SEGURO DE CRÉDITOS
FALSAS DECLARAÇÕES
DEVER DE INFORMAR
DOLO
Sumário

1 – O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 – Sendo o contrato de seguro um trato de risco, tem de existir um equilíbrio contratual entre as partes e o princípio da estabilidade contratual demanda que terá de ser desenvolvido um relacionamento comercial fundado na boa-fé dos contraentes, a fim de se protegerem equitativamente os interesses em jogo, sob pena de a prestação se tornar excessivamente onerosa para um dos outorgantes.
3 – A exacta determinação do risco constitui um aspecto fundamental da disciplina do contrato de seguro e cabe à seguradora o ónus de alegar os factos impeditivos da validade do contrato de seguro que considere verificados.
4 – Vigora no artigo 253.º do Código Civil um conceito restrito de dolo, o conceito tradicional, onde apenas cabe o dolo eventual, mas já não a negligência consciente.
5– O dolo é a conduta maliciosa praticada por uma das partes ou por terceiro com o objectivo de levar o outro contratante a erro sobre as circunstâncias reais do negócio, de modo a manifestar vontade que lhe seja desfavorável, e que ele não manifestaria, não fosse o comportamento ilícito de que foi vítima.
6 – Nesta sede exige-se que exista uma consciência e vontade de engano, que tem de estar suportada em factualidade reportada ao elemento subjectivo do tipo, uma vez que animus decipiendi não se presume, tendo de estar incluído na decisão de facto.
7 – O evento naturalístico causador da morte não pode ser absolutamente ignorado em ordem a apurar se a inexactidão cometida é suficiente para determinar a anulabilidade do contrato.
8 – Por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, a anulação do contrato só poderia fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que, por força do comportamento intencional, causasse dano relevante à contraparte, objectivamente imputável àquela conduta e não a uma causa de morte não associada à violação do dever de informação da situação clínica.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 48/23.7T8NIS.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local de Competência Genérica de Nisa – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…), por si e em representação dos seus filhos menores (… e …), contra “Crédito (…) Vida – Companhia de Seguros, SA”, a parte activa não se conformou com a sentença proferida e interpôs o competente recurso de apelação.
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Os Autores pediram a condenação da Ré no pagamento:
(i) da quantia de € 42.849,75, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento à “Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.”;
(ii) da quantia de € 4.150,25, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento aos Autores.
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Em benefício da sua pretensão, a parte activa alegou que (…) e (…), para aquisição de habitação, contraíram crédito junto da Caixa de Crédito Agrícola, instituição que exigiu a contratação de um seguro de vida, o qual foi celebrado junto da Ré, com coberturas de morte ou invalidez total ou definitiva e capital seguro de € 47.000,00.
Mais avança que (…) faleceu no dia 23/11/2020 e, apesar de ter sido participado o óbito à CA Vida, tendo em vista o pagamento do capital em dívida, à data do decesso, a “Caixa de Crédito Agrícola” declinou o pagamento do capital em dívida, sustentando que aquando da subscrição da adesão ao seguro (…) omitiu deliberada e intencionalmente a doença que tinha, bem sabendo que estava obrigado a prestar essa informação.
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Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, na qual arguiu a nulidade do contrato e impugnou parte da factualidade alegada.
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Foi proferido despacho convidando os Autores a pronunciar-se quanto à matéria de excepção, convite esse que foi atendido através da apresentação de requerimento para o efeito.
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Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. *
Realizado o julgamento, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção peremptória de anulabilidade do contrato e, em consequência, a Ré “Crédito (…) Vida – Companhia de Seguros, SA” foi absolvida dos pedidos formulados pelos Autores (…), (…) e (…).
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas na relação de proporcionalidade com o corpo do recurso apresentado e que representam praticamente a transcrição do corpo do mesmo[1] [2] [3] [4] [5]:
«1 – Os recorrentes consideram que atenta a matéria de facto dada como assente, a decisão de mérito deveria conduzir à condenação da recorrida, devendo a solução de direito aplicável ao caso concreto ser completamente distinta.
2 – Sumariando, estamos perante a celebração de um contrato de seguro do ramo vida celebrado pela a A. recorrente e o seu marido, por imposição da instituição bancária, beneficiária do seguro, como condição prévia para a concessão de um empréstimo para aquisição de habitação.
3Cerca de quase 10 anos depois o contraente marido falece e na sequência do processo de sinistro a seguradora vem a considerar que se registaram (10 anos antes) declarações inexactas, anula o contrato e declina qualquer pagamento pelo sinistro.
4 – A causa da morte não foi a causa invocada como “omissão” à data da celebração do contrato .
5 – Destacam-se os seguintes factos dados como assentes:
“(…)
3) Para a concessão deste financiamento, foi exigido ao de cujus e a (…) a contratação de um seguro de vida, tendo-lhes sido sugerida tal contratação junto da CA Vida.
5) O contrato a que em causa é composto pelas “Condições Gerais da Apólice” e pelas “Condições Especiais”, documentos estes previamente elaborados pela CA Vida, (…)”.
6) Para tanto, em 23/08/2011, a Demandante e (…) apuseram as suas assinaturas num documento denominado “Declaração Individual de Adesão”, composto por 10 págs., (…).
7) A “Declaração Individual de Adesão” a que se reporta o facto precedente consubstanciava a adesão ao seguro de grupo previamente celebrado entre a CA Vida e a Caixa de Crédito Agrícola do Norte Alentejano.
8) O documento mencionado em 6) foi previamente preparado pela Ré, tendo sido apresentados a (…) e (…), por (…), por então funcionário do balcão de Nisa da Caixa de Crédito Agrícola.
9) As informações, declarações e dados relativos ao estado de saúde da Autora e do de cujus, que constam da “Declaração Individual de Adesão”, foram preenchidas por Rui Ribeiro, com as respostas que lhe foram facultadas por (…) e pelo de cujus.
11) Em momento subsequente ao do preenchimento da “Declaração Individual de Adesão”, (…) entregou à Autora e ao de cujus uma cópia das “Condições Gerais da Apólice”, também previamente preparado pela Ré (…).
15) No dia 23/11/2020, pelas 18 horas e 45 minutos, faleceu (…).
17) A morte de (…) deveu-se a «(…) hipertrofia do coração e aterosclerose grave das coronárias; - tal quadro constitui causa de morte natural, podendo ser súbita e inesperada; - ausência de lesões traumáticas; - o exame toxicológico efetuado ao sangue da vítima foi negativo para álcool drogas, de uso e de abuso».
19) Para a causa da morte do de cujus, a apneia do sono não tem contribuição direta, pese embora se conheça que, estatisticamente, o diagnóstico desta doença deriva num risco mais elevado de doença cardiovascular.
20) À data da subscrição do seguro de vida com a Ré, o de cujus havia melhorado da apneia do sono.
21) Aquando do preenchimento da “Declaração Individual de Adesão”, (…) não mencionou o diagnóstico indicado em 18), nem a terapêutica a que estava sujeito para o seu tratamento.
23) Teria, outrossim, celebrado um contrato em que apenas seria coberto o risco “morte” mediante o agravamento em 50% do valor do prémio do seguro.
6 – Tal como é referido na motivação da decisão quanto á matéria de facto, ficou evidenciada a relação de confiança que unia todos os intervenientes neste empréstimo / seguro, dado explorarem um café ao lado da agência e praticamente todos os dias, nem que fosse para trocar dinheiro, lá iam.
7 – E a celebração do contrato de seguro efetivou-se de forma muito célere, porque fecharam o café para tratar do assunto do seguro, e sem explicações prévias, confiando os aderentes no que o seu interlocutor, lhes foi dizendo.
8 – Se tivessem lido, todas as declarações contratuais, que de boa fé, se limitaram a assinar, teriam levado horas, primeiro a lê-las, e outras tantas, a tentar perceber o seu total conteúdo e acima de tudo, alcance contratual, o que não aconteceu de todo. Será censurável assinar sem ler, mas desculpável á luz da boa fé com que o fizerem e a confiança que tinham nos seus interlocutores.
9 – Veja-se que só a “Declaração inicial de risco” tem 10 págs. e só a última foi assinada.
10 – Considerando o douto tribunal a quo que o funcionário do banco não actuou como mediador do contrato, então pergunta-se, quem neste caso concreto, devia, e quem então cumpriu, os deveres de pré-informação contratual, impostos a todos os seguradores?
Nomeadamente nos termos do disposto nos artigos 18.º, 22.º, n.ºs 1 e 2 e 24.º, n.º 4, todos do DL n.º 72/2008, de 16 de abril?
11 – No caso, quem então por parte do segurador cumpriu tais deveres, nomeadamente os previstos no artigo n.º 4 do artigo 24.º que entroncam diretamente com a relevância das declarações inexatas ou omissões por parte do tomador / segurado?
Com efeito, o dispositivo em causa é claro ao estatui:
“(…)
4 – O segurador antes da celebração do contrato deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou segurado acerca do dever referido no nº 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil , nos termos gerais.
12 – Ou seja, os futuros aderentes devem ser informados e alertados para a importância e relevância jurídica para o contrato de seguro, de eventuais omissões ou inexactidões que no momento da adesão ao contrato possam cometer, mesmo sem essa consciência.
13 – Assim sendo, é pressuposto essencial o aviso prévio por parte do segurador e feito esse alerta legal, então a violação do dever do tomador/segurado deverá ter as devidas e previstas consequências, mas nunca, sem esse dever ter sido prévia e igualmente cumprido.
14 – No caso, quer o falecido, quer a esposa, ora recorrente, só celebraram o seguro de vida por exigência da entidade financiadora , deram as respostas ao questionário conforme as perguntas do funcionário do banco, (…), e não ponderaram sequer quais seriam as circunstâncias tidas por significativas para a apreciação do risco por parte do segurador, pois ninguém os alertou para tal e não tinham que as conhecer.
15 – No caso o Tribunal a quo reconhece exatamente como não provado (pág. 9) que:
“B. Em momento prévio ao da subscrição, por parte de (…) e da Autora, do documento denominado “Declaração Individual de Adesão”, (…) lhes tivesses dado a conhecer, ou explicado, o teor do documento e, bem assim, o âmbito, relevância e efeito das declarações iniciais ou quaisquer outras e a extensão que deveria ser observada nas suas declarações para preenchimento do mesmo”.
16 – Por outro lado, ficou provado também que apenas:
“Em momento subsequente ao do preenchimento da ‘Declaração Individual de Adesão’, (…) entregou à Autora e ao de cujus uma cópia das ‘Condições Gerais da Apólice’, também previamente preparado pela Ré”.
17 – Assim sendo, forçoso será concluir que nunca os segurados foram informados do regime legal que serve de fundamento para agora lhes retirar o seu direito, crendo-se não ser essa a ratio da lei aplicável, nem a ratio do dever de informação prévia das cláusulas contratuais gerais e do regime jurídico do contrato de seguro em especial.
18 – À data da subscrição do contrato de seguro o proponente marido já se encontrava muito melhor da apneia do sono, que para si, sempre equivaleu a ressonar muito durante a noite. E, com todo o respeito, não se pode concluir o contrário, ou seja, que era por ter a consciência da gravidade da apneia que seguia o tratamento! Seria certamente censurado também se o não fizesse.
19 – Está documentalmente confirmado, que já tinha decorrido um ano desde o diagnóstico da apneia do sono, e já havia um ano que (…) seguia o tratamento e havia normalizado qualquer situação de apneia.
20 – Foi esclarecido pela testemunha Dr. (…) inclusive que usando o aparelho a apneia nocturna inexiste.
21 – Portanto, é natural, compreensível e até admissível de acordo com as regras da experiência comum que (…), quando foi rapidamente tratar dos “papéis do seguro” não tenha sequer equacionado indicar essa realidade ou pura e simplesmente se tenha esquecido.
22 – Os relatórios médicos juntos pela própria recorrida, sob os docs. 2 e 3 cujo teor aqui se dá por Integralmente reproduzido, juntos com a contestação, subscritos pelo Dr. (…) atestam, sem margem para dúvidas, que (…) cumpriu desde o início as indicações médicas de 2010 , com excelente adesão e reversão dos eventos nocturnos.
23 – Veja-se na motivação da douta sentença, a referência por exemplo a este depoimento e do Sr. Dr. (…) que a este propósito refere expressamente que no hiato de Julho a Novembro de 2010 (…) emagreceu 10 kg. e usava corretamente o aparelho nocturno.
24 – O contrato de seguro foi assinado em 24 de Agosto de 2011, ou seja, nesta data, não era para si, conscientemente uma doença grave ou que merecesse destaque, ou pura e simplesmente se esqueceu de o referir!
Porque não admitir uma situação inconsciente ou de mera negligência? Que prova factual aponta de imediato para o dolo?
25 – Foi esta omissão dolosa? Seguramente que não.
26 – O dolo em causa terá de ser o denominado dolus malus. Veja-se a este propósito o douto Ac. Rel. de Guimarães, proferido no proc. n.º 4017/18.0GMR.G1, de 01.11 e, bem assim, igualmente o douto Ac. da Rel. Porto, proferido no proc. n.º 1210/19.2T8MAI.P1, de 26.10.2020.
I – O termo «dolo» tem dois sentidos principais. Um, que se denomina ‘dolo-culpa». Outro, o «dolo-artimanha» ou «dolo negocial» que consiste na ação (incluindo omissões) intencional ou consciente de enganar outrem com vista à celebração pelo enganado de um negócio jurídico. O dolo do artigo 253.º CC é o «dolo-artimanha» e é também este que está previsto no artigo 25.º Lei do Contrato de Seguro. II – No seguro de vida, provando-se que o segurado celebrou o contrato de seguro ao balcão do Banco porque este lho impôs como condição para obter mútuo bancário, não tendo o segurado sido perguntado pelo seu estado de saúde nem informado de que se não estivesse bem não deveria assinar a declaração em causa, acreditando aquele que o tratamento que seguia para a sua pneumonite era despiciendo porque não apresentava queixas e não foi aconselhado a deixar de trabalhar, continuando a fazer a sua vida normal, está afastado o dolo-artimanha do disposto no artigo 25.º LCS, entendido este como a intenção do segurado de conscientemente faltar à verdade quanto às circunstâncias que conheça e razoavelmente devesse ter por significativas para apreciação do risco pela seguradora (…)”.
27 – Veja-se ainda o Ac. do STJ de 8/11/2018, proferido no proc. 399/14.1TVLSB.L1.S1 que considera que a demonstração dos factos integradores da essencialidade e respetiva cognoscibilidade constitui ónus de quem invoca o erro, ou seja, a recorrida.
28 – Ora, a matéria de facto dada como assente, não poderá ter o alcance doloso imputado ao comportamento de (…), como o fez a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
29 – Os ora recorrentes consideram assim que a recorrida não fez prova, de forma alguma, dos elementos constitutivos do dolo, ou seja, do conhecimento e da vontade, em conscientemente ocultar fosse o que fosse e com a finalidade de obter alguma vantagem, fosse que vantagem fosse, com a omissão verificada.
30 – Basta-se a sentença na presunção de que não poderia ignorar e que se trata de: “uma afirmação falsa (ou antes omitiu uma informação) que não podia deixar de conhecer e que desemboca no incumprimento doloso do dever inscrito no artigo 24.º, n.º 1, do RJCS, dado que tais circunstâncias são significativas para a Ré (…)”. Mas ninguém alertou previamente o proponente para tal relevância!
31 – O dever/obrigação previsto no n.º 4 do artigo 24.º do RJCS não reporta ao clausulado pré elaborado como a sentença faz questão de evidenciar, sendo antes, uma obrigação autónoma e independente que apenas se reporta ao correspondente regime jurídico aplicável.
32 – O cumprimento da obrigação por parte do tomador/segurado depende do prévio cumprimento da obrigação por parte do segurador.
33 – A propósito do alcance do n.º 4 do artigo 24.º do RJCS, veja-se o douto Ac. do STJ, proferido no proc. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S1, de 24 de maio de 2022, que no respetivo sumário considera nomeadamente que:
“(…) II - Em complemento e válvula de segurança, o artigo 24.º, n.º 4, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro («O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais») prescreve um dever de informação a cargo do segurador como um mecanismo (ainda por cima sob cominação de responsabilidade civil por incumprimento) que se instrumentaliza, num contexto de boa fé colaborativa das partes, em favor do esclarecimento completo e exacto previsto no n.º 1 do artigo 24.º e, ademais, como um expediente ao serviço da superação de situações em que o risco percepcionado pelo segurador pode ser mesmo distinto do risco real. Não sendo cumprido, faz surgir um perigo de omissão e inexactidão na declaração inicial de risco (em particular perante um tomador de seguro ou segurado negligentes) que corre por conta do segurador.
(…) V - Os factos objecto deste dever de esclarecimento inerente à “declaração inicial de risco” devem ser anteriores ou contemporâneos da data da conclusão do contrato, pois só relativamente a esse arco temporal relativo à formação do contrato – findo com a perfeição, com aceitação, expressa ou tácita, da proposta contratual do tomador pelo segurador: artigos 224.º do CC; 27.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) – se exige a referida diligência informativa de um tomador de seguro/segurado candidato(s) à subscrição do seguro. (…) VII - O regime de avaliação inicial do risco no iter formativo do contrato não está submetido a uma garantia do segurador em obter toda a informação factual e toda a informação que pudesse ser relevante para a avaliação do risco, cabendo ao segurador activar mecanismos sucedâneos de inspecção do risco e obtenção de informação, a fim de garantir uma aceitação esclarecida da proposta. (…) IX - Se o proponente e/ou o segurador conhecer determinados factos, mas não os tiver razoavelmente por significativos para a apreciação do risco pelo segurador e não os informar a este, por não considerar que o conhecimento atempado dos mesmos levaria a que o segurador não contratasse, ou haveria de contratar em condições diversas, de acordo com a bitola de diligência imputável a um proponente abstracto colocado na posição do proponente e do segurado concretos, não há incumprimento do dever de declaração (não há uma acção anti-jurídica e uma conduta de má fé dos tomadores proponentes do seguro e do segurado) e não é de averiguar dolo na omissão informativa (e sindicação do artigo 25.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro), porque não estamos perante omissão censurável (…)”.
34 – Em conclusão, consideram os recorrentes quanto a esta questão específica, que não ficando provado o cumprimento por parte do segurador da obrigação prevista no n.º 4 do artigo 24.º do RJCS, aliado à falta de consciência do proponente da respetiva relevância da apneia, uma vez que á data já havia melhorado substancialmente e o mais provável foi nem se ter lembrado da mesma, não se poderá concluir de forma alguma, pela qualificação da omissão inconsciente em causa, como dolosa.
35 – A infeliz vítima faleceu quase 10 anos após a celebração do contrato de seguro e não morreu vítima de apneia!!
36 – O decurso do tempo, após a celebração do contrato de seguro em causa, aliado à circunstância de não dever a omissão do proponente ser considerada “dolosa”, assumem especial relevância no caso concreto. Com efeito,
37 – Nos termos do doc. n.º 5, pág. 5, in fine, junto com a P.I. pré elaborado pela recorrida, denominado “Informações Pré-Contratuais – Protecção Crédito Habitação” é expressamente convencionado o seguinte:
“A CA Vida não se pode prevalecer de omissões ou inexatidões negligentes na declaração inicial do risco decorridos 2 (dois) anos sobre a celebração do Contrato, regra esta que não é aplicável às Coberturas Complementares de ‘Invalidez Total e Definitiva’ e de ‘Invalidez Absoluta e Definitiva’, se contratadas”, o que significa que esta previsão contratual funcionará sempre quanto à cobertura – Morte.
38 – E tanto assim é, que ficou igualmente provado que mesmo que a recorrida tivesse tido conhecimento da apneia do sono á data da celebração do contrato, o celebraria quanto à cobertura de morte, com agravamento do prémio (cfr. ponto 23 da matéria assente).
39 – Considera-se ainda o regime previsto no disposto no artigo 188.º, n.º 1, do RJCS, de natureza relativamente imperativa, da incontestabilidade (equivalente à previsão contratual da recorrida) que expressamente estatui, admitindo apenas regime mais favorável, ou seja, o segurador convencionar prazo mais curto, que:
“1- O segurador não de pode prevalecer de omissões ou inexatidões negligentes na declaração inicial do risco decorridos dois anos, sobre a celebração do contrato, salvo convenção de prazo mais curto”.
40 – Condição também constante da Cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice da recorrida (doc. n.º 5 junto com a P.I., pág. 1, in fine).
41 – Tendo em conta a finalidade e o bem seguro (vida) faz sentido esta estatuição legal.
42 – Não faz qualquer sentido é a posição da recorrida, principalmente quando passados tantos anos, a pessoa segura falece, de outra causa e fica por provar o dolo.
43 – E a argumentação quanto à apneia ser uma causa indireta ou remota ou influenciadora aplica-se a um número quase ilimitado de hipóteses, consabido que a saúde deriva de um funcionamento complexo e interdependente de células, órgãos, sistemas, químicos, vasos comunicantes, equilíbrios e desequilíbrios…
44 – A ser validada a postura contratual da recorrida, terá sempre argumentos para, por uma causa, mesmo que indireta, argumentar que a mesma influenciou, mesmo que à distância, um determinado desfecho ou doença.
45 – Esta hipótese aponta claramente para uma desigualdade e clara desproporcionalidade entre as partes, inadmissível e injusta.
46 – Relembre-se por relevante igualmente para a ponderação de todo o regime em causa o que se encontra legalmente previsto quanto ao – suicídio.
47 – Nos termos do disposto no artigo 191.º, n.º 1, do RJCS, estatui-se que:
“1- Está excluída a cobertura da morte em caso de suicídio ocorrido até um ano após a celebração do contrato, salvo convenção em contrário”.
48 – Condição igualmente constante da Cláusula 4ª, 1 c) – Exclusões, das Condições Gerais da Apólice da recorrida (doc. n.º 5, junto com a P.I., pág. 2).
49 – O segurado morreu vários anos depois de celebrar o contrato de seguro por causa natural, motivo pelo qual, inclusive por um argumento de maioria de razão, não deverá prevalecer a anulação do contrato de seguro em causa, devendo antes, ser considerado válido e eficaz com o consequente pagamento do capital em dívida ao 1º beneficiário (banco) e eventual remanescente, aos ora recorrentes.
50 – Ficou provado que a recorrida celebraria o contrato com a cobertura de morte, mesmo sabendo da apneia à data da celebração, com acréscimo de prémio. Veja-se neste sentido o douto Ac. STJ de 08.11.2018, proferido no proc. n.º 399/14.1TVLSB.L1.S1: “(…)
“VI- Subsumidos os factos ao direito, na demonstração de que se a Seguradora tivesse conhecimento que o segurado, omitiu declarações relevantes para apreciação do risco, outrossim, que ao conhecê-las não teria aceitado celebrar o seguro proposto ou teria, pelo menos, exigido um agravamento do prémio para segurar os riscos associados à pessoa segurada, temos de convir pela improcedência da excepção de anulabilidade do seguro, pela não demonstração de factos que traduzam a necessária essencialidade do erro, face à enunciada alternativa colocada pela seguradora – a não aceitação do contrato, ou agravamento de prémio a estabelecer (…).
51 – Em conformidade com toda a matéria de facto provada e respetiva motivação, considera-se antes, dever ser julgado o contrato de seguro absolutamente válido, sendo em consequência do sinistro, a recorrida obrigada a cumprir a sua obrigação contratual de pagar o capital em divida, à data do óbito aos respetivos beneficiários, fazendo-se desse modo, verdadeira Justiça!!».
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Houve lugar a resposta em quem se afirma que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Observados os vistos legais, foi admitido o recurso. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, a questão que se suscita neste recurso é apurar se ocorreu erro na aplicação do direito.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
3.1 – Factos provados:
Discutida a causa e com relevância para a sua boa decisão, ficaram provados os seguintes factos:
1) A Ré é uma sociedade comercial cujo objecto social corresponde ao «exercício da actividade de seguros directos e resseguros do ramo "Vida", podendo ainda exercer actividades conexas ou complementares daquela, designadamente a gestão de fundos de pensões, nos termos da lei».
2) Em 25/10/2011, no Cartório Notarial sito na Rua (…), n.º 18, em (…), foi outorgada escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca fiança e procuração, na qual intervieram (…), na qualidade de primeiro outorgante, (…) e a demandante, na qualidade de segundos outorgantes, (…), na qualidade de procurador e em representação da “Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.”, enquanto terceiro outorgante e (…) e (…), na qualidade de quartos outorgantes, tendo sido declarado, entre o mais, pelos intervenientes e nas respetivas qualidades, para o que aqui releva, que:
«Pelo primeiro outorgante, na indicada qualidade foi dito: (…)
Que, assim, na qualidade de encarregado de venda e em cumprimento do determinado judicialmente, nos citados autos vende ao segundo outorgante marido, pelo preço de quarenta e nove mil euros, o referido prédio [prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Nisa sob o n.º … (Espírito Santo) e inscrito na matriz predial …];
Declarou o segundo outorgante marido:
Que aceita a venda nos termos exarados (…);
Declararam os segundo e terceiro outorgantes, este, na indicada qualidade:
Que para financiar a presente aquisição do imóvel atrás identificado, os segundos outorgantes solicitaram à Caixa Central e esta concedeu-lhes um empréstimo no montante de quarenta e sete mil euros, pelo prazo de cinquenta anos a contar da presente data (…) que os segundos outorgantes declaram ter recebido, nesta data, e de que se confessam solidariamente devedores (…)».
3) Para a concessão deste financiamento, foi exigido ao de cujus e a (…) a contratação de um seguro de vida, tendo-lhes sido sugerida tal contratação junto da CA Vida.
4) … e a Autora celebraram o seguro de vida “CA Proteção Crédito Habitação”, ao qual foi atribuído o número de apólice (…).
5) O contrato a que em causa é composto pelas “Condições Gerais da Apólice” e pelas “Condições Especiais”, documentos estes previamente elaborados pela CA Vida, onde, no mais, se lê que:
«(…) Artigo 5.º - Pagamento do Capital Seguro
O pagamento do Capital Seguro será efectuado pela CA Vida após apresentação do Bilhete de Identidade da Pessoas Segura, a entrega do Certificado Individual de Adesão, do documento comprovativo da qualidade de Beneficiário e do certificado médico expondo a origem, causas, desenvolvimento da Doença e perspetivas de duração e evolução do estado de Invalidez (…)».
6) Para tanto, em 23/08/2011, a Demandante e (…) apuseram as suas assinaturas num documento denominado “Declaração Individual de Adesão”, composto por 10 páginas, no qual, no mais, refere-se que:
«(…)
1.ª Pessoa Segura – Segurado
(…)
2.ª Pessoa Segura
(…)
Seguro
Data de início do seguro 2011-08-23
Data fim do seguro 2061-09-30
Capital Seguro € 47.000,00
Prémio mensal previsto € 12,30
Coberturas
Morte
Invalidez Total e Definitiva
Beneficiários
Em caso de morte ou invalidez:
Caixa Central de Crédito Agríc.
Credor Privilegiado pelo capital em dívida
Para capital remanescente
Em caso de morte:
Herdeiros Legais
(…)
O Signatário declara estar inteiramente esclarecido e ciente do dever que tem de ter que declarar com verdade e com exactidão sobre todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para apreciação do risco pela CA Vida, mesmo relativamente a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pela CA Vida para o efeito, bem como declara estar perfeitamente ciente das consequências do incumprimento desse seu dever, e declara ter respondido com inteira verdade às perguntas constantes desta Declaração Individual de Adesão, sendo os dados e informações fornecidos pelo Signatário da sua inteira responsabilidade, ainda que a Declaração Individual de Adesão tenha sido preenchido por terceiro(s) e por si apenas assinada.
O Signatário declara também ter tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente Contrato e que tomou conhecimento das condições aplicáveis ao mesmo, designadamente, as constantes das informações pré-contratuais que constam da presente Declaração Individual de Adesão das condições gerais da apólice e as constantes das suas condições particulares, com elas concordando inteiramente.
(…)
6.º Sofre ou sofreu de alguma doença e/ou está a efectuar algum tratamento médico? □ Sim ⊠ Não
(…)
9.º Consultou ou prevê consultar algum médico, efetuou ou vai efectuar exames médicos devido a queixas que apresenta? □ Sim ⊠ Não
(…)
7) A “Declaração Individual de Adesão” a que se reporta o facto precedente consubstanciava a adesão ao seguro de grupo previamente celebrado entre a CA Vida e a Caixa de Crédito Agrícola do Norte Alentejano.
8) O documento mencionado em 6) foi previamente preparado pela Ré, tendo sido apresentados a (…) e (…), por (…), por então funcionário do balcão de Nisa da Caixa de Crédito Agrícola.
9) As informações, declarações e dados relativos ao estado de saúde da Autora e do de cujus, que constam da “Declaração Individual de Adesão”, foram preenchidas por (…), com as respostas que lhe foram facultadas por (…) e pelo de cujus.
10) A Demandante e (…) só apuseram a sua assinatura neste documento, após o seu preenchimento, por (…), nos termos referidos no facto precedente.
11) Em momento subsequente ao do preenchimento da “Declaração Individual de Adesão”, (…) entregou à Autora e ao de cujus uma cópia das “Condições Gerais da Apólice”, também previamente preparado pela Ré, onde, entre o mais, se lê que:
«Cláusula 11ª – Pagamento do Capital Seguro
1. O pagamento do Capital Seguro será efectuado pela CA Vida após apresentação do Bilhete de Identidade da(s) Pessoas Segura(s), a entrega do Certificado Individual de Adesão, do documento comprovativo da qualidade de Beneficiário e dos seguintes documentos:
a) Em caso de Morte, o certificado de óbito da Pessoa Segura e atestado médico indicando as causas e evolução da doença que causou o falecimento; (…)
2. Sempre que entenda por conveniente, para melhor definição da natureza e extensão das suas responsabilidades, a CA Vida poderá solicitar, para além dos elementos no número 1 da presente Cláusula, quaisquer elementos ou informações bem como proceder às averiguações que para o efeito considere necessárias.
12) A “Declaração Individual de Adesão”, depois de preenchida e assinada pela Demandante e por (…), foi remetida à CA Vida.
13) O questionário de saúde constante da “Declaração Individual de Adesão” tinha como finalidade o esclarecimento da Ré sobre o estado de saúde de (…) e, consequentemente, possibilitar a correcta avaliação do risco a assegurar.
14) A CA Vida analisou e apreciou a “Declaração Individual de Adesão”, tendo sido com base na informação constante deste documento que a Ré aceitou celebrar o contrato de seguro de vida com (…) e o de cujus.
15) No dia 23/11/2020, pelas 18 horas e 45 minutos, faleceu (…).
16) Por morte de (…), sucederam-lhe como únicos e universais herdeiros, a sua mulher (…) e os seus filhos (…) e (…).
17) A morte de (…) deveu-se a «(…) hipertrofia do coração e aterosclerose grave das coronárias;
- tal quadro constitui causa de morte natural, podendo ser súbita e inesperada;
- ausência de lesões traumáticas;
- o exame toxicológico efetuado ao sangue da vítima foi negativo para álcool drogas, de uso e de abuso».
18) …, desde data não concretamente apurada do ano de 2010, apresentava um diagnóstico de síndrome da apneia obstrutiva do sono grave, encontrando-se, desde então, sob ventiloterapia com APAP /autoCPAP (4/14 cmH20) no período noturno, a qual lhe foi prescrita em consulta privada de pneumologia pelo Dr. (…).
19) Para a causa da morte do de cujus, a apneia do sono não tem contribuição directa, pese embora se conheça que, estatisticamente, o diagnóstico desta doença deriva num risco mais elevado de doença cardiovascular.
20) À data da subscrição do seguro de vida com a Ré, o de cujus havia melhorado da apneia do sono.
21) Aquando do preenchimento da Declaração Individual de Adesão, (…) não mencionou o diagnóstico indicado em 18), nem a terapêutica a que estava sujeito para o seu tratamento.
22) Se a Ré tivesse conhecimento da situação clínica de (…) mencionada em 18) não teria celebrado o contrato a que se reporta o facto n.º 4).
23) Teria, outrossim, celebrado um contrato em que apenas seria coberto o risco “morte” mediante o agravamento em 50% do valor do prémio do seguro.
24) À data do decesso de (…), era devido, por este e pela Demandante, por conta do contrato a que se reporta 2), a quantia de € 42.894,75.
25) Após o falecimento de (…), em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a 09/07/2021, (…) participou à Ré a ocorrência deste evento, tendo em vista o accionamento da cobertura do seguro contratado com a Ré.
26) Após esta participação, a CA Vida solicitou diversa informação que foi facultada pela Autora.
27) Em 09/07/2021, a Ré endereçou uma missiva à Demandante, que esta recebeu onde, entre o mais, se refere que:
«(…)
No entanto, após análise da documentação clínica que nos foi entregue, designadamente a Informação Clínica Pneumonológica de 10-03-2021 e de 07-06-2021 do Dr. … (Assistente Graduado de Pneumologia da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano), veio a apurar-se que o Sr. (…) apresentou, em 2010, diagnóstico de síndrome de apneia do sono obstrutiva do sono grave, estabelecido através de estudo cardio-respiratório do sono realizado em 2010, encontrando-se, desde então, sob ventiloterapia com APAP/autoCPAP (4/14cmH2O) no período nocturno, a qual foi prescrita em consulta privada de pneumologia realizada com o Dr. (…), em 2010.
Assim, aquando da subscrição da Adesão ao seguro Protecção Habitação, o sr. (…) omitiu deliberada e intencionalmente a doença que tinha, bem como o exame e o tratamento realizado, bem sabendo que tinha que prestar essa informação à Crédito Agrícola Vida.
Ora, sobre este aspecto – e em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.ºs 1 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril – dispõem as cláusulas 5.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 1 e 3, das Condições Gerais da Apólice do seguro em causa, no sentido de que “O Tomador do Seguro, o Segurado e a Pessoa Segura estão obrigadas, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para apreciação do risco pela CA Vida” e que “Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 da cláusula anterior (…) a adesão ao contrato (…), é anulável (…)”, acrescentando-se que “A CA Vida não está obrigada a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido (…) seguindo-se o regime geral da anulabilidade”.
Assim, a adesão do Sr. (…) ao contrato de seguro titulado pela Apólice supra referenciada é nula – anulação que aqui se invoca –, pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer valor por parte da Crédito Agrícola Vida. (…)».
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3.2 – Factos não provados[6]:
Com interesse para a boa decisão da causa, não se logrou provar que:
A. (…) tivesse actuado como mediador do seguro contratado pela Autora e (…) à Ré.
B. Em momento prévio ao da subscrição, por parte de (…) e da Autora, do documento denominado “Declaração Individual de Adesão”, (…) lhes tivesses dado a conhecer, ou explicado, o teor do documento e, bem assim, o âmbito, relevância e efeito das declarações iniciais ou quaisquer outras e a extensão que deveria ser observada nas suas declarações para preenchimento do mesmo.
C. Se a CA Vida, tivesse conhecimento da situação clínica a que se reporta o facto n.º 18, teria celebrado com (…) e (…) um seguro de vida com agravamento do prémio, na percentagem de 75%, na componente do cálculo do risco de invalidez.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Erro de direito:
4.1.1 – Considerações gerais sobre o contrato de seguro:
Na proposição de José Vasques «seguro é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto»[7].
Na concepção de Moitinho de Almeida, este apresenta-se como o contrato «em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada a, no caso de realização do risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou tratando-se de evento relativo à vida humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos pagamentos dos prémios tratando-se de prestação a realizar em data determinada»[8].
Na esteira do preconizado por Guerra da Mota, entendemos que o seguro é um contrato aleatório e sinalagmático, pelo qual a seguradora, em troca de uma soma pecuniária – prémio –, realiza a sua prestação garantindo ao segurado que o seu património ficará indemne, no caso de sobre ele recair a obrigação de ressarcir prejuízos que podem derivar de determinados acidentes[9].
Consensualmente a doutrina e a jurisprudência nacionais entendem o contrato de seguro como um acordo bilateral, oneroso, aleatório, de mera administração, consensual, formal, de execução continuada, típico e de boa fé.
O regime jurídico do contrato de seguro reside basicamente no Código Comercial, no Código Civil e, actualmente, no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, corporizado no Decreto-Lei n.º 78/2008, de 16/04, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2009.
Neste domínio, devem ainda ser chamadas à colação as soluções prescritas no Decreto-Lei n.º 222/2009, de 11/09 (Estabelece medidas de protecção do consumidor na celebração de contratos de seguro de vida associados ao crédito à habitação), dado que, com a implementação deste diploma, o legislador, quis «suprir a desigualdade estrutural entre as partes dos contratos de adesão que o legislador impôs às seguradoras, utilizadoras de cláusulas contratuais gerais, deveres especiais de comunicação e de informação», o qual não se poderá considerar satisfeito «(…) apenas com a comunicação ao contraente, por parte da seguradora, de uma cópia do clausulado, e com a disponibilidade para prestar esclarecimentos, desde que solicitados pelo segurado»[10].
O conceito e as modalidades do seguro de vida foram inicialmente adoptados pelo 455.º[11] do Código Comercial, que também regulamentava a matéria das declarações inexactas no seu artigo 429.º[12].
Para a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o contrato de seguro de vida e, em geral todos os seguros em que há um beneficiário distinto, consubstancia um contrato a favor de terceiro, como decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 443.º[13] do Código Civil. Neste tipo contratual uma das partes assume perante outra que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio.
Efectivamente, nesta orientação dominante o contrato de seguro surge como aquele em que um dos contraentes, o promitente, atribui, por conta e à ordem de outro, o promissário, uma vantagem a um terceiro, o beneficiário, estranho à relação contratual, mas titular definitivo e autónomo do direito de crédito de exigir do promitente o cumprimento da prestação, e não um simples destinatário da prestação[14] [15].
Como negócio jurídico que é, o contrato de seguro exige duas declarações de vontade: a proposta e a aceitação (artigo 228.º do Código Civil). Para que a declaração negocial possa considerar-se uma proposta contratual válida deve apresentar os seguintes requisitos: revelar a intenção inequívoca de contratar; revestir a forma requerida para o contrato em causa, no caso a forma escrita (artigos 219.º[16] e 220.º[17], do Código Civil e 32.º[18] do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril – Regime Jurídico do Contrato de Seguro) e ser completo, de tal modo que o contrato fique perfeito pela mera aceitação da outra parte.
A formação de um contrato de seguro de grupo estabelece-se em dois momentos distintos: num primeiro, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, estando prevista a possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que serão aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos que foram contratados; num segundo momento, o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, começando o contrato a produzir efeitos, como seguro, no momento da primeira adesão, ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes[19].
Na situação vertente, para afastar a sua responsabilidade pelo sinistro, a Ré seguradora invocou a prestação de informações inverídicas sobre o estado de saúde do segurado, conseguindo provar que o questionário médico encerrava informações que não correspondiam à realidade e que os dados clínicos em causa eram essenciais para a fixação do risco e que o acordo seria celebrado mediante o agravamento em 50% do valor do prémio do seguro (neste segmento final veja-se o ponto 23 dos factos provados).
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4.1.2 – Da avaliação concreta da inexactidão em causa e das consequências contratuais do referido erro:
Tal como consta da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2001 é «fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. A avaliação do que sejam declarações inexactas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feito caso a caso»[20].
Resulta da factualidade provada que as propostas de seguro de vida em questão nos autos foram preenchidas e assinadas em 23/08/2011, sendo que o falecido declarou expressamente encontrar-se de boa saúde (não sofre ou sofreu de alguma doença e/ou está a efectuar algum tratamento médico e nem consultou ou prevê consultar algum médico, efectuou ou vai efectuar exames médicos devido a queixas que apresenta) e ter tomado conhecimento de toda a informação pré-contratual obrigatória.
Neste particular, face à forma directa e simples como estavam redigidas as perguntas, pode afirmar-se que as respostas sobre o seu estado de saúde não exigiam, para um cidadão médio, problemas interpretativos de relevo e eram perfeitamente perceptíveis para o destinatário.
Por conseguinte, ao não o ter feito, omitiu informações relevantes à Ré para efeito do cálculo do risco do contrato e da sua decisão de aceitação ou não do mesmo e respectivas condições.
De todo o conspecto factual apurado resulta que, da articulação entre os dados de saúde constantes do questionário médico e a situação clínica real, existiam desconformidades objectivas e evidentes e que aquilo que foi declarado não indiciava minimamente a existência de qualquer situação de risco.
Com efeito, aquando do preenchimento da “Declaração Individual de Adesão”, (…) não mencionou o diagnóstico indicado em 18), nem a terapêutica a que estava sujeito para o seu tratamento [facto provado 21].
A necessidade da proposta-questionário resulta de um compromisso entre as exigências de certeza e da boa fé contratual e não é mandatória a obrigação de realização de exames completos quando não existam sinais de que se está perante um quadro de risco[21] [22].
A subscrição do dito questionário tem de significar e fazer presumir a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante / subscritor.
É assim certeira a conclusão que o falecido (…) foi responsável por declarações inexactas que, a serem conhecidas pela seguradora, eram susceptíveis de influir sobre a sua decisão de contratar nos termos em que o fez.
Na realidade, o facto omitido não era irrelevante ou indiferente para a Ré, pois esta aceita ou não os contratos de seguro propostos e calcula os prémios, em função do tipo de doenças de que o segurado padeceu ou padece e demais factores expostos na proposta e no questionário de saúde[23].
O nexo causal a estabelecer é entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, cumprindo averiguar, num juízo de prognose, se – caso a seguradora conhecesse efectivamente as patologias omitidas no preenchimento do questionário clínico – teria celebrado, mesmo assim, o contrato nos termos em que o celebrou, assumindo a cobertura de certos e determinados riscos[24].
Consta dos pontos 22) e 23) dos factos provados que se a seguradora tivesse conhecimento da situação clínica de (…) teria celebrado um contrato em que apenas seria coberto o risco “morte” mediante o agravamento em 50% do valor do prémio do seguro.
Daqui resulta uma tríplice conclusão que (i) o tomador do seguro omitiu no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado determinado quadro explicitamente mencionado naquele questionário clínico; (ii) que essa patologia era por ele perfeitamente conhecida, não podendo razoavelmente desconhecer que, pela sua gravidade e relevância, era – segundo as regras da experiência comum – significativa para a aferição do risco pela seguradora e que (iii) tal omissão influenciou causalmente a celebração do concreto contrato de seguro, nos termos clausulados.
Esta obrigação do tomador do seguro está umbilicalmente ligada a uma das características do contrato de seguro – a boa fé – e isso implica que sejam legalmente sancionadas as declarações inexactas e a reticência de factos ou circunstâncias por parte do segurado, quando assumem uma relevância estruturante na decisão de assumpção do risco.
Afirma José Vasques que «a declaração do risco parece de caracterizar como um dever pré – contratual. Trata-se, além do mais, de uma noção específica do direito do contrato de seguro, cujo fundamento há-de buscar-se no princípio da boa fé. (...) A declaração do risco é uma declaração unilateral do proponente, a qual é aceite pela seguradora e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio. A declaração do risco não é uma declaração de vontade, mas sim uma declaração de ciência, cujo cumprimento permitirá ao segurador aceitar ou recusar essa declaração»[25].
Margarida Lima Rego também faz o apelo à cláusula geral da boa fé, tanto na fase negocial, como na execução do contrato, ao abrigo do estatuído no artigo 227.º[26] do Código Civil. A este propósito, a autora refere que «sobre o segurado recai o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o estado de saúde da pessoa a segurar. Este ónus resulta, além do mais, do princípio da boa fé, precisamente porque a avaliação do risco depende das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato»[27].
Sobre a natureza do questionário existe jurisprudência consolidada que aponta no sentido que o mesmo ser uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. As respostas a esse questionário correspondem ao «repositório das declarações da pessoa segura, declarações em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato e fixa as respectivas condições[28].
Mais se assevera que o mencionado questionário não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro, para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas, em contratos de adesão[29] [30].
Não se aqui perante uma simples aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, uma vez que o Segurado não se limita a aderir ao questionário, antes responde ao mesmo livremente com o intuito de facultar à seguradora os elementos necessários ao estabelecimento das condições de aceitação do contrato e à fixação do modelo contratual individualizado em função do risco presente[31].
No que concerne à obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado, o Supremo Tribunal de Justiça tem editado jurisprudência constante no sentido que incumbe ao tomador do seguro o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato”[32].
Sendo o contrato de seguro um trato de risco tem de existir um equilíbrio contratual entre as partes e o princípio da estabilidade contratual demanda que terá de ser desenvolvido um relacionamento comercial fundado na boa-fé dos contraentes, a fim de se protegerem equitativamente os interesses em jogo, sob pena de a prestação se tornar excessivamente onerosa para um dos outorgantes.
A exacta determinação do risco constitui um aspecto fundamental da disciplina do contrato de seguro e cabe à seguradora o ónus de alegar os factos impeditivos da validade do contrato de seguro que considere verificados – tendo de alegar e demonstrar que foram efectivamente prestadas declarações omissivas acerca de determinada patologia que afectava o sujeito segurado e que, se a seguradora a tivesse oportunamente conhecido essas circunstâncias, não teria, segundo a sua prática comercial, contratado nos termos em que o fez.
Vejamos, então, se no plano casuístico, na sua correlação com as constelações normativas inscritas nos artigos 25.º, n.º 1,[33] do Regime Jurídico do Contrato de Seguros e 247.º[34], 251.º[35] e 254.º[36] do Código Civil, estão presentes os requisitos constitutivos da anulabilidade.
Ou, noutra formulação, impõe-se apurar se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade, sendo estes os requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração.
Na senda dos contributos doutrinais e jurisprudenciais mais autorizados, a exoneração da responsabilidade não pode decorrer da simples prestação de uma informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro e exige-se que, para além da natureza relevante da mesma, se verifique um nexo de causalidade entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro nos termos em que o foi.
Em situação que entronca com a presente, ao nível da inexistência de uma linha de continuidade entre a causa da morte e a inexactidão da declaração, inspirado pela solução ali dada pelo Supremo Tribunal de Justiça[37], também se entende que, subsumidos os factos ao direito, na demonstração de que, conhecida a extensão e o conteúdo da inexactidão, a Seguradora apenas optaria por um agravamento do prémio para segurar os riscos associados à pessoa segurada não há lugar à anulabilidade do seguro, por via do recurso ao instituto do erro.
Na hipótese vertente não existe um quadro de erro cuja intensidade determine a anulação do contrato de seguro.
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4.1.3 – Da ausência do elemento subjectivo do dolo:
Mais do que isso, existe igualmente uma carência da descrição factual que implica que se opte pela não subsunção da situação à disciplina do dolo precipitada no artigo 253.º[38] e 254.º do Código Civil.
Sobre esta matéria pronunciam-se, entre outros, Manuel Andrade[39], João de Castro Mendes[40], Inocêncio Galvão Telles[41], Pires de Lima/Antunes Varela[42], Carlos da Mota Pinto[43], Oliveira Ascensão[44], António Menezes Cordeiro[45] [46], Carvalho Fernandes[47], Luís Menezes Leitão[48], Pedro Pais de Vasconcelos[49], Heinrich Ewald Hörster[50], Paulo Mota Pinto[51] [52] [53], Mafalda Miranda Barbosa[54], Nuno Oliveira[55] [56] [57], Sinde Monteiro[58], Pedro Nunes de Carvalho[59], José Alberto Vieira[60], Luís Cabral de Moncada[61], Sónia Moreira[62], Eva Moreira da Silva[63] e Ana Filipa Antunes[64]. E na vigência do Código de Seabra, José Dias Ferreira[65], Guilherme Alves Moreira[66], José Tavares[67] e Luiz da Cunha Gonçalves[68].
Os negócios, para serem válidos, dependem necessariamente de um ajuste de vontades livres e conscientes e no dolo a formação interna da vontade é obtida de modo distorcida pela intervenção de um elemento externo intencional de alguém.
Manuel de Andrade assinala que o dolo se traduz na consciência de enganar, que compreende «o chamado dolo eventual, em que (…) apenas encarou a possibilidade do engano», afastando do regime os casos de negligência[69].
Estabelecendo uma compartimentação dogmática semelhante àquela que é prevista para o dolo no processo criminal, Galvão Telles aponta no mesmo caminho, defendendo que «em rigor, o dolo não envolve sempre intenção. Quando envolve, diz‑se dolo directo. Mas há outras modalidades: o dolo necessário, se não se procede animado do intuito de produzir o resultado ilegítimo, mas se sabe que este se dará forçosamente; e o dolo eventual, quando, não se estando seguro da não ocorrência de tal resultado, mesmo assim se actua, aceitando a eventualidade dessa ocorrência»[70].
Castro Mendes advoga que o dolo inclui uma «actuação não intencionalmente enganosa, mas conscientemente enganante»[71]. Em afinidade com esta tese, Carvalho Fernandes aventa que é elemento do conceito ou a consciência de enganar (animus decipiendi), mas já não a intenção ou consciência de prejudicar (animus nocendi)[72].
Carlos Alberto da Mota Pinto afirma que «basta a consciência de criar ou manter uma situação de erro, mesmo que não seja esse o propósito de quem a cria ou mantém»[73].
Pedro Nunes de Carvalho assume que o dolo, enquanto vício da vontade, significa a «consciência e voluntariedade de provocar um resultado ilícito (…) consistente em enganar alguém»[74]. No mesmo sentido, parece situar-se a opinião de Pedro Pais de Vasconcelos[75].
Paulo Mota Pinto também afasta a ideia da relevância da negligência, sublinhando que «não basta que o erro tenha sido provocado apenas negligentemente, sem intenção ou consciência do engano. Nesse caso de erro provocado negligentemente pela contraparte, através do fornecimento de informações inexactas, existirá culpa na formação dos contratos e a correspondente obrigação de indemnizar, mas cremos que o declarante só poderá anular por “simples erro”, e desde que verificados os respectivos requisitos»[76]. Reforçando, posteriormente, noutra sede, ao referir que que a provocação culposa do erro pode, apenas, relevar em sede de responsabilidade pré‑contratual[77].
O dolo pressupõe a adopção de um comportamento (positivo ou negativo) voluntário por parte do declaratário ou de terceiro (o deceptor) que, por via da utilização de palavras ou do silêncio intencional ou consciente quando havia um dever de elucidar, assim como o recurso a expedientes e a outras técnicas, faz o declarante cair em erro ou não o elucida do erro em que este incorreu espontaneamente[78].
O dolo trata-se de um erro provocado pelo comportamento de outro sujeito e quando exista a intenção de induzir ou manter em erro[79].
Sónia Moreira conclui que que vigora no artigo 253.º um conceito restrito de dolo, o conceito tradicional, onde apenas cabe o dolo eventual, mas já não a negligência consciente[80].
Na doutrina brasileira, pode ser consultada a lição de Renan Lotufo que sustenta que «o dolo se caracteriza pela presença de quatro elementos: “1º) a intenção de induzir o declarante a praticar o acto; 2º) que os artifícios empregados sejam graves; 3º) que tenham sido a causa determinante da declaração; 4º) que procedam da outra parte, ou que sejam por esta conhecidos, se procedentes de terceiros”»[81].
Em dissonância, posiciona-se Nuno Oliveira que perfilha um conceito alargado de dolo, onde pugna que o artigo 253.º, quanto ao dolo comissivo, abarca condutas não intencionais com negligência consciente[82]. Menezes Leitão comunga deste pensamento, ao referir‑se ao art. 898.º, considera que a expressão “dolo” aí empregue é a mesma do art. 253.º, sendo que este abrangeria não só o ilícito intencional como também “o praticado com negligência consciente”[83]. E a mesma interpretação está presente na tese de Eva Moreira da Silva.
Num esforço de síntese, temos por adquirido que o dolo é a conduta maliciosa praticada por uma das partes ou por terceiro com o objectivo de levar o outro contratante a erro sobre as circunstâncias reais do negócio, de modo a manifestar vontade que lhe seja desfavorável, e que ele não manifestaria, não fosse o comportamento ilícito de que foi vítima.
Por outras palavras, é o comportamento que induz alguém a concluir um contrato por engano. Embora não haja uma coincidência conceptual com o dolo criminal, também nesta sede se exige que exista uma consciência e vontade de engano, que tem de estar suportada em factualidade reportada ao elemento subjectivo do tipo, uma vez que animus decipiendi não se presume, tendo de estar incluído na decisão de facto. E, neste particular, nada é dito quanto ao elemento subjectivo.
Perscrutada o conspecto factual apurado, verifica-se que a consciência e a vontade do declarante no sentido que o seu comportamento irá induzir outrem em erro não consta do elenco dos factos provados, os quais contém apenas a descrição objectiva da conduta e que não suporta qualquer elemento subjectivo reportado à consciência e à voluntariedade de provocar um resultado ilícito tendente a enganar alguém.
Deste modo, por esta via, a matéria de facto não disponibiliza os pressupostos fácticos de que dependeria a declaração de anulabilidade do seguro, cumprindo a exigência vertida no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, o que se traduz num facto impeditivo da anulabilidade do contrato de seguro e do alegado direito com base no qual a Autora formulou os seus pedidos.
Assim nesta perspectiva, não estão, pois, preenchidos os pressupostos da invalidade do contrato, por via da invocada anulabilidade indexada ao dolo negocial.
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4.1.4 – Da falta de proporcionalidade entre a extinção contratual e a inexactidão verificada:
A lei apenas exige a prova da dupla causalidade – ou seja, o dolo do declaratário o induziu em erro ou dissimulou o erro em que incorreu espontaneamente (essencialidade absoluta) e que o engano foi determinante para a celebração daquele acordo (essencialidade relativa) – e por norma, não é requisitado um nexo causal relacionado com o resultado ou causa ontológica verificada.
No entanto, este evento naturalístico também não pode ser absolutamente ignorado em ordem a apurar se a inexactidão cometida é suficiente para determinar a anulabilidade do contrato.
Ainda que fossem rejeitadas as soluções jurídicas anteriores, a actividade interpretativa é levada a cabo pelos Tribunais como sempre como postulado o princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três sub-princípios: da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Ou seja, na aplicação do direito não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos e isso ocorre claramente neste caso, tal como é implicitamente reconhecido pela sentença recorrida.
Consta da fundamentação da matéria de facto que «Dr. (…) explicou que este decesso deveu-se a hipertrofia do coração, sendo que o de cujus apresentava as artérias coronárias com sinais de aterosclerose, o que poderá ter levado a uma arritmia maligna por fibrilação ventricular (conclusão que não foi possível confirmar). Indagado a este propósito, o médico foi claro ao explicar que, para esta causa da morte (hipertrofia do coração e aterosclerose grave das coronárias), a apneia do sono não tem contribuição direta.
Por seu turno, o Dr. (…) indicou, a esse propósito, que a patologia diagnosticada a (…) corresponde a um fator que incrementa o risco de doença cardiovascular, sendo certo que ainda é desconhecido o mecanismo que poderá unir, apneia do sono, a doença cardiovascular e a formação de placas de aterosclerose.
Dito de uma outra forma e quiçá mais clara: dos testemunhos produzidos em juízo, quer por parte destes dois médicos, quer por parte dos outros clínicos ouvidos, o Tribunal apenas pôde concluir que a apneia do sono é um fator que incrementa o risco de doença cardiovascular, sendo certo que não é, de todo, possível afirmar que a causa da morte de (…) esteja forçosa e inexoravelmente unida à apneia do sono que tinha diagnosticada e que tenha sido este diagnóstico que determinou o trágico desfecho do de cujus».
Estes contributos deram origem à fixação dos factos 17) – causa natural de morte derivada de hipertrofia do coração e aterosclerose grave das coronárias –, 18) – o falecido apresentava um diagnóstico de síndrome da apneia obstrutiva do sono grave, encontrando-se, desde então, sob ventiloterapia no período noturno – 19) – a apneia do sono não tem contribuição directa para a morte, embora se conheça que, estatisticamente, o diagnóstico desta doença deriva num risco mais elevado de doença cardiovascular – 20) – à data da subscrição do seguro de vida com a Ré, o de cujus havia melhorado da apneia do sono.
Efectivamente, por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, a anulação do contrato só poderia fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que, por força do comportamento intencional ou da omissão comissiva, causasse dano directamente e de forma relevante à contraparte, objectivamente imputável àquela conduta.
Numa leitura segundo um critério de razoabilidade e de equidade a relação concretamente existente entre a carga coactiva e repressiva decorrente da anulabilidade do contrato e a circunstância de a morte ocorrida não poder ser relacionada com a doença não declarada sempre imporia que, em face das circunstâncias do caso concreto, não operasse a anulação seguro contratualizado.
Por conseguinte, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, determinando que a seguradora proceda ao pagamento do capital em divida, à data do óbito aos respectivos beneficiários, no montante global de € 42.894,75 (quarenta e dois mil e oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos).
Relativamente ao segundo pedido, lida a matéria de facto, não existe qualquer facto de suporte que permita a procedência da referida pretensão.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré a proceder ao pagamento da “Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.” da quantia de € 42.849,75, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré da parte remanescente do pedido.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 27/06/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Vítor Sequinho dos Santos
Maria Domingas Simões


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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Ficou exarado na sentença que: «consigna-se que a demais factualidade constante dos articulados não foi considerada por se tratar de matéria conclusiva, repetitiva, de mera impugnação, de direito, ou não interessar para a boa decisão da causa».
[7] José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 94.
[8] Moutinho de Almeida, O Contrato de Seguro no direito português e comparado, pág. 23.
[9] Contrato de Seguro Terrestre, vol. I.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/07/2016, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Artigo 455.º (Conceito e modalidades do seguro de vidas):
Os seguros de vidas compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras combinações semelhantes ou análogas.
§ Único. O segurador pode, nos termos deste artigo, tomar sobre si o risco da morte do segurado dentro de certo tempo ou o da prolongação da vida dele além de um termo prefixado.
[12] Artigo 429.º (Nulidade do seguro por inexactidões ou omissões):
Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.
[13] Artigo 443.º (Noção):
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
[14] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1970, págs. 251-252.
[15] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2ª edição, revista e actualizada, pág. 134.
[16] Artigo 219.º (Liberdade de forma):
A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir.
[17] Artigo 220.º (Inobservância da forma legal):
A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
[18] Artigo 32.º (Forma):
1 - A validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial.
2 - O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro.
3 - A apólice deve ser datada e assinada pelo segurador.
[19] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/05/2012, divulgado em www.dgsi.pt.
[20] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 10/2001, publicado no Diário da República 298, Série I-A, de 27 de Dezembro de 2001.
[21] Ficou exarado no acórdão da Relação do Tribunal do Porto de 14/06/1988, Colectânea de Jurisprudência 1988, tomo III, pág. 239, que «a necessidade da proposta-questionário resulta da circunstância de o segurador não poder proceder a minuciosas indagações, sempre que efectua qualquer seguro, sendo por isso levado a confiar na lealdade do segurado e ficando aquela a fazer parte integrante do contrato».
[22] Conforme escreve Moitinho de Almeida, em Contrato de Seguro, pág. 74, o questionário médico consiste «numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado assente na probabilidade das informações e na boa-fé deste último com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo redundar em prejuízo daquele».
[23] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/03/2019, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2017, processo 349/14.5TBMTA.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[25] José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 211.
[26] Artigo 227.º (Culpa na formação dos contratos):
1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.º.
[27] Margarida Lima Rego [Coord.] – Temas de Direitos dos Seguros. 2.ª ed. revista e aumentada, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 364.
[28] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2018, pesquisável em www.dgsi.pt.
[29] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2016, presente na plataforma www.dgsi.pt.
[30] Neste sentido, também pode ser lido em www.dgsi.pt o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2011, que assume que: «O “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão».
[31] É entendimento do Supremo Tribunal Justiça que o questionário não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeitos de vinculação da seguradora aos referidos deveres, não lhes sendo aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG), conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2011, consultável em www.dgsi.pt.
[32] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2015, cuja leitura pode ser realizada em www.dgsi.pt.
[33] Artigo 25.º (Omissões ou inexactidões dolosas):
1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
4 - O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.
5 - Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.
[34] Artigo 247.º (Erro na declaração):
Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
[35] Artigo 251.º (Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio):
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º.
[36] Artigo 254.º (Efeitos do dolo):
1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.
2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido.
[37] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/11/2018, visitável em www.dgsi.pt.
[38] Artigo 253.º (Dolo):
1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções.
[39] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, reimpressão, Coimbra, 1998.
[40] João de Castro Mendes, Direito Civil – Teoria Geral, AAFDL, Lisboa., págs. 106 a 164.
[41] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 81 a 116.
[42] Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I 4.ª edição – com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, págs. 235 a 238.
[43] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. (actualizada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 526.
[44] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, págs. 155-161.
[45] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I – Parte Geral: Introdução, Doutrina Geral, Negócio Jurídico, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, págs. 812 a 838.
[46] António Menezes Cordeiro, Dolo na conclusão do negócio/Culpa in contrahendo, in Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/1993, O Direito, ano 125.º (1993), I-II, págs. 157-174.
[47] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, págs. 222-225.
[48] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. III – Contratos em especial, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010.
[49] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, págs. 674 a 677.
[50] Heinrich Ewald Hörster, A parte Geral do Código Civil português, Almedina, Coimbra, págs. 568 a 585.
[51] Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, págs. 314 e 315, n.º 288.
[52] Paulo Mota Pinto, «Falta e vícios da vontade – o Código Civil e os regimes mais recentes», in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, A parte geral do Código e a teoria geral do direito civil, Coimbra Editora, vol. II, Coimbra, 2006.
[53] Paulo Mota Pinto, Requisitos para a relevância do erro nos princípios de direito europeu dos contratos no Código Civil português, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles (Estudos organizados pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão e Januário da Costa Gomes), Vol. IV: Novos estudos de direito privado, Almedina, Coimbra.
[54] Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade – Dogmática e jurisprudência em diálogo, Gestlegal, Coimbra, 2020.
[55] Nuno Manuel Pinto Oliveira, «Sobre o conceito de dolo dos artigos 892.º e 908.º do Código Civil», in Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais – Homenagem aos profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007.
[56] Nuno Manuel Pinto Oliveira, Direito dos contratos civis, AEDUM, 2006.
[57] Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de compra e venda: noções fundamentais, Almedina, Coimbra, 2007.
[58] Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989.
[59] Pedro Nunes de Carvalho, «Considerações acerca do erro em sede de patologia da declaração negocial», Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 52, n.º 1 (Abril 1992), págs. 169-182.
[60] José Alberto Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao regime do Código Civil (artigos 217.º a 295.º), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, págs. 63 a 69.
[61] Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil – Parte Geral, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 1995, págs. 617 a 643.
[62] Sónia Moreira, “A interpretação do conceito de dolo do artigo 253.º”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva, Vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013.
[63] Eva Moreira da Silva, As relações entre a responsabilidade pré-contratual por Informações e os Vícios da Vontade (Erro e Dolo) – O caso da indução negligente em erro, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2024.
[64] Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, págs. 606-613.
[65] José Dias Ferreira, Código Civil Portuguez Annotado, 2.ª ed., vol. II, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895, págs. 12 a 15.
[66] Guilherme Alves Moreira, Instituições do Direito Civil português, vol. I, Parte Geral, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1907, págs. 409 a 426.
[67] José Tavares, os princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. II – Pessoas, cousas, factos jurídicos, Coimbra Editora, Coimbra, 1928, págs. 485 a 512.
[68] Luiz da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil – Em comentário ao Código Civil português, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 1931, págs. 292 a 320.
[69] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, reimpressão, Coimbra, 1998, pág. 262.
[70] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pág. 108.
[71] João de Castro Mendes, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II, AAFDL, 1995, pág. 158.
[72] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 228.
[73] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. (actualizada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 526.
[74] Pedro Nunes de Carvalho, «Considerações acerca do erro em sede de patologia da declaração negocial», cit., págs. 179 e 180.
[75] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 675.
[76] Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, Coimbra, Almedina, 1995, págs. 314 e 315, n.º 288.
[77] Paulo Mota Pinto, «Falta e vícios da vontade – o Código Civil e os regimes mais recentes», in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. II, A parte geral do Código e a teoria geral do direito civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 482.
[78] Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 607.
[79] Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade – Dogmática e jurisprudência em diálogo, Gestlegal, Coimbra, 2020, págs. 123 e 124.
[80] Sónia Moreira, “A interpretação do conceito de dolo do artigo 253.º”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva, Vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, pág. 523.
[81] Renan Lotufo, Código Civil comentado: parte geral (arts. 1o a 231), cit., v. 1, pág. 399.
[82] Nuno Manuel Pinto Oliveira, «Sobre o conceito de dolo dos artigos 892.º e 908.º do Código Civil», in Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais – Homenagem aos profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, págs. 727 e 728.
[83] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. III – Contratos em especial, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 107.