INVENTÁRIO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
CADUCIDADE
Sumário

A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada na apelação, se a solução que o recorrente defende para o litígio assenta na alteração da factualidade considerada provada.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 110/22.3T8STB.E1
Juízo Local Cível ...
Tribunal Judicial da Comarca ...


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Nos presentes autos de inventário para partilha da herança deixada por óbito de AA, intentados a 06-01-2022 por BB, foi nomeado cabeça de casal CC, que deduziu oposição ao inventário, invocando a caducidade do direito de aceitação da herança pelo requerente e peticionando o arquivamento do processo.
Alega, para o efeito, em síntese, que o requerente tomou conhecimento da morte do inventariado na data em que a mesma ocorreu, em ../../2000, e nunca aceitou a herança ou praticou qualquer ato que fizesse presumir tal aceitação, pelo que o direito de requerer a partilha caducou no ano de 2010.
Notificado, o requerente apresentou resposta, pugnando pela não verificação da invocada caducidade, sustentando que sempre foi reconhecido pelo opoente e demais herdeiros do inventariado como herdeiro legítimo e, por isso, titular do direito de aceitar a herança deixada por óbito de seu pai e exigir a partilha; acrescenta que sempre reclamou dos seus irmãos a partilha da herança, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo, sempre lhe tendo sido negada a existência de qualquer bem suscetível de fazer parte do acervo patrimonial do inventariado, apenas tendo tido conhecimento da existência de bens há cerca de 1 ou 2 anos, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Foi produzida a prova apresentada.
Foi proferida decisão em 11-12-2023, nos termos seguintes:
Face às razões de facto e de direito supra expostas, julgo verificada a excepção de caducidade do direito do Requerente de aceitar a herança do inventariado AA, julgando extinta a instância por procedência da oposição ao inventário.
Custas pelo requerente (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário.
Registe e notifique.
Inconformado, o requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que determine o prosseguimento dos autos, formulando as seguintes conclusões:
«I - O Presente Recurso vem interposto da decisão que julgou verificada a exceção de caducidade do direito do Requerente de aceitar a herança do inventariado AA, julgando extinta a instância por procedência da oposição ao inventário condenando-o, por sua vez, em custas judiciais.
II - Entende o Recorrente que na Decisão recorrida se cometeram erros gravíssimos na apreciação e aplicação da matéria de direito e de facto, impondo-se uma solução inversa à decidida na Sentença ora impugnada, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC.).
III - Com o presente recurso visa, o Recorrente impugnar a interpretação e o sentido que foi dado aos critérios fixadores para julgar verificada a exceção de caducidade do direito do Requerente de aceitar a herança do inventariado AA, procedendo a oposição ao inventário.
IV - Na sentença em crise, o Tribunal a quo começou por dar como provado, aceitando-se, os factos constantes das alíneas 1) a 8), para logo de seguida, numa atitude leviana, o que com todo o devido respeito, temos que com honestidade e urbanidade expor, dar como não provada a factualidade descrita em a) da sentença, declarando em sede de sentença, salvo douta melhor opinião, ter formado a sua convicção com base no facto de o Requerente, nas declarações de parte que prestou, não sustentou ter reclamado dos seus irmãos, a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, concluindo que nenhuma outra prova foi produzida no sentido de que efetivamente realizou qualquer diligência a respeito do inventário do seu pai.
V - Quanto ao facto não provado a) da sentença, salientou o tribunal recorrido que “Na verdade, as suas declarações foram no sentido de que, em data que não conseguiu precisar (situada em alguns meses ou poucos anos após o óbito do seu pai), porque as pessoas da terra lhe diziam que o seu pai era pessoa abastada, contactou um Advogado de ... com o objeto de indagar da existência de património deixado pelo seu pai, vindo tal Advogado a transmitir-lhe ter contactado os demais herdeiros e que nenhum património havia. E que perante tal informação, resignou-se.”
VI - O Tribunal a quo acaba por referir na sua motivação, que, “Pois, bem, nenhuma outra prova foi produzida no sentido de que efetivamente realizou qualquer diligência a respeito do inventário do seu pai”, ainda que a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, para além de bastante, imponha decisão contrária.
VII - Conforme se demonstrará infra, o Tribunal a quo optou pela solução menos plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica (antes de contrário), tendo este Tribunal ignorado regras básicas sobre a força probatória dos meios de prova e descredibilizado outros sem qualquer fundamento, verificou-se uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova.
VIII - O ora recorrente discorda dos fundamentos utilizados pelo tribunal recorrido para ter dado como não provado o facto constante do ponto a) da sentença, pelo que não pode concluir-se pela invocada exceção de caducidade do direito do Requerente de aceitar a herança do inventariado AA, conforme adiante se provará.
IX - Efetivamente, cometeram-se na sentença graves erros de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, o que conduziu a uma decisão absolutamente errada na fixação do facto não provado, pois que, se tivesse sido feita correta apreciação da matéria de facto alegada pelas partes, e sobretudo, acertada valoração das provas documentais constantes do processo e sã apreciação/valoração da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, impunha-se, em consciência, uma solução totalmente inversa à decidida na sentença ora impugnada.
X - Com todo o devido respeito, o Tribunal a quo, no teor de toda a sentença que veio a proferir, ignorou o juízo crítico que se deve fazer perante toda a prova, e falta dela, e baseou-se numa prova que, também ao abrigo da livre apreciação do julgador, é frágil, porque realizada e criada para influenciar o processo.
XI - Analisando a sentença recorrida, ressalta com toda a clareza que a mesma padece do invocado vício, gerador de nulidade, pois, basta lê-la para constatar que ela não se encontra suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico, quer sob o ponto de vista jurídico e que, além disso, a decisão não está em consonância com a respetiva fundamentação.
XII - Além do mais, a sentença sob censura, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como provados em que, alegadamente, se baseia, sendo, consequentemente, nula, na medida em que a oposição entre os fundamentos e a decisão, além de dizerem respeito à matéria de facto e à forma como a mesma foi decidida, é igualmente censurável quanto à sua construção lógica, vício que é manifesto, no caso vertente
XIII - O Tribunal recorrido interpreta de forma errónea a prova produzida em sede dos presentes autos, no sentido de considerar e dar como não provado o ponto a) da sentença, motivado “no que concerne à força probatória das declarações de parte (avaliadas livremente), a corrente que maior peso tem na jurisprudência portuguesa é a de que as mesmas, quando desacompanhadas de outros elementos probatórios que as corroborem (ainda que indiciaria ou genericamente), não são suficientes para a prova de factos constitutivos do direito e isto porque estas declarações são, por definição, favoráveis à parte que as vai prestar.”
XIV - Consta, ainda, da decisão sob censura, que a matéria (não) apurada em a) decorre da ausência de prova conclusiva a este respeito no sentido de que o Requerente de inventário efetivamente realizou qualquer diligência a respeito do inventário do seu pai, cujo ónus da prova cabia ao ora recorrente, quando da prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento decorre precisamente o contrário, decorrendo daqui uma séria e censurável contradição cometida pelo Tribunal a quo, na apreciação matéria de facto.
XV - Na verdade, o Tribunal a quo deveria de ter valorado as declarações de parte do Requerente, que foram corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha DD, conforme aliás é descrito na motivação da sentença do Tribunal.
XVI - Mas não é isso que o Tribunal a quo faz, simplesmente valora as declarações de parte do requerente de inventário nos pontos que interessa dar como provados (p. e. ponto 8) dos factos provados), para depois, e no que o presente recurso se ocupa, referir que a “força probatória das declarações de parte (avaliadas livremente), a corrente que maior peso tem na jurisprudência portuguesa é a de que as mesmas, quando desacompanhadas de outros elementos probatórios que as corroborem (ainda que indiciaria ou genericamente), não são suficientes para a prova de factos constitutivos do direito e isto porque estas declarações são, por definição, favoráveis à parte que as vai prestar.”
XVII - Mas e então não deveria de ter pesado na sentença a proferir, o facto do cabeça-de-casal, aqui opoente, não ter prestado as devidas declarações de parte, quanto ao facto de ter sido ou não, abordado pelo ora recorrente, ou por alguém devidamente mandatado, a fim de reclamar a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai? Cremos que o Tribunal a quo também não teve essa questão em consideração.
XVIII - Bem se compreende que o opoente de inventário, ora Recorrido, não se desse ao trabalho de produzir essa prova, pois se prestasse as respetivas declarações de parte, em nada abonaria em favor da tese que se comprometia a prova.
XIX - Mas podemos ir mais além, o Tribunal começa por dar provado que existem bens móveis a partilhar [facto provado 2)], para depois proferir sentença impeditiva de inventário para partilha desses bens móveis. E que destino se dará a esses bens a partilhar? Ficarão na posse de seus irmãos que beneficiarão dos mesmos em prol do ora recorrente?
XX - O Tribunal recorrido tem perfeito conhecimento, aliás consta do relatório da sentença, da existência de uma ação cível, n.º 33/22...., junto do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ... - Juiz ..., onde figuram como réus a herança aberta e indivisa de seu pai, os seus dois irmãos e ainda dois terceiros, com vista a obter a anulação de “vários negócios jurídicos de compra e venda”, simulados, que tiveram por objeto os imóveis propriedade daquele AA, aqui inventariado, que a ser procedente, fará com que os referidos bens regressem à esfera jurídica do inventariado, passando a constar da herança de que o aqui requerente é herdeiro legitimário. Mas então em caso de procedência da ação, que destino terão os bens imóveis objetos da ação cível? Ficarão ad eternum na herança aberta e indivisa do senhor AA?
XXI - Resulta patente da produção de prova, que todas as testemunhas arroladas pelo Recorrido, nada souberam declarar quanto ao objeto do processo, isto é, se o Requerente do inventário reclamou dos seus irmãos a partilha de bens, conforme se conclui pelos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, e II.
XXII - Por sua vez, o depoimento da testemunha arrolada pelo Requerente, vai corroborar as declarações de parte deste, bem como confirmar a existência de interpelação dos irmãos do Requerente para que dessem contas da partilha de bens do seu pai.
XXIII - Naturalmente, que o aqui Requerente de inventário, atendendo que, enquanto filho concebido fora do casamento do inventariado, nunca haveria sido reconhecido como seu irmão pelo cabeça-de-casal e pela interessada JJ, não os iria contactar diretamente, tanto é que o próprio assume em declarações de parte que não possuía qualquer informação acerca da morada ou contactos dos seus irmãos.
XXIV - E naturalmente também o sabe muito bem o Tribunal recorrido, que nestes casos, quando as relações familiares assim o impõem, que se contacte um Advogado, devidamente mandatado com Procuração forense para o efeito, que o aqui recorrente e a testemunha identificaram e muito bem, para interpelar os demais herdeiros da partilha quanto à existência de bens a partilhar.
XXV - E se houvesse dúvidas do tribunal a quo quanto à existência desse mandato conforme palavras do Requerente, ou se houve ou não reclamação, ou outro ato tendente levado a cabo pelo mandatário há data do Requerente, deveria e poderia o tribunal, fazendo jus do princípio do inquisitório, notificar o Advogado identificado, a fim de juntar aos autos eventuais documentos ou informações, ou até mesmo o seu próprio testemunho a fim de se apurar se levou a cabo o mandato forense e se entrou em contacto com os irmãos do aqui recorrente para efeitos de partilha de bens por óbito do inventariado AA.
XXVI - O que o Recorrente não poderá em momento algum aceitar, é que o Tribunal a quo decida, sem margem para qualquer dúvida, dar como (não) provado que o requerente nunca reclamou dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.
XXVII - Assim, entendemos que é completamente nula a decisão proferida, porquanto o Tribunal a quo se imiscuiu de conhecer o que tinha que conhecer, mas antes, decidiu, por alto, sem analisar fundamentadamente a decisão a proferir e as questões de mérito essenciais à resolução do litígio, baseando-se numa análise e pressuposto errado de um meio de prova, a prova testemunhal, capaz de abalar toda a decisão proferida.
XXVIII - Deste modo, salvo o devido respeito, estamos perante uma clara oposição entre os fundamentos quanto à matéria de facto provada e não provada e a decisão sobre os mesmos, o que não se pode ignorar, falta de pronuncia sobre questões que devesse apreciar e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como uma ilegal condenação em quantidade superior do pedido, pelo que há sérias razões para declarar a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC.
XXIX - Do exposto, não poderá resultar outro Acórdão que não seja declarar a sentença nula nos termos do artigo 615.º, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
XXX - Uma das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, quando impugnada, em sede de recurso, porquanto, afinal, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da ação.
XXXI - A apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência e que decide da prova quanto à matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.
XXXII - Destarte, o Tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que …), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância.
XXXIII - Decorre do princípio da livre apreciação da prova que através da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, segundo as regras da experiência e da livre apreciação da prova, se formou a convicção do Tribunal, bem como a fiabilidade que este concedeu aos meios de prova que lhe foram apresentados.
XXXIV - Como é igualmente consabido, tal princípio não equivale, todavia, a prova arbitrária, razão pela qual, a convicção do Juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, emotiva (cfr. artigo 607.º n.º 4 e n.º 5, do CPP).
XXXV - Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame do julgamento quanto à matéria de facto com exclusivo ou predominante fundamento em prova testemunhal, invocando, para tal, os pontos de facto que se considera incorretamente julgados.
XXXVI - Importará averiguar se o tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
XXXVII - Na verdade, dir-se-á com o devido respeito, mas também com todo o vigor que a prova documental existente no processo combinada com a prova testemunhal produzida em audiência – gravada – não consentiam ao Tribunal a quo dar a resposta que deu quanto ao facto a) não provado.
XXXVIII - Pese embora a alegação do opoente nos autos de inventário epigrafados com lance a provar que o direito do aqui recorrente caducou, o certo é que a prova produzida em julgamento demonstra clara e inequivocamente o contrário.
XXXIX- De facto, ao contrário do escrito na decisão sob censura, é tamanha a falsidade da alegação apresentada pelo opoente a julgamento tanto é que nem se dignou a prestar declarações em sede de audiência de discussão e julgamento. Por outro lado, não só uma mas todas as testemunhas arroladas pelo recorrido nada souberam dizer a respeito dos facto da sentença sob censura.
XL - A testemunha arrolada pelo Requerente quanto a esta matéria, que prestou o seu depoimento de forma isenta, rigorosa e credível. Esta testemunha, DD, prestou o seu depoimento com total isenção e razão de ciência, sobretudo afirmando que o Requerente BB indagou, através de mandatário judicial junto dos seus irmãos a fim de apurar da existência de acervo patrimonial para partilhar, tendo explicado ao tribunal de que forma foi feita essa abordagem e o desfecho das démarches do requerente, igualmente com absoluta razão de ciência.
XLI- Depare-se que o aqui recorrente, inquirido sobre os mesmos factos (interruptivos da caducidade) em três instâncias diferentes, confirmou em todas elas, de que forma encetou diligências junto de um Advogado, que o próprio identifica cabalmente, a fim de se dar como provado que realizou diligências a respeito do inventário do seu pai.
XLII - E, por isso, é inegável que, corrobora a tese do Recorrente toda a prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento.
XLIII - Ainda assim, o Tribunal a quo, sem qualquer fundamento credível e sério, entendeu que o depoimento prestado pela testemunha DD, que em tudo corrobora as declarações de parte do Requerente de inventário, não são suficientes para a prova de factos constitutivos do direito invocado. É intolerável a discriminação na apreciação da prova apresentada pelo Recorrente e pelo Recorrido, em violação frontal do princípio elementar da igualdade substancial das partes.
XLIV - O Tribunal recorrido não fundamentou porque é que a opção apresentada pelo ora recorrente é inadmissível face às regras da experiência comum, limitando-se a tecer considerações acerca do facto de “procurar um advogado para se inteirar dos seus direitos/interesses, ser bem diferente de reclamar dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.”
XLV - No que concerne à prova realizada pelo ora recorrido quanto ao ónus da exceção (de caducidade), que sempre caberia ao cabeça de casal (cfr. n.º 2 do artigo 342.º do CC), todas as testemunhas revelaram que não tinham qualquer conhecimento dos factos que estavam em objeto na ação, o mesmo já não aconteceu com a prova apresentada pelo recorrente quanto aos factos interruptivos da caducidade pois, sendo devidamente audível o depoimento da testemunha DD, bem como assim as declarações de parte prestadas pelo aqui Recorrente, todos eles relataram de forma livre, ponderada e esclarecida sobre factos que tiveram conhecimento direto, sendo certo que no cotejo desses depoimentos, que o Tribunal recorrido não valorou, impunha-se uma decisão diferente.
XLVI- O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
XLVII - Este critério sufragado pelo Tribunal a quo, para além de ser um critério subjetivo, é desprovido de qualquer base factual, (existem elementos processuais que provam o contrário), e é, com o devido e merecido respeito, um falso pressuposto conforme acima se demonstrou.
XLVIII - A verdade é que a fundamentação que o Tribunal recorrido apresenta em nada se coaduna com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, eximindo-se de apreciar a prova realizada nos autos para fundamentar a sua convicção, pois se assim o fizesse, como a lei o impõe, a decisão teria que ser obrigatoriamente diversa daquela a que o Tribunal recorrido concluiu.
XLIX- Com o devido e merecido respeito, o Tribunal recorrido não analisa devidamente a prova junta aos autos, para concluir se a versão apresentada pelo recorrente é objetivável e se o raciocínio é compatível com o sentido comum pelo que a sentença enferma ainda de nulidade por violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade, nos termos do n.º 5 do artigo 607.º, 608.º, n.º 2 e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
L - Estando por todos estas conclusões, a sentença recorrida inquinada por um erro de julgamento que nos termos do entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Julho de 2015 em que é relator Ana Luísa Geraldes “[o] erro de julgamento tanto pode começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como estender-se à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro.”
LI - Decidindo da forma como foi, há claramente uma ofensa às disposições legais (artigos 413.º, 466.º, n.º 3 e segs., 495.º, 607.º, n.º 5, 608.º, n.º 2, todos do CPC, e ainda aos artigos 2050.º, 2052.º, 2056.º, 2057.º e 2059.º todos do Código Civil) que foram preteridas pelo Tribunal recorrido e que se exigia esta prova para comprovar a existência dos factos que foram alegados pelo ora recorrente, fixando, desta forma, a força destes meios probatórios.
LII - Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente PROVADO que: a) O requerente reclamou dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.
LIII - Ou, se assim não se entender, devem os juízes desta Relação anular a sentença nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, com vista à junção aos autos dos documentos e bem assim o depoimento do Senhor advogado, Dr. KK, Advogado portador da cédula profissional ...29..., com domicílio profissional na Av. ...., ... ..., que patrocinou o ora recorrente nos factos em discussão nos autos, a fim de se pronunciar quanto ao facto vertido a) dos factos não provados, sendo que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não está viciada e que foi já apreciada por este Tribunal.
LIV - O ora recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos processuais bem como atribuição de agente de execução nos autos de processo de inventário, o qual é extensível ao presente Recurso nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações constantes da Lei n.º 40/2018, de 08/08 – Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.»
O cabeça de casal apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da caducidade do direito de aceitação da herança pelo apelante.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1) No dia ../../2000 ocorreu o óbito de AA, no estado de casado com LL e com a última residência habitual na Rua ...., ....
2) À data do seu óbito, deixou bens móveis.
3) AA faleceu sem testamento ou qualquer disposição de última vontade.
4) LL faleceu a ../../2016.
5) São filhos de AA e de LL:
a) CC, n. a ../../1948; e
b) JJ, n. a ../../1952;
6) BB, n. a ../../1976, é filho de AA e de MM.
7) A presente ação deu entrada em 06/01/2022.
8) BB teve conhecimento do óbito do seu pai em ato contemporâneo à sua ocorrência.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a) O requerente reclamou dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.
b) O requerente sempre soube que à data da morte do seu pai este era devedor de avultados montantes ao Banco.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
O requerente, na apelação que interpôs, arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado artigo 615.º, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a decisão padece dos vícios invocados.
O apelante sustenta que a decisão recorrida padece do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, arguindo a causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 615.º com fundamento na contradição, que afirma existir, entre a fundamentação em que se baseia a decisão de facto e a factualidade foi considerada provada e não provada.
Esta causa de nulidade, prevista na 1.ª parte da alínea c) do citado preceito, verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso.
Conforme explica José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”. Eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, desde logo porque, conforme explicam José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 734), “a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º)”.
A previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com a situação invocada pelo recorrente, relativa a uma suposta contradição entre factos considerados provados ou não provados e a fundamentação da decisão de facto, situação que poderá constituir fundamento de impugnação da decisão de facto, não sendo causa de nulidade da sentença.
Estando em causa a imputação de deficiências à decisão de facto, cumpre atender aos meios processuais previstos na lei para efeitos da modificabilidade de tal decisão, dos quais decorre que a verificação desses vícios não configura causa de nulidade da sentença. Efetivamente, prevendo a lei que tais vícios sejam invocados em sede de impugnação da decisão de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC e com observância dos ónus de alegações estatuídos neste preceito, a invocação dos mesmos constitui fundamento de impugnação da decisão de facto, não configurando o vício arguido, assim não sendo causa de nulidade da sentença.
Verifica-se, assim, que não enferma a sentença recorrida da invocada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
O recorrente invoca, ainda, a causa de nulidade prevista na alínea d) do citado preceito, não esclarecendo, porém, os motivos pelos quais entende padecer a decisão de tal vício.
A nulidade em causa, prevista na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º, ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Não especificando o apelante os motivos pelos quais imputa à decisão o aludido vício, não indicando omissão ou excesso de pronúncia sobre qualquer concreta questão, nada há a apreciar, impondo-se concluir que não se verifica a aludida causa de nulidade da decisão recorrida.
Em conclusão, não enferma a sentença recorrida de qualquer das causas de nulidade arguidas pelo requerente na apelação.

2.2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante do despacho recorrido, defendendo o aditamento à matéria provada do facto considerado não provado sob a alínea a) de 2.1.2..
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
No caso presente, cumpre reapreciar a decisão proferida pela 1.ª instância no que respeita ao ponto da matéria de facto impugnado pelo recorrente, com vista a apurar se, face à prova produzida, deve ser aditado à matéria provada.
O facto tido por não provado sob a alínea a) de 2.1.2., cujo aditamento à factualidade assente defende o apelante, tem a redação seguinte: O requerente reclamou dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.
Com relevo para a apreciação da decisão relativa ao aludido ponto de facto, extrai-se da fundamentação do despacho recorrido o seguinte:
(…) o Requerente, nas declarações de parte que prestou, não sustentou ter reclamado dos seus irmãos, a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo. Na verdade, as suas declarações foram no sentido de que, em data que não conseguiu precisar (situada em alguns meses ou poucos anos após o óbito do seu pai), porque as pessoas da terra lhe diziam que o seu pai era pessoa abastada, contactou um Advogado de ... com o objecto de indagar da existência de património deixado pelo seu pai, vindo tal Advogado a transmitir-lhe ter contactado os demais herdeiros e que nenhum património havia.
Perante tal informação, resignou-se.
Só mais tarde (sensivelmente, no ano de 2019), explicou que se decidiu em “voltar a pegar” no assunto, na sequência de uma conversa fortuita com um Advogado.
Pois bem, nenhuma outra prova foi produzida no sentido de que efectivamente realizou qualquer diligência a respeito do inventário do seu pai. Note-se que o depoimento da testemunha DD (a respeito das diligências do Requerente junto de um Advogado), surge porque o Requerente assim lhe transmitiu. Mas de toda a forma, procurar um advogado para se inteirar dos seus direitos/interesses, é bem diferente de reclamou dos seus irmãos a partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, tendo-o feito por diversas vezes, em diferentes ocasiões, e até há pouco tempo.
Efectivamente, no que concerne à força probatória das declarações de parte (avaliadas livremente), a corrente que maior peso tem na jurisprudência portuguesa é a de que as mesmas, quando desacompanhadas de outros elementos probatórios que as corroborem (ainda que indiciaria ou genericamente), não são suficientes para a prova de factos constitutivos do direito e isto porque estas declarações são, por definição, favoráveis à parte que as vai prestar. Mas mesmo numa generosa valoração das declarações de parte do Requerente (se se afiguraram genuínas), as mesmas não provam mais do que aquilo que o Requerente disse e ouviu: que contactou um Advogado e que o mesmo terá contactado – porque lhe assim disse o dito Advogado – os seus irmãos para saber se haviam bens. Não sabemos, na verdade, se alguma vez foi feita alguma démarche por tal Advogado, nem em que termos, nem quando, nem o seu propósito que não o de saber se existem bem susceptíveis de partilha. E se houvessem bens, o requerente pretendia fazer uma aceitação pura ou a beneficio do inventário? Ou pretenderia fazer um repúdio, em face da notícia de avultado passivo junto da banca? Perante tamanho vazio de prova, não sabemos.
Desta forma, se não foi feita prova de qualquer reclamação, junto dos seus irmãos, quanto à partilha da partilha de bens da herança deixada por óbito do seu pai, também é certo que não se provou que o mesmo soubesse da existência de qualquer activo/passivo, já que num elemento de prova assim o assegurou, sendo que o cerne da prova testemunhal ouvida (e, até, das declarações do próprio requerente), orbitou precisamente na ausência de quaisquer contactos entre o Requerente e os seus irmãos.
Discordando deste entendimento, o apelante requer a reapreciação das declarações de parte que prestou e do depoimento prestado pela testemunha DD, sustentando que tais meios de prova impõem o aditamento à matéria provada do indicado facto considerado não provado e que as demais testemunhas inquiridas não revelaram conhecimento da matéria em causa.
Face à alegação do apelante, cumpre reapreciar os indicados meios de prova – as declarações de parte que prestou e o depoimento prestado pela testemunha DD –, de forma conjugada e de acordo com as regras de experiência comum, retirando dos factos conhecidos as necessárias ilações, averiguando se aqueles elementos probatórios impõem decisão diversa da proferida.
Previamente, porém, importa determinar o padrão de prova exigível ou, melhor, o standard de prova aplicável[1].
No domínio do grau de certeza exigível existem diferenças relevantes entre o processo civil e o processo penal, decorrentes de diversas opções legislativas subjacentes a cada um dos regimes legais. Assim, se no âmbito do processo penal o princípio in dubio pro reo exige um elevado grau de convicção para considerar provado determinado facto contra o arguido, devendo a conclusão do tribunal assentar em prova que não deixe dúvidas quanto ao seu sentido, no âmbito do processo civil o princípio da igualdade das partes impõe um equilíbrio entre estas, com a consequente diminuição do grau de convicção exigível[2].
Explica Luís Filipe Pires de Sousa (Prova Testemunhal, 2016 – reimpressão, Coimbra, Almedina, pág. 378) que o standard que opera no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável do que não”, o qual se consubstancia em duas regras fundamentais que enuncia nos termos seguintes: “(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”.
Quanto ao grau de convicção exigível em processo civil, esclarece José Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, págs. 160-161) o seguinte: “No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º do CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança”.
Consistem as presunções judiciais em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme noção constante do artigo 349.º do Código Civil.
Em anotação a este preceito, explica José Lebre de Freitas (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 434) que “legal ou judicial, a presunção baseia-se sempre numa regra de experiência, que estabelece a ligação entre o facto conhecido que está na base da ilação e o facto desconhecido que dele é derivado: atendendo ao elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, este é dado como assente quando o primeiro é provado”. As presunções judiciais assentam no raciocínio do julgador e inspiram-se, como afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pág. 312), “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.
Regressando ao caso presente, procedeu-se à reapreciação das declarações de parte prestadas pelo apelante e do depoimento prestado pela testemunha DD.
No que respeita a este depoimento, verifica-se que a testemunha não revelou conhecimento direto do facto constante da alínea a) de 2.1.2., ora impugnado, tendo-se limitado a descrever o que a esse respeito lhe foi transmitido pelo próprio requerente, o que decorre claramente do depoimento prestado, do decurso do qual o depoente justifica o conhecimento dos factos que relatou afirmando que foi o ... que lhe disse.
Não se vislumbrando, nem tendo sido invocadas, quaisquer circunstâncias que atribuam credibilidade ao depoimento indireto prestado pela indicada testemunha, verifica-se que o mesmo não assume força probatória que permita considerar verificado o facto em apreciação.
No que toca às declarações de parte prestadas pelo apelante, delas não decorre que tenha reclamado de seus irmãos a partilha da herança deixada por óbito de seu pai, não tendo especificado qualquer contacto com os mesmos nesse sentido. O depoente afirmou que solicitou a um advogado que averiguasse da existência de bens pertencentes à herança, na sequência do que o mesmo lhe comunicou que contactou os irmãos do requerente e que estes lhe disseram que não existiam bens nenhuns; no entanto, o facto relativo a este contacto com o advogado não se encontra demonstrado, não tendo sido produzida prova segura da sua verificação, nem decorrendo da prova produzida qualquer elemento que dê credibilidade a esta realidade, não se mostrando as declarações de parte apoiadas em qualquer outro elemento probatório no que respeita a este ponto, sendo certo, porém, que o respetivo relevo para a demonstração da verificação do facto impugnado sempre seria duvidoso, por não dele não resultar qualquer elemento que indicie um contacto com os irmãos do apelante no sentido da realização da partilha.
Nesta conformidade, verificando que os elementos probatórios invocados pelo apelante não impõem se considere provado o facto constante da alínea a) de 2.1.2., cumpre julgar improcedente a impugnação deduzida.
Em conclusão, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2.2.3. Caducidade do direito de aceitação da herança pelo apelante
Nos presentes autos de inventário para partilha da herança deixada por óbito de AA, falecido em ../../2000, intentados pelo apelante em 06-01-2022, vem posta em causa na apelação a decisão que julgou verificada a caducidade do direito de aceitação pelo requerente da herança aberta por óbito do inventariado e, em consequência, julgou extinta a instância, por procedência da oposição deduzida ao inventário pelo cabeça de casal.
O apelante discorda da decisão recorrida, verificando-se, porém, que a solução que defende para o litígio assenta em factualidade não considerada provada, designadamente no facto julgado não provado sob a alínea a) de 2.1.2., cujo aditamento à matéria assente defendera em sede de impugnação da decisão de facto.
A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo apelante, com a consequente não alteração da factualidade julgada provada, importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito pelo mesmo suscitada, dado que a solução que preconiza se baseia no aditamento daquele ponto à factualidade assente.
Verificando que o apelante não defende qualquer alteração da decisão proferida a apreciar no pressuposto da não modificação da decisão de facto e que a factualidade que invoca como fundamento da decisão que defende não se encontra provada, cumpre concluir que a improcedência da impugnação da decisão de facto prejudica a apreciação da questão de direito suscitada pelo requerente na apelação.
Improcede, assim, a apelação.


Em conclusão: (…)


3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 27-06-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Francisco Matos (1.º Adjunto)
Maria Domingas Simões (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Um standard de prova consiste, nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa (Prova por Presunção no Direito Civil, 2013 – 2.ª edição, Coimbra, Almedina, pág. 149), “numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira”.
[2] No que respeita ao diverso grau de convicção subjacente à decisão sobre a matéria de facto no processo penal e no processo civil, afirma Margarida Lima Rego (“Decisões em ambiente de incerteza: probabilidade e convicção na formação das decisões judiciais”, Julgar, n.º 21, setembro/dezembro 2013, págs. 136-137), o seguinte: “No processo penal sobreluz a asserção, subjacente ao princípio in dubio pro reo, de que mais vale absolver um criminoso do que condenar um inocente. Assim se justifica também a exigência de um fortíssimo grau de convicção para, em processo penal, dar um facto como provado. O mesmo raciocínio não parece aplicar-se sem mais ao processo civil. Neste, ao menos no processo declarativo, existe um equilíbrio entre as partes (…)”