EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
REVOGAÇÃO
PREJUÍZO PARA OS CREDORES
Sumário

1 – Existe a obrigação de entrega imediata ao fiduciário de qualquer quantia recebida que integre rendimentos objecto de cessão, por impulso do insolvente e sem necessidade de intervenção directora do Tribunal ou do administrador judicial nomeado para fase de exoneração do passivo restantes.
2 – A gravidade das consequências para o devedor da revogação da exoneração – com a consequente vinculação à satisfação integral de todos os créditos sobre a insolvência – impõem, por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, que aquela revogação só possa fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que seja causa de um dano relevante para os seus credores, objectivamente imputável àquela conduta, ainda que o fundamento jurídico da decisão esteja indexado à violação do dever de colaboração devido.
3 – A relevância do prejuízo para os credores da insolvência da violação dolosa, pelo insolvente, da sua obrigação de entrega do rendimento disponível, deve aferir-se pelo quantum do valor desse rendimento e do não cumprimento daquela prestação, pelo valor global dos débitos do insolvente, pela natureza dos créditos e pela qualidade dos credores insatisfeitos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 1744/20.6T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J12
*
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
(…) foi declarado insolvente e requereu o procedimento de exoneração do passivo restante. Ao ser recusado a exoneração do passivo restante, o devedor veio interpor recurso.
*
Em 17/06/2020, (…) foi proferido despacho inicial relativo ao procedimento de exoneração do passivo restante e foi fixado como limiar do rendimento disponível individual o valor correspondente a um salário mínimo nacional, doze meses por ano.
*
Considerando o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi determinado o encerramento do processo.
*
Por despacho datado de 04/07/2022, o período de cessão foi reduzido para 3 anos.
*
Em 16/09/2021, o Fiduciário juntou aos autos informação anual de cessão (1º ano), onde consta que o insolvente deveria ter cedido o montante de € 1.851,06 e nada entregou.
*
Em 12/10/2021, o insolvente veio requerer o pagamento dessa dívida em prestações.
*
Em 11/07/2022, o Fiduciário juntou aos autos informação anual de cessão rectificado (2.º ano), onde consta que o insolvente deveria ter cedido o montante de € 1.806,06, nada tendo cedido relativamente a este ano.
*
Em 12/07/2022, o insolvente reformulou o plano de pagamento da dívida apresentado (1.º ano), incluindo nesse plano o pagamento da dívida relativa ao 2.º ano de cessão.
*
Em 30/06/2023, o Fiduciário juntou aos autos informação anual de cessão (3.º ano), de onde consta que o insolvente liquidou a dívida referente ao 1.º ano de cessão, pagou € 565,66 referente ao 2.º ano de cessão e acumulou uma dívida no montante de € 2.048,64, nada tendo cedido relativamente a este ano.
*
Por despacho datado de 25/09/2023 foi determinada a notificação do insolvente para regularizar a dívida de cessão, uma vez que esse período já havia terminado.
*
Findo o período de cessão, os credores “(…), Sucursal em Portugal da SA Francesa (…)” e “(…) Bank – Sucursal em Portugal” vieram pugnar pela não concessão da exoneração do passivo restante, uma vez que o insolvente, durante o período de cessão, incumpriu com o seu dever de entrega de valores à Fidúcia, não tendo regularizado a dívida de cessão.
*
O Fiduciário pronunciou-se, dizendo que nada tinha a opor à concessão, caso o insolvente regularizasse a dívida de cessão.
*
Em 02/10/2023, o insolvente propôs liquidar a dívida de cessão através da entrega mensal de € 100,00 e ainda com os subsídios de férias e Natal.
*
A 09/11/2023, o Fiduciário opôs-se, uma vez que o insolvente não requereu a prorrogação do período de cessão e a proposta apresentada levaria a que fosse concedido ao insolvente um prazo de 28 meses para regularizar a dívida de cessão.
*
Por despacho datado de 11/12/2023 foi determinada a notificação do insolvente para informar se poderia ceder o subsídio de Natal de 2023 e, na afirmativa, qual o seu montante.
*
Em 14/12/2023, o insolvente veio referir não que poderia ceder esse subsídio, uma vez que teve de utilizar esse montante em tratamentos médicos do seu cônjuge.
*
Por despacho datado de 07/03/2024 foi indeferida a pretensão do insolvente de pagamento em prestações.
*
Em 12/03/2024, o Fiduciário informou que o insolvente, do montante em dívida de € 3.289,04, pagou € 900,00, ficando em dívida o montante de € 2.389,04.
*
Em função disso, por decisão datada de 15/04/2024, foi recusada a exoneração definitiva do passivo restante de (…).
*
Em 19/09/2022, foi proferida a decisão recorrida, que, na parte mais relevante, tinha o seguinte conteúdo:
«(…) Verifica-se, assim, que a insolvente violou o dever imposto pelo disposto no artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
Assim, nos termos dos artigos 243.º, n.º 3 e 244.º do CIRE, não tendo o insolvente, sem motivo razoável, fornecido no prazo fixado, informação que comprove o cumprimento das suas obrigações, recuso a exoneração do passivo restante, liminarmente admitido».
*
O insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões:
«I – Nos autos de insolvência, contrariamente ao sustentado no douto despacho recorrido, e relativamente à apelante, não se encontram reunidos os requisitos previstos nos artigos 244.º, n.º 2 e 243.º, n.º 1, alínea a), do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, que sustentaram a não concessão da exoneração do passivo restante à mesma.
II – A divida à massa insolvente foi acumulada por força de despesas de saúde da esposa do insolvente por motivos de doença oncológica não atendidos pelo douto tribunal.
III – Foi, entretanto, regularizada pelo insolvente a divida acumulada no período da cessão sempre esteve o insolvente de boa fé, nunca ocultando quaisquer rendimentos e não usou da possibilidade de requerer o aumento do rendimento disponível ou prorrogação do período de cessão na expetativa de conseguir regularizar.
IV – Não houve prejuízo para os credores permitindo, a regularização do valor devido à massa insolvente, ao Sr. Fiduciário proceder aos pagamentos devidos aos credores.
V – Motivo pelo qual tal despacho de recusa da exoneração do passivo restante deve ser revogado e substituído por outro que conceda ao apelante a exoneração do passivo restante.
Tudo com as legais consequências.
O que se requer, por ser de Justiça».
*
Não houve lugar a resposta.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito ao apuramento se deve ser recusada a cessão do passivo restante.
*
III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa decisão da causa constam do relatório inicial quanto à tramitação processual e, bem assim, os seguintes:
1) O insolvente é casado sob o regime de separação de bens, sendo o seu agregado constituído por si e pelo seu cônjuge.
2) À data da declaração de insolvência, o Requerente encontrava-se reformado, auferindo cerca de € 700,00/mês.
3) A esposa do devedor foi também declarada insolvente no âmbito do processo registado sob o n.º 1743/20.8T8STB do Juízo de Comércio de Setúbal – J2 e era comerciante a retalho de produtos alimentares, explorando um minimercado.
4) Vivia numa casa cujo usufruto detinha, sendo a nua propriedade da mesma titulada pelos seus filhos.
5) Entretanto, já após a decisão em discussão, o valor que estava em dívida à massa fiduciária foi integralmente pago pelo devedor, por transferências bancárias efectuadas no dia 09/04/2024 no valor de € 250,00 e no dia 08/05/2024 na verba de € 2.139,04, mostrando-se regularizada a dívida.
*
IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações gerais sobre a exoneração do passivo:
Como se pode ler no Preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no que respeita aos insolventes singulares, procura-se conjugar de «forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica».
A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo[1]. Este instituto é igualmente tributário da Discharge da lei norte-americana (Bankruptcy Code).
O procedimento de exoneração do passivo restante encontra assento nos artigos 235.º a 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com particular enfoque no regime substantivo do instituto da cessão do rendimento disponível provisionado no artigo 239.º[2] do diploma em análise.
A exoneração do passivo restante traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento das condições fixadas no incidente[3] (à data cinco anos). Daí falar-se de passivo restante. Excepciona-se, contudo, as dívidas abrangidas pela estatuição do n.º 2 do artigo 245.º[4] [5].
Para além das obras genéricas relacionadas com o direito falimentar, sobre a problemática específica da exoneração do passivo restante podem consultar-se as posições de Luís Carvalho Fernandes[6] [7], Catarina Serra[8] [9], Adelaide Menezes Leitão[10] [11], Ana Filipa Conceição[12] [13], Alexandre Soveral Martins[14], Catarina Frade[15], Cláudia Oliveira Martins[16], Francisco de Siqueira Muniz[17], Gonçalo Gama Lobo[18] [19], José Gonçalves Ferreira[20], Mafalda Bravo Correia[21], Maria Assunção Cristas[22], Maria do Rosário Epifânio[23], Paulo Mota Pinto[24] e Pedro Pidwell[25].
*
4.2 – Da decisão recorrida:
A decisão recorrida estriba-se na seguinte premissa: «tendo em conta que o insolvente incumpriu em todos os anos de cessão a sua obrigação de entregar a parte dos seus rendimentos (apesar de ter regularizado a dívida do 1º ano e parte da dívida do 2º ano), entende-se que o mesmo agiu com negligência grave relativamente à referida omissão a qual prejudica a satisfação dos créditos sobre a insolvência, pois não permitem ao Sr. Fiduciário proceder aos pagamentos devidos aos credores».
As causas que fundamentam a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante vêm estatuídas nas alíneas do n.º 1 do artigo 243.º[26] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A decisão de cessação tem uma especificidade processual nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do presente artigo e isso implica que, antes de emitir decisão, o juiz oiça «o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência».
A alínea a) refere-se a comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessão, que envolvam violação dolosa ou com negligência grave das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do n.º 4 do artigo 239.º, desde que daí resulte prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência[27].
Pergunta-se assim se a violação da obrigação aqui em causa tem a susceptibilidade de integrar a previsão normativa estabelecida nos artigos 243.º, n.º 3, e 244.º[28] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas?
Em situação que entronca com a presente hipótese jurisdicional já escrevemos noutro acórdão proferido que «o eventual incumprimento da obrigação de entrega dos montantes que ultrapassem o salário mínimo mensal apenas pode ser imputado na esfera jurídica dos insolventes. Na realidade, os insolventes estão vinculados a um dever de informação, mostravam-se representados por mandatário forense – mesmo que esta relação tivesse sido interrompida ou que existissem dificuldades de comunicação com o advogado ou com o fiduciário – que, em caso de dúvida, deveria accionar os meios processuais adequados em ordem a perfectibilizar a ordem judicial prévia.
Não está demonstrado nos autos que existisse qualquer erro ou omissão do fiduciário e a obrigação é de depósito e não de mera comunicação de rendimentos»[29].
Existe a obrigação de entrega imediata ao fiduciário de qualquer quantia recebida que integre rendimentos objecto de cessão, por impulso do insolvente e sem necessidade de intervenção directora do Tribunal ou do administrador judicial nomeado para fase de exoneração do passivo restantes.
É fácil constatar que, inicialmente, o recorrente incumpriu o dever fundamental de entregar imediatamente ao fiduciário a parte dos rendimentos objecto da cessão, nos termos consagrados pela alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. No entanto, no segundo e terceiro anos regularizou parcialmente a dívida de cessão de rendimentos.
A jurisprudência constante dos Tribunais Superiores relacionada com a cessação antecipada do instituto da exoneração do passivo restante entende que a procedência da mesma exige a verificação de dois pressupostos: a reiterada existência de negligência grave ou dolo das suas obrigações e desse facto resultar prejuízo efectivo para a satisfação dos créditos.
Como adverte a jurisprudência mais eloquente, «ao não entregar ao fiduciário parte do seu rendimento, o apontado incumprimento não é susceptível de gerar, a se, a cessação antecipada requerida, porquanto esta pressuporia um comportamento doloso daquele, que tivesse sido causa de um dano relevante para os seus credores, e o nexo de imputação deste à conduta daquele»[30].
Concorda-se com a jurisprudência contida neste último aresto quando adianta que o mero incumprimento da entrega de quantias ao fiduciário, por banda do devedor, sem que se apure que o mesmo tenha sido doloso e que tenha causado prejuízo aos credores, não poderá sem mais conduzir à cessação antecipada ou à recusa da exoneração prevenida naquele segmento normativo.
Porém, já após a decisão de Primeira Instância, o recorrente regularizou integralmente a dívida em causa. E, nessa medida, deve aqui vigorar o princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três sub-princípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)[31].
A actividade interpretativa é levada a cabo por todos os Tribunais como é postulado no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa e, assim, nesta dimensão, devemos recorrer ao critério da interpretação conforme à lei fundamental, à luz do sobredito princípio da proporcionalidade.
Efectivamente, tal como já foi decidido pelos Tribunais Superiores, a gravidade das consequências para o devedor da revogação da exoneração – com a consequente vinculação à satisfação integral de todos os créditos sobre a insolvência – impõem, por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, que aquela revogação só possa fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que seja causa de um dano relevante para os seus credores, objectivamente imputável àquela conduta[32], ainda que o fundamento jurídico da decisão esteja indexado à violação do dever de colaboração devido.
Numa leitura segundo um critério de razoabilidade e de equidade a relação concretamente existente entre a carga coactiva e repressiva decorrente da medida adoptada e a circunstância de se mostrar integralmente paga a dívida impõe que, em face das circunstâncias do caso concreto, por razões supervenientes, se conceda a exoneração do passivo restante, julgando-se procedente o recurso interposto.
Ainda que assim não fosse, a relatada situação que motivou o incumprimento – doença oncológica de familiar – justificaria a ausência de elementos para formular um juízo de culpa, a título negligente, quanto à violação do dever de entrega dos rendimentos abrangidos pela cessão.
*
V – Sumário: (…)

*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, concedendo-se a exoneração do passivo restante.
Sem tributação. atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 27/06/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rosa Barroso
Canelas Brás
__________________________________________________
[1] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 320.
[2] Artigo 239.º (Cessão do rendimento disponível), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro:
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º.
2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada por fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
[3] Artigo 235.º (Princípio geral):
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo.
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição (actualizada de acordo com o Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro, e o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 848.
[5] Artigo 245.º (Efeitos da exoneração):
1 - A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º.
2 - A exoneração não abrange, porém:
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários e da segurança social.
[6] Luís Carvalho Fernandes, La exoneración del passivo restante en la insolvência de personas naturales en el Derecho Português, Revista de Derecho Concursal y Paraconcursal, n.º 3-2005.
[7] Luís Carvalho Fernandes, A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares no Direito Português, in Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de estudos sobre a insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, págs. 275 e seguintes.
[8] Catarina Serra, As funções do Direito da Insolvência no âmbito de life time contracts (breve reflexão), in Nuno Manuel Pinto Oliveira e Benedita McCrorie (coordenação), Pessoa, Direito e direitos, Braga, Direitos Humanos – Centro de investigação Interdisciplinar, Escola de direito da Universidade do Minho, 2016.
[9] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 556 e seguintes.
[10] Adelaide Menezes Leitão, Pré-condições para a exoneração do passivo restante – Anotação ao Ac. do TRP de 29.9.2010, Proc. 995/09”, Cadernos de Direito Provado, 2011, 35, págs. 65 e seguintes.
[11] Adelaide Menezes Leitão, Insolvência de pessoas singulares: a exoneração do passivo restante e o plano de pagamentos: as alterações da Lei nº16/2012, de 20 de Abril, in AA. VV. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 509 e seguintes.
[12] Ana Filipa Conceição, Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, in I Congresso de Direito da Insolvência,
[13] Ana Filipa Conceição, “A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores sobre exoneração do passivo restante – Breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular”, Julgar on line, Junho de 2016.
[14] Alexandre Soveral Martins, “A reforma do CIRE e as PMEs”, Estudos de Direito da Insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 15 e seguintes.
[15] Catarina Frade, O perdão das dívidas na insolvência das famílias, In Ana Cordeiro Santos (coordenação) Famílias endividadas: uma abordagem de economia política e comportamental. Causas e Consequências, Almedina, Coimbra, 2015.
[16] Cláudia Oliveira Martins, O procedimento de exoneração do passivo restante – controvérsias jurisprudenciais e alguns aspectos práticos, Revista de direito da Insolvência, 2016, ano 0, págs. 213 e seguintes.
[17] Francisco de Siqueira Muniz, O sobreendividamento por créditos ao consumo e os pressupostos de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante no processo de insolvência, Estudos do Direito do Consumidor, 2017, n.º 12, págs. 337 e seguintes.
[18] Gonçalo Gama Lobo, Da exoneração do passivo restante, in Pedro Costa Azevedo (coordenação), Insolvência, Volume especial, Nova Causa, 2012.
[19] Gonçalo Gama Lobo, Exoneração do passivo restante e causas de indeferimento liminar do despacho inicial, in Catarina Serra (coordenação), I Colóquio do Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 257 e seguintes.
[20] José Gonçalves Ferreira, A exoneração do passivo restante, Coimbra Editora, Coimbra, 2013.
[21] Mafalda Bravo Correia, Critérios de fixação do rendimento indisponível no âmbito do procedimento de exoneração do passivo restante na jurisprudência e na conjugação com o dever de prestar alimentos, Julgar, 2017, 31, págs. 109 e seguintes.
[22] Maria Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, edição especial, 2005.
[23] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[24] Paulo Mota Pinto, Exoneração do passivo restante: fundamento e constitucionalidade, in Catarina Serra (coordenação), III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 175 e seguintes.
[25] Pedro Pidwell, Insolvência de pessoas Singulares. O “Fresh Start” – será mesmo começar de novo? O fiduciário. Algumas notas”, revista de Direito da insolvência, 2016, nº=, págs. 195 e seguintes.
[26] Artigo 243.º (Cessação antecipada do procedimento de exoneração), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respetiva prova.
3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
[27] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 867.
[28] Artigo 244.º (Decisão final da exoneração), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro:
1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz decide, nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão, sobre a respetiva prorrogação, nos termos previstos no artigo 242.º-A, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor.
2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
3 - Findo o prazo da prorrogação do período de cessão, se aplicável, o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante nos termos dos números anteriores..
[29] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/12/2019, consultável em www.dgsi.pt.
[30] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/04/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[31] Neste sentido, podem ser consultados acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2 de Maio, n.º 632/2008, de 23 de Dezembro e n.º 360/2016, de 8 de Junho de 2016, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[32] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2014, pesquisável em www.dgsi.pt.