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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
REQUISITOS
Sumário
I – Nos termos em que o n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil se mostra elaborado, só pode existir suspensão de uma ação judicial até à prolação de decisão com trânsito em julgado de uma outra ação judicial – a denominada suspensão devido à pendência de causa prejudicial – quando (i) a relação de prejudicialidade se reportar à decisão da causa da ação dependente; e (ii) na ação da causa prejudicial se apurar facto ou situação que irá influenciar decisivamente a pretensão formulada na causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta assenta. II – Mas mesmo nessas situações, a requerida suspensão pode ainda assim não ser decretada, nos termos do n.º 2 do citado artigo, se (i) houver fundadas razões para crer que a ação da causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da causa dependente; ou (ii) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. III – Em face dos pressupostos previstos no citado artigo entende-se que a ação executiva não pode ser suspensa por ação pendente de causa prejudicial, visto que na ação executiva não se decide qualquer questão sobre o fundo da causa, apenas se executa o direito que já se encontra declarado ou reconhecido no título que serve de base à execução. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 1761/12.0TBTNV-A.E1
2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
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Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório
No âmbito da execução instaurada pelo exequente “A..., S.A.” contra os executados AA e BB, veio a última executada, por requerimento de 08-01-2024, solicitar a suspensão da presente execução, nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
Para o efeito, alegou, em síntese, que deu entrada em juízo, no dia 01-12-2023, ação de justificação de morte presumida do co-executado AA, à qual foi atribuída o n.º 1344/23....
Mais alegou que os factos em discussão em tal processo remontam a 19-11-2013, data do presumido falecimento do executado, tendo, entretanto, decorrido mais de 10 anos.
Alegou, igualmente, que, a comprovar-se a invocada morte presumida, por via da procedência da aludida ação de justificação, a citação edital do co-executado mostrar-se-á ferida de nulidade, atenta a retroatividade dos efeitos que tal decisão importará, nulidade que se arrastará à tramitação subsequente, concretamente, relativamente à adjudicação do imóvel penhorado nos presentes autos e que constitui casa de morada de família da executada.
Concluiu, por fim, que a pendência da ação de justificação por morte presumida constitui, assim, uma questão prévia e prejudicial aos presentes autos, o que determinará a sua suspensão até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida naqueles autos.
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Em 09-01-2024, o tribunal da 1.ª instância proferiu o seguinte despacho:
Tanto quanto os autos evidenciam o co-executado AA foi citado editalmente, tenho consequentemente sido citado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º do Código de Processo Civil.
Não tendo sido por qualquer forma arguida a nulidade da citação do executado nos apontados moldes, tem-se a mesma para todos os efeitos como válida e eficaz.
De nada releva, pois, a circunstância de ter sido instaurada em dezembro último ação especial para declaração de morte presumida do referenciado executado, não consubstanciando a pendência da mesma causa prejudicial impeditiva do normal prosseguimento os presentes autos.
Em conformidade com o que vem de expor-se, indefere-se o requerido.
Notifique e demais d.n..
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Inconformada com tal despacho, veio a executada BB recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
A. A ora Recorrente requereu a suspensão da instância pelo facto de, em novembro de 2023, se ter completado o prazo de 10 anos desde o desaparecimento do aqui executado AA.
B. Tendo, consequentemente, sido instaurada em Dezembro a respetiva ação judicial visando a declaração da sua morte presumida – Proc. n.º 1344/23... do Juízo Local ....
C. Ação esta que a ora recorrente entende ser incidental e prejudicial aos presente autos de execução.
D. No entanto, entendeu o Tribunal a quo que tal factualidade não é impeditiva do normal prosseguimento dos autos de execução.
E. Salvo o devido respeito, entendemos que a decisão que vier a ser proferida naquele processo de justificação de morte presumida terá, necessariamente, repercussões sobre os presentes autos.
Senão vejamos:
F. Aquando da citação do executado, que se mostrou frustrada quer por via postal, quer por intermédio do agente de execução, foi dado conhecimento aos presentes autos do desaparecimento e eventual falecimento do executado, tendo sido determinada a suspensão da instância.
G. Não se mostrando comprovado o óbito, foi ordenando o prosseguimento dos autos, mediante pesquisa da informação sobre o seu último paradeiro ou residência conhecida nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres.
H. Porém, e pese embora haja sido dado conhecimento de processo judicial pendente, de natureza criminal, referente ao desaparecimento do executado, nada foi ordenado quanto ao mesmo, considerando que naquele se averiguava o circunstancialismo do desaparecimento do executado, nem determinado, o pedido de informações junto das autoridades policiais, como estabelece o n.º 1 do artigo 236.º do CPC, como seria expectável e, salvo o devido respeito, indispensável, considerando o invocado desaparecimento do executado.
I. No entanto, considerou o Tribunal a quo aquelas diligências frustradas, tendo, assim, ordenado a citação edital do executado AA, a qual foi concretizada em 22/01/2016.
J. Ora, sucede, porém, que de acordo com aquela ação de justificação de morte presumida (doc. n.º 1 junto com o Requerimento com a Ref.ª 10301190, de 08/01/2024), o desaparecimento do executado remonta a 19/11/2013.
L. Estabelece o artigo 115.º do CC que a declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte (certa), efeitos esse que retroagem à data do desaparecimento ou das últimas notícias do ausente – neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/03/1986, Proc. n.º 073394, in www.dgsi.pt.
M. Significa isto que a procedência daquela ação de justificação importará a declaração de morte do executado a 19/11/2013.
N. Importando tal declaração de morte que a citação edital do executado nos presentes autos tenha ocorrido em data posterior àquela que será a do seu falecimento.
O. Ora, estabelece a alínea d) do n.º 1 do artigo 187.º do CPC que há falta de citação quando se mostre que foi feita depois do falecimento do citando e o n.º 2 do artigo 191.º do mesmo diploma legal prevê que, o prazo para a arguição da nulidade é o que tiver indicado para a contestação, sendo, porém, a citação edital a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
P. A nulidade da citação é, assim, invocável a todo o tempo e deverá ser feita na primeira intervenção do citando – neste sentido ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/10/2003, Proc. n.º 03B2478, in www-dgsi.pt.
Q. Assim, a declarar-se que o executado faleceu na data do seu desaparecimento, a citação edital do mesmo terá sido concretizada em data posterior ao seu falecimento, o que determinará a nulidade da citação, sendo esta invocável, a todo o tempo, aquando da primeira intervenção do citando, o que, a acontecer, já será por quem se mostrar devidamente habilitado na respetiva sucessão.
R. Pelo exposto, a ação de justificação por morte presumida constitui, necessariamente, uma questão prévia e prejudicial aos presentes autos, cuja pendência deverá determinar a suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado da douta decisão que será proferida naquela, de forma a impedir a realização de mais diligências, alguma das quais, verdadeiramente violadoras de direito e garantias dos legítimos sucessores do executado.
Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui suprimento de Vossas Excelências, deve a presente Apelação ter provimento, e em consequência ser o douto despacho proferido em 09/01/2024 pelo Tribunal a quo ser revogado, substituindo-se por outro que determine a suspensão da instância até o trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de justificação no caso de morte presumida, que pende seus termos no Juízo Local ..., sob o n.º 1344/23....
Assim se fazendo a Costumada JUSTIÇA!
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O exequente não contra-alegou.
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O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos, foram os autos aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a questão que importa decidir é se: 1) A ação de justificação por morte presumida constitui questão prévia e prejudicial da presente ação executiva.
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III – Matéria de Facto
O que consta do relatório que antecede.
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é a questão acima enunciada.
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1 – A ação de justificação por morte presumida constitui questão prévia e prejudicial da presente ação executiva
Considera a recorrente que a ação de justificação por morte presumida do co-executado, seu marido, apenas intentada, nos termos da lei, decorridos dez anos após o seu desaparecimento, constitui uma questão prévia e prejudicial da ação executiva em curso, uma vez que a ser decretada a morte presumida do referido co-executado na data requerida em tal ação, verificar-se-á que, à data da citação edital do referido executado para a presente ação executiva, o mesmo já se encontrava morto, pelo que tal citação terá de ser declarada nula, nulidade essa invocável a todo o tempo, e que terá de ser requerida por aqueles que vierem a ser habilitados na respetiva sucessão.
Apreciemos.
Dispõe o artigo 272.º do Código de Processo Civil que:
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.
Nos termos em que o n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil se mostra elaborado, só pode existir suspensão de uma ação judicial até à prolação de decisão com trânsito em julgado de uma outra ação judicial – a denominada suspensão devido à pendência de causa prejudicial – quando (i) a relação de prejudicialidade se reportar à decisão da causa da ação dependente; e (ii) na ação da causa prejudicial se apurar facto ou situação que irá influenciar decisivamente a pretensão formulada na causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta assenta.
Mas mesmo nessas situações, a requerida suspensão pode ainda assim não ser decretada, nos termos do n.º 2 do citado artigo, se (i) houver fundadas razões para crer que a ação da causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da causa dependente; ou (ii) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Ora, em face dos pressupostos previstos no citado artigo entende-se que a ação executiva não pode ser suspensa por ação pendente de causa prejudicial, visto que na ação executiva não se decide qualquer questão sobre o fundo da causa, apenas se executa o direito que já se encontra declarado ou reconhecido no título que serve de base à execução.
Cita-se a este propósito o acórdão do TRC proferido em 23-11-2021:[2][3]
I – Nos termos e para os efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º do CPC, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
II – De referir que esse normativo alude expressa e literalmente a «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra (…)».
III – Donde, não se vislumbra onde é que a presente causa – autos de execução – tem uma “decisão da causa” para ser proferida, posto que, não se olvide, a execução tem por base um título já definido/existente – cfr. artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
IV – Até acrescendo que, tendo o direito de crédito do credor reclamante sido reconhecido e graduado por sentença já transitada em julgado no respetivo apenso, independentemente de sobre tal se ter formado caso julgado material ou formal, não há qualquer decisão ainda por proferir sobre tal nestes autos de execução.
Na realidade, a suspensão de ação judicial por ação pendente de causa prejudicial tem como objetivo preservar a “economia e coerência dos julgamentos”,[4] sendo que na ação executiva não está em julgamento qualquer questão.
Importa igualmente acentuar que esta proibição da suspensão da ação executiva por ação pendente de causa prejudicial está expressamente consagrada no Assento do STJ de 24-05-1960, posteriormente transformado em acórdão de uniformização de jurisprudência, em face do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do DL n.º 329-A/95, de 12-12, o qual se considera estar em vigor.[5]
Tal assento fixou a seguinte jurisprudência:
A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284.º do Código de Processo Civil.[6]
Já relativamente aos incidentes de embargos de executado ou de oposição à penhora, dada a sua natureza declarativa, uma boa parte da jurisprudência nacional tem vindo a aceitar a possibilidade de suspensão por pendência de uma ação de causa prejudicial.[7]
Posto isto, vejamos o caso concreto.
O pedido de suspensão da execução devido a pendência de ação de causa prejudicial ocorre no âmbito da própria ação executiva, e não no âmbito de um qualquer incidente de natureza declarativo, pelo que não será de aceitar, por tal não ser legalmente admissível.
Na realidade, o que se discute na ação de causa prejudicial é se se deverá decretar a morte presumida do co-executado na presente ação executiva, com efeitos a partir 19-11-2013. Ora, tal questão, ainda que possa ter influência no decurso da presente ação executiva, não influi na decisão da causa desta ação, exatamente porque nesta ação inexiste qualquer decisão da causa a proferir. E, a ser assim, não se mostra verificado um dos requisitos previstos no citado n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil para que se possa declarar a suspensão devido à pendência de uma ação de causa prejudicial.
Não nos pronunciamos sobre a suspensão da presente ação executiva nos termos do segundo fundamento previsto no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil (por ocorrer outro motivo ponderoso) por tal não fazer parte do objeto do presente recurso.
Pelo exposto, a pretensão da recorrente terá de improceder.
…
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante, por ter ficado vencida, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.
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Évora, 27 de junho de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Francisco Matos
Cristina Dá Mesquita
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Francisco Matos; 2.ª Adjunta: Cristina Dá Mesquita.
[2] No âmbito do processo n.º 1767/05.5TBCTB.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Veja-se também, entre muitos outros, os acórdãos do TRG proferido em 17-02-2022 no âmbito do processo n.º 391/17.4T8VCT-D.G1; do TRL proferido em 09-11-2023 no âmbito do processo n.º 480/05.8TBAMD.L1-6; do TRE proferido em 16-05-2013 no âmbito do processo n.º 375122/09.2YPRT-C.E1; e do TRP proferido em 28-06-2013 no âmbito do processo n.º 849/12.1TBVCD-A.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] Alberto dos Reis em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, Coimbra, 1946, pág. 268.
[5] Veja-se o acórdão do STJ proferido em 04-04-2024 no âmbito do processo n.º 401/22.3T8SEI-A.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt; e ainda O Código de Processo Civil Anotado de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. 1, 2018, Almedina, pág. 315.
[6] Atente-se que o primeiro fundamento do artigo 284.º do Decreto-Lei n.º 29.637, de 28-05-1939, era o da suspensão por pendência de causa prejudicial.
[7] Veja-se os acórdãos do TRG proferido em 13-01-2022 no âmbito do processo n.º 1818/20.3T8VNF-A.G1; do TRC proferido em 26-04-2022 no âmbito do processo n.º 33/19.3GASRE-C.C1; e do TRP proferido em 12-09-2022 no âmbito do processo n.º 11472/17.4T8PRT-A.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.