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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
PRAZO
Sumário
1 - Ao consagrar no artigo 1096.º/1, do Código Civil um prazo mínimo de 3 anos para a renovação automática do contrato de arrendamento, independentemente de a duração inicial do contrato ser inferior, o legislador quis ali estabelecer imperativamente um prazo mínimo de renovação. 2 – A proteção da estabilidade do arrendamento está, ao invés, consagrada no artigo 1097.º/3, do Código Civil (norma dotada de imperatividade) de acordo com a qual a oposição à primeira renovação do contrato por parte do senhorio apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se em vigor até essa data. Pois que esta solução obriga, de forma indireta, a uma vigência mínima de três anos dos contratos de arrendamento com prazo certo (cuja renovação automática não haja sido afastada pelas partes). (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 7/24.2YLPRT.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Maria Socorro de Matos Peixoto Imaginário
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…) e (…), requeridos no procedimento especial de despejo que lhes foi movido por (…), SA, interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Santarém, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou improcedente a oposição deduzida pelos primeiros ao pedido de despejo imediato do imóvel melhor identificado nos autos e, em consequência, condenou os requeridos a entregarem à requerente, no prazo de 30 dias, o locado melhor identificado nos autos, livre de pessoas e bens, autorizando a entrada no domicílio.
Na ação a autora (…), SA pediu o despejo imediato da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 1.º frente, com entrada pelo lote 2 da Cova das (…), (…), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Marvila, freguesia de Santarém, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…) da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo (…), com fundamento em extinção do contrato de arrendamento, por válida e tempestiva a comunicação de oposição à renovação, pedindo a sua entrega livre e devoluta de pessoas e bens.
Em sede de oposição ao procedimento em causa os requeridos alegaram, em síntese, que celebraram com a sociedade “Manuel (…) e (…), Lda.” um contrato-promessa de compra e venda do imóvel objeto do contrato de arrendamento, tendo aquela sociedade, entretanto, sido declarada insolvente; nessa sequência o imóvel veio a ser adquirido pelo Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento; no ano de 2005, os requeridos passaram a viver no imóvel, mas em 2013 o referido Fundo Imobiliário fez acordo com os requeridos, celebrando um contrato de arrendamento pelo prazo de cinco anos, renovável por igual período; porém, em 15 de maio de 2023 e 21 de junho de 2023, a requerente enviou-lhes cartas registadas, manifestando a intenção de oposição à renovação do contrato de arrendamento, às quais os requeridos responderam, dando-lhe a conhecer que desconheciam a qualidade de proprietária do imóvel por não terem sido notificados para exercerem o direito de preferência e invocaram que a comunicação deveria ter sido efetuada com uma antecedência mínima de 240 dias (e não de 120 dias) porque o contrato de arrendamento tem uma duração superior a 6 anos; assim, a renovação do contrato de arrendamento deveria ter ocorrido em 30 de março de 2023 e não em 30 de novembro de 2023.
Não houve resposta à matéria de exceção.
Mediante despacho proferido em 31.01.2024 o tribunal a quo convidou os requeridos a informarem nos autos se estava pendente alguma ação relacionada com a alegada preterição do exercício de opção de compra do imóvel em causa nos autos e ordenou a notificação da requerente para, querendo, se pronunciar sobre a exceção de não cumprimento do prazo previsto no artigo 1097.º, alínea a), do Código Civil invocada pelos requeridos.
Nem os requeridos nem a requerente responderam ao convite do tribunal.
O tribunal conheceu do pedido em sede de despacho saneador, o qual é objeto do presente recurso.
I.3.
As alegações dos apelantes culminam com as seguintes conclusões: «1– Consideram os Recorrentes, por todo o exposto, que a Sentença ora em crise violou o artigo 1096.º, n.º 1, do C.C, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13.02.2019 (artigo 16.º da Lei), obrigou a que o prazo de renovação não fosse inferior a três anos.
2 - O tribunal a quo não interpretou a norma no sentido adequado, nomeadamente, sobre o facto essencial dado por assente (número quatro) e do qual decorreu a decisão (facto número cinco) do contrato de arrendamento;
3 – A norma da nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do C.C., deve ser interpretada no sentido de que o prazo inicial de cinco anos foi renovado por períodos sucessivos de três anos;
4 - Em consequência, a renovação contratual que ocorreu em 30 de novembro de 2018, teve como prazo os três anos, e renovou-se de novo em 30 de novembro de 2021 por mais três anos até 30 de novembro de 2024, porque não denunciado na data da última renovação. Com os presentes Autos pretende-se obter uma decisão que:
5 - Absolva os Recorrentes da condenação: “I – Condeno os Requeridos (…) e (…) a, no prazo de 30 (trinta) dias, entregar à Requerente “(…), S.A.” o locado, livre e devoluto de pessoas e bens; II – Autorizo a entrada no domicílio; III– Fixo o valor da acção em € 10.800,00 [dez mil e oitocentos euros]; IV – Condeno os Requeridos nas custas do processo, sem prejuízo do benefício, benefício de apoio judiciário que lhe haja sido concedido.”
6 - Reconheça como válida a oposição deduzida pelos Recorrentes ao despejo imediato da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 1.º frente, com entrada pelo lote 2 da Cova das (…), (…), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Marvila, freguesia de Santarém (Marvila), concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o número (…) da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo (…), com fundamento em extinção do contrato de arrendamento, e em consequência,
7 - Reconheça o direito à validade e vigência do contrato de arrendamento urbano por renovação do mesmo em 30 de novembro de 2021, por três anos nos termos e com os efeitos do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, até 30 de novembro de 2024.
Termos em que se deverá ser revogada a Decisão proferida em primeira Instância, e absolvidos os Recorrentes com as consequências legais.
Eis quanto nos parece, mas
Melhor dirão V. Excelências,
E, assim, se fará JUSTIÇA.»
I.4.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O tribunal de primeira instância recebeu o recurso.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
No caso as questões a decidir no recurso são as seguintes:
1 – Questão prévia: restrição do objeto inicial do recurso.
2 – Saber se ocorre erro de julgamento de direito.
II.3. FACTOS O Tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: 1 - Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob a ficha …/…-H, o prédio urbano destinado a habitação, constituído em propriedade horizontal pela fração, entre outas, “H”, correspondente ao 1.º Frente, com entrada pelo Lote 2 da Cova das (…) – (…), freguesia de Santarém (Marvila). 2. A aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio, pela Ap. 523 de 2022/01/31, encontra-se inscrita em nome da Requerente “(…), S.A.”, por compra a “Solução Arrendamento – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”. 3. Por documento escrito datado de 01 de Dezembro de 2013, intitulado de “contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo e com opção de compra”, a entidade “Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional – Solução Arrendamento”, cedeu aos Requeridos (…) e (…), estes na qualidade de arrendatários, o uso e fruição para fins habitacionais da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 1.º Frente, com entrada pelo Lote 2 da Cova das (…) – (…), freguesia de Santarém (Marvila), descrito na conservatória do Registo Predial de Santarém sob a ficha …/…-H, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…). 4. Do referido acordo ficou estipulado que a duração da cedência do referido imóvel seria pelo período de 5 (cinco) anos, com início em 01 de dezembro de 2013 e termo em 30 de novembro de 2018, e a renovar-se por períodos iguais e sucessivos de 1 (um) ano, salvo denúncia por qualquer das partes. 5. Estabeleceram ainda as partes, na sua cláusula 3, que “o Senhoria poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao Arrendatário por carta registada com aviso de receção, com antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações.” 6. Ficou ainda estabelecido naquele acordo que pela cedência do referido imóvel, o Requerido pagaria o montante mensal de € 360,00 [trezentos e sessenta euros]. 7. Na cláusula nona do referido acordo, foi firmado que o Senhorio confere ao Arrendatário o direito de adquirir a fração autónoma objeto do presente contrato, nos termos e condições dos Anexos 3 e 4, que dele fazem parte integrante. 8. Do anexo 3 ao referido acordo, intitulado de opção de compra, as partes firmaram ainda o seguinte acordo:
(…) 9. Por missiva postal datada de 15 de maio de 2023, intitulada de “oposição à renovação do contrato de arrendamento”, a Requerente comunicou aos Requeridos que os efeitos do acordo referido em 3 cessavam em 30.11.2023, “devendo desocupar o locado nessa data”. 10. O respetivo A/R foi assinado em 17.05.2023 por (…). 11. Por missivas postais datadas de 21 de junho de 2023, intituladas de “oposição à renovação do Contrato de Arrendamento”, a Requerente comunicou aos requeridos “oposição à renovação, por iniciativa da Senhoria (…)” referente ao imóvel referido em 1 e que a comunicação respeitava a antecedência de 120 dias previstos contratualmente, e que “o referido contrato cessará os seus efeitos em 30/11/2023.” 12. As missivas postais referidas em 9 foram rececionadas em 23.06.2023 por (…). 13. Em respostas, os requeridos remeteram à requerente missiva postal, datada de 15.11.2023, comunicando-lhes que desconhecem a posição da Requerente referente ao contrato de arrendamento, e que caso tivesse existido transmissão da posição contratual nunca forma para tal notificados o que virá a ser aferido em sede própria”. II.4. Questão prévia: restrição do objeto do recurso
Dispõe o artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil que «nas conclusões do recurso, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso».
Explicando este normativo legal, diz Abrantes Geraldes[1]: «Independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, é-lhe ainda legítimo restringir o objeto do recurso nas alegações ou, mais corretamente, nas respetivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. Em resultado do que consta do artigo 639.º, n.º 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação. Salvo quando se trate de matéria de conhecimento oficioso que, no âmbito do recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem.
A eventual restrição do objeto do recurso em comparação com o âmbito mais alargado resultante do requerimento de interposição pode ser expressamente formulada pelo recorrente, nas conclusões, identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artigo 632.º, n.º 5, com a especificidade de a extinção da instância de recurso ser, aqui, parcial. Essa restrição pode ser tácita quando se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição do recurso, e até da sua motivação, o recorrente restrinja o seu objeto através das questões identificadas nas respetivas conclusões. (…)».
No caso que nos ocupa, os recorrentes arguem em sede de motivação de recurso a nulidade da sentença, erro de julgamento da matéria de facto e errada aplicação do direito.
Porém, em sede de conclusões limitam-se a invocar um suposto erro de julgamento de direito, alegando que a sentença violou o artigo 1096.º/1, do Código Civil na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, e que «obriga que o prazo de renovação não possa ser inferior a três anos».
Por conseguinte, e em face do exposto supra, entende-se que os apelantes restringiram o objeto do seu recurso a um suposto erro de julgamento de direito, pelo que esta será a única questão a decidir por este tribunal de segunda instância.
II.5. Apreciação do mérito do recurso
Está em causa no presente recurso uma decisão judicial que julgou improcedente a oposição ao pedido de despejo imediato deduzido pela aqui apelada e que teve como objeto o imóvel melhor identificado nos autos, por ter considerado que a oposição à renovação do contrato por banda da senhoria foi realizada «de acordo com os preceitos legais aplicáveis, no prazo legal, tendo sido eficaz de molde a operar a não renovação do contrato, com efeitos em 01.12.2023» e, consequentemente, condenou os requeridos a entregarem à requerente, no prazo de 30 dias, o locado livre de pessoas e bens.
Por via do presente recurso os apelantes pretendem que este tribunal de segunda instância revogue a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, reconhecendo a validade e vigência do contrato de arrendamento «por renovação do mesmo em 30 de novembro de 2021, por três anos e até 30 de novembro de 2024». Em síntese, dizem os apelantes que o tribunal a quo errou ao não ter «equacionado a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12.02 que veio estatuir um prazo de renovação do contrato nunca inferior a 3 anos. Defendem, em conformidade, que por força da nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, após o prazo inicial de cinco anos, o contrato de arrendamento em causa renovou-se, sucessivamente, por mais três anos, ou seja, até 30 de novembro de 2021 e, depois, até 30 de novembro de 2024, pelo que só cessará a sua vigência nesta última data. Quid juris?
Como ponto prévio se dirá que a questão ora colocada, a saber, a aplicação ao contrato em causa nos autos do artigo 1096.º/1, do Código Civil na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02 não foi suscitada pelos requeridos/apelantes em sede de primeira instância ou sequer foi ponderada por aquele tribunal. Não obstante, e apesar da “novidade” da questão, tratando-se de matéria de direito o tribunal de segunda instância pode conhecê-la em sede de recurso. E como se trata de questão que foi alegada pelos apelantes no seu recurso e a apelada foi notificada das alegações tendo tido, portanto, a oportunidade de exercer o respetivo contraditório (optando por não o exercer) este tribunal pode conhecer de imediato da questão em apreço.
Dito isto, apreciemos.
Está provado que o contrato de arrendamento em causa nos autos foi outorgado em 1 de dezembro de 2013, entrou em vigor na mesma data e foi celebrado pelo período de cinco (5) anos, tendo sido estipulado pelas partes que o mesmo se renovaria por períodos iguais e sucessivos de um (1) ano, salvo denúncia por qualquer uma delas. Por conseguinte, as partes celebraram um contrato de arrendamento a termo certo, não tendo afastado a renovação automática do mesmo, o que não vem posto em causa no presente recurso.
À data da celebração do referido contrato estava em vigor o seguinte regime jurídico, introduzido pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto:
- Artigo 1095.º do Código Civil, epigrafado de Estipulação de prazo certo:
«1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 – O prazo referido no número anterior não pode ser superior a 30 anos, considerando-se automaticamente reduzido ao referido limite quando o ultrapasse».
- Artigo 1096.º do Código Civil epigrafado Renovação automática:
«1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número anterior.
2 – Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 – Qualquer das partes pode opor-se à renovação nos termos dos artigos seguintes».
- Artigo 1097.º do Código Civil epigrafado Oposição à renovação deduzida pelo senhorio:
«1 – O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 – A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação».
À luz do regime jurídico acima transcrito os contratos de arrendamento celebrados com prazo certo não tinham de ter um prazo mínimo imperativamente determinado por lei e, em regra, salvo estipulação em contrário (e ressalvados os contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias), o contrato de arrendamento renovava-se automaticamente por sucessivos períodos de igual duração ao prazo inicial.
No dia 13 de fevereiro de 2019 entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12.02, que veio proceder, para o que ora releva, à alteração dos artigos 1095.º, 1096.º e 1097.º do Código Civil. Assim, por força da entrada em vigor daquele diploma legal aqueles normativos legais passaram a estatuir o seguinte: Artigo 1095.º:
«1 – O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 – O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um ano nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
3 – O limite mínimo previsto no número anterior não se aplica aos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados». Artigo 1096.º:
«1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos no n.º 3 do artigo anterior.
3 – Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes». Artigo 1097.º:
«1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
e) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
f) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovaçãofor igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
g) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
h) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 – A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 – A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do número seguinte.
4 – Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e n.ºs 1, 5 e 9, do artigo 1103.º».
Com o novo regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 continuou a permitir-se que as partes afastem a renovação automática do contrato de arrendamento com termo certo e que estipulem um período distinto do inicial no caso de renovação do contrato. Aquela lei aditou, todavia, uma limitação temporal à duração do período de vigência de contrato subsequente a essa renovação que consta do artigo 1096.º/1, do CC: estatui o segmento final deste preceito legal uma renovação automática do contrato de arrendamento com termo certo pelo período mínimo de 3 anos, independentemente de a duração inicial do contrato ser inferior.
Considerando que as alterações legislativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam aos contratos de arrendamento em curso à data da sua entrada em vigor, por força do disposto no artigo 12.º/2, do Código Civil, a questão que se coloca – e que tem dividido a doutrina e a jurisprudência – é a de saber se quando o artigo 1096.º/1, do Código Civil na sua parte inicial ressalva a “estipulação em contrário” se refere unicamente ao primeiro segmento em termos de permitir apenas às partes afastarem, ao abrigo da liberdade contratual, a renovação automática do contrato, ou, pelo contrário, se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando desta forma às partes acordarem períodos de renovação do contrato com uma duração inferior a três anos.
Na doutrina e jurisprudência há quem defenda a integral supletividade do artigo 1096.º/1, do Código Civil, ou seja, que o legislador pretendeu que as partes fossem livres de afastar a renovação automática do contrato e de regular os termos dessa renovação, podendo estipular prazos diferentes – porventura menores do que aqueles fixados na lei –, caso optem pela renovação automática do contrato no seu termo, e outros que sustentam que a autonomia contratual das partesse restringe à possibilidade de afastamento da renovação do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos, impondo a lei um limite mínimo de três anos à renovação do contrato – vide, por todos, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 20.09.2023[2], o qual faz uma resenha das posições em confronto, acabando a defender que «na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02., os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos».
Quanto a nós, desde já adiantamos, perfilhamos a tese da integral supletividade do artigo 1096.º/1, do Código Civil para a qual aponta, desde logo, o texto da lei, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos corretos (artigo 9.º/3, do Código Civil). Com efeito, a expressão “salvo estipulação em contrário”, colocada no início do preceito legal, abrange tudo o que nele se prevê, a saber, a renovação automática do contrato no seu termo e a duração do período de renovação. Acresce que se o legislador permite às partes optarem por não renovar o contrato, deve entender-se que permitirá o menos, isto é, que elas regulem os termos da renovação (quando a não afastem), ainda que essa regulação implique a estipulação de prazos de renovação inferiores ao prazo inicial de duração do contrato (argumento “a maiori ad minus”: a lei que permite o mais também permite o menos).
Não se olvida que embora a interpretação deva partir do texto da lei, o intérprete não pode deixar de atender ao pensamento do legislador, isto é, ao fim por aquele visado ao elaborar a norma (ratio legis) pois como estatui o artigo 9.º/1, do Código Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo. A este propósito tem-se dito que «(…) a Lei n.º 13/2019, de 12-02, que introduziu várias alterações ao regime do arrendamento urbano tendo como escopo, como se diz no preâmbulo da mesma, “(…) estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de espacial fragilidade (…) procedendo a alterações, para além do mais, ao Código Civil, mormente ao seu artigo 1096.º, n.º 1» – Ac. RE de 25.01.2023, processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, relatora Adelaide Domingos, consultável em www-dgsi.pt –, que «(…) na Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.º 129/XIII, que esteve na base da Lei n.º 13/2019 (…) consta que “é necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios (…). Pretende-se que estas medidas contribuam para minorar uma vulnerabilidade histórica e estrutural de competitividade da habitação permanente face a outros usos potenciais, e responder à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos agregados familiares que permaneceram ao longo de décadas numa habitação arrendada, sobretudo, das pessoas de idade mais avançada, perante o risco de cessação de contratos de arrendamento decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços. Para tal é essencial promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento (…)”. Também no artigo 1.º da Lei n.º 13/2019 se enuncia que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. Assim, concluímos que o legislador teve como objetivo a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato» – Ac. RG de 11.02.2021, processo n.º 1423/20.4T8GMR.G1, relatora Raquel Batista Tavares, consultável em www.dgsi.pt.
Não se põe aqui em causa que a Lei n.º 13/2019 visou efetivamente tutelar a posição do inquilino (em detrimento dos senhorios) bem como a estabilidade do arrendamento. A título de exemplo: na disposição transitória prevista no seu artigo 14.º, n.º 5, as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018, de 16 de julho (Lei da Suspensão dos Despejos) (ou seja, entre 17.07.2018 e 31 de março de 2019) aos arrendatários por ela abrangidos, não produzem quaisquer efeitos, a menos que tenham por fundamento as necessidades de habitação do senhorio e dos seus descendentes em 1º grau; da disposição transitória prevista no seu artigo 14.º, n.º 3, resulta que nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada celebrados ao abrigo do RAU, cujo arrendatário à data da entrada em vigor do diploma (13.02.2019 – artigo 16.º) residisse há mais de 20 anos no locado e tivesse idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, o senhorio apenas poderá opor-se à renovação do contrato ou proceder à sua denúncia se tencionar demolir o locado ou nele proceder às obras de remodelação ou restauro profundos referidas na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil; a lei n.º 13/2019, de 12.02 aditou alínea b) ao artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27.02, estendendo a impossibilidade de transição do contrato de arrendamento para o NRAU ao inquilino que invoque que reside há mais de cinco anos no locado – cônjuge, unido de facto ou parente do arrendatário no primeiro grau da linha reta (filhos ou progenitores do arrendatário), desde que possua idade igual ou superior a 65 anos ou uma deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, sendo o RABC do agregado inferior a 5 RMNA.
Não obstante, não se nos afigura que ao consagrar no artigo 1096.º/1, do Código Civil um prazo mínimo de 3 anos para a renovação automática do contrato de arrendamento, independentemente de a duração inicial do contrato ser inferior, o legislador tenha querido estabelecer imperativamente um prazo mínimo de renovação, imperatividade que na perspetiva daqueles que defendem que a autonomia contratual das partes se restringe à possibilidade de afastamento da renovação do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos se inseriria numa lógica de garantia da estabilidade do arrendamento. Aliás, se assim fosse, como contabilizar essa imperatividade com a remissão operada no artigo 1096.º/3, para o regime de oposição à renovação do contrato previsto no artigo 1097.º, n.º 1, do Código Civil onde estão previstos prazos de renovação inferiores a três anos [artigo 1097.º, n.º 1, alíneas b), c) e d)]? Dito de outra forma, o texto da lei, na interpretação que defendemos, conjuga-se com o disposto no artigo 1097.º/1, do Código Civil, onde estão previstos prazos de renovação do contrato inferiores ao período de três anos.
Julgamos nós que a proteção da estabilidade do arrendamento está, ao invés, consagrada no artigo 1097.º/3, do Código Civil (essa sim uma norma dotada de imperatividade) de acordo com a qual a oposição à primeira renovação do contrato por parte do senhorio apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se em vigor até essa data. Pois que esta solução obriga, de forma indireta, a uma vigência mínima de três anos dos contratos de arrendamento com prazo certo (cuja renovação automática não haja sido afastada pelas partes). Donde, se o legislador tivesse querido conferir imperatividade ao último segmento do artigo 1096.º/1, do Código Civil porquê então estatuir no artigo 1097.º/3 – esta sim, uma norma imperativa – que a oposição à primeira renovação do contrato de arrendamento por parte do senhorio apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data?
A este propósito escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2023[3]: «(…) a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual a prever-se a renovação do contrato esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovaçãodo contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do n.º 3 do artigo 1097.º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido de vigência do contrato é de três anos a contar da data de celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data da celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no n.º 1 do artigo 1096.º. (…) Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático».
Entendimento que subscrevemos na íntegra.
Volvendo ao caso em apreço.
O contrato de arrendamento foi outorgado em 01 de dezembro de 2013, tendo sido estipulado um prazo de cinco anos, com início em 1.12.2013 e termo em 30.11.2018.
O contrato de arrendamento renovou-se pela primeira vez em 01.12.2018 pelo período de um ano, ou seja, até 30.11.2019.
Aquela renovação automática por um período de 1 ano era válida à luz do regime jurídico vigente à data da sua celebração e é igualmente válida à luz do regime legal introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12.02. E o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil introduzido pela Lei n.º 13/2019 nunca se aplicaria ao contrato aqui em causa, não apenas porque aquela lei entrou em vigor já depois de ter ocorrido a primeira renovação do contrato, mas também porque o contrato tinha uma duração inicial superior a três anos.
O contrato foi-se renovando por períodos iguais e sucessivos de 1 ano até que, em 21.06.2023, respeitando a antecedência legal de 120 dias prevista no artigo 1097.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, a apelada comunicou aos apelantes a oposição à renovação, e que o contrato cessaria os seus efeitos em 30.11.2023. Por conseguinte,não pode proceder a presente apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
As custas na presente instância são da responsabilidade dos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficiem.
Notifique.
DN.
Évora, 27 de junho de 2024
Cristina Dá Mesquita
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (1º Adjunto)
Isabel Maria Socorro de Matos Peixoto Imaginário (2ª Adjunta)
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 115.
[2] Processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe de Sousa, consultável em www.dgsi.pt.