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CONTA DE CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
PRESSUPOSTOS
Sumário
Uma vez concedido o apoio judiciário pela Segurança Social e não estando em causa a apreciação de impugnação judicial de tal decisão, não há que reapreciar tal decisão, a qual se impõe respeitar, o que afasta a verificação pelo tribunal judicial dos pressupostos da concessão de proteção jurídica.
Texto Integral
Processo n.º 2330/16.0T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca ...
Juízo de Comércio ...
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
AA, melhor identificada nos autos, apresentou-se à insolvência em 16-09-2016 e requereu a exoneração do passivo restante.
Por sentença de 30-09-2016, foi declarada a insolvência da devedora.
Os autos prosseguiram e, após a realização do rateio final, foi declarado o encerramento do processo por decisão de 26-11-2020.
Por despacho de 07-07-2022, foi considerado findo o período de cessão de rendimento disponível e concedida à insolvente a exoneração do passivo restante.
Foi elaborada conta de custas em 13-12-2022, na sequência do que foi a insolvente notificada para, até 18-01-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 543,00, correspondente às custas a seu cargo.
A insolvente veio aos autos, a 19-01-2023, comunicar que apresentou pedido de apoio judiciário.
Por despacho de 09-03-2023, foi determinada a notificação da insolvente para apresentar comprovativo da entrega do requerimento de proteção jurídica no ISS.
A insolvente veio aos autos, a 09-03-2023, comunicar que o pedido de apoio judiciário foi apresentado em 16-09-2016 e juntar um documento.
Solicitada informação sobre o pedido de apoio judiciário formulado pela insolvente, o Instituto da Segurança Social comunicou em 21-03-2023 que o aludido pedido foi indeferido por decisão de 09-05-2016.
A insolvente veio aos autos, a 18-04-2023, comunicar que formulou novo pedido de apoio judiciário e juntar um documento.
Foi proferido em 24-05-2023 o despacho seguinte: Considerando que não podem os autos continuar a aguardar os sucessivos requerimentos de proteção jurídica que a insolvente vá apresentando no ISS, IP (em violação do artigo 18.º/2, da Lei 34/2004) esperando que, em algum momento, o requerimento lhe seja deferido; a decisão proferida no requerimento apresentado por ocasião dos autos, junta em 22-03-2023; e porquanto os autos estão encerrados desde 07-07-2022, pelo que o requerimento ora junto em 18-04-2023 não pode estar relacionado com os vertentes autos, pois destina-se a propor ação de insolvência, e a requerente já aqui foi declarada insolvente estando os autos encerrados, conclui-se ser o requerimento em causa destituído de relevância nos autos. Em face do exposto, prossigam as diligências para cobrança da conta de custas devida. Notifique.
A insolvente foi notificada para, até 21-07-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 543,00, correspondente às custas a seu cargo.
A insolvente veio aos autos, em 03-07-2023, requerer o pagamento faseado das custas, o que foi deferido por despacho de 12-09-2023.
A insolvente veio aos autos, em 14-09-2023, comunicar que foi deferido o pedido de apoio judiciário e juntar um documento.
Foi proferido em 17-10-2023 o despacho seguinte: Refer. ...22: considerado o estado dos autos, é irrelevante o requerimento apresentado (artigo 18.º da Lei n.º 34/2004), pelo que nada há a determinar.
*
Declaro vencidas todas as prestações das custas não pagas – artigo 33.º/4, do RCP.
A insolvente foi notificada para, até 27-11-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 543,00, correspondente às custas a seu cargo.
A insolvente veio aos autos, em 22-12-2023, reiterar que foi deferido o pedido de apoio judiciário e juntar o mesmo documento que apresentara em 14-09-2023.
O Ministério Público teve vista aos autos e exarou em 13-01-2024 a promoção seguinte: Face ao antecedente expediente, expressa-se novamente o entendimento de que a fase processual em que se encontram os autos não confere o reconhecimento do direito que a insolvente pretende fazer valer. Assim sendo, p. se extraia e se remeta certidão ao SF, a fim de se instaurar processo de execução.
A insolvente veio aos autos, em 25-01-2014 e em 13-03-2024, afirmar que demonstrou a concessão do apoio judiciário, defendendo que não deve pagar custas.
Em 21-03-2024 foi proferido o despacho seguinte: Porquanto resulta da decisão de proteção jurídica em causa que o requerimento foi apresentado em 18-04-2023, quando os vertentes autos remontam a 16-09-2016, e o processo foi encerrado em 07-07-2022, conclui-se que é extemporâneo (artigo 18.º/2, da Lei n.º 34/2004) o requerimento de proteção jurídica apresentado pelo insolvente, pelo que a decisão da autoridade administrativa não tem qualquer efeito nos vertentes autos. Notifique.
*
Proceda conforme doutamente promovido.
Inconformada, a insolvente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. A recorrente pediu apoio judiciário quando intentou a ação.
2. A recorrente 8 anos depois é notificada para pagar custas.
3. A recorrente pediu novo apoio.
4. O que foi deferido.
5. Não entende a razão da prolação da decisão.
6. Sobretudo sendo por motivos económicos.
7. Quando é evidente que a recorrente não tinha nem tem meios económicos.
8. E sente que a justiça só se realizará a justiça que dever ser aplicada aos homens quando esta sentença for revogada».
O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, cumpre decidir da atendibilidade do apoio judiciário requerido pela insolvente, após notificação da conta elaborada na sequência da decisão de concessão da exoneração do passivo restante, e concedido pela Segurança Social.
2. Fundamentos
2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação da questão suscitada na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos:
a) do formulário intitulado Requerimento de Proteção Jurídica, subscrito pela insolvente, datado de 18-04-2023 e apresentado na Segurança Social, consta, além do mais, o seguinte:
- sob o ponto 4.2 Apoio judiciário, encontra-se assinalado: Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
- sob o ponto 4.2.1. Finalidade do pedido, encontra-se assinalada a opção Propor ação judicial, após o que se encontra manuscrita, no local destinado à indicação do tipo de ação, a palavra Insolvência.
- sob o ponto 4.2.2. Oportunidade do pedido, não se encontra assinalada resposta às perguntas formuladas, que se transcrevem: O requerimento é apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente? Se respondeu não, indique se a situação de insuficiência económica se verificou no decurso do processo Se respondeu sim à pergunta anterior, diga se, após o conhecimento da situação de insuficiência económica, já interveio no processo.
b) da notificação datada de 08-09-2023, dirigida pela Segurança Social à insolvente, consta, além do mais, o seguinte: Na sequência do requerimento de proteção jurídica formulado por V. Ex.ª 18-04-2023 (…), informa-se que o seu pedido foi Deferido por despacho proferido em 07-09-2023 na(s) modalidade(s) de Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por se ter comprovado a insuficiência económica invocada. O Apoio Judiciário requerido destina-se: - Insolvência pessoa singular (Apresentação) – Propôr Acção
Foram considerados assentes os elementos indicados nas alíneas a) e b) em resultado da análise dos documentos nelas mencionados, constantes dos autos.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
A apelante, em 16-09-2016, apresentou-se à insolvência, que foi declarada por sentença de 30-09-2016, e formulou pedido de exoneração do passivo restante, que foi admitido liminarmente, vindo a exoneração do passivo restante a ser concedida por decisão de 07-07-2022, proferida findo o período de cessão de rendimento disponível, na sequência do que foi elaborada conta de custas em 13-12-2022 e a insolvente notificada para, até 18-01-2023, proceder ao pagamento da quantia de € 543,00, correspondente às custas a seu cargo.
Entretanto, a devedora informou que havia solicitado, em 16-09-2016, pedido de apoio judiciário, após o que veio a Segurança Social comunicar que, por decisão de 09-05-2016, tal pedido foi indeferido.
Após vicissitudes várias, em 18-04-2023, a insolvente veio aos autos comunicar que formulou novo pedido de apoio judiciário, após o que informou, em 14-09-2023, que tal pedido foi deferido.
Na sequência da comunicação pela insolvente da dedução do novo pedido de apoio judiciário, a 1.ª instância, por despacho de 24-05-2023, consignou, além do mais, que decorre do documento apresentado que tal pedido tem como finalidade a propositura de ação de insolvência, pelo que não se reporta à presente ação de insolvência, em que os autos se encontram já encerrados, motivo pelo qual se determinou o prosseguimento das diligências destinadas à cobrança das custas em dívida.
Após comunicação pela insolvente do deferimento do pedido de apoio judiciário formulado, a 1.ª instância, por despacho de 17-10-2023, consignou que nada haver a determinar, por se mostrar o expediente apresentado irrelevante face ao estado dos autos.
Novamente notificada para proceder ao pagamento das custas em dívida, a insolvente reiterou que lhe foi deferido o pedido de apoio judiciário, requerendo fosse tido em conta, tendo a 1.ª instância, por despacho de 21-03-2024, impugnado na presente apelação, decidido que a concessão do apoio judiciário não tem qualquer efeito nos presentes autos, dado que o requerimento foi apresentado em 18-04-2023, sendo que os autos remontam a 16-09-2916 e o processo foi encerrado em 07-07-2022.
Discordando deste entendimento, a apelante defende que o deferimento do pedido de apoio judiciário deve ser atendido nos presentes autos.
Cumpre apreciar.
Vem posto em causa na apelação o despacho que declarou a ineficácia nos presentes autos do apoio judiciário que concedido à insolvente pela Segurança Social.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais encontra-se regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que alterou o regime anterior, revogando a Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, e transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
Especificando as finalidades do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, dispõe o n.º 1 do artigo 1.º da citada lei que se destina a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos; esclarece o n.º 2 do preceito que, para concretizar os objetivos referidos no número anterior, desenvolver-se-ão ações e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de proteção jurídica.
O acesso ao direito, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 2.º, compreende a informação jurídica e a proteção jurídica, revestindo esta última, nos termos estatuídos no n.º 1 do artigo 6.º, as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário.
Regulando o âmbito pessoal, o artigo 7.º dispõe, no n.º 1, que têm direito a proteção jurídica os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica; esclarece o n.º 1 do artigo 7.º que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo, nos termos definidos nos artigos seguintes.
Sob a epígrafe Pedido de apoio judiciário, dispõe o artigo 18.º, além do mais, o seguinte: 1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária; 2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica; 3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º; 4 – (…).
No que respeita à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal, o n.º 1 do artigo 44.º determina a inaplicabilidade dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, estabelecendo que deve o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
Regulando a competência para a decisão, dispõe o artigo 20.º, além do mais, o seguinte: 1 - A decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente; 2 - No caso de o requerente não residir ou não ter a sua sede em território nacional, a decisão referida no número anterior compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social onde tiver sido entregue o requerimento; 3 - A competência referida nos números anteriores é suscetível de delegação e de subdelegação; 4 – (…).
Dispõe o n.º 2 do artigo 26.º que a decisão sobre o pedido de proteção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo suscetível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
Decorre deste regime que a lei fixa as regras relativas à oportunidade da formulação do pedido de apoio judiciário, a saber: i) não se tratando de processo penal, deve ser formulado antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica (artigo 18.º, n.º 2); ii) em processo penal, a concessão de proteção jurídica ao arguido pode ser requerida até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância (artigo 44.º, n.º 1).
Porém, sendo atribuída à Segurança Social a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica (artigo 20.º), dúvidas não há de que compete a tal entidade administrativa, e não aos tribunais judiciais, aferir da verificação dos pressupostos de que depende a apreciação e o deferimento da pretensão deduzida; apenas em sede de impugnação judicial caberá aos tribunais judiciais a reapreciação da decisão sobre o pedido de proteção jurídica.
Assim sendo, uma vez concedido o apoio judiciário pela Segurança Social e não estando em causa a apreciação de impugnação judicial de tal decisão, não há que reapreciar tal decisão, a qual se impõe respeitar, o que afasta a verificação pelo tribunal judicial dos pressupostos da concessão de proteção jurídica.
Neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2018 (relator: Antero Veiga), proferido no processo 977/15.1T8VRL.G1, de cujo sumário consta o seguinte: I - Actualmente em face do teor do artigo 18.º da lei do apoio judiciário (LAJ), este deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica. (…) III - Concedido o apoio judiciário, ainda que com desrespeito pelo citado normativo, não pode o tribunal desconsiderar o mesmo, sob pena de violação do poder de decisão concedido na lei à segurança social no artigo 20.º da LAJ e da autonomia do procedimento – artigo 24.º ss. da LAJ. IV - A competência dos tribunais relativamente ao apoio judiciário respeita apenas à apreciação da impugnação judicial que seja interposta contra a decisão da administração.
Não competindo ao tribunal judicial apreciar e decidir o pedido de proteção jurídica formulado, impõe-se respeitar a decisão proferida pela Segurança Social.
Ora, no caso presente, resulta do teor da alínea b) de 2.1. que o pedido de proteção jurídica formulado pela apelante em 18-04-2023 foi deferido por decisão proferida pela Segurança Social em 07-09-2023, tendo-lhe sido concedido o apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, em ação de insolvência a intentar e não em qualquer ação anteriormente intentada, designadamente nos presentes autos.
Tal decisão mostra-se conforme ao requerimento de proteção jurídica apresentado pela apelante em 18-04-2023, a que respeita a alínea a) de 2.1., no qual pede a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, com vista à propositura de ação de insolvência, não fazendo constar a indicação de que o benefício peticionado se destina a um processo em curso, não assinalando qualquer resposta às perguntas nesse sentido formuladas sob o ponto 4.2.2. Oportunidade do pedido.
Nesta conformidade, verificando-se que o benefício do apoio judiciário concedido à apelante não respeita aos presentes autos, mostra-se acertada a decisão recorrida, impondo-se a improcedência da apelação.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 27-06-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Eduarda Branquinho (1.ª Adjunta)
Rui Machado e Moura (2.º Adjunto)