1. Penhorando-se, na execução movida apenas contra um dos cônjuges, bens pertencentes ao casal, atualmente ex-casal, mas sem que tenha ocorrido a respetiva partilha, impõe a lei processual o cumprimento do disposto no artigo 740.º do CPC.
2. Citando-se o cônjuge, para, querendo, no prazo de 20 (vinte) dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
3. O prazo de 20 dias previsto no artigo 740.º, n.º 1, do CPC é um prazo processual, porque regula o tempo para a prática de um ato de processo.
4. E tem natureza perentória, porque ao contrário do prazo dilatório que “difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo”, impõe a sua prática dentro de um prazo definido, que logo se inicia, e se mostra possível num período limitado de tempo.
5. Findo esse prazo sem se exercer o direito, extingue-se o direito de praticar o ato (artigo 139.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC).
(Sumário da Relatora)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
1. Juntou como título executivo sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo 806/17.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Central Cível ... - Juiz ..., pela qual o ora executado fora condenado a pagar à ora exequente a quantia de € 102.612,07, acrescida de juros de mora desde a citação (14.03.2017) até à data do integral pagamento.
2. Nos autos de execução foi, em 16/12/2021, penhorada a fração autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... E, do prédio urbano sito na Rua ..., Edifício ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88 da freguesia ... (BB) e inscrito na matriz ...55 da referida freguesia.
3. Porque tal fração constituía bem comum do casal, em 15/07/2022 foi citada na qualidade de cônjuge do executado, CC, nos termos do artigo 740.º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução, “tendo o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns”.
4. Prazo que terminava em 20/09/2022 podendo estender-se até 23/09/2022 nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC. 5. Ultrapassado o prazo para o efeito, a ora ex-cônjuge nada veio requerer aos autos, tendo a execução prosseguido com diligências de venda do imóvel comum.
6. Em 10/05/2023 veio o executado impugnar a venda do imóvel penhorado na modalidade de leilão eletrónico, alegando ser a dívida própria e o imóvel penhorado um bem comum, requerendo a suspensão da execução até à partilha.
7. Em 25/10/2023 foi proferida a seguinte decisão:
«(…)
Preceitua o n.º 1 do artigo 740.º do Código de Processo Civil que “Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação judicial já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre bens comuns do casal”.
Feito o enquadramento legal, revertendo agora ao caso dos autos, temos que em 16/05/2021 a «A...- Companhia de Seguros, SA» intentou a presente execução contra AA, indicando como valor da quantia exequenda, € 123.760,19, e porque não foram localizados bens e/ou rendimentos próprios do executado, suficientes para garantir o pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos, em 16/12/2021 o senhor Agente de Execução procedeu à penhora da fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano denominado “Edifício ...”, situado na Rua ... em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...55, penhora essa registada/inscrita pela Ap. ...93, de ../../2021.
A referida fração autónoma designada pela letra ... está inscrita/registada pela Ap. ...3, de ../../2006, a favor de AA, casado com CC, no regime de comunhão de adquiridos, o que significa que se trata de um bem do casal formado pelo executado AA e CC.
Porque a execução foi instaurada apenas contra o cônjuge marido, AA e foi penhorada a fração autónoma designada pela letra ... que constitui um bem comum do casal formado pelo executado e por CC, o senhor Agente de Execução remeteu a DD nota de citação datada de 08/07/2022, citando-a nos termos e para os efeitos previstos no artigo 740.º do Código de Processo Civil, ou seja, para, querendo, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns, sendo a citação concretizada no pretérito dia 15 de Julho de 2022, como resulta do aviso de receção junto aos autos.
Regularmente citada para a execução, DD não veio, no prazo de 20 dias, nem posteriormente, requerer a separação de bens e também não juntou aos autos certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, pelo que a execução prosseguiu, e bem, sobre os bens comuns do casal, não assistindo razão ao executado quando pretende agora que a execução seja suspensa para que seja realizada a partilha.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido pelo executado, não se declarando a suspensão da execução, a qual deverá prosseguir os seus trâmites, o que se determina.
Notifique.»
Inconformado com tal decisão veio o executado recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:
1. O Executado ora recorrente veio aos autos arguir a nulidade da venda e requerer a suspensão imediata da venda do imóvel penhorado na modalidade de leilão eletrónico e impugnar judicialmente a venda do imóvel penhorado na modalidade de leilão eletrónico porquanto o bem imóvel – fração autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... E do prédio urbano sito na Rua ..., Edifício ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88 da freguesia ... (BB) e inscrito na matriz ...55 da freguesia, no valor de € 119.957,30 trata-se de um bem comum do Executado e da sua ex-mulher CC.
2. Por despacho datado de 05-10-2023 (leia-se 25/10/2023) por falta de fundamento legal o tribunal a quo indeferiu o requerido pelo executado, não declarando a suspensão da execução e determinou que a execução prosseguisse os seus trâmites.
3. O Executado ora Recorrente não se conforma com o despacho de que ora se recorre em primeiro lugar porquanto andou mal o tribunal a quo ao considerar que o requerimento carece de fundamento legal.
4. O despacho recorrido viola assim o disposto no artigo 740.º do Código de Processo Civil e a ratio jurídica deste preceito legal, dado que o supra mencionado artigo visa proteger o cônjuge não executado e o seu eventual interesse em que determinados bens comuns integrem o seu quinhão no caso de a execução ter sido movida (e prosseguir) apenas contra o outro.
5. E viola a nossa jurisprudência dominante nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 3859/15.3 T8STB-D.E1, datado de 08-02-2018, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/- C2CD4BC94A33 D55180258239003CAA61 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22-01-2008, Revista n.º 4033/07 - 1.ª Secção.
6. Termos em que deverá ser o despacho recorrido revogado por violação do disposto no artigo 740.º do Código de Processo Civil e consequentemente deverá ser determinada a nulidade do anúncio e logo de todo o processo de venda.
7. Não foram observadas todas as formalidades prescritas na lei.
8. Motivos pelos quais a presente venda deverá assim ser declarada sem efeito e bem assim ser declarada nula porquanto foram omitidas as competentes formalidades legais.
9. Mais se invoca desde já a questão da inconstitucionalidade, por violação dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da Constituição República Portuguesa para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
10. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e em consequência deverá ser proferido outro que declare a nulidade da venda e bem assim todos os respetivos atos subsequentes.
A final requer a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare a nulidade do anúncio de venda, bem assim de todos os respetivos atos subsequentes.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Se existe fundamento para suspender os autos de execução até à partilha do imóvel penhorado.
Apreciando
Prazo que terminava em 20/09/2022 podendo estender-se até 23/09/2022 nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC.
Em tal prazo, a ora ex-cônjuge nada veio requerer aos autos, tendo a execução prosseguido com diligências de venda.
O prazo de 20 dias previsto no artigo 740.º, n.º 1, do CPC é um prazo processual, porque regula o tempo para a prática de um ato de processo.
E, tem natureza perentória, porque ao contrário do prazo dilatório não “difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo”, antes impõe a sua prática dentro de um prazo definido, que logo se inicia, por um período limitado de tempo, findo o qual se extingue o direito de praticar o ato (artigo 139.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC).
O cônjuge do executado foi citado para uma execução já existente e tinha o prazo de 20 dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
Este é um prazo ordenador do processo, findo o qual, nada se diga, a execução prossegue, ficando extinto o direito do cônjuge (ou ex-cônjuge) a que seja suspensa a execução até à partilha.
A natureza deste prazo não se compadece com a concessão de novos prazos para o efeito.
Assim, não tendo o cônjuge do executado requerido no prazo que fora concedido, a suspensão da execução até à partilha do bem comum penhorado, nada obsta ao prosseguimento da execução sobre o mesmo bem.
Dos autos não consta ter sido requerida a separação de bens ou estar pendente ação em que a separação já tenha sido requerida.
Assim, além de o executado ora apelante não ter legitimidade substantiva para o exercício de um direito processual que não lhe cabe exercer, a sua pretensão, não tem também fundamento processual por extinto o direito que, não lhe assistindo, pretende exercer.
Devendo o recurso improceder.
Em suma: (…)