcement deve garantir e estender a tutela a todas as fases da cadeia de distribuição. A repercussão do dano aos adquirentes sucessivos - também conhecido como pass on - é um fenómeno reconhecido e particularmente tutelado.
20 De acordo com as Orientações Destinadas aos Tribunais Nacionais Sobre a Forma de Calcular a Parte dos Custos – publicada no Joce 9/8/2019 (2019/C 267/07), da Comissão Europeia:
a. A repercussão dos custos adicionais pode ocorrer em diferentes níveis da cadeia de abastecimento e verifica-se sempre que um adquirente direto repercute, total ou parcialmente, o custo adicional no adquirente indireto, este último não só será afetado por um efeito do preço como também, em muitos casos, reduzirá a sua procura, pelo que o adquirente direto vende menos. O valor da venda que se perde pode ser referido como o efeito de volume da repercussão.
b. Um custo adicional pode ser repercutido em toda a cadeia de abastecimento, podendo abranger bens ou serviços.
c. Nessa medida, qualquer pessoa pode ser ressarcida. Aqui se incluem adquirentes diretos e adquirentes indiretos. E cada interveniente na cadeia de distribuição pode fazê-lo de forma autónoma.
d. A repercussão pode verificar-se em dois cenários: como meio de ação ou como meio de defesa. No primeiro caso, a repercussão é ilustrada como espada – quando o lesado, adquirente indireto, fundamenta a sua ação na alegação de que os adquirentes diretos dos infratores repercutiram em si os custos adicionais, parcial ou integralmente, tendo, por isso, sofrido danos; no segundo caso, a repercussão é ilustrada como escudo – quando o infrator invoca a repercussão dos custos adicionais como meio de defesa numa ação de indemnização, ou seja, alegando que o adquirente direto ou indireto repercutiu os custos adicionais, total ou parcialmente, nos seus próprios adquirentes. No presente caso, como visto, ambos os cenários foram objeto desta ação.
21 O fenómeno da repercussão obriga a uma análise factual e económica singular, podendo requerer a aplicação de modelos económicos complexos. Não apenas porque é necessário analisar condições de preço e de mercado dos produtos e/ou serviços em causa – exercício que se torna tanto mais complexo, quanto longa é a cadeia de distribuição - como ainda, na maior parte das vezes, é necessário comparar uma situação real – a da infração – com uma situação hipotética que terá que ser ficcionada – a da ausência de infração.
22 À luz das dificuldades verificadas e dos objetivos pretendidos, surgiu a Diretiva Private Enforcement, que criou um regime com vista a garantir que qualquer pessoa pode ser ressarcida dos danos que sofra por violação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, quando exista um nexo de causalidade entre a violação e esses danos, devendo o ressarcimento ser tão justo e equilibrado quanto possível.
23 Nesse propósito, determinou que as regras nacionais que regem o exercício do direito à reparação por danos causados por infração aos artigos 101.º ou 102.º não devem onerar de forma excessivamente difícil, ou praticamente impossível, o exercício do direito à reparação garantido pelo TFUE, o que deverá ser alcançado, se necessário, pela observância dos princípios da efetividade e da equivalência (considerando 10).
24 Estabeleceu critérios que têm como objetivo garantir a efetividade do direito à reparação integral, sem postergar o equilíbrio adequado no ressarcimento os danos ao longo da cadeia de distribuição e garantindo que a reparação é a adequada a fim de evitar situações de enriquecimento sem causa (nas palavras da Diretiva, “reparação excessiva” – artigo 12.º).
25 Em concreto, determinou que as regras relativas à quantificação dos danos, que são neste tipo de processos um obstáculo significativo à reparação efetiva, são da responsabilidade dos Estados Membros, os quais devem garantir que as mesmas não são menos favoráveis do que as normas internas para ações nacionais análogas (princípio da equivalência) e que não tornam praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à indemnização garantido pelo direito da União (princípio da efetividade).
26 Garantiu que o infrator possa também invocar a repercussão dos danos emergentes como meio de defesa numa ação de indemnização (cenário da repercussão escudo já analisada).
27 Considerou uma presunção de dano (artigo 17.º, n.º 2), ou de repercussão de custos adicionais (artigo 14.º).
28 A Diretiva foi assim um mecanismo de facilitação da compensação das vítimas pelos danos sofridos em resultado de infrações ao direito da concorrência, garantindo a tutela privada, a par da já existente tutela pública do direito da concorrência, no interesse da maximização do bem-estar dos cidadãos e da competitividade da economia.
29 Importa agora analisar o seu âmbito de aplicação neste caso.

Enquadramento do regime legal aplicável in casu
30 De acordo com a Diretiva (artigo 22.º), as normas substantivas não se aplicam retroativamente e as demais normas não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.
31 O TJUE, chamado a tomar posição, já considerou que o artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva constitui uma norma processual e que o Artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva (que estabelece em certos casos presunção de dano) constitui norma substantiva, para efeitos de aplicação do seu Artigo 22.º (cf. Processo C -267/20 - ECLI:EU:C:2022:494)
32 A Lei n.º 23/2018, de 5/6, entrada em vigor dois meses depois da sua publicação (artigo 25.º), transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 104/201.
33 Em alinhamento com a Diretiva, a Lei n.º 23/2018 assegura que as disposições processuais não se aplicam a ações entradas em vigor antes de 5/8/2018 e que as disposições substantivas, incluindo as relativas ao ónus da prova, não se aplicam retroativamente (explicitando a Diretiva não se aplicarem a ações entradas antes de 26/12/2014).
34 Pela forma como as apeladas configuraram as ações interpostas, estamos perante ações de follow-on, em cenário de repercussão. As ações foram interpostas na sequência de uma decisão condenatória da Comissão Europeia por violação, por parte da ré, das normas concorrenciais. As apeladas alegam terem sido adquirentes indiretas. Estamos, assim, perante ações de private enforcement, que se representam, na aceção de repercussão acima descrita, como espada.
35 As ações nestes autos foram interpostas após 24/12/2014 (data fixada pela Diretiva) e 5/8/2018 (data fixada pela Lei 23/2018), na medida em que entraram nos dias 18/06/2019, 28/06/2019, 02/07/2019, 05/07/2019 e 09/07/2019.
36 Assim, tratando-se de ações de private enforcement nos termos definidos, não têm aplicação retroativa as normas – incluindo as relativas às presunções de dano – que transpõem disposições substantivas da Diretiva, mas atenta a data de entrada em juízo, aplicam-se as demais normas da Lei n.º 23/2018 que transpõem disposições processuais da Diretiva.
37 Desta forma, concordamos com o tribunal de primeira instância que a norma aplicável, para efeito de pressupostos de responsabilidade civil, é a do artigo 483.º, do Código Civil que, aliás, também seria à luz do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 23/201. E, também concordamos que que não são aplicáveis as presunções de dano decorrentes da Lei que transpõem disposições substantivas da Diretiva.
38 O que não significa que não possam aplicar-se presunções que já se encontravam previstas na legislação nacional e que não resultam da transposição de disposições substantivas da Diretiva, enquanto meios de valoração da prova, desde que devidamente suportadas. As presunções, que podem ser legais ou judiciais, são ilações, raciocínios inferenciais retirados de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – no caso das legais, esse facto resulta da lei, no caso das judiciais, da prova produzida. O regime das presunções aqui aplicável é o que, constando de disposições puramente nacionais, se encontra previsto nos artigos 349.º a 351.º do Código Civil.
39 Enquanto meios de valoração de prova, as presunções estão sujeitas ao princípio da livre apreciação – sendo que no caso das presunções legais, a livre apreciação é limitada à verificação do facto base e/ou dos factos que ilidem a presunção. No caso das presunções judiciais, coloca-se o desafio acrescido de distinguir causação de correlação. Isto é, a inferência lógica a fazer a partir do facto base, deve garantir, tanto quanto possível, que o facto presumido se encontra face ao facto base numa relação causal, e não numa mera correlação.
40 De resto, na medida em que não colidam com os princípios de aplicação no tempo que impedem a aplicação retroativa das normas substantivas, as orientações da Comissão destinadas aos tribunais nacionais sobre a forma de calcular a parte dos custos – publicadas no Joce 9/8/2019 (2019/C 267/07), da Comissão Europeia, poderão servir de base ao cálculo da repercussão do dano nos adquirentes indiretos. São, aliás, úteis na medida em que contêm uma abordagem geral aos aspetos relevantes do direito de indemnização decorrente da violação dos artigos 101.º e 102.º, do TFUE, cujo alcance não se limita ao contexto da Diretiva, mas a extravasa, através da abordagem de princípios económicos aplicáveis em qualquer situação de violação de regras ao Direito da Concorrência ou dos métodos de aferição de danos que, do ponto de vista económico, melhor garantem e tutelam a posição dos lesados. Além disso, revelam-se particularmente relevantes, por dirigidas aos efeitos danosos respeitantes ao fenómeno da repercussão, ou pass-on, que está em causa nestes autos.
41 Em conclusão, não se aplicando a estes autos qualquer tipo de presunção decorrente da lei, é na matéria de facto que terão que ser encontrados os factos relevantes, integradores dos pressupostos de responsabilidade civil.
42 E é nesse contexto que importa agora analisar a impugnação da matéria de facto relevante para efeitos da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil.
Impugnação da matéria de facto
43 A recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto, suscitando as seguintes questões de divergência:
1. A sentença considerou indevidamente factos provados que, atenta a prova produzida, devem ser removidos dos factos provados e ser considerados não provados:
1.1. Os factos n.º 51, 52 e., 53 b., 54, 55 e., 56 e., 57 e., 58 e., 59 b., 60 e., 61 e., 62 b., 63 e., 64 e., 65, 66 b., 67 b., 68 b., 69 e., 70, 71 e., 72, 73 e., 74, 75 b., 76, 77 e., 78 e., 79 e., não resultam provados, contrariamente ao que considerou o Tribunal a quo.
1.2. Os factos n.º 55 b., 56 b., 63 b., 64 b., 68 a., 73 b., 77 b., 78 b., 79 b. não resultam provados. As falhas subjacentes à aplicação da técnica de benchmarking pelas Recorridas e o erro de julgamento consubstanciado na ausência de dedução do valor das superestruturas pelo Tribunal a quo.
1.3. Os factos n.ºs 80 a 83.26 não resultam provados.
2. Na sentença foram desconsiderados factos sobre os quais foi produzida prova e que deveriam, por esse motivo, ter-se tido por provados (cf. em concreto o elenco de matéria que a apelante pretende ver aditada nos pontos 400, 446, 476, 504 e 508 das suas alegações)
Quanto ao ponto 1
Ponto 1.1. - Factos n.º 51, 52 e., 53 b., 54, 55 e., 56 e., 57 e., 58 e., 59 b., 60 e., 61 e., 62 b., 63 e., 64 e., 65, 66 b., 67 b., 68 b., 69 e., 70, 71 e., 72, 73 e., 74, 75 b., 76, 77 e., 78 e., 79 e.
44 Entende a apelante que estes factos não resultam provados, contrariamente ao que considerou o Tribunal a quo, dado que nenhuma prova foi produzida sobre os mesmos. Designadamente, não foram juntos os documentos comprovativos das aquisições e/ou dos pagamentos dos contratos de locação financeira ou, nalguns casos, da propriedade dos veículos.
45 Em resposta, as apeladas pediram que a impugnação da matéria de facto não seja procedente, argumentando que a referida prova foi feita e que o tribunal decidiu acertadamente ao dar como provados aqueles factos.
46 Analisando os factos postos em crise, face à prova:
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora TRANSNEIVA
• Facto 51: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu dois veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ...e ....
• Facto 52, al. e: No que respeita ao veículo ...:
e) O contrato foi integralmente cumprido, a Autora pagou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e pagou o valor residual.
• Facto 53, al. b): No que respeita ao veículo ...:
b) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as prestações e respetivos juros.
47 A recorrente alega que estes factos não poderiam ser provados porque a recorrida não fez prova do pagamento das rendas dos contratos de locação financeira e/ou do preço.
48 As recorridas discordam da conclusão alegando que a prova se mostra feita.
49 Da análise dos documentos 20 e 21 juntos pela autora, conjugados com o depoimento da testemunha PB, concluímos, quanto a esta matéria, como fez o tribunal de primeira instância.
50 O argumento da recorrente, de que não poderiam tais factos dar-se como provados por falta de documentos referentes ao pagamento, não colhe, porque a referida prova não é vinculada, antes sendo livre a apreciação do julgador. Nessa medida, é suficiente, para demonstrar o pagamento, a análise dos documentos já referidos analisados conjugados com a prova testemunhal produzida.
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora ABB:
• Facto 54: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu treze veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
• Facto 55, al. e): No que respeita aos veículos …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 56, al. e): No que respeita aos veículos …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 57, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 58, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 59, al. b): No que respeita ao veículo …:
b) A Autora pagou o referido preço.
• Facto 60, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 61, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 62, al. b): No que respeita ao veículo …:
b) A Autora pagou o referido preço.
• Facto 63, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 64, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
51 A recorrente diz que estes factos não poderiam ser provados porque a recorrida não fez prova do pagamento das rendas dos contratos de locação financeira e/ou do preço dos veículos.
52 As recorridas discordam da conclusão alegando que a prova, concordante com o que ficou provado, se mostra feita.
53 Da análise do teor dos documentos 22 a 32 juntos pela autora, conjugados com o depoimento das testemunhas RM e LR, concluímos como o tribunal de primeira instância.
54 Uma vez mais, o argumento da apelante de que tais factos não poderiam dar-se como provados por falta de documentos não colhe, atenta a liberdade do julgador na apreciação da prova. É suficiente para demonstrar o pagamento, a análise dos documentos já referidos analisados conjugadamente com a prova testemunhal produzida.
55 A recorrente diz ainda que os veículos de matrícula … foram adquiridos em data posterior a 2011, como atestam os documentos 22D, 23D 24D, 25D 26C e 38E, que respeitam ao registo da propriedade daqueles veículos em 2012, os dois primeiros, 2014, os três seguintes e 2013, o último.
56 Nessa medida, os factos respeitantes à aquisição destas viaturas em data situada entre 1997 e 2011 não deveriam ter sido dados como provados.
57 As recorridas responderam que a prova produzida evidencia que todos os veículos a que se referem os presentes autos foram adquiridos no período da infração, na medida em que, ainda que tenha ocorrido recurso a financiamento, foi no momento da celebração do contrato de leasing que as apeladas assumiram a obrigação de pagar as respetivas rendas e, eventualmente, o valor residual ou seja, foi no momento da celebração do contrato que as apeladas se obrigaram ao pagamento do preço do veículo, o qual foi fixado no período de vigência do cartel.
58 A leitura da argumentação da apelante leva-nos a considerar que esta entende que a aquisição mencionada no ponto 54 dos factos provados coincide com o momento do registo de propriedade em nome da apelada ABB.
59 Ora, a documentação respeitante ao registo de propriedade em que a recorrente se funda para concluir pela aquisição posterior a 2011 não pode demonstrar mais do que isso mesmo, que os veículos se mostram registados em nome da recorrida desde aquelas datas. Mas nada demonstra relativamente à aquisição.
60 De todo o modo, reconhece-se que a utilização da palavra “adquiriu” no ponto 54 dos factos provados tem uma formulação conclusiva, que induz em determinada direção interpretativa que não deve ficar espartilhada pela matéria de facto, mas deve ser integrada em sede de análise jurídica.
61 Na verdade, a discussão sobre o momento em que ocorre a aquisição dos bens no caso da celebração de contratos de leasing deve ser matéria a tratar em sede de tratamento jurídico, devendo a matéria de facto limitar-se a elencar a factualidade concreta sobre os negócios ocorridos.
62 Em conclusão, afigura-se que a redação do ponto 54 da matéria de facto deverá ser reformulada, passando a ter a seguinte redação:
Facto 54: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu os veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas …. No mesmo período acordou a celebração de contratos de locação financeira relativamente aos veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora RVO:
• Facto 65: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu quatro veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
• Facto 66, al. b): No que respeita ao veículo …:
b) A Autora pagou o referido preço.
• Facto 67, al. b): No que respeita ao veículo …:
b) A Autora pagou o referido preço.
• Facto 68, al. b): No que respeita ao veículo …:
b) A Autora pagou o referido preço.
• Facto 69, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
63 A recorrente diz que os factos respeitantes ao veículo 56-JA-59 não poderiam ser provados porque a recorrida não fez prova do pagamento das rendas nem do valor residual.
64 As recorridas discordam da conclusão, alegando que a prova se mostra feita.
65 Da análise do documento 38-A junto pela autora conjugado com o depoimento da testemunha SG, concluímos como o tribunal de primeira instância.
66 De novo se renova aqui que os factos em causa são sujeitos a livre apreciação. A prova produzida foi adequada à convicção alcançada pelo tribunal de primeira instância.
67 Alegam ainda, quanto ao mesmo veículo, que foi adquirido em data posterior a 2011.
68 Valem aqui as considerações feitas acima a propósito das viaturas da apelada ABB, razão pela qual pelos mesmos motivos importa que a matéria de facto seja alterada quanto ao ponto 65, nos seguintes termos:
Facto 65: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu quatro veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas …. No mesmo período acordou a celebração de contrato de locação financeira relativamente ao veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ….
69 De resto, quanto aos demais veículos impugnados pela apelante e constantes dos factos 66b), 67b) e 68b), a apelante, pese embora tenha impugnado estes factos, as suas alegações são absolutamente omissas no que respeita à fundamentação da discordância com o tribunal de primeira instância.
70 Nessa medida, em conformidade com o artigo 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, esta impugnação não deve ser atendida.
71 Improcede, assim, o pedido de remoção dos factos citados, do elenco dos factos provados.
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora TERRAGADOS:
• Facto 70: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu dois veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
• Facto 71, al. e): O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
72 Diz a apelante que, quanto ao veículo de matrícula …, a apelada não fez prova da titularidade pelo registo de propriedade, que se mostra realizado a favor de entidade diversa, pelo que não podia o tribunal considerar a aquisição do veículo, porquanto a prova em causa é vinculada e exige o respetivo documento.
73 As recorridas responderam que dos documentos juntos aos autos é possível constatar que a autora se tornou proprietária do veículo findo o contrato de leasing, tais como a fatura do valor residual e o respetivo pagamento. Alegam ainda que a referida factualidade não exige prova pelo título de propriedade.
74 Os documentos 39A a D foram os elementos probatórios de suporte para os factos em causa. Da análise dos mesmos, é possível constatar que a apelada Terragados pagou integralmente o contrato de locação financeira celebrado para aquisição da referida viatura.
75 Posto isto, as considerações já feitas sobre a utilização da expressão “adquirir” em matéria de facto, quando sobre a mesma existe controvérsia, leva a que, por uma questão de tecnicismo, também aqui se opte por alterar a matéria de facto quanto ao ponto 70, nos seguintes termos:
Facto 70: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula …. No mesmo período, acordou a celebração de contrato de locação financeira relativamente ao veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ….
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora MARTIMCO:
• Facto 72: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ….
• Facto 73, al. e): O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
76 A recorrente diz que os factos respeitantes a este veículo não poderiam ser provados porque a recorrida não fez prova do pagamento das rendas nem do valor residual.
77 As recorridas discordam da conclusão, alegando que a prova se mostra feita.
78 Da análise dos documentos juntos sob o n.º 41 (A a D) pela autora, concluímos como o tribunal de primeira instância.
79 Os documentos em causa fazem prova suficiente da contratação pela autora, do financiamento – locação financeira - relativo à viatura e do subsequente registo em seu nome. Eles elementos probatórios são suficientes para criar a convicção, à luz das regras de experiência comum, de que o financiamento relativo ao veículo foi efetivamente realizado, ou a titularidade da mesma não teria passado da entidade financiadora para a autora.
80 Improcede, assim, o pedido de remoção dos factos citados, do elenco dos factos provados.
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora TRANSGAMA:
• Facto 74: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ....
• Facto 75, al. b): A Autora pagou o referido preço.
81 Pese embora a apelante impugne estes factos, as suas alegações são absolutamente omissas no que respeita à fundamentação da discordância com o tribunal de primeira instância.
82 Nessa medida, em conformidade com o artigo 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, esta impugnação não deve ser atendida
Factos respeitantes aos veículos adquiridos pela autora TPV:
• Facto 76: A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu três veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….
• Facto 77, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 78, al. e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
• Facto 79, al e): No que respeita ao veículo …:
e) O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual.
83 Diz a recorrente que, quanto aos veículos de matrícula …, a recorrida não fez prova da respetiva titularidade pelo registo de propriedade, que se mostra realizado a favor de entidade diversa, pelo que não podia o tribunal considerar a aquisição do veículo, porquanto a prova em causa é vinculada e exige o respetivo registo de propriedade.
84 As recorridas responderam que dos documentos juntos aos autos e prova testemunhal é possível constatar que a autora se tornou proprietária do veículo findo o contrato de leasing, tais como a fatura do valor residual e o respetivo pagamento. Alegam ainda que a referida prova não exige prova pelo título de propriedade.
85 A forma como o facto foi dado como provado está concordante com a prova produzida, designadamente pelo teor dos documentos 43 e 44 conjugados com o depoimento da testemunha SB.
86 Nessa medida, a questão da necessidade do título do registo de propriedade não se coloca. A prova da aquisição mostra-se realizada. Não se trata de prova vinculada, mas sim de prova de livre apreciação.
87 Diz ainda a recorrente que, relativamente aos três veículos, não foi feita demonstração de pagamentos, pelo que não podia o tribunal de primeira instância ter considerado provados estes factos.
88 As recorridas discordam da conclusão alegando que a prova se mostra feita.
89 A forma como o facto foi dado como provado está concordante com a prova produzida nos documentos 43 a 45 conjugados com o depoimento da testemunha SB.
90 O argumento da recorrente, de que não poderiam tais factos dar-se como provados, por falta de documentos referentes ao pagamento não colhe, porque a referida prova não é vinculada. É suficiente para demonstrar o pagamento, a análise dos documentos já referidos analisados conjugadamente com a prova testemunhal produzida.
91 Improcede, assim, o pedido de remoção dos factos citados, do elenco dos factos provados.
92 Ainda em relação ao veículo …, diz a recorrente que houve uma rescisão antecipada do contrato em 11.04.2008, por força de um acidente, tendo sido emitida uma fatura relativa a tal rescisão no valor de EUR 10.972,15 pelo que, conclui, que os pagamentos tendentes à aquisição da viatura não foram feitos, inviabilizando a prova do facto respeitante a esta viatura.
93 A recorrida respondeu que a prova produzida foi condizente com a conclusão alcançada pelo tribunal.
94 Assim também se nos afigura. A argumentação da recorrente de que este veículo não foi pago, por ter sido interveniente em acidente não tem suporte substanciado na prova produzida. A testemunha SB conjeturou essa possibilidade, como também conjeturou poder ter havido rescisão antecipada por os custos de manutenção serem muito elevados. Nada de concreto referiu quanto ao sucedido a esta viatura.
95 A rescisão antecipada também não demonstra que o preço não tenha sido pago. Demonstra apenas que o final do contrato foi antecipado e que o valor pedido pela empresa com a qual foi celebrado o contrato de financiamento foi pago nos termos solicitados.
96 Afigura-se, pois, que à luz da prova produzida, o tribunal de primeira instância decidiu acertadamente.
Ponto 1.2. - Factos n.º 55 b., 56 b., 63 b., 64 b., 68 a., 73 b., 77 b., 78 b., e 79 b.
97 Diz a recorrente que os factos supra identificados não resultam provados.
98 Justifica que os veículos em causa dispunham de superestruturas fabricadas por terceiros cujo preço não foi considerado pelo tribunal.
99 As recorridas responderam que os factos se mostram concordantes com a prova produzida.
100 Na sua impugnação dos factos, a recorrente refere que os factos que enumera não deviam ter-se por provados. Porém, em seguida desenvolve a sua argumentação no erro de julgamento do tribunal quanto à desconsideração dos valores das superestruturas dos camiões.
101 Nesta decisão quanto à matéria de facto, importa apenas valorar o acerto da convicção do tribunal face à prova produzida, reapreciando-a se for caso disso.
102 Ora, da leitura do teor dos documentos referentes a cada uma das viaturas em causa, verifica-se que o tribunal valorou corretamente os documentos e fez constar na matéria de facto os preços de aquisição concordante, sendo que nos casos em que esses preços incluíram extras, referiu a sua existência (casos dos veículos …). Nos casos em que não fez a alusão expressa aos extras no preço de aquisição (caso das viaturas de matrícula …), foi porque a prova documental não permite assim concluir. O facto de os livretes “sugerirem” (como refere a própria recorrente) a existência de extras nos veículos …; ou o facto dos veículos … terem extras não afeta o que foi dado como provado face aos documentos. Isto é, que o valor de aquisição foi o valor sem os extras, conforme resulta dos documentos, que, neste caso, omitem a presença de extras.
103 Assim, não há qualquer erro a apontar à convicção do Tribunal sendo certo que, face ao teor da prova produzida, é também a nossa.
104 A questão do erro de julgamento não tem assento nesta sede de tratamento da matéria de facto.
Ponto 1.3. - Factos 80 a 83.26
105 O tribunal de primeira instância considerou provados os seguintes factos:
(80) A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões, aumentou, de forma ilícita, intencional, coordenada e continuada, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17/01/1997 a 18/01/2011.
(81) Tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos, tendo a Ré fixado um preço superior àquele que seria devido, caso não tivesse ocorrido a referida conduta ilícita.
(82) O aumento do preço fixou-se num mark-up (Diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de cartel e o valor que deveria ser
cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo) de preço de, pelo menos, 15,4% por veículo.
(83) A Autoras, ao pagarem os preços mencionados para aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, nos seguintes valores, correspondentes a 15,4% do preço de compra de cada veículo, atualizado a preços constantes do ano de 2011, com base no deflator do PIB disponibilizado pelo Banco de Portugal (e, consequentemente, os subpontos deste, em que são especificados os montantes por veículo).
106 O tribunal de primeira instância fundou a convicção quanto a esta matéria na decisão da Comissão Europeia e nos factos dela resultantes, tendo remetido a fundamentação da sua posição para a “subsunção dos factos ao direito aplicável, em conjugação com os pareceres técnico económicos juntos pelas partes, e da análise feita aos relatórios técnicos juntos pelas partes, com os esclarecimentos prestados na Audiência Final pelos seus subscritores, a saber: SJ, DC, CP, GR e demais testemunhas inquiridas”.
107 Na subsunção dos factos ao direito, o tribunal a quo concluiu por uma presunção de dano e, consequentemente, do nexo causal. Nos fundamentos de facto, para prova da quantificação do dano, o tribunal de primeira instância apoiou-se, essencialmente, no parecer técnico de SJ.
108 Com todo o respeito, discordamos de tais conclusões quanto à verificação do dano (incluindo nexo causal) e sua quantificação.
109 É a justificação dessa discordância que agora analisamos.
Prova do dano, nexo causal e quantificação do dano - Presunção de dano
110 No seu raciocínio em apoio da presunção de dano, o tribunal de primeira instância utilizou essencialmente duas linhas argumentativas que aplicou conjugadamente: (i) a aplicação do princípio europeu da efetividade; e (ii) a consequência, naturalmente lógica, da produção de danos da conduta em causa sancionada pela decisão da Comissão Europeia.
111 Acontece que a interpretação do tribunal de primeira instância quanto à presunção de dano não encontra eco no regime das presunções consagradas na legislação nacional aplicável, ou seja, que não correspondem à transposição de disposições substantivas da Diretiva.
(i) a aplicação do princípio europeu da efetividade
112 Nota-se que o tribunal de primeira instância alude igualmente aos princípios da equivalência e do primado do direito europeu, mas sem grande relevância para os aspetos do caso em análise. Assim, nesta decisão, limitar-nos-emos a abordar o princípio da efetividade.
113 O tribunal de primeira instância entende que o direito nacional deve respeitar os requisitos do princípio da eficácia ou efetividade. Isto é, diz o tribunal, o direito nacional não deve tornar o exercício dos direitos conferidos pelas normas da UE excessivamente difícil ou impossível na prática tal como se extrai da jurisprudência do TJ, incorporada na Comunicação da Comissão que publicou o Guia Prático em 2013 e na própria Diretiva de Indemnizações (leia-se o considerando 46. e o disposto no artigo 4.°). E esta asserção, no nosso entender, mostra-se bastante para que, não obstante a não aplicabilidade ao caso do n.º 2 do artigo 17.º da Diretiva, se possa/deva presumir o dano advindo da infração em causa, quando nos encontramos diante de uma prática cartelizada que, por regra, na maioria dos casos, dá origem a um aumento de preços ou impede a descida de preços que, de outro modo, ocorreria na sua ausência (leia-se o considerando 47. Da Diretiva). Com efeito, considerando a descrição da infração em causa acordos colusórios sobre os preços e aumento de preços brutos no EEE para camiões e sobre o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissões para camiões médios e pesados exigidos pelas normas EURO 3 a 6 e o período de tempo em que a mesma perdurou de 17/01/1997 a 18/01/2011, não se alcança outra conclusão se não a de que desta resultaram danos passados ao longo da cadeia vertical até aos adquirentes dos camiões, no caso, até a cada um das Autoras.
114 O princípio da efetividade - que, no domínio do private enforcement, como vimos, visa garantir que as normas nacionais não tornam praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à reparação integral dos danos causados por infração ao direito da concorrência - não pode ser utilizado para aplicar uma presunção, ou contribuir para a sua aplicação, aos casos que a própria Diretiva entendeu não ser aplicável (por se tratar de norma substantiva, como o tribunal bem considera).
115 O princípio da efetividade deve, sim, nortear a atuação do intérprete das normas nacionais, garantindo que essa interpretação não prejudica os direitos reconhecidos pelas normas da União Europeia. Na análise, cabe ao intérprete buscar a norma nacional aplicável e verificar se, e em que medida, a mesma é suscetível de afetar a garantia dos direitos conferidos pelo direito comunitário. Só após este exercício, na medida em que confirme tal prejuízo, e depois esgotados outras normas e princípios de direito nacional que resolvam a questão, deve o tribunal convocar e aplicar o mencionado princípio.
116 Em conclusão, nesta decisão, e no contexto assinalado, afastamos a aplicação do princípio da efetividade para presumir a verificação dos danos das apeladas, porque não está reconhecida, nem justificada, a incapacidade do direito nacional para tutelar os direitos reconhecido, e porque aquele princípio não pode funcionar como uma “via direta” para a aplicação de uma presunção de dano decorrente da Diretiva a uma situação que esta expressamente exclui.
(ii) a consequência naturalmente lógica da produção de danos da conduta em causa.
117 Na segunda linha de argumentação do tribunal de primeira instância, afigura-se que terá sido estabelecida uma presunção judicial com base na decisão que concluiu pelo dano com fundamento na decisão da Comissão, conjugada com “regras de experiência”, com as decisões do TJUE e com o Guia Prático da Comissão.
118 O Tribunal entendeu, em suma, que:
• A infração consistiu em acordos colusórios sobre a fixação de preços e os aumentos dos preços brutos dos camiões no EEE; e o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissões no caso dos camiões médios e pesados exigida pelas normas EURO 3 a 6.
• Estes acordos colusórios incluíram acordos ou práticas concertadas sobre a fixação de preços e os aumentos brutos de preços, com o objetivo de alinhar os preços brutos no EEE e o calendário e a repercussão de custos para a introdução das tecnologias de emissões exigida pelas normas EURO 3 a 6.
• Ao trocar os preços brutos correntes e as tabelas de preços brutos, juntamente com outras informações obtidas através de inteligência de mercado, os Destinatários podiam estimar melhor os preços líquidos aproximados da sua concorrência.
• Pontualmente, os participantes, incluindo os representantes das Centrais/Sedes de todos os Destinatários, abordaram os preços líquidos de alguns países.
• Normalmente não se trocavam preços líquidos nem aumentos de preços líquidos.
• Os destinatários substituíram conscientemente os riscos inerentes à concorrência pela cooperação entre eles.
• O único objetivo económico anticoncorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respetivos Destinatários e, em última análise, a reação dos clientes no mercado.
• Uma vez que o preço é um dos principais instrumentos de concorrência, os acordos visavam restringir a concorrência de preços na aceção do artigo 101 do TFUE, não é necessário analisar os seus efeitos reais no mercado.
• Tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos sobre o mercado são consideráveis.
• O tribunal geral já tomou posição no processo Scania (fabricante de camiões também considerada em momento posterior como participante dos acordos colusórios em causa) de que que os acordos e a concertação por vezes também afetaram os preços líquidos e as modificações de descontos para clientes e de que determinados acordos colusórios "pelo objeto" como os de fixação horizontal de preços, são tão suscetíveis de ter efeitos negativos, em particular sobre o preço, quantidade ou qualidade dos bens e serviços, que pode ser considerado redundante (...) demonstrar que têm efeitos reais no mercado. A experiência demonstra que tal comportamento leva a quedas da produção e a aumentos de preços, o que pode levar a uma má alocação de recursos em detrimento, em particular, dos consumidores.
• De acordo com o guia prático da comissão, a obtenção da plena reparação do dano sofrido, parte da ideia de que o mero facto de as empresas participarem num cartel, apesar dos riscos que isso implica (multas e reparação de danos),"indica que esperam obter benefícios substanciais das suas ações, ou seja, que o cartel produza efeitos no mercado e, por conseguinte, nos seus clientes”.

119 O tribunal de primeira instância alcançou então a seguinte conclusão: Por tudo o acabado de expor, em síntese, somos a adotar o entendimento de que a conduta sancionada "pelo objeto", o cartel constatado, gerou um dano sob a forma de sobrecusto para os adquirentes dos camiões, conforme, desde logo, decorre da sua descrição na Decisão sancionatória.

120 Não podemos, com todo o respeito, acompanhar a decisão do tribunal de primeira instância, de que a partir dos elementos que conhecemos, o dano foi necessariamente verificado. Isto é, de que a partir dos factos base de suporte indicados pelo tribunal de primeira instância, designadamente: a conduta sancionada pela Comissão de acordos colusórios de alinhamento de preços, aumentos de preços brutos, trocas de informação de preços brutos, pontual abordagem de preços líquidos de alguns países e o reconhecimento de que o preço é um dos principais instrumentos de concorrência, se presume, sem mais, o facto desconhecido: o dano.

121 A inferência lógica entre o facto base e o facto presumido deve estabelecer-se à luz de regras gerais, globalmente válidas e aceites, alicerçada em fundamentos seguros dos quais decorra uma causalidade incontestada de forma universal ou maioritária, pelo menos no domínio técnico da matéria em causa - no caso em análise, aceita-se que tais regras, que estabelecem relações de causa-efeito, sejam extraídas da teoria económica, como princípios de normalidade da vida dos agentes económicos.

122 Só o nexo lógico, firmemente alicerçado, pode completar o espaço que se situa entre o facto conhecido e o facto desconhecido, que se quer presumir. E esse nexo lógico deve ser estabelecido com os factos do caso concreto e nas circunstâncias do caso concreto.

123 São esses fundamentos, seguros e concretos, do mercado e das circunstâncias em causa, que não divisamos nos elementos carreados para os autos. No contexto da natureza do mercado em causa, o juízo de presunção exige considerar fatores explicativos complexos do mercado específico dos camiões, como a circunstância de se tratarem de produtos heterogéneos, com componentes de proveniência diversa, sujeitos às respetivas regras de mercado com características próprias; considerar esse mercado no contexto das condições macroeconómicas verificadas no período e com o tempo de duração da infração; ponderar o fenómeno da repercussão, com as particulares dificuldades que apresenta e que se acentuam, tornando-a mais difícil e difusa, quanto maior for o distanciamento do lesado na cadeia de distribuição face ao lesante.

124 Não é suficiente a aplicação da teoria económica ou de princípios gerais, sem que os mesmos sejam integrados pela realidade do caso concreto. Ou da decisão SCANIA, cujos contornos são diversos dos desta ação, apesar de reconhecer-se que visou a mesma prática.

125 No presente caso, os elementos concretos destes autos não sustentam qualquer automatismo inferencial lógico na relação entre a prática da infração e o sobrecusto sofrido pelas apeladas. Designadamente,

i. Afigura-se que a prova de natureza técnica – relatórios dos professores de economia juntos pelas partes – não se revelou suporte suficiente para o estabelecimento da necessária relação causal entre o facto base e o presumido, na medida em a divergência manifestada é precisamente contrária ao funcionamento correto do regime presuntivo – que deve fundar-se em regras gerais, universalmente válidas e aceites, alicerçada em fundamentos seguros dos quais decorra uma causalidade incontestada de forma universal ou maioritária.

ii. A decisão da Comissão traduz a informação de que ocorreram acordos colusórios de fixação e aumento de preços com o objetivo de alinhar os preços brutos no EEE e o calendário e a repercussão de custos para a introdução das tecnologias de emissões exigida pelas normas EURO 3 a 6. Mas o reconhecimento desta realidade, per se, não nos conduz, de forma automática, à conclusão de que se verificou um sobrecusto na aquisição dos camiões. Nem mesmo recorrendo aos argumentos das decisões do TJ citadas na sentença – de que o aumento de preços brutos se reflete sempre nos preços líquidos, ou de que os acordos colusórios por objeto têm sempre efeitos negativos sobre o preço, que se repercutem ainda que existam descontos – porque esses argumentos estão inseridos em contexto que não se pode replicar, sem mais, no presente caso, nem se mostram analisados nas circunstâncias concretas deste caso. Seria uma solução demasiado simples sem respaldo na complexidade já evidenciada.

126 O que fica dito não afasta o reconhecimento de que as inferências lógicas são, na maioria dos casos, a única forma de alcançar uma resposta para as questões referentes aos danos, em casos como estes. São necessárias e inquestionáveis como meio de específico de valoração de prova. O que questionamos, neste caso, não é, pois, a utilização de presunções, mas o seu suporte no caso concreto que analisamos, que nos parece insuficiente.

127 Em conclusão, e pelos motivos expostos, os factos provados e demais elementos juntos aos autos não sustentam a conclusão de presunção de dano alcançada.

128 Não obstante as considerações feitas, continuamos cientes de que, à luz do princípio da efetividade, não devem criar-se dificuldades no exercício dos direitos dos lesados. Pelo contrário, os processos devem ser concebidos e a lei aplicada, de modo a não tornar impossível ou excessivamente difícil tal exercício. O que é significativamente diferente de não aplicar o regime legal relativo à apreciação dos pressupostos de responsabilidade civil, potenciando o risco de verificação de situações de enriquecimento sem causa, igualmente não pretendidas pelo legislador europeu.

129 Alcançar o equilíbrio na análise, a fim de obter o justo resultado no ressarcimento de danos, é, pois, muito complexo. Mas, ainda assim, deve ser feito, à luz dos elementos carreados e possíveis de carrear para os autos.

130 Em conclusão, o dano não está presumido nem, em consequência, o nexo causal.

Relatórios periciais

131 O tribunal de primeira instância fundou ainda a sua convicção, agora na vertente da quantificação dos danos, essencialmente no relatório do Professor CC e nos esclarecimentos deste em tribunal.

132 O Relatório do Professor CC resultou da análise através do método das duplas diferenças.

133 Não é questionado o método escolhido, que nos parece consentâneo com o que são as orientações da Comissão Europeia, considerando tratar-se de um método comparativo que, com os dados certos, tem a virtualidade de aproximar a análise do mercado real com o mercado que deveria ter-se verificado na ausência de infração.

134 Conforme resulta das orientações destinadas aos tribunais nacionais sobre a forma de calcular a parte dos custos adicionais repercutida nos adquirentes indiretos da Comissão Europeia, a que já aludimos, par. 85, “ o efeito do preço relacionado com a repercussão nas várias fases da cadeia de abastecimento pode ser calculado, estimando diretamente o aumento dos preços ou a variação das margens que resultou do impacto do custo adicional inicial. Ao apreciar se um custo adicional é repercutido do adquirente direto, este método compara o preço estabelecido pelo adquirente direto durante o período da infração com o preço estabelecido no(s) mercado(s) de comparação (ênfase aditada).

135 Neste método, o que se pretende medir é a diferença do grupo alvo, face ao grupo de controlo com características idealmente similares. Medir em quanto foi diferente o valor do grupo alvo face ao que teria sido a tendência do grupo de controlo, se a tivesse seguido.

136 É por isso que, face ao que nos parece ser o modo de funcionamento do modelo comparativo, no relatório em causa não se mostra suficientemente explicado porque motivo o autor fez a comparação do mercado de controlo face ao da infração e não o contrário. Afigura-se, salvo melhor opinião, até suportado pelas orientações da Comissão Europeia mencionadas, que o mercado da infração é que deve ser comparado com o de controlo e não o inverso. Este ponto não é irrelevante, na medida em que a perspetiva de abordagem pode apresentar resultados diametralmente opostos.

137 Se não, vejamos.

138 Os resultados alcançados pelo estudo foram os seguintes:
Mercado infração - 1997 a 2011 – preço médio de veículo 10,402.
- 2012 – 2017 – preço médio de veículo 10,767.
Mercado de controlo - 1997 a 2011 – preço médio de veículo 10,524.
- 2012 – 2017 – preço médio de veículo 10,746.

139 Ora, afigurando-se-nos, como referido, que o que importava determinar era a variação de preço no mercado da infração face ao mercado de controlo, verifica-se que de acordo com os valores do estudo, no período correspondente à infração, o mercado dos veículos da infração tinha um preço médio 0,122 mais baixo do que mercado de controlo (ou seja - 0,122 = 10,402 – 10,524) e inverteu esta relação no período pós-infração, passando a ter um preço médio 0,021 mais alto (+0,021 = 10,767 – 10,746). Aplicando a dupla diferença, deveríamos chegar a - 0,143 (= -0,122 – 0,021).

140 A conclusão do relatório foi inversa, por ter comparado o mercado de controlo com o da infração.

141 Este aspeto foi apontado, ainda que sem profundidade, no relatório de refutação do Prof. GR (da ré). Acontece que, ouvidos os depoimentos prestados em julgamento, não se vê que esta questão tenha sido esclarecida. E, face ao exposto, parece se impunha, com vista a perceber o motivo da comparação ter sido estabelecida dessa forma. Isto é, entre o mercado de controlo e o da infração e não entre o mercado da infração e o de controlo.

142 Sem prejuízo, e com maior relevância, afigura-se que o relatório não abrange todas as variáveis que a prova dos danos requer e que estão no âmbito da repercussão, objeto deste processo.

143 É que a análise feita foi apenas por referência a preços de mercado. Não fez a ligação dos preços brutos, aos preços líquidos de venda ao importador (Auto-Sueco), nem destes aos preços de venda às AA. Isto é, o relatório considerou apenas o preço de mercado pelo qual a Auto-Sueco terá vendido às AA (não ponderou quaisquer outras possíveis variáveis de mercado que pudessem ter interferido no preço ao longo da cadeia de distribuição).

144 Assim, as conclusões do relatório não podem ser assumidas, sem mais, para prova da quantificação dos danos.

145 Por outro lado, o relatório do Professor GR também não permite com suficiente segurança concluir pela ausência de dano, sendo válidas, quanto às conclusões do mesmo, as considerações do tribunal de primeira instância.

146 Em conclusão, a matéria de facto dos pontos 80 a 83 não pode ser considerada provada, nos termos em que o foi.

147 Tendo a decisão de facto do tribunal de primeira instância sido direcionada pela presunção de dano e nexo causal, que agora se afastou, e pelas conclusões do relatório que manifesta as dificuldades apontadas, importa extrair as necessárias consequências concretas.

148 Quanto ao ponto 80 dos factos provados, é necessário alterar o teor da matéria provada. Quanto aos pontos 81 a 83, atento o que ficou exposto, importa determinar nesta parte a anulação da decisão do tribunal de primeira instância, com consequente necessidade de ampliação da matéria de facto, imposta pelo vazio fáctico verificado, decorrente do afastamento do suporte argumentativo do tribunal a quo, e pela decisão que adiante incide sobre os factos não considerados relevantes pelo tribunal de primeira instância, que a apelante entende deveriam ter sido considerados provados.

Ponto 80
149 A decisão da Comissão Europeia junta aos autos deve ser apreciada por este tribunal à luz do disposto no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, nos termos do qual "quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 81.° ou 82.° do Tratado que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão".

150 Com efeito, tendo a Comissão Europeia competência para adotar decisões ao abrigo do disposto nos artigos 101.° e 102.°, do TFUE e não estando pendente/não tendo sido interposto recurso dessa decisão perante o TJUE que possa determinar a suspensão da presente instância, quando um órgão jurisdicional se pronuncia, como é o caso, sobre um acordo ou uma prática cuja compatibilidade com os artigos 101.° ou 102.°, do TFUE já foi objeto de uma tal decisão da Comissão, não pode tomar decisão contrária à da Comissão - Cf. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, C- 344/98, par. 60.

151 Da decisão da Comissão foram extratados os excertos mencionados nos pontos 35 e 36 dos factos provados, dos quais se pode retirar que a comissão europeia concluiu que existiram trocas de informações sobre tabelas de preços brutos (leitura conjugada dos pontos 46, 50, 51, 52 e 54 da decisão da comissão europeia) e aumentos de preços brutos resultantes de práticas concertadas (leitura conjugada dos pontos 50, 51 e 52). Ao que acresce a posição da ré na sua contestação, designadamente nos pontos 220 a 256 da contestação, ao reconhecer, não só a interpretação constante da jurisprudência do TJUE acima mencionada, como que as condutas em causa "se relacionam predominantemente com-meras trocas de informação de listas de preços brutos e de aumentos de preços brutos" (ênfase aditada).

152 Em face destes elementos, é seguro concluir que a ré participou nos acordos e trocas de informação nos precisos termos e pelos períodos temporais que estão descritos na decisão da Comissão Europeia e assim determinar que a redação do ponto 80 da matéria de facto passe a ser a seguinte:
A ré participou nos acordos e nas trocas de informações descritos na decisão da Comissão Europeia junta aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida, nos preciso termos e períodos temporais aí mencionados.

Pontos 81 a 83.26

153 O artigo 662.°, n.° 2, al. c), do Código de Processo Civil determina que o Tribunal da Relação deve (c) anular a decisão proferida na 1- instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

154 Verificando-se que a ampliação da matéria de facto é insuprível por este tribunal de recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 662.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, dado o vazio instrutório que resultou, particularmente das presunções legais adotadas, importa anular a decisão do tribunal de primeira instância e determinar a devolução dos autos, a fim de serem apurados os factos, de suporte dos pressupostos de responsabilidade civil em causa - respeitantes ao dano e sua quantificação e nexo causal.

155 Deverão, pois, os autos retomar a fase instrutória para apuramento de factos relativos ao dano e sua quantificação, e ao nexo causal, devendo a decisão de facto refletir as conclusões da instrução a realizar, à luz do que foram os temas de prova definidos nesta matéria. A saber: os factos relativos aos nexos de causalidade e os factos relativos à existência de danos, incluindo a alegada repercussão dos sobrecustos dos camiões para os preços pagos pelas autoras. Em concreto:
- Verificação de dano e do nexo causal - um sobrecusto da Volvo para a Auto- Sueco e de um sobrecusto da Auto-Sueco para as autoras, por força da infração
- Quantificação do dano.

156 É reconhecido que a prova a fazer é de natureza complexa. Tal já ficou evidenciado ao longo desta decisão. É também reconhecido, no contexto do private enforcement, que a prova não deve ser tão difícil que inviabilize o ressarcimento de danos e não deve ser inexistente de forma a levar a situações de enriquecimento sem causa.

157 As dificuldades reconhecidas no apuramento da verificação dos danos e sua quantificação e nexo causal, à luz do que são as considerações da Diretiva e das Orientações, que visam apontar soluções de abordagem para o seu tratamento, sugerem, de forma veemente, a necessidade de realização de prova imbuída de tecnicidade.

158 Estamos conscientes de que ambas as partes apresentaram nos autos prova de natureza técnica, através dos relatórios e depoimentos de economistas. Porém, essa prova não coincidiu, por um lado, e revelou as dificuldades já apontadas, por outro.

159 Reconhecendo que o nosso regime legal permite a realização de prova pericial colegial por iniciativa do tribunal - como resulta do disposto nos artigos 411.°, 468.°, n.° 1, al. a) e ss., do Código de Processo Civil -, afigura-se que este é o meio de prova que, no contexto das dificuldades decorrentes da tecnicidade evidenciada, por um lado, e do litígio que profundamente separa as partes na abordagem da questão, por outro, de forma mais equilibrada e seguramente mais consentânea com os princípios da efetividade previstos na Diretiva, permitirá aquilatar das questões em causa, conforme objeto e definições que serão indicados adiante nesta decisão.

Quanto ao ponto 2
160 A apelante entende que não foram considerados provados factos que deveriam ter sido (cf. em concreto o elenco de matéria que a apelante pretende ver aditada nos pontos 400, 446, 476, 504 e 508 das suas alegações).

161 Em síntese, invoca que o tribunal desconsiderou factos que ficaram demonstrados, face à prova produzida, por considerar que tais factos consubstanciam matéria "irrelevante para a boa decisão da causa".

162 Tal omissão apresenta-se, em particular, no que respeita: (i) às características técnicas dos camiões; (ii) ao processo de negociação e fixação dos preços dos camiões; (iii) à cadeia de comercialização dos camiões em Portugal durante o período da Infração; (iv) às características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da Infração; e (v) ao contexto da diferença entre preços brutos de tabela e preços de venda.

163 A assunção feita pelo tribunal de primeira instância da desnecessidade de valorar os factos em causa, face à prova produzida, baseou-se na interpretação que fez da presunção de dano, que foi aqui afastada.

164 Pelo que, também não podemos acompanhar quanto à irrelevância destes factos.

165 Em consequência, a prova produzida quanto a esta matéria deverá ser devidamente valorada, à luz da prova produzida e também, justificando-se, do que vierem a ser as conclusões decorrentes da prova pericial a produzir.

Síntese Conclusiva e Perícia

166 Em conclusão, à luz do que ficou exposto:

1. O facto 54 deverá passar a ter a seguinte redação:
A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu os veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas …. No mesmo período acordou a celebração de contratos de locação financeira relativamente aos veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas ….

2. O facto 65 deverá passar a ter a seguinte redação:
A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu quatro veículos da marca VOLVO, no estado de novos, com mais de 6 toneladas, com as matrículas …. No mesmo período acordou a celebração de contrato de locação financeira relativamente ao veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ….

3. O facto 70 deverá passar a ter a seguinte redação:
A Autora, entre 1997 e 2011, adquiriu o veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula …. No mesmo período, acordou a celebração de contrato de locação financeira relativamente ao veículo da marca VOLVO, no estado de novo, com mais de 6 toneladas, com a matrícula ….

4. O facto 80 deverá passar a ter a seguinte redação:
A ré participou nos acordos e nas trocas de informações descritos na decisão da Comissão Europeia junta aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida, nos preciso termos e períodos temporais aí mencionados.

5. Os factos n.° 51, 52 e., 53 b., 55 e., 56 e., 57 e., 58 e., 59 b., 60 e., 61 e., 62 b., 63 e., 64 e., 66 b., 67 b., 68 b., 69 e., 71 e., 72, 73 e., 74, 75 b., 76, 77 e., 78 e., 79 e os factos n.° 55 b., 56 b., 63 b., 64 b., 68 a., 73 b., 77 b., 78 b., e 79 b devem manter-se inalterados, como provados pelo tribunal de primeira instância. Bem assim, os demais factos que não foram objeto desta decisão de recurso, sem prejuízo do referido no ponto seguinte.

6. No mais, a decisão do tribunal de primeira instância deve ser anulada e os autos devolvidos ao tribunal de primeira instância para reapreciação das questões de facto relativas ao dano, ao nexo causal e à quantificação do dano, à luz da prova que for produzida por força das diligências instrutórias complementares, a realizar por perícia colegial, nos termos adiante determinados, e demais prova produzida, em conformidade com o exposto nesta decisão. Deverá ser observado o disposto no artigo 662.°, n.° 3, als. b) e c) - se necessário podem ser apreciados outros pontos da matéria de facto para evitar contradições.

7. Na nova decisão a proferir, o tribunal de primeira instância deverá ainda apreciar a matéria de facto que a apelante pretende ver aditada nos pontos 400, 446, 476, 504 e 508 das suas alegações, à luz da prova já produzida e, se assim o entender justificadamente, daquela que resultar, da perícia a realizar.

8. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

9. O objeto da perícia deverá ser fixado da seguinte forma (sem prejuízo de questões que as partes, em exercício de contraditório, considerem necessárias e que o tribunal de primeira instância entenda justificarem-se):
• Nota-se que a elaboração das questões considerou o documento da EU : https://ec.europa.eu/competition/antitrust/legislation/best_practices_s ubmission_en.pdf
• Nota-se ainda que a elaboração das questões visou ultrapassar dificuldades inerentes à prova, decorrentes não apenas da complexidade da matéria em análise, como também da circunstância da antiguidade do tempo da prática dos factos. Nessa medida, considera-se, por exemplo, a opção de encontrar valores médios ou elementos de apoio para a melhor solução quanto às questões de facto a apurar.
Questões:

1 - Preços brutos da ré Volvo
1.1. Considerando que resulta da decisão da Comissão Europeia (Par. 50) que ocorreram acordos colusórios que incluíram atribuição de preços e aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no Espaço Económico Europeu, qual foi a variação percentual da média dos preços brutos de tabela da ré, relativos aos camiões com as caraterísticas dos que são objeto de análise, no período entre janeiro de 1997 e janeiro de 2011, face à média de preços dos 5 anos anteriores a 1997?
1.2. E face à média de preços do período subsequente a janeiro de 2011, até 2017?
1.3. Caso não tivessem ocorrido os acordos aludidos acima, quais seriam aquelas variações percentuais, face aos dois períodos mencionados (em 1.1. e 1.2.)?

2 - Preços de venda dos camiões da ré Volvo à Auto-Sueco
2.1. Os preços médios pelos quais a ré Volvo vendeu à Auto-Sueco camiões com as caraterísticas dos que são objeto de análise, variaram no período entre janeiro de 1997 e janeiro de 2011, face aos 5 anos anteriores a 1997?
2.2. E face aos anos subsequentes a janeiro de 2011, até 2017?
2.3. Se sim, em que percentagens?
2.4. No caso da variação aludida em 2.1 a 2.3 ser positiva (correspondente a um aumento de preços), existem outros fatores, diferentes do aumento dos preços brutos referidos nas questões do ponto 1, designadamente fatores de mercado ou outros aspetos económicos, que possam ter contribuído para as respostas aos pontos 2.1, 2.2?
2.5. Se sim, quais e, nesse caso, quais as percentagens referidas no ponto 2.3, corrigidas?

3 - Preços de venda dos camiões pela Auto-Sueco às Autoras
3.1. Os preços médios pelos quais a Auto-Sueco vendeu camiões com as caraterísticas dos que são objeto de análise em causa nos autos, variaram no período entre janeiro de 1997 e janeiro de 2011, face aos 5 anos anteriores a 1997?
3.2. E face aos anos subsequentes a janeiro de 2011, até 2017?
3.3. Se sim, em que percentagens?
3.4. No caso da variação aludida em 3.1 a 3.3 ser positiva (correspondente a um aumento de preços, existem outros fatores, diferentes dos aumentos dos que possam ter ocorrido e referidos nos pontos 1 e 2, designadamente fatores de mercado ou aspetos económicos que possam ter contribuído para as respostas aos pontos 3.1 e 3.2?
3.5. Se sim, quais e, nesse caso, quais as percentagens referidas no ponto 3.3, corrigidas?

9.1. Ainda em relação à realização da perícia, deverão os senhores peritos ter em consideração:
■ Designadamente, a decisão da comissão europeia e as Orientações da Comissão Europeia, de 2013 a de 2019 sobre cálculos de danos.
■ Que as questões a responder referem-se apenas a camiões de média tonelagem (com peso situado entre 6 a 16 toneladas) e camiões pesados (com peso superior a 16 toneladas).
■ Que, na impossibilidade de obter informação relativa aos períodos solicitados, deverão considerá-la relativamente ao maior número de anos possíveis, especificando.
■ Que, na impossibilidade de consultar todos os registos, poderão utilizar valores por amostragem, justificando as opções e especificando as margens de erro que possam existir.
■ Que, na impossibilidade de serem alcançadas respostas de um valor determinado, as respostas deverão ser, justificadamente, por estimativa, se necessário, fixando limites mínimos e máximos.
■ Que deverão ser salvaguardados segredos de negócio ou escrituração, eventualmente pela adoção de compromissos de confidencialidade, ou outro meio considerado idóneo pelas partes, ou pela Auto-Sueco. Sem prejuízo, tratam-se de empresas que são sociedades anónimas, com relatórios e contas públicas.
■ Que deverão solicitar e obter as informações relevantes, se necessário com intervenção do tribunal, nos termos legais.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes deste tribunal em:
Julgar parcialmente procedente o recurso e em conformidade:
- Alterar os factos constantes dos pontos 54, 65, 70 e 80 da matéria de facto que passam a ter a redação aludida no ponto 166 desta decisão;
- Anular parcialmente a decisão recorrida quanto às respostas dadas aos factos 81 a 83.26;
- Devolver os autos ao Tribunal de primeira instância para que:
• Ordene a realização de perícia colegial, nos termos indicados no ponto 166 do presente acórdão, ouvindo previamente as partes sobre o objeto da perícia ali enunciado e fixando em seguida o que se mostrar adequado.
• Amplie a matéria de facto de modo a incluir no seu elenco os factos controvertidos constantes pontos 400, 446, 476, 504 e 508 das alegações da apelante.
• Repita o julgamento sobre a matéria de facto cuja ampliação foi ordenada e sobre a matéria de facto constante dos factos 81 a 83.26, proferindo nova decisão.
- Manter, no mais, a decisão sobre a matéria de facto sem prejuízo do disposto no artigo 662.° n.° 3 - c) do CPC
Custas pelas apeladas.

Lisboa, 12 de setembro de 2023.
Data e assinatura apostas e certificadas eletronicamente.
Rute Lopes
Paula Pott
Ana Mónica Pavão