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ARRENDATÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
NULIDADES DA DECISÃO
Sumário
I – Não existe nulidade do despacho por falta de fundamentação se o mesmo indica, independentemente do seu acerto, as razões pelas quais não aprecia a questão que lhe foi colocada, concretamente, por entender existir falta de legitimidade dos requerentes e por entender que se está perante uma questão jurídica inútil. II – Não existe nulidade do despacho por omissão de pronúncia se a questão colocada pelos requerentes não foi apreciada por o tribunal ter entendido que estes não tinham legitimidade e que a questão colocada era juridicamente inútil. III – Os executados, na qualidade de anteriores proprietários e senhorios do imóvel adjudicado, não são interessados quanto ao direito de preferência a exercer pelo arrendatário relativamente a esse imóvel, por não serem os titulares do direito de preferência. IV – Não estando em causa nenhuma das situações previstas no artigo 196.º do Código de Processo Civil, apenas os interessados, nos termos do n.º 1 do artigo 197.º do mesmo Diploma Legal, podem invocar a nulidade praticada, por ação ou omissão. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 1110/15.5T8BJA-C.E1
2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
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Acordam os Juízes da ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório
No âmbito da execução instaurada pelo exequente “A..., S.A.” contra os executados AA e BB, em face da adjudicação a favor da sociedade “B... STC, S.A.” de um imóvel penhorado no âmbito da presente execução, e do pedido formulado por esta sociedade para que lhe fosse ordenada a entrega judicial do referido imóvel, livre de pessoas e bens, com o recurso a auxílio de força pública para a tomada de posse, vieram os executados, em 06-12-2023, apresentar um requerimento a solicitar:
Pelo que se Requer a V. Exa. se digne ordenar que seja oficiado junto da Exma. Sra. AE, por melhores esclarecimentos, se a sociedade arrendatária do imóvel foi notificada, nomeadamente na sua sede, para exercer o seu direito de preferência, caso assim entendesse, e se tal não foi cumprido, por estar preterido um procedimento legal, seja indeferido o requerido pela exequente e ser a arrendatária chamada aos autos para se pronunciar.
Por despacho judicial de 15-12-2023, foi pedido esclarecimento ao agente de execução, convidando-se igualmente este e as partes a esclarecerem quem era o detentor do imóvel.
Em resposta, a agente de execução veio esclarecer que o detentor do referido imóvel era o executado AA, constituído fiel depositário aquando da diligência realizada em 25-02-2019, e juntar aos autos diversa documentação, designadamente a notificação efetuada ao procurador da sociedade “C... LLC” para exercer o direito de preferência sobre o referido imóvel no prazo de 30 dias, relativamente ao montante de € 148.750,00.
Os executados vieram esclarecer que o detentor do imóvel é o executado AA, constituído seu fiel depositário, contudo, tal imóvel encontra-se arrendado, com contrato de arrendamento registado em 09-04-2015, a favor da sociedade “C... LLC”.
Em 23-01-2024, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho judicial:
Veio o Adquirente requerer a entrega coerciva do bem, o que carece de autorização judicial ante a circunstância de constituir domicílio de outrem.
O Detentor exerceu contraditório, pugnado, em síntese, pela irregularidade processual consistente na ausência de notificação de um terceiro, que identifica, para poder, querendo, exercer direito de preferência.
Cumpre decidir.
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Esclarecido e incontroverso entre as partes quem é o detentor do imóvel [o Executado], somos de considerar que a matéria trazida aos autos pelo mesmo é inócua para os efeitos pretendidos: o de obstar à entrega da casa ao Adquirente.
É que do alegado, ainda que se comprovasse, nunca seria assacado qualquer desvalor jurídico à venda realizada no processo.
Em primeiro lugar, o Executado carece de legitimidade para arguir a irregularidade [artigo 197.º, n.º 1, do CPC], uma vez que não pertence à sua esfera jurídica o interesse em causa [em suma, a transferência do direito de propriedade para a esfera jurídica de um terceiro legal preferente e não para o adquirente].
O seu eventual interesse nunca assumirá tutela jurídica, mas apenas efeito prático irrelevante para o ordenamento [por exemplo, o de manter melhores relações com este terceiro do que com o adquirente].
Em segundo, ainda que se reconhecesse ao Detentor legitimidade para o arguir, sempre se dirá que nunca seria de assacar qualquer desvalor ao ato da venda já realizado.
É que sobre tanto versa precisamente o artigo 819.º, n.º 2, do CPC [a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular] e o n.º 4 [a frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de propor ação de preferência, nos termos gerais] do CPC.
Texto normativo aplicável à venda por leilão eletrónico nos termos do artigo 811.º, n.º 1, do CPC.
Ou seja, não tendo o preferente legal sido devidamente notificado para exercer o seu direito, poderá exercê-lo talqualmente sucede na venda particular, isto é, na venda fora da execução.
O que sucede nesta venda particular? A venda mantém-se, sendo apenas de operar, nos termos da ação de preferência, caso proceda, a substituição da parte compradora [no caso, como sub judice, de um arrendatário, nos termos do artigo 1410.º, n.º 1, ex vi do artigo 1091.º, n.º 4, do CC].
Por isso, caso tenha ocorrido efetivo desrespeito do direito de preferência de um terceiro, tal não acarretará a nulidade da venda executiva, podendo, ao invés, este, lançar mão da ação judicial de preferência.
Em suma, a argumentação expendida pelo Detentor em nada impede o deferimento da entrega do locado ao Adquirente.
Este é o sentido acolhido pela jurisprudência e doutrina.
Veja-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 31 de outubro de 2007, relatado por Telo Lucas, no processo n.º 7188/2007-3, disponível em www.dgsi.pt: omitida a notificação a que se refere o artigo 892.º do Código de Processo Civil, resta ao titular do direito de preferência o recurso ao regime geral da lei civil, que não o pedido de declaração de nulidade da venda.
Leia-se Rui Pinto: diversamente, no caso de frustração ou falta de notificação do preferente, e no caso de o seu direito ser desatendido, i. e., não reconhecido pelo juiz ou pelo agente de execução, consoante a modalidade da venda, o terceiro preferente poderá propor ação de preferência, como decorre do artigo 819.º, nºs 2 e 4, sem que haja nulidade processual da venda [A Ação Executiva, 2020, AAFDL Editora, pág. 885].
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Assim, nos termos do artigo 757.º, n.º 4, ex vi do artigo 861.º, n.º 1, ex vi do artigo 828.º, ex vi do artigo 811.º, n.º 2, do CPC, já tendo o imóvel sido adquirido na execução [conforme resulta do título de transmissão junto ao requerimento do Adquirente] e não tendo o Detentor procedido à entrega voluntaria do bem, autoriza-se o auxílio das forças policiais.
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Consigna-se que, tendo um eventual recurso sobre a presente decisão efeito suspensivo [artigo 647.º, n.º 3, alínea b), ex vi dos artigos 852.º e 853.º, n.º 1, do CPC], apenas após trânsito em julgado deverá ser a mesma cumprida.
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Notifique.
Inconformados com tal despacho, vieram os executados recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
a) Foram os executados, ora recorrentes, notificados da douta decisão proferida que em suma, a argumentação expendida pelo Detentor em nada impede o deferimento da entrega do locado ao Adquirente. E, Assim, nos termos do artigo 757.º, n.º 4, ex vi do artigo 861.º, n.º 1, ex vi do artigo 828.º, ex vi do artigo 811.º, n.º 2, do CPC, já tendo o imóvel sido adquirido na execução [conforme resulta do título de transmissão junto ao requerimento do Adquirente] e não tendo o Detentor procedido à entrega voluntária do bem, autoriza-se o auxílio das forças policiais.
b) Ora, não podem os recorrentes conformarem-se com tal decisão.
c) Só os intervenientes no processo de execução têm interesse direto e atual na venda e, por isso, legitimidade, e assim logicamente sempre os recorrentes teriam legitimidade para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência. O que sucede in casu, já que têm conhecimento pelos autos, que a arrendatária não pôde exercer o seu direito de preferência por não ter conhecimento da venda, pelo que os executados sendo visados na ação tem interesse em invocar tal irregularidade.
d) O tribunal a quo deveria ter avaliado se o direito de preferência foi ou não precludido e a admitir-se que a falta de notificação dos preferentes, na venda executiva existiu, o que nos parece que sim, tal constitui uma nulidade processual (nos termos do citado artigo 201.º-1, do CPC), que pode ser invocada, nomeadamente, pelo executado, o que in casu sucedeu.
e) Mesmo que o processo de execução, pela sua própria natureza e tramitação, não constituía sede própria para o reconhecimento da existência ou não dos pressupostos de que depende o direito de preferência na alienação dos bens penhorados, sempre seria a sede própria para decidir se aquele direito foi ou não cumprido pela Sra. AE, já que dos autos não consta que a sociedade arrendatária do imóvel em causa, tenha sido notificada para, querendo, exercer o direito de preferência, ainda para mais estando em causa a venda e adjudicação de um imóvel nos próprios autos.
f) Dai consideram os recorrentes que a decisão do tribunal a quo é manifestamente nula, por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), ou seja, por não especificar, de todo em todo, nem os fundamentos de facto, nem os fundamentos de direito, que justificam a decisão.
g) As decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
h) Ao julgar como julgou, o douto tribunal a quo nem se limitou a concluir pela existência ou não da citação dos preferentes e se estes foram devidamente citados pela Sra. AE, para exercerem querendo o direito de preferência.
i) O tribunal a quo não indicou quaisquer razões de facto ou de direito nem fazendo qualquer menção aos princípios jurídicos e/ou legais que justificaram essa decisão. O que viola, frontalmente, o dever de fundamentação, estatuído no artigo 158.º do CPC e que tem consagração constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da CRP).
j) Também entendemos que o Tribunal a quo foi insuficiente na sua decisão, quando decidiu que não houve por parte da Sra. AE qualquer vício de omissão da formalidade prevista no artigo 892.º do CPC, até porque não apreciou se efetivamente a arrendatária foi notificada para exercer esse direito de preferência, e se este ocorreu ou não ocorreu ou, pelo menos, declarar que tal nulidade não pode ser apreciada e, nesse caso, explicar porquê.
k) Da mesma forma, ao Tribunal a quo caberia decidir se o contrato de arrendamento junto aos autos (pese embora o mesmo esteja registado), era ou não válido, justificando a sua decisão.
l) Contudo, o Douto Despacho recorrido não só nada fundamentou, como nada decidiu quanto à questão controvertida que lhe foi legitimamente colocada, como era sua obrigação e decorre do disposto nos artigos 157.º e 660.º, n.º 2, do CPC.
m) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que não sucedeu! O que desde já não se entende, não se concebe, nem se pode aceitar tal conduta, uma vez que todo e qualquer magistrado judicial se encontra adstrito ao restrito cumprimento da lei, encontrando-se obrigado a se pronunciar de forma explicita e direta sobre todas as questões que lhe são submetidas pela parte, bem como sobre todas as questões de conhecimento oficioso.
n) Estamos perante assim de uma nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
o) Existindo prova, pelo menos indiciária, da qualidade de arrendatário que está junto aos autos, sempre a arrendatária teria de ser chamada aos autos o que não foi, pois nem foi notificada para exercer o seu direito de preferência.
p) Mostrando-se na execução a qualidade de arrendatário do imóvel penhorado sempre este teria de ser notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 892.º-1, do Código de Processo Civil, tornava-se até necessária a produção de prova.
q) A falta de notificação da arrendatária constitui uma nulidade processual, nos termos do artigo 201.º do CPC, que influi no exame e decisão da causa, no caso concreto, na possibilidade legal, do exercício do direito de preferência da arrendatária.
r) Termos em que se arguiu a nulidade decorrente da omissão da formalidade prevista no artigo 892.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil.
s) O Douto Despacho recorrido é nulo, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alíneas b) e d), 201.º e 666.º, n.º 3, todos do CPC, violando, entre outras, as seguintes disposições legais: 20.º, n.º 1 e 5, 202.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; artigos 3.º, 3.º-A, 96.º, 279.º, 158.º, 659.º, n.º 2, 660.º, n.º 2, 892.º, 896.º, todos do Código de Processo Civil; 1091.º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se integral provimento ao recurso, devendo a douta decisão recorrida, ser revogada na sua totalidade.
Decidindo desta forma, Vossas Exas. farão como confiadamente se espera, efetiva e costumada JUSTIÇA!!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância apreciou as nulidades invocadas, concluindo pela sua inexistência e admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos, foram os autos aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
…
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Nulidade do despacho recorrido; 2) Legitimidade dos executados para invocarem a nulidade por falta de notificação do preferente; e 3) Verificação da nulidade por falta de notificação da preferente.
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III – Matéria de Facto
O que consta do relatório que antecede.
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões acima enunciadas.
…
1 – Nulidade do despacho recorrido
Consideram os recorrentes que o tribunal a quo deveria ter avaliado se o direito de preferência foi ou não precludido, e não tendo o despacho recorrido especificado, de todo em todo, nem os fundamentos de facto, nem os fundamentos de direito, que justificam a decisão de não apreciação, é nulo por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º[2] do Código de Processo Civil.
Consideram ainda os recorrentes que o referido despacho é nulo, nos termos do artigo 668.º,[3] n.º 1, alínea d), do mesmo Diploma Legal, por não ter decidido se foi ou não efetuada a notificação do direito de preferência ao preferente, devendo tê-lo feito, por tal questão lhe ter sido colocada.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Dispõe ainda o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
(i)Quanto à nulidade por falta de fundamentação
A nulidade da sentença por falta de fundamentação, para que se mostre verificada, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que se esteja perante uma situação de ausência de fundamentação de facto e/ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de tal fundamentação.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016, no âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1:[4]
II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.
De igual modo, se cita a explanação do professor Alberto do Reis[5] sobre esta específica nulidade:
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Ora, no caso em apreço, e independentemente do acerto da decisão proferida, consta expressamente da mesma que:
Em primeiro lugar, o Executado carece de legitimidade para arguir a irregularidade [artigo 197.º, n.º 1, do C.P.C.], uma vez que não pertence à sua esfera jurídica o interesse em causa [em suma, a transferência do direito de propriedade para a esfera jurídica de um terceiro legal preferente e não para o adquirente].
O seu eventual interesse nunca assumirá tutela jurídica, mas apenas efeito prático irrelevante para o ordenamento [por exemplo, o de manter melhores relações com este terceiro do que com o adquirente].
Em segundo, ainda que se reconhecesse ao Detentor legitimidade para o arguir, sempre se dirá que nunca seria de assacar qualquer desvalor ao ato da venda já realizado.
É que sobre tanto versa precisamente o artigo 819.º, n.º 2, do C.P.C. [a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular] e o n.º 4 [a frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de propor ação de preferência, nos termos gerais] do C.P.C..
Texto normativo aplicável à venda por leilão eletrónico nos termos do artigo 811.º, n.º 1, do C.P.C..
Ou seja, não tendo o preferente legal sido devidamente notificado para exercer o seu direito, poderá exercê-lo talqualmente sucede na venda particular, isto é, na venda fora da execução.
Assim, consta efetivamente da decisão recorrida a fundamentação pela qual se considerou não ser de apreciar se foi ou não efetuada a notificação ao preferente, elencando para tal duas ordens de razões: primeiro, por falta de legitimidade do executado para arguir tal irregularidade, por o interesse em causa não estar na sua esfera jurídica; e segundo, porque, mesmo que tivesse tal legitimidade, nunca tal falta de notificação, a existir, teria como resultado a anulação da venda realizada ou a suspensão da efetiva entrega do imóvel adjudicado ao novo proprietário, pelo que tal apreciação sempre seria inútil relativamente a tal venda.
Assim, e independentemente de se concordar ou não com tal fundamentação fáctica e jurídica do despacho recorrido, inexiste qualquer falta de fundamentação, improcedendo, por isso, nesta parte, a pretensão dos recorrentes.
(ii) Quanto à nulidade por omissão de pronúncia
Resulta das citadas disposições legais que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, ou não se pronuncie sobre questões que a lei lhe imponha o conhecimento.
Porém, não se deve confundir questão com consideração, argumento ou razão, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com exceção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis[6]:
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Cita-se, pela relevância na matéria, o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artigo 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015, no âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt:
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.
Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[7]:
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.
Vejamos o caso concreto.
Conforme já se referiu supra, o tribunal a quo não apreciou a questão que lhe tinha sido colocada relativa à existência ou não de notificação do preferente para exercer o respetivo direito de preferência, por entender que o executado não tinha legitimidade para invocar tal irregularidade e ainda por considerar que, mesmo que tivesse tal legitimidade, sempre a apreciação dessa questão se traduziria num ato inútil, por não ser suscetível de determinar qualquer alteração no processo de venda do imóvel, que já tinha sido realizado.
Estamos, assim, perante a situação típica em que o tribunal não aprecia determinada questão por a mesma se revelar prejudicada pela decisão dada a outras, visto que quer a falta de legitimidade, quer a circunstância de estarmos perante uma apreciação inútil (proibida, nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil) para o andamento do processo, impedirem o tribunal de apreciar a questão que lhe tinha sido colocada.
Nesta conformidade, também nesta parte improcede a invocada nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia.
2 –Legitimidade dos executados para invocarem a nulidade por falta de notificação do preferente
Consideram os recorrentes que a falta de notificação do preferente para exercer o seu direito de preferência na venda constitui uma nulidade processual, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil,[8] a qual pode ser invocada pelos executados.
Dispõe o artigo 197.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato.
Dispõe, por sua vez, o artigo 196.º do Código de Processo Civil que:
Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.
Por fim, dispõe o artigo 195.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Como os próprios recorrentes admitem, não estamos perante nenhuma das nulidades previstas no art. 196.º do Código de Processo Civil, ou seja, de conhecimento oficioso, pelo que a irregularidade por ação ou por omissão cometida, para além de ter de ser invocada, e invocada pelo interessado, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando possa influir no exame ou na decisão da causa.
No caso em apreço, aquilo que releva é apurar se os executados, na qualidade de anteriores proprietários e senhorios do imóvel adjudicado, podem ser considerados interessados quanto ao direito de preferência a exercer pelo arrendatário relativamente a esse imóvel.
Conforme se refere no citado n.º 1 do artigo 197.º do Código de Processo Civil, só o interessado na observância da formalidade omitida ou na repetição ou eliminação do ato praticado pode invocar a nulidade praticada.
Ora, tendo sido invocado pelos executados que a agente de execução não notificou a sociedade arrendatária para exercer o seu direito de preferência na aquisição do imóvel penhorado e posteriormente adjudicado, é evidente que quem tem interesse na observância da formalidade alegadamente omitida é o titular desse direito de preferência e não qualquer pessoa, por não estarmos no domínio das situações previstas no artigo 196.º do mesmo Diploma Legal.
E, a ser assim, é por demais evidente que efetivamente os executados não são interessados relativamente à omissão de qualquer formalidade relativa ao exercício do direito de preferência por parte do arrendatário do imóvel adjudicado, por não serem eles os titulares desse direito de preferência.
Não sendo os executados os interessados na observância da formalidade alegadamente omitida, nos termos do n.º 1 do art. 197.º do Código de Processo Civil, não possuem legitimidade para invocar tal omissão.
Pelo exposto, mantém-se, nesta parte, o bem fundamentado despacho recorrido, improcedendo a pretensão dos recorrentes.
3 - Verificação da nulidade por falta de notificação da preferente
Conforme se decidiu anteriormente, inexistindo legitimidade por parte dos executados para invocar a nulidade por omissão da notificação do preferente para exercer o seu direito de preferência, por não serem aqueles os titulares do referido direito de preferência, encontra-se este tribunal impedido de apreciar tal nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 197.º do Código de Processo Civil, pelo que, por prejudicada, esta questão não será apreciada.
…
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelos apelantes, por terem ficado vencidos, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Évora, 27 de junho de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Cristina Dá Mesquita
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Cristina Dá Mesquita; 2.ª Adjunta: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite.
[2] É de aplicar o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do atual Código de Processo Civil e não o aludido artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior Código de Processo Civil, que deixou de vigorar a partir de 01-09-2013 (artigo 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06).
[3] Pelas razões supra elencadas o artigo a aplicar é o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do atual Código de Processo Civil.
[4] Consultável em www.dgsi.pt.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140.
[6] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143.
[7] Almedina, 2018, pág. 737.
[8] Uma vez mais, porque o anterior Código de Processo Civil já não se encontra em vigor desde 01-09-2013, o artigo correspondente é o artigo 195.º do atual Código de Processo Civil.