INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE
MANDATÁRIO
Sumário

I. O incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui-se como uma instância incidental, relativamente ao processo principal onde ocorreu a regulação dessas responsabilidades.
II. Quando o/a requerido/a no incidente não se encontra representado/a ou patrocinado/a nos autos, ou ainda quando o processo de regulação se encontra findo não sendo de presumir, dado o tempo entretanto decorrido, segundo as regras da experiência comum ou de normalidade social, que o mandato conferido para estes últimos autos se tenha mantido, a notificação a que alude o n.º 3 do artigo 41.º há-de ser pessoal, com observância das formalidades previstas para a citação, como forma de assegurar o conhecimento do interessado directo, que é a primeira garantia do exercício do seu direito de defesa.
III. Nos casos em que existe mandato ou patrocínio oficioso conferido na precedente acção de regulação (ou apenso), e sem prejuízo da notificação que seja feita ao demandado em ordem a dar-lhe conhecimento directo da demanda, afigura-se dever ser notificado o mandatário ou patrono nomeado nos termos prevenidos no artigo 247.º do Código do Processo Civil, cuja aplicação decorre da norma remissiva do artigo 33.º do RGPTC. IV. Tal interpretação, conforme se assinalou no aresto deste mesmo TRE de 5/12/2019, é aquela que se impõe “numa lógica de complementaridade e de efectivo acesso à Justiça (…)”, assegurando que a parte tem garantida a defesa por profissional devidamente habilitado, conforme escolheu fazer.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo 4519/12.2TBVFX-F.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Família e Menores de Santarém - Juiz 2


I – Relatório
(…) veio, nos termos do artigo 41.º do RGPTC, suscitar incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais relativo à sua filha (…), nascida em 31 de Janeiro de 2008, sendo requerido o progenitor (…), com fundamento no facto deste ter omitido o pagamento da prestação de alimentos devida nos meses de Maio a Novembro de 2023, ao que acresce nunca ter procedido à atualização anual da pensão devida, o que se verifica desde o ano de 2018, tudo num total de € 1.440,29, sendo € 1.138,41 a título de prestações vencidas e não pagas e € 301,88 de atualizações.
Pediu a final que fossem ordenadas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo do acordado, nomeadamente, que fosse “descontado no vencimento mensal que o requerido aufere como trabalhador por conta de outrem (…) devendo, para o efeito, ser notificada a respectiva entidade patronal, nos termos do artigo 48.º, n.º 1, alínea b), do RGPTC.

*
Presentes os autos ao Sr. Juiz, foi de imediato ordenado o desconto no vencimento do requerido das prestações vincendas, no valor actualizado de € 162,64, após o que se procedeu à citação do mesmo mediante carta registada com a/r, o qual se mostra junto aos autos, “para se pronunciar, querendo, sobre o incumprimento suscitado, com a cominação de que, nada dizendo nem demonstrado o pagamento das quantias em causa” no prazo de cinco dias, se considerariam confessados os factos alegados pela requerente.
Decorrido o aludido prazo de cinco dias sem que o requerido se tivesse pronunciado, foi proferida sentença na qual foram julgados assentes por confissão os factos apelados pela requerente e, em consequência, i. foi julgado verificado o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, no que toca às prestações alimentares a favor de (…) devidas pelo requerido (…) e vencidas nos meses de Maio a Novembro de 2023 e às atualizações das pensões devidas entre Janeiro de 2018 e Abril de 2023, inclusive, no montante de € 1.438,96 (mil e quatrocentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos); ii. ordenado o desconto do montante mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) no vencimento do requerido, a efetuar pela respetiva entidade patronal, que o deverá enviar diretamente para a requerente até perfazer o montante de € 1.438,96 (mil e quatrocentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos) em cujo pagamento o requerido é condenado pela presente sentença, com início se possível no corrente mês de Fevereiro, o qual deverá ser remetido diretamente à requerente e acrescerá ao desconto do montante relativo às pensões mensalmente devidas, já ordenado com a ref.ª 94962383, atualmente no valor de € 169,65, que se mantém.”

Inconformado, o recorrido apresentou o presente recurso e, tendo desenvolvido no corpo das alegações os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
1.ª Em 10/11/2023, a recorrida apresentou um requerimento que deu origem aos presentes autos, alegando, em suma, que o recorrente não procedeu a diversos pagamentos no âmbito da obrigação de alimentos, peticionando o pagamento global de € 1.440,29.
2.ª Na sequência da instauração do incidente de incumprimento pela recorrida, em 24/11/2023 foi proferido despacho determinando a citação do requerido, nos termos seguintes: “(…) cite o requerido para se pronunciar, querendo, sobre o incumprimento suscitado pela requerente, com a cominação de que, nada dizendo nem demonstrando o pagamento das quantias em causa, se considerarão confessados os factos alegados por esta – artigo 41.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro. Prazo: 5 dias.”
3.ª O requerido/recorrente não foi notificado com observância das formalidades da citação, conforme ordenado, mas sim, citado.
4.ª A mandatária judicial do recorrente não foi notificada do requerimento inicial e só teve conhecimento da razão-de-ser, diligências, tramitação e desfecho do presente incidente de incumprimento ao ser notificada da decisão final, momento a partir do qual passou a conseguiu visualizar o apenso na plataforma Citius, tudo à revelia do estatuído no artigo 247.º do C.P.C..
5.ª A mandatária do recorrente representa o recorrente no apenso de alteração, sendo a representação extensiva a todos os processos que sigam por apenso ao principal e incidentes daqueles ou dos seus apensos, e tanto assim é que foi a mandatária e não o requerido/recorrente notificado da sentença de que se recorre.
6.ª Não se pondo em causa o carácter pessoal da notificação em crise, admitindo-se, em consequência, terem de ser também cumpridas as formalidades da citação, o certo é que a mandatária judicial do recorrente deveria, de igual modo, ter sido notificada nos termos e para os efeitos do artigo 41.º, n.º 3, do RGPTC, de conformidade com o artigo 247.º do C.P.C..
7.ª A par da notificação dirigida ao recorrente, a mandatária também deveria ter sido notificada pelo Tribunal.
8.ª Face ao tempo decorrido entre a instauração da alteração da regulação das responsabilidades parentais do apenso E (27/09/2023) e a data de instauração do incidente de incumprimento (10/11/2023), existe uma linha de continuidade dos procedimentos que sempre sairiam favorecidos com a intervenção em juízo do mandatário judicial do recorrente, o que não sucedeu.
9.ª Por se tratar de um incidente relacionado com apenso da causa principal, as notificações às partes em processos pendentes também devem ser feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
10.ª Esta regra vale para qualquer notificação que seja dirigida à parte que haja constituído mandatário judicial ou se encontre nomeado patrono, quer seja obrigatório, ou não, o patrocínio judiciário.
11.ª A mandatária do requerido/recorrente não foi notificada para os termos do presente incidente, sendo manifesta a existência de uma nulidade, atenta a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, de acordo com o estatuído no artigo 195.º, n.º 1, do C.P.C..
12.ª A mandatária do requerido/recorrente não é notificada do requerimento inicial, mas é notificada da decisão final, de que aqui se recorre.
13.ª A violação do contraditório também se inclui na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do n.º 1 do referenciado artigo 195.º do C.P.C..
14.ª Atenta a importância do princípio do contraditório, consagrado sob o artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C., é indiscutível que a sua inobservância também é suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, violando, ainda, o preceituado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa que assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente do C.P.C..
15.ª A omissão, quer das formalidades decorrentes da notificação, quer do contraditório, influiu na boa decisão da causa, ferindo de nulidade os presentes autos, cominando a invalidade de todos os atos subsequentes à prolação do despacho de 24/11/2023, que determinou a citação do requerido, o que, desde já, se invoca e se requer.
16.ª A sentença proferida alicerçou-se essencialmente na confissão do recorrente, atenta a falta de impugnação dos factos alegados pela recorrida.
17.ª Não obstante o silêncio do recorrente, para que a revelia pudesse operar, a mandatária judicial do recorrente sempre deveria ter sido notificada nos termos do artigo 41.º, n.º 3, do RGPTC para, querendo, exercer o contraditório em representação deste último, mediante a apresentação de alegações por escrito, o que não sucedeu – cfr. artigo 247.º do C.P.C..
18.ª Pelo que não poderia o Tribunal recorrido considerar confessados os factos alegados pela recorrida, invocando a sua falta de impugnação, dado que, à exceção da sentença, a mandatária judicial do recorrente não foi notificada do demais processado, não podendo, assim, os pontos 3, 4 e 7 da matéria assente serem considerados como provados.
19.ª A descrita preterição da notificação do requerimento inicial à mandatária do requerido / recorrente é uma preterição da afirmação do princípio do contraditório [como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão], naturalmente, pode influir no exame e decisão do incidente.
20.ª A omissão do contraditório (consubstanciada na omissão de formalidades da notificação), por si e porque levou à omissão de outras diligências que a ele poderiam/deveriam seguir-se, influiu, direta e necessariamente, na decisão que foi proferida e que é objeto deste recurso, constituindo nulidade processual na previsão do nº 1 do artigo 195.º do C.P.C..
21.ª Assim, considerando a omissão da notificação da mandatária do recorrente para os termos do presente incidente, nos termos do artigo 195.º, nºs 1 e 2, do C.P.C., deverá anular-se os atos subsequentes à prolação do despacho de 24/11/2023 (inclusive, a sentença recorrida), devendo ter lugar a notificação (em falta) à mandatária do recorrente, quer do teor do requerimento inicial de 10/11/2023 quer qualquer subsequente documentação junta aos autos, possibilitando, dessa forma, uma adequada alegação por parte do recorrente/requerido (artigo 41.º, n.º 3, do RGPTC).
22.ª Foram violados os artigos 44.º, n.º 1 e 247.º do C.P.C. e o artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Conclui requerendo a revogação da sentença recorrida, “determinando-se a notificação da mandatária do requerido/recorrente nos termos anteriormente expressos”.

Contra alegou o D. Magistrado do MP defendendo a manutenção do julgado, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente processo foi instaurado no dia 10 de Novembro de 2023, por (…), mãe da criança (…), que é também filha do ora recorrente.
2. O requerido foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, em 4 de Janeiro de 2024 (referência 95271004).
3.Subjacente a tal despacho está o entendimento, aliás expresso na douta sentença recorrida, que o processo de incumprimento é uma verdadeira acção, e não um mero incidente e, como tal, determinou-se a citação do requerido, para os efeitos do disposto no artigo 41.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, citação essa feita em obediência ao disposto 219.º do Código de Processo Civil, aplicável, neste processo, por força da remissão contida no artigo 33.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o qual estatui que “a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa”.
4. Estando em causa a citação do requerido, não era legalmente exigido que, para além de tal citação, fosse efectuada, ainda, a notificação da sua Ilustre Mandatária.
5. Logo, não ocorre qualquer nulidade.
6. A douta sentença recorrida assentou, como dela resulta, nos factos ali dados como assentes, os quais, por seu turno, foram dados como provados porquanto o requerido não demonstrou, como lhe incumbia, o pagamento das quantias, nem ilidiu, como também lhe competia, a presunção prevista no artigo 799.º do Código Civil.
7. Face ao exposto, afigura-se-nos que a decisão recorrida não merece censura”.
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Assente que pelo teor da conclusão se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se ao não ser notificada a Il. Mandatária do requerido foi cometida irregularidade processual com valor de nulidade por ter influído na decisão da causa, implicando violação do princípio do contraditório, acarretando a anulação dos actos praticados, com excepção da apresentação do requerimento inicial, incluindo a sentença proferida.
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II. Fundamentação
De facto
À decisão interessam os factos ocorridos no processo referenciados em 1 e ainda os seguintes:
1. A (…), nascida em 31 de Janeiro de 2008, é filha da requerente (…) e do requerido (…).
2. Por sentença homologatória do acordo dos progenitores proferida em 29 de Outubro de 2012 nos autos principais, ficou estabelecido, além do mais, que:
a) As menores filhas de requerente e requerido ficariam à guarda e a residir com a Mãe, cabendo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores;
b) O pai contribuirá com a pensão mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) a título de alimentos para cada uma das menores, a qual será actualizada anualmente, no mês de Janeiro, em função da taxa de inflação.
c) Aquele quantitativo é acrescido de metade das despesas médicas, medicamentos e escolares, mediante apresentação do respectivo comprovativo.
d) As pensões de alimentos serão pagas pelo pai das menores até ao dia 08 de cada mês, através de cheque a entregar à mãe."
3. Em 16 Junho de 2013 o progenitor instaurou acção de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, dando origem ao apenso A, tendo para tanto constituído sua mandatária a Sr.ª Dr.ª (…).
4. Na conferência de pais que teve lugar em 2 Dezembro de 2013 no âmbito da acção a que se alude no ponto anterior o requerente viria a desistir da instância, desistência homologada por sentença proferida em acta.
5. A progenitora suscitou posteriormente incidente de incumprimento sendo requerido o progenitor, dando origem ao apenso B, tendo-se este último feito representar pela Sr.ª Dr.ª (…).
4. Por sentença homologatória do acordo dos progenitores proferida no aludido apenso B 29 de Novembro de 2016 e transitada em julgado (ref.ª 73848313 desses autos), ficou estabelecido, além do mais, que o requerido contribuiria mensalmente a título de alimentos para a filha (…) com a quantia de € 145,00, que seria atualizada anualmente e no mês de Janeiro, em função da taxa de inflação, sendo que a primeira atualização ocorreria em Janeiro de 2018.
6. Com data de 27/9/2023, o ora requerido fez entrar acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais, dando origem ao apenso E, tendo junto procuração a favor da Ex.ª Sr.ª Dr.ª (…), que o não havia representado na acção principal e anteriores incidentes.
7. Na acção a que se reporta o ponto anterior teve lugar em 8 de Janeiro 2024 conferência de pais e audição da jovem.
8. O presente incidente de incumprimento foi instaurado em 10 de Novembro de 2023, tendo o requerido sido citado mediante carta registada com a/r em 4 de Janeiro .
9. O requerido trabalha por conta de “(…) – Transportes, Lda.” e aufere um vencimento no montante mensal de € 1.483,32.
10. Por despacho proferido no presente apenso em 24 de Novembro de 2023 (ref.ª 994962383), foi ordenado o desconto no vencimento auferido pelo requerido das pensões mensalmente devidas e vincendas, atualmente no montante de € 169,65, o qual teve início na pensão do mês de Dezembro de 2023.
11. A sentença proferida no presente apenso foi notificada ao requerido na pessoa da sua Il. Mandatária constituída no apenso E.
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Do Direito
Resulta dos autos ter a progenitora da menor de idade (…) desencadeado o incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º do RGPTC, tendo peticionado, para além do mais, que os montantes que disse estarem em dívida e as prestações vincendas passassem a ser descontados do salário do requerido progenitor nos termos que vêm previstos no art.º 48.º do mesmo diploma legal.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respectivos incidentes (vide o seu artigo 1.º).
Nos termos do artigo 3.º constituem providências tutelares cíveis as ali elencadas, designadamente, e para o que aqui releva, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes (alínea c)).
Dispõe o artigo 41.º do diploma a que nos vimos reportando, impressivamente epigrafado de “Incumprimento”, que “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos (vide n.º 1 do preceito).
Nos termos do n.º 2 “Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão”. Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente, conforme prescreve o n.º 3.
Face ao assim preceituado cabe antes de mais referir que, ao invés do que parece ter sido o entendimento subjacente à tramitação seguida nos presentes autos, não estamos perante uma acção autónoma.
Como se explica no aresto do TRC de 24/1/2023 (processo 399/15.4 T8CLD-D.C1, acessível em www.dgsi.pt), “Em termos gerais conceptuais da noção de incidente, pode-se dizer que o mesmo é um procedimento anómalo, isto é, sequência de actos que exorbitam da tramitação normal do processo e têm, por isso, carácter eventual, visando a resolução de determinadas questões que, embora sempre de algum modo relacionadas com o objecto do processo, não fazem parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes (vide A. Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, págs. 560/566, e Lebre Freitas, in CPC Anotado, Vol. 1.º, 2.ª Ed., notas 1 e 2)”.
Atenta tal definição, impõe-se concluir que o incumprimento do exercício de responsabilidades parentais, implicando “um misto de atividade declarativa e de actividade executiva na medida em que se impõe apurar, em primeiro lugar, se existe ou não o incumprimento e, em segundo lugar, determinar a realização das diligências coercivas necessárias para o cumprimento coercivo do acordo ou da decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais”[2] - constitui-se como uma instância incidental, relativamente ao processo principal (onde ocorreu a regulação dessas responsabilidades).
Tendo assim “por finalidade a verificação de uma situação de incumprimento culposo / censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido, configura-se como um incidente de incumprimento do acordado ou decidido, relativamente a qualquer questão do regime de regulação das responsabilidades parentais” (do acórdão do TRC de 11/5/2021, processo 140/13.6TBCLD-D.C1, também acessível em www.dgsi.pt).
Em suma, pressupondo o incumprimento uma decisão regulatória prévia (quer tenha sido proferida no âmbito de processo judicial, quer seja meramente homologatória do acordo a que as partes chegaram proferida nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 122/2013, de 26 de Agosto), dela sendo dependente, estamos perante uma instância incidental, por isso a lei determina que o requerido deve ser notificado, ao invés do que se encontra, pro exemplo, previsto para a alteração – cfr. n.º 3 do artigo 42.º –, configurada como uma nova acção (e sem embargo de às partes ser consentido alterar o regime antes fixado no âmbito do incidente do incumprimento, conforme prevê expressamente o n.º 4 do precedente artigo 41.º e, de resto, se verifica ter ocorrido no âmbito da regulação das responsabilidades parentais relativa à jovem …).
Quanto aos termos em que tal notificação deve ser efectuada, têm divergido os nossos tribunais, havendo quem defenda que é de exigir a notificação pessoal do requerido nos termos prescritos para a citação (cfr. acórdãos do TRC de 13/11/2018, no processo 1780/16.7 T8CBR-C.C1, e voto de vencido aposto ao acórdão do TRC de 28/11/2017, no processo 2679/12.1TBFIG-M.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), pugnando outros, tese sustentada pelo ora recorrente, que, encontrando-se o requerido representado na acção principal ou, como se verifica no caso vertente, num outro apenso, o qual se encontra pendente, a notificação há de fazer-se (também) ao mandatário, nos termos do artigo 247.º do CPC.
Cremos, o que se declara em antecipação, que a razão está do lado do recorrente.
Com efeito, e tal como se salientou no aresto deste TRE de 5/12/2019, processo 10197/18.8T8SNT-A.E1, acessível em www.dgsi.pt[3]), argumentos retomados no acórdão do TRC de 11/5/2021 (processo 140/13.6TBCLD-D, disponível no mesmo sítio), não se afigura controvertido que quando o requerido não se encontra de todo representado, ou ainda quando o processo de regulação se encontra findo há diversos anos, não sendo de presumir, segundo as regras da experiência comum ou de normalidade social, que o mandato conferido para estes últimos autos se tenha mantido, a notificação a que alude o n.º 3 do artigo 41.º há-de ser pessoal, com observância das formalidades previstas para a citação, como forma de assegurar o conhecimento do interessado directo, que é a primeira garantia do exercício do seu direito de defesa. Já nos casos em que existe mandato ou patrocínio oficioso conferido na precedente acção de regulação, e sem prejuízo da notificação que seja feita ao demandado em ordem a dar-lhe conhecimento directo da demanda, afigura-se dever ser notificado o mandatário ou patrono nomeado nos termos prevenidos no artigo 247.º do Código do Processo Civil, cuja aplicação decorre da norma remissiva do artigo 33.º do RGPTC. Tal interpretação, conforme se assinalou no aresto deste mesmo TRE acima identificado, é aquela que se impõe “numa lógica de complementaridade e de efectivo acesso à Justiça (…)”. E tanto assim que, conforme ali também se referiu, “mesmo nas hipóteses destinadas a chamar a parte para a prática de acto processual, enuncia o n.º 2 do artigo 247.º do Código de Processo Civil, que, a par dessa notificação dirigida ao interessado directo, o mandatário também deve ser receptor da comunicação do Tribunal”.
Decorre do que se deixou dito que a partir da constituição de mandatário a representação do requerido é por aquele assumida, daí que lhe devam ser dirigidas as notificações, como forma de garantir que a parte tem garantida a defesa por profissional devidamente habilitado, conforme escolheu fazer. A entender-se diversamente bem poderá acontecer, como se verificou no caso vertente, que resulte prejudicado o contraditório, uma vez que, confiando na intervenção do mandatário constituído, o requerido nada fez, podendo ainda facilmente conceber-se que, conforme alegou, tendo recebido a nota de citação escassos dias antes da conferência de pais marcada no âmbito do apenso E, onde se discutiu a questão dos alimentos, não tenha dado conta de que estava em causa questão diversa.
E a verdade é que o requerido e apelante nestes autos se encontrava representado por Il Advogado. Vejamos:
Nos termos do preceituado no artigo 44.º do CPC, “O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os Tribunais superiores”, havendo que entender-se que a previsão abrange também os casos em que o incidente haja surgido posteriormente.
Poderá objectar-se que o presente incidente de incumprimento foi suscitado por referência ao regime que passou a vigorar após ter sido alterado no âmbito do apenso B, na qual o ora requerido se fez representar pela Dr.ª (…), não produzindo aqui efeitos o mandato agora conferido à Dr.ª (…), nos termos constantes da procuração junta ao apenso E.
Não cremos, porém, que a objecção proceda.
Assim, e desde logo não pode olvidar-se que o requerido mandatou agora uma nova advogada, numa inequívoca demonstração da cessação do anterior mandado. Isso mesmo, aliás, foi assumido nos autos, tanto assim que a decisão ora recorrida foi notificada à Sr.ª advogada a favor de quem foi outorgada a procuração junta no apenso E. Depois, a verdade é que pese embora o incumprimento tenha sido suscitado em relação ao regime fixado por decisão que homologou o acordo das partes no apenso B, o incumprimento e a acção de alteração agora pendentes encontram-se conexionados e na dependência da mesma acção, donde dever entender-se que o mandato conferido num dos apensos é extensível aos demais[4], numa interpretação do artigo 44.º do CPC harmónica com o regime fixado no artigo 18.º, n.º 4, da LAJ (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março)[5].
Estabelecido portanto que o requerido tinha como mandatária constituída a Sr.ª Dr.ª (…), subscritora do presente recurso, deveria a mesma ter sido notificada do requerimento de incumprimento, tanto mais que foi determinada a notificação do seu representado – a qual, nos termos prescritos no n.º 3 do artigo 41.º só excepcionalmente deve ter lugar – para, apenas em 5 dias, alegar o que tivesse por conveniente, “sob pena de se darem como confessados os factos alegados pela requerente”[6].
Decorrendo do antecedentemente exposto que a notificação ao mandatário constituído (ou patrono nomeado) nos termos do artigo 247.º se impõe numa interpretação mais conforme à Constituição, privilegiando uma garantia efectiva do direito de defesa, a omissão dessa notificação configura irregularidade processual com valor de nulidade, por influir na decisão da causa, posto que o requerente não se pronunciou sobre o requerimento apresentado (cfr. artigo 195.º do CPC), incorrendo na cominação anunciada. Encontrando-se tal nulidade coberta pela sentença recorrida, tal determina a anulação de todos os termos subsequentes ao despacho que determinou a citação do requerido, por dele dependerem absolutamente, devendo ser proferido um outro a determinar a notificação à Il. Mandatária pelo mesmo constituída nos autos.
*

Sumário: (…)

III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível em, na procedência do recurso, decretar a anulação de todo o processado subsequente à prolação do despacho de (Ref.ª), devendo ser ordenada a notificação da Il Mandatária constituída pelo requerido.
Sem custas.
Évora, 27 de Junho de 2024
Maria Domingas Alves Simões
Isabel Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás

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[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1.ª Adj. - Sr.ª Juíza Des. Isabel Peixoto Imaginário;
2.ª Adj. - Sr. Juiz Des. Canelas Brás.
[2] Cfr. Guia Prático do Divórcio e Responsabilidades Parentais, 2.ªEd. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, Dezembro 2013, Disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/guia_pratico_divorcio_responsabilidades_parentais.pdf
[3] E também subscrito pela aqui 1.ª adjunta.
[4] Cfr. no sentido da extensão à acção principal do mandato conferido em procedimento cautelar prévio, com citação de doutrina e jurisprudência, o recente acórdão do TRP de 11/1/2024, no processo 528/23.4T8VNG.P1, também em www.dgsi.pt.
[5] Nos termos do qual o apoio judiciário – e a nomeação de patrono que ocorra no seu âmbito – mantém-se para efeitos de recurso (…) e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”.
[6] Sendo certo que no âmbito do processo de regulação/alteração das responsabilidades parentais e seus incidentes, a lei não prevê qualquer cominatório para a ausência de "alegação"; aliás, e como se fez notar no voto de vencido aposto ao acórdão do TRC de 28/11/2017, nem sequer fala em dedução de oposição, dispondo apenas que, realizada a Conferência, a ambas as partes é dada a possibilidade de “alegarem”, ou seja, tão só, de se pronunciarem, querendo, sobre as questões controvertidas.