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INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PRAZO PEREMPTÓRIO
Sumário
A entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, com natureza interpretativa retirou a dúvida que pairava no sistema jurídico, ficando expresso na Lei que o decurso do prazo previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE tem efeito preclusivo, como parte da jurisprudência vinha entendendo. Basta analisar a proposta de lei apresentada pelo Governo que esteve na base da nova lei, para se concluir pela sua natureza interpretativa da mesma Lei. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Recurso de Apelação n.º 40/21.6TBEVR-C.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
1 – Relatório
Por sentença proferida em 08-02-2021, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de (…) – Fábrica de (…), S.A., sendo que, na sequência de parecer emitido pela senhora Administradora da Insolvência, ao abrigo do artigo 188.º, n.º 3, do CIRE, veio a ser aberto incidente de qualificação da insolvência, ao abrigo do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE.
A senhora Administradora da Insolvência, para o efeito e em síntese, alegou que, à data da declaração de insolvência da sociedade, os administradores eram os Requeridos (…) e (…). Os quais detêm participações sociais noutras sociedades comerciais que identifica, actuando em proveito destas.
Por promoção de 06-09-2021, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se acompanhando o parecer da senhora Administradora da Insolvência.
Os requeridos deduziram oposição, impugnando os factos apresentados pela senhora Administradora e pediram que a insolvência fosse qualificada como fortuita.
A senhora Administradora manteve o seu parecer.
Foi proferida decisão qualificando-se a Insolvência nos seguintes termos:
“a) Qualificar como culposa a insolvência da sociedade (…) – Fábrica de (…), S.A.;
b) Julgar afectados pela qualificação ambos os Requeridos, (…) e (…);
c) Declarar ambos os Requeridos inibidos para o exercício do comércio pelo período de 3 (três) anos e inibidos, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; bem como, inibidos para administrar patrimónios de terceiros, por igual período;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos Requeridos, e condená-los na restituição de quaisquer bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
e) Condenar solidariamente ambos os Requeridos a indemnizar os credores da sociedade insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos correspondente ao valor dos créditos reconhecidos, deduzido do montante que foi ou vier a ser pago no âmbito do processo da insolvência, até às forças dos respetivos patrimónios;
Deduzindo-se, porém, o montante de € 6.321.325,49, correspondente ao montante de capital acrescido de juros, concedido como crédito, pelos Administradores da sociedade devedora à sociedade “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.”, no hiato temporal compreendido entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015; uma vez que, tal acto não foi praticado pelos Requeridos e, como tal, por ele não devem ser responsabilizados.
f) Condenar ambos os Requeridos no pagamento das custas do presente incidente.
Os Requeridos (…) e (…) interpuseram recurso.
Nas suas alegações formularam as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida padece de nulidade, que decorre da própria nulidade do presente incidente de qualificação de insolvência.
2. Em 18 de outubro de 2021, mediante articulado com a referência 3063682, a recorrente (…) deduziu oposição à qualificação da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo 188.º, n.º 6, do CIRE, alegando entre o mais, que o parecer elaborado pela senhora Administradora de insolvência não cumpriu o prazo perentório de 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório.
3. Em 22 de dezembro de 2021, a Mmª juiz titular do processo proferiu despacho saneador (referência 31278474), no âmbito do qual, em relação ao saneamento da causa, não se pronunciou sobre o vício decorrente da intempestividade do relatório da senhora Administradora de Insolvência.
4. Posteriormente, já no âmbito da audiência de julgamento, os recorrentes apresentaram nos autos um requerimento que invocava a extemporaneidade do incidente de qualificação da insolvência.
5. O artigo 188º, n.º 1, do CIRE dispõe, na sua atual redação, que “O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.”
6. O prazo de 15 dias previsto no n.º 1 do artigo 188.º do CIRE, ainda que na redação anterior à introduzida pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, tem, igualmente, natureza perentória, o que foi esclarecido pela nova versão do mesmo normativo introduzida pela referida Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro.
7. Ainda que se entendesse que o Tribunal poderia declarar aberto oficiosamente o incidente de qualificação da insolvência em fase ulterior à sentença declaratória da insolvência, não o poderia fazer para além do limite de tempo em que lhe era permitido abrir o incidente a requerimento do administrador da insolvência e dos interessados, nos termos do n.º 1 do artigo 188.º do CIRE, em harmonia com a unidade do sistema jurídico.
8. No que concerne aos presentes autos, sucede que a assembleia de apreciação do relatório nos termos do artigo 155.º do CIRE teve lugar no dia 7 de abril de 2021, conforme consta da respetiva ata, junta aos autos principais com a referência 30478061.
9. Somente no dia 27 de maio de 2021, mediante requerimento junto aos autos principais com a referência 2941205, a senhora Administradora de Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência, através de instrumento que não reuniu, sequer, os requisitos legais do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, tendo vindo a apresentar, apenas no dia 14 de junho de 2021, o parecer de qualificação junto ao presente apenso.
10. Todavia, atento o supra exposto, é manifesto que o parecer da senhora Administradora de Insolvência enferma de vício de caducidade, por efeito de extemporaneidade, atento o prazo determinado pelo referido artigo 188.º, n.º 1, do CIRE.
11. O prazo em questão, como prazo de caducidade que é, tem natureza oficiosa, podendo ser suscitado em qualquer momento processual, e conduz à extinção do incidente de qualificação.
12. A sentença recorrida, no que concerne à matéria em questão, pronunciando-se sobre a caducidade invocada pelos recorrentes, indeferiu a pretensão dos recorrentes, invocando para o efeito que o despacho que que declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência não era passível de recurso, pelo que, transitou em julgado; que o despacho que que declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência tem subjacente uma apreciação tácita da tempestividade do requerimento de abertura do incidente, levada a cabo pela Mmª. Juiz de Direito subscritora de tal despacho, tendo-se aí esgotado o seu poder jurisdicional; que foi proferido despacho saneador, o qual também não foi objeto de qualquer recurso.
13. Ao indeferir a pretensão dos recorrentes, e ao qualificar, a final, a insolvência como culposa, a sentença enferma de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal a quo tomou conhecimento de questões que não podia tomar conhecimento, porquanto o incidente de qualificação da insolvência é extemporâneo, por se encontrar ultrapassado o prazo perentório previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, para a abertura do mesmo, sendo legalmente inadmissível.
14. O prazo perentório de 15 dias decorrente do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE foi claramente ultrapassado nos presentes autos, atendendo a que a Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE foi realizada em 27 de abril de 2021, e só no dia 27 de maio de 2021, mediante requerimento junto aos autos principais com a referência 2941205, a senhora Administradora de Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência, requerimento este que não reuniu os requisitos legais do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, e culminou na apresentação, apenas no dia 14 de junho de 2021, do parecer de qualificação junto ao presente apenso.
15. Ainda que se entenda que o despacho que declarou a abertura do incidente de qualificação é irrecorrível, tal circunstância nunca poderia obstar o conhecimento posterior, até a título oficioso, pelo tribunal recorrido, da intempestividade do parecer da senhora Administradora e Insolvência e, consequentemente, da nulidade de todo o processado, não estando em causa a falta de tempestividade do despacho que declarou a abertura do incidente de qualificação da insolvência, mas sim a falta de tempestividade da iniciativa da senhora Administradora de Insolvência.
16. tal raciocínio é válido para contestar o argumento expresso na sentença recorrida, segundo o qual ocorreu uma apreciação tácita da tempestividade do requerimento de abertura do incidente, levada a cabo pela Mmª. Juiz de Direito subscritora de tal despacho, porquanto, caso tal tese viesse a ser atendida, a consequência seria a de que o prazo de natureza perentória determinado pelo artigo 188.º, n.º 1, do CIRE nunca produziria os efeitos pretendidos pelo legislador.
17. O facto de ter sido proferido, nos autos, despacho saneador, que não foi objeto de recurso, não invalida a nulidade da decisão recorrida, nem extingue as consequências geradas pela intempestividade do parecer da senhora administradora de insolvência, uma vez que tal despacho não se pronunciou, em concreto, sobre a intempestividade invocada pelos recorrentes.
18. Como tal, o poder jurisdicional do tribunal recorrido não se tinha esgotado para decidir sobre a intempestividade da iniciativa da senhora Administradora de Insolvência, e nem sequer tal despacho saneador era suscetível de recurso sobre tal matéria, uma vez que não se tinha pronunciado sobre a mesma.
19. Acresce que, a matéria dada como provada deveria ter conduzido à qualificação da insolvência como fortuita.
20. Ao considerar que se verificavam os pressupostos do artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do CIRE pelo facto da sociedade insolvente, no contrato de fabrico de reações celebrado com a sociedade (…), prever descontos em função da quantidade de ração produzida, da insolvente ter passado a prestar exclusivamente serviços para a (…) e (…), e das sociedades (…), Lda. e (…), Lda. terem apresentado lucros em 2020, e a insolvente ter apresentado prejuízos em Novembro e Dezembro de 2020, e, inclusivamente, do contrato de fabrico de rações e do penhor mercantil terem consubstanciado negócios ruinosos para a sociedade insolvente, a sentença enferma de patente erro de julgamento ao concluir que os recorrentes criaram ou agravaram artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduziram lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas.
21. Nenhum facto dado como provado refere que ocorreu a criação artificial, pelos recorrentes, de prejuízos ou passivos, nem a redução de lucros, sendo que, o facto das sociedades (…), Lda. e (…), Lda. terem apresentado lucros em 2020, não é por si só demonstrativo de que foram beneficiadas pelos recorrentes, desde logo porquanto, nos autos, em sequer resultou provado que a atividade destas sociedades se limitava àquela desenvolvida na fábrica da sociedade insolvente.
22. Como tal, não foi determinado nos autos a origem dos lucros destas empresas, o que por si só não pode concluir que tais lucros se deveram a circunstâncias de favorecimento por parte dos recorrentes, ou de quem quer que seja.
23. Por outro lado, não resulta dos factos provados que os contratos celebrados pela sociedade insolvente – contrato de fabrico de rações e penhor mercantil – fossem negócios ruinosos para esta, uma vez que a aplicação de um desconto em função da quantidade produzida é prática usual no comércio, e não implica, conforme concluiu erroneamente a sentença recorrida, a ruína da insolvente, tanto mais, que ainda hoje, sob a administração da senhora Administradora de Insolvência, a sociedade insolvente ainda exerce a sua atividade em colaboração com a sociedade (…), Lda., ao abrigo desse mesmo contrato.
24. O penhor constituído a favor desta fornecedora não foi ruinoso para a insolvente, porquanto nunca ocorreu qualquer incumprimento da sociedade insolvente para com a (…), susceptível de acionar esta garantia prestada.
25. Acresce ainda que, conforme consta dos factos provados 4.1.58, 4.1.59, e 4.1.60, foi no contexto de pressão exercida sobre a sociedade insolvente pelos seus fornecedores – anteriormente a (…) e, posteriormente a (…), que o contrato de fabrico de rações foi celebrado.
26. O facto provado 4.1.60., contradiz expressamente a verificação dos requisitos do artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, ao dispor que a devedora celebrou o contrato num contexto de inexistência de outras opções.
27. Tomando em consideração os referidos factos provados, a conclusão sensata, à luz da experiência comum, seria a de que os recorrentes, pressionados pela fornecedora da (…), celebraram os contratos em causa nos autos, com o intuito de evitar que esta sociedade parasse, definitivamente, a sua atividade, pelo que ocorreu erro de julgamento por parte do tribunal a quo, ao considerar que se verifica o disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do CIRE.
28. Não se verificam, in casu, os pressupostos constantes do artigo 186.º, n.º 2, alínea d), do CIRE, porquanto a venda dos veículos à sociedade (…) não traduz um ato de dissipação patrimonial, para efeitos deste normativo, constando inclusive dos factos dados como provados 4.1.46, 4.1.47, e 4.1.48, que a venda os veículos era pretendida pela sociedade insolvente há vários anos, só não se tendo concretizado face à falta de oferta por valores razoáveis.
29. Acresce que, o facto do produto de tais vendas se ter destinado ao abatimento da conta corrente da sociedade (…), não é facto consubstanciador de culpa dos recorrentes, uma vez que esta empresa era a única fornecedora da sociedade insolvente, resultando claro e óbvio que as contas com esta teriam, necessariamente, de estar em dia, sob pena de parar, definitivamente, o fornecimento de produtos essências à continuação da atividade da (…).
30. O facto dos motoristas da sociedade insolvente terem continuado a laborar para esta, não traduz um prejuízo claro para a empresa, conforme, erroneamente, considera a decisão recorrida, sendo que tal factualidade deveria ter sido devidamente considerada na realidade inerente ao contrato de fabrico de rações celebrado com a (…), que permitiria a continuação da atividade da ora insolvente, com uma redução de custos, desde logo com veículos e máquinas.
31. No que concerne à presunção decorrente do artigo 186.º, n.º 2, alínea f), do CIRE, consideram os recorrentes não existirem factos que conduzam à sua verificação nos autos, uma vez que o penhor constituído a favor da (…) prevê um montante máximo de garantia, de € 200.000,00, o que não equivale, sem mais, a concluir que tal negócio jurídico comprometeu todo o acervo desonerado detido pela sociedade insolvente.
32. Neste quadro, importa trazer à colação, os factos dados como provados 4.1.58, 4.1.59, e 4.1.60, no âmbito dos quais se concluiu que este penhor, tendo sido celebrado em conjunto com o contrato de fabrico de rações, era a única opção dos recorrentes, face à pressão da fornecedora (…), Lda..
33. Atendendo ao supra exposto, entendem os recorrentes que também, ocorreu erro de julgamento na conclusão espelhada pela decisão recorrida, de que se verificaram os pressupostos do artigo 186.º, n.º 2, alínea g), do CIRE.
34. Com relevo direto para o conhecimento do objeto do presente recurso, realçam-se, ainda, os seguintes factos considerados, erroneamente, como não provados pela sentença recorrida:
“4.2.1. Os Requeridos acreditavam que o modelo contratual em que assentava o “contrato de fabrico de rações” celebrado com a (…), Lda. seria a opção mais viável para a continuação da actividade da devedora;
4.2.2. Acreditavam que o modelo negocial preconizado por via do contrato em questão apresentava-se como uma alternativa viável, que permitiria, ao mesmo tempo, a continuação da devedora;
4.2.3. O objetivo inerente ao contrato em questão seria, através do aumento da produção, obter liquidez suficiente para o cumprimento, pela devedora, das suas obrigações gerais, aproveitando ainda os melhores recursos da (…) para captar clientes, tendo em conta que esta podia fornecer rações em regime de crédito;
4.2.4. Era propósito da administração da devedora rentabilizar a estrutura de que já dispunha e controlar, ao mesmo tempo, os seus custos fixos;”.
35. Tais factos, no entender dos recorrentes, foram devidamente comprovados em sede de audiência de julgamento, e apenas não foram dados como provados, porquanto o tribunal a quo desvalorizou totalmente, sendo que, para aquilatar da divergência ou erro na apreciação da prova produzida, com vista à modificação da decisão de facto, impõe-se proceder à renovação e reapreciação da prova gravada, nomeadamente o depoimento prestado pela testemunha (…) no dia 15 de novembro de 2023, conforme depoimento gravado através do sistema de gravação digital disponível a aplicação informática (pista “…”, com início às 09.55).
36. Caso tal depoimento tivesse sido levado em consideração na decisão recorrida, os factos 4.2.1, 4.2.2, 4.2.3, e 4.2.4 teriam, necessariamente, de ser julgados provados, pelo que, ao não considerar desta forma, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, o que, associado ao supra exposto, culminou na qualificação da insolvência da sociedade (…) como culposa.
37. Atendendo aos vícios de que padece a sentença a quo, impunha-se uma decisão divergente daquela, designadamente, de qualificação da insolvência como fortuita, sem quaisquer consequências para os ora recorrentes.
38. Ao não decidir assim, a sentença recorrida é injusta, e causa prejuízos desproporcionais aos recorrentes.
Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá:
Ser o presente recurso recebido e julgado procedente e, consequentemente,
A) Ser declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que o Tribunal a quo tomou conhecimento de questões que não podia tomar conhecimento, porquanto o incidente de qualificação da insolvência é extemporâneo, por se encontrar ultrapassado o prazo perentório previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, para a abertura do mesmo, sendo legalmente inadmissível.
B) Caso assim não se entenda, ser a sentença recorrida revogada, determinando-se a qualificação da insolvência da sociedade “(…)” como fortuita, com as legais consequências.
Com o que assim se fará inteira JUSTIÇA”.
Foram apresentadas contra-alegações pelos Recorridos e pelo Digno Magistrado do Ministério Publico, pugnando-se pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. II – Os Factos
Encontram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
4.1.1. A Insolvente (…) – Fábrica de (…), S.A., titular do NIPC (…), tem sede na Rua da (…), n.º 2, em Arraiolos, Freguesia e Concelho de Arraiolos, Distrito de Évora, com o capital social de 1.497.000,00 Euros;
4.1.2. Tem como objeto social a «Fabricação e comercialização de alimentos compostos para animais»;
4.1.3. A CAE principal é «10912-R3», correspondente a «fabricação de alimentos para animais de criação (exceto para aquicultura)»;
4.1.4. A CAE secundário é «68200-R3», correspondente a «arrendamento de bens imobiliários»;
4.1.5. A constituição da sociedade e designação de membros de órgãos sociais encontra-se registada pela apresentação Ap. …/…, sendo o Conselho de Administração constituído por “(…) – Abastecedora de (…), S.A.”, que nomeou como administrador (…), (…), (…), (…), (…) e (…);
4.1.6. Encontra-se registada uma alteração ao contrato de sociedade, inscrita pela apresentação Ap. …/…;
4.1.7. Encontra-se registada uma designação de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, passando o Conselho de Administração a ser constituído por (…), (…) e (…);
4.1.8. Encontra-se registada uma cessação de funções de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, por renúncia do administrador (…);
4.1.9. Encontra-se registada uma designação de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, designando administrador (…);
4.1.10. Encontra-se registada uma designação de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, designando administradores (…), (…) e (…);
4.1.11. Encontra-se registada uma cessação de funções de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, por renúncia dos administradores (…), (…) e (…);
4.1.12. Encontra-se registada uma designação de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…, passando o Conselho de Administração a ser constituído por (…), (…) e (…); sendo a respectiva deliberação datada de 21-01-2016;
4.1.13. Encontra-se registada a nomeação de Administrador Judicial Provisório no âmbito de processo especial de revitalização, inscrita pela apresentação Ap. …/…;
4.1.14. Encontra-se registada a decisão de homologação de plano de recuperação em processo especial de revitalização (sentença de 09-06-2016), inscrita pela apresentação Ap. …/…;
4.1.15. Encontra-se registada uma alteração ao contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais, inscrita pela apresentação Ap. …/…; passando o Conselho de Administração a ser constituído por (…) e (…); sendo a respectiva deliberação datada de 28-02-2019;
4.1.16. Em 07-01-2021 a Sociedade “(…) – Fábrica de (…), S.A.” apresentou-se à insolvência. Tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 08-02-2021, transitada em julgado;
4.1.17. A sociedade “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.” foi constituída em 26-08-1988, e designou como gerentes todos os sócios; contudo, mediante deliberação social tomada em Assembleia Geral de Sócios datada de 02/05/2016, o artigo 6.º do Pacto Social foi alterado, deixando de existir a referida correlação entre sócios e gerentes;
4.1.18. Encontra-se registada a homologação de plano de recuperação em processo especial de revitalização da sociedade “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.”, inscrita pela apresentação Ap. …/…; com data de trânsito em julgado em 22-08-2016;
4.1.19. Encontra-se registada uma transmissão de quotas da sociedade “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.”, inscrita pela Ap. …/…; sendo sujeito activo, da quota de € 174.579,26, (…);
4.1.20. A sociedade “(…) Frequentes, Lda.” foi constituída em 04-12-2018; inscrita pela apresentação Ap. …/…, tendo como objecto social comércio, ensaque, empacotamento e embalamento, por grosso e a retalho de rações e outros alimentos, produtos de higiene, acessórios e equipamentos para animais, produtos, equipamentos e acessórios para a agricultura e pecuária e outros complementares, representação de marcas, consultoria, formação, prestação de serviços; e tendo como sócios (…) e (…); sendo gerente (…);
4.1.21. A sociedade “Monte das (…), Lda.” foi constituída em 07-09-2018; inscrita pela apresentação Ap. …/…; tendo como objecto social a compra e venda de imóveis, compra de imóveis para revenda, administração de propriedades, gestão de imóveis próprios, arrendamento rural, exploração agrícola, pecuniária e sunícola de prédios rústicos, incluindo arrendamento a terceiros; tendo como sócios-gerentes (…) e (…);
4.1.22. Em 07-01-2016, a “(…) – Fábrica de (…), S.A.” apresentou-se em processo especial de revitalização, a que foi atribuído o n.º 39/16.4T8EVR;
4.1.23. Em 09-06-2016, foi proferida sentença de homologação do plano de revitalização da sociedade insolvente, no âmbito do processo n.º 39/16.4T8EVR;
4.1.24. A Caixa Económica Montepio Geral instaurou o processo n.º 644/20.4T8MMN, Execução Ordinária, no Juízo de Execução de Montemor-o-com o valor de € 204.644,69;
4.1.25. A Caixa Económica Montepio Geral instaurou o processo n.º 643/20.6T8MMN, Execução Ordinária, no Juízo de Execução de Montemor-o-Novo Valor, com o valor de € 891.357,79;
4.1.26. Em 16-10-2020 os Administradores da devedora venderam pelo preço de € 98.400,00, 11 viaturas (descritas no facto 4.1.82.), à (…), Lda.; tendo o preço sido pago à (…);
4.1.27. O montante de € 98.400,00 foi transferido pela insolvente à (…), Lda. em 26-10-2020 e 27-10-2020, nos montantes de € 50.000,00 (transferências de € 5.000,00, € 15.000,00, € 15.000,00, € 15.000,00) e € 48.400,00 (transferências de € 3.400,00, € 15.000,00, € 15.000,00, € 15.000,00), respectivamente;
4.1.28. Em 26-10-2020, os Administradores da Devedora venderam, pelo preço de € 9.225,00, parte do equipamento industrial da devedora, nomeadamente dois empilhadores, à (…), Lda.;
4.1.29. Em 30-10-2020, os Administradores da Devedora outorgaram um “Contrato de Fabrico de Rações” com a sociedade (…), Lda.; nos seguintes termos:
(…)
4.1.30. As facturas da (…) com os n.º A/134628 e A/134624 foram pagas pela (…), Lda. na totalidade, € 17.379,90;
4.1.31. As facturas da (…) com os n.º A/134630 e A/134629, que totalizariam o valor de € 12.410,70, excedem as 1000 toneladas (no caso destas facturas estão facturadas 1143 toneladas), e sendo aplicado o desconto contratado, só é liquidado o montante de € 5.381,25, sendo o valor do desconto de € 7.029,45;
4.1.32. As facturas da (…) com os n.º A/134631 e A/134635 foram pagas pela (…), Lda. na totalidade, € 12.109,35;
4.1.33. As facturas da (…) com os n.º A/134637 e A/134636, que totalizariam o valor de € 14.169,60, considerando que excedem as 1000 toneladas (no caso destas facturas estão facturadas 1006 toneladas), sendo aplicado o desconto contratado só é liquidado o montante de € 7.982,70, sendo o valor do desconto de € 6.186,90;
4.1.34. Em 30-10-2020, os Administradores da Devedora outorgaram um “Contrato de Constituição de Penhor e Confissão de Dívida” com a sociedade (…), Lda., nos seguintes termos:
(…)
4.1.35. Na generalidade, os pagamentos efectuados entre fornecedor/cliente, eram efectuados via encontro de contas, sendo o saldo pendente a favor da (…), Lda., em 30-09-2020 de € 76.453,59, e em 30-10-2020 de € 89.134,00; pelo que, a soma dos saldos pendentes a favor da (…), Lda., em 30-10-2020 era de € 165.587,59;
4.1.36. (…) foi trabalhador da devedora desde 16-05-2018 até 02-06-2021; tendo passado a trabalhar para a sociedade “Monte (…), Lda.”; porém, a sua remuneração em Maio de 2021 foi paga pela sociedade insolvente;
4.1.37. A sociedade insolvente manteve os 3 motoristas como funcionários da devedora e a expensas desta, pese embora ao serviço da (…), Lda.;
4.1.38. A devedora, além da venda por grosso, também procedia à venda ao público/consumidores finais; estes serviços foram mantidos, na generalidade, com os mesmos clientes, mas todo o processo de comercialização é efectuado por funcionários e equipamento da devedora, pese embora em nome da (…), Lda.;
4.1.39. Pelos Administradores da devedora, foi concedido crédito, no montante de € 4.489.921,35, à sociedade “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.”, no hiato temporal compreendido entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015; sendo que, actualmente ascende € 6.321.325,49;
4.1.40. Em 2020, foi intentada uma acção para cobrança do crédito detido pela insolvente sobre a “(…) – Agro-Pecuária de (…), Lda.” no montante de € 6.321.325,49;
4.1.41. Os Requeridos têm respondido a todas as questões que a senhora AI lhes tem colocado, desde o início, e sempre estiveram disponíveis para qualquer colaboração que lhes tenha sido solicitada;
4.1.42. À data da insolvência, a devedora não se encontrava em situação de incumprimento de obrigações tributárias, nem à Segurança Social;
4.1.43. A sociedade insolvente, sob a gestão dos Conselhos de Administração nomeados em 2016 e, posteriormente, em 2019, foi cumprindo com os pagamentos à generalidade dos seus credores, com inclusão daqueles que estavam no PER;
4.1.44. No âmbito do PER ficou estabelecido que a devedora iria proceder, durante os anos de 2017 e 2018, a: - Carência de pagamento de capital à Banca; - Carência de pagamento de dívida (capital e juros) a fornecedores da devedora; - Pagamento de juros à Banca; - Pagamento de dívida a ex-trabalhadores da devedora; durante estes dois anos, o plano de pagamentos estabelecido no PER foi cumprido; amortizando dívida a credores;
4.1.45. À data da apresentação à insolvência, a devedora tinha dívidas vencidas à banca; apresentando um passivo superior a 5 milhões de euros;
4.1.46. Relativamente aos veículos vendidos pela devedora, a mesma pretendia, já anos antes da celebração do negócio com a sociedade (…), Lda., proceder à sua alienação pelo preço justo de mercado; devido à sucessiva desvalorização comercial dos veículos em função da sua antiguidade, quilometragem e estado geral; bem como, devido, ao elevado custo das suas manutenções e reparações técnicas associado à antiguidade dos bens em causa;
4.1.47. A administração da devedora pretendia alienar as suas viaturas, passando a recorrer a serviços externos de transporte;
4.1.48. A administração da devedora já tinha efectuado, no início do ano de 2019, contactos e negociações atinentes à alienação das suas viaturas; contudo, nunca obteve quaisquer interessados na aquisição, mediante preços razoáveis;
4.1.49. Os veículos continuam a ser conduzidos pelos funcionários da devedora, no âmbito do contrato celebrado entre esta e a sociedade (…), Lda.;
4.1.50. A adquirente (…), Lda. pagou o preço acordado pelas viaturas; sendo que, todas as transferências bancárias efectuadas pela devedora àquela se destinaram à regularização de valores vencidos em conta corrente;
4.1.51. Os empilhadores tinham várias avarias; em Outubro e Novembro de 2021, a insolvente efectuou pagamentos nos montantes de € 3.054,71, € 425,70 e € 649,81, relativos a facturas de reparação dos empilhadores;
4.1.52. Parte do dinheiro proveniente da venda dos empilhadores destinou-se ao pagamento das referidas facturas;
4.1.53. Relativamente ao contrato de fabrico de rações, foi estabelecido que a redução de preço só incide sobre o excedente de 1.000 toneladas mensais, caso este se verifique mensalmente, e não sobre a totalidade do volume de produção;
4.1.54. Anteriormente ao início da relação comercial com a (…), Lda., a fornecedora da devedora era a empresa (…) – Importação e Exportação, S.A.;
4.1.55. Devido aos valores em dívida vencidos, desde Março de 2020, que a (…) exerceu grandes pressões, para que a devedora efectuasse os respectivos pagamentos;
4.1.56. Tais valores vieram a ser liquidados pela devedora, na íntegra, até Setembro de 2020;
4.1.57. Desde Fevereiro de 2020, a devedora iniciou relações comerciais com a sociedade (…), Lda.;
4.1.58. Devido às fortes pressões da (…) para que os seus pagamentos fossem efectuados, a devedora foi forçada a atrasar os seus pagamentos com a (…), o que motivou que esta entidade passasse também a exercer pressão sobre aquela, para redução dos valores em conta corrente;
4.1.59. A (…) passou a exigir que os pagamentos passassem a ser efectuados em regime de pronto pagamento, o que não era praticável para a devedora;
4.1.60. Foi neste contexto de inexistência de outras opções que a devedora celebrou o contrato com a (…), Lda.;
4.1.61. O contrato tinha a duração de um ano;
4.1.62. A (…) manteve um tipo idêntico de relação comercial com a sociedade (…) entre os anos de 2016 e 2018, mas não em regime de exclusividade; também entre 2016 e 2018, a devedora manteve uma relação comercial semelhante com a sociedade (…), mas não em regime de exclusividade;
4.1.63. O contrato de constituição de penhor e confissão de dívida foi uma exigência/condição da sociedade (…), Lda. para celebrar com a devedora o contrato de fabrico de rações;
4.1.64. A Massa insolvente da devedora, sob a administração da senhora AI, continua a manter idêntico contrato de fabrico de rações, mas com a (…), Lda.;
4.1.65. Os Requeridos nunca administraram a sociedade (…), S.A.;
4.1.66. A sociedade Recados (…), Lda. foi constituída pelo administrador (…) e por (…) e tinha propósitos inerentes de desenvolvimento de uma actividade em cooperação com a devedora, não de concorrência; contudo, esta sociedade nunca chegou a desenvolver, desde a data da sua constituição, qualquer actividade;
4.1.67. Aquando da prática dos actos contratuais com a sociedade (…), Lda., em Outubro de 2020, a devedora tinha dívidas vencidas em montante superior a 5 milhões e setecentos mil euros;
4.1.68. A Administradora de Insolvência procedeu, em 23-06-2021, à resolução dos seguintes actos:
a) Venda realizada pela Insolvente à (…), Lda. de 11 viaturas automóveis, realizada no dia 16/10/2020;
b) Venda realizada pela Insolvente à (…), Lda. de 2 empilhadores, realizada no dia 16/10/2020;
c) Contrato de fabrico de rações entre a Insolvente e a (…), Lda., celebrado em 30/10/2020;
d) Contrato de constituição de Penhor e confissão de dívida entre a Insolvente e a (…), Lda., celebrado em 30/10/2020;
4.1.69. Os ditos veículos, posteriormente, foram vendidos pela (…), Lda. à (…), Lda., sociedade especialmente relacionada com a (…), constituída em Outubro de 2020 (atendendo a que tinham e têm, em comum, o mesmo gerente de facto, o Sr. …), tendo este negócio igualmente sido resolvido;
4.1.70. Foram emitidos recibos de pagamentos de facturas emitidas pela (…), Lda. vencidas apenas em meados de Agosto e até finais de Setembro de 2020;
4.1.71. O registo da venda de todos os veículos à (…) ocorreu em 12/10/2020, e as facturas são de 16-10-2020; e pagos em 26-10-2020 e 27-10-2020; tendo as declarações de venda sido assinadas e reconhecidas em 07-10-2020;
4.1.72. Sem, pelo menos um, empilhador, a fábrica não conseguiria operar;
4.1.73. Os empilhadores continuaram e continuam a laborar, na fábrica; mantendo a insolvente despesas com a sua manutenção;
4.1.74. Mantendo a insolvente as despesas com os motoristas dos veículos alienados, bem como, com os manobradores dos empilhadores alienados;
4.1.75. A (…), Lda. através da nova sociedade constituída, (…), Lda., passou a fornecer, directamente, os clientes da devedora; utilizando toda a maquinaria, conhecimento, pessoal, fórmulas das rações, e ensacamento;
4.1.76. O transporte foi e é realizado pelos motoristas da insolvente (…), assim como todo o processo de comercialização e facturação da (…), Lda., para os clientes que sempre foram da (…), e passaram para aquela;
4.1.77. A Insolvente passou a prestar exclusivamente serviços para a (…) e (…);
4.1.78. Até Outubro de 2020, a devedora apresentou lucros de cerca de € 43.000,00; e nos meses de Novembro e Dezembro de 2020 apresentou prejuízos de cerca de € 45.000,00;
4.1.79. A (…), constituída em Outubro de 2020, apresentou lucros;
4.1.80. A (…) no final de 2020 também apresentou lucros de aproximadamente € 62.900,00;
4.1.81. A embalagem, a pesagem, a comercialização e mesmo a facturação da (…) passaram a ser realizados pela (…), utilizando o pessoal e clientes da devedora;
4.1.82. A avaliação pericial realizada no âmbito dos presentes autos expõe que:
a) A viatura Mitsubishi (…), com a matrícula … (ano de registo de 2002), em Novembro de 2020, encontrava-se em condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 2.000,00;
b) A viatura MAN, com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se sem condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 7.500,00;
c) A viatura Mitsubishi (…), com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se em condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 4.100,00;
d) A viatura Scania, com a matrícula (…), em Novembro de 2020, tinha o valor comercial de € 4.500,00;
e) A viatura Volvo (…), com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se sem condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 8.000,00;
f) A viatura Volvo (…), com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se em condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 28.400,00;
g) A viatura Scania (…), com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se sem condições de poder circular com normalidade, tinha o valor comercial de € 3.000,00;
h) A viatura Volvo (…), com a matrícula (…), em Novembro de 2020, encontrava-se sem condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 12.000,00;
i) A viatura semi-reboque Montenegro (…), em Novembro de 2020, encontrava-se em condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 24.300,00;
j) A viatura semi-reboque Montenegro (…), em Novembro de 2020, encontrava-se em condições de poder circular com normalidade, e tinha o valor comercial de € 21.900,00;
l) A viatura semi-reboque Trouillet ST3, em Novembro de 2020, e tinha o valor comercial de € 4.200,00;
m) O empilhador Nissan EH02A200 (ano de 1991), em Novembro de 2020, com avarias, tinha o valor comercial de € 3.500,00;
n) O empilhador Yang FD 30 (do ano 2000), em Novembro de 2020, com anomalias, tinha o valor comercial de € 8.500,00.
4.2. Factos não provados:
De entre os factos alegados, com relevo para a decisão da causa, não se provou o seguinte:
4.2.1. Os Requeridos acreditavam que o modelo contratual em que assentava o “contrato de fabrico de rações” celebrado com a (…), Lda. seria a opção mais viável para a continuação da actividade da devedora;
4.2.2. Acreditavam que o modelo negocial preconizado por via do contrato em questão apresentava-se como uma alternativa viável, que permitiria, ao mesmo tempo, a continuação da devedora;
4.2.3. O objetivo inerente ao contrato em questão seria, através do aumento da produção, obter liquidez suficiente para o cumprimento, pela devedora, das suas obrigações gerais, aproveitando ainda os melhores recursos da (…) para captar clientes, tendo em conta que esta podia fornecer rações em regime de crédito;
4.2.4. Era propósito da administração da devedora rentabilizar a estrutura de que já dispunha e controlar, ao mesmo tempo, os seus custos fixos;
4.2.5. A garantia prestada com a celebração do contrato de constituição de penhor e confissão de dívida foi constituída com o propósito de viabilizar a manutenção da devedora;
4.2.6. A insolvente ficou cerca de uma semana sem electricidade e a unidade industrial parada;
4.2.7. As 11 viaturas vendidas pela insolvente à (…), Lda. totalizariam um valor global de € 214.000,00;
4.2.8. (…), gerente da (…), Lda. e da (…), Lda., a partir de Novembro de 2020, passou a dar ordens na (…);
4.2.9. O Requerido (…) era apenas gerente de direito da sociedade insolvente, e não de facto;
4.2.10. Durante o ano de 2019, a devedora pagou a entidades bancárias um total de € 448.275,42; e em 2020, a devedora conseguiu amortizar dívida da banca num total de € 25.358,08;
4.2.11. À data da apresentação à insolvência, a devedora não tinha dívidas vencidas, em atraso, a quaisquer trabalhadores ou ex-trabalhadores;
4.2.12. À data da apresentação à insolvência, a devedora não tinha dívidas vencidas, em atraso, a quaisquer fornecedores, à excepção de duas faturas relativas ao fornecimento de energia elétrica.
III – O Direito
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil.
Na presente apelação importa saber se o prazo fixado no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE tem natureza peremptória. Se se entender que tem, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso, como vai acontecer.
Cremos que, neste momento, já não se coloca a questão face à alteração introduzida no CIRE – Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
O Legislador entendeu intervir, face à controvérsia existente (prazo peremptório/prazo ordenador), esclarecendo que o prazo em questão tem natureza peremptória.
Algumas divergências poderão suscitar-se quanto à aplicação desta Lei aos processos cujo prazo foi ultrapassado em momento anterior a sua entrada em vigor. Veremos.
O artigo 188.º, n.º 1, do CIRE dispõe, na sua atual redação, que “O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.”
O prazo previsto na Lei é peremptório e preclusivo.
A entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, com natureza interpretativa, como adiante melhor veremos, retirou a dúvida que pairava no sistema jurídico, como já dissemos, ficando expresso na Lei que o decurso do prazo previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE tem efeito preclusivo, como parte da jurisprudência vinha entendendo.
Foi proferida sentença em 08-02-2021, transitada em julgado, onde foi declarada a insolvência de (…) – Fábrica de (…), S.A., sendo que, na sequência de parecer emitido pela senhora Administradora da Insolvência, ao abrigo do artigo 188.º, n.º 3, do CIRE, veio a ser aberto o presente incidente de qualificação da insolvência, ao abrigo do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE.
A assembleia de apreciação do relatório, nos termos do artigo 155.º do CIRE, realizou-se no dia 7 de Abril de 2021.
No dia 27 de Maio de 2021 a senhora Administradora de Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência. No dia 14 de Junho de 2021 apresentou o parecer de qualificação junto ao presente apenso.
No dia 16.06.2021 foi proferido despacho declarando aberto o incidente de qualificação da insolvência.
Em 18 de Outubro de 2021, mediante articulado com a referência 3063682, a recorrente deduziu oposição à qualificação da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo 188.º, n.º 6, do CIRE, alegando aí a extemporaneidade do incidente de qualificação de insolvência, por não cumprir o prazo perentório de 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório.
Em 22 de Dezembro de 2021, a Mmª Juiz titular do processo proferiu despacho saneador (referência 31278474), no âmbito do qual, em relação ao saneamento da causa, não se pronunciou sobre o vício decorrente da intempestividade do relatório da senhora Administradora de Insolvência.
Posteriormente, já no âmbito da audiência de julgamento, os recorrentes apresentaram nos autos um requerimento que invocava a extemporaneidade do incidente de qualificação da insolvência.
O prazo perentório de 15 dias decorrente do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE foi claramente ultrapassado nos presentes autos, atendendo a que a Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE foi realizada em 27 de Abril de 2021, e só no dia 27 de Maio de 2021, mediante requerimento junto aos autos principais com a referência 2941205, a senhora Administradora de Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência.
Salienta-se, ainda, o facto do aludido requerimento da senhora Administradora de Insolvência não ter reunido os requisitos legais do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, tendo esta vindo a apresentar, apenas no dia 14 de Junho de 2021, o parecer de qualificação junto.
O Ministério Público na sua resposta ao requerimento apresentado pela senhora Administradora, ainda que conclua de forma diferente disse em 27/11/2023 “A abertura do incidente foi requerida em 27-05-2021, além do prazo de 15 dias, contado da data da realização, em 07-04-2021, da assembleia de apreciação do relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do CIRE. Sobre o requerido recaiu despacho de 16-06-2021, que declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência”.
Ainda que se entenda que o despacho que declarou a abertura do incidente de qualificação é irrecorrível, tal circunstância nunca poderia obstar o conhecimento posterior, até a título oficioso, pelo tribunal recorrido, da intempestividade do parecer da senhora Administradora de Insolvência e, consequentemente, da nulidade de todo o processado.
Com efeito, não está em causa a falta de tempestividade do despacho que declarou a abertura do incidente de qualificação da insolvência, mas sim a falta de tempestividade da iniciativa da senhora Administradora de Insolvência.
E tal raciocínio é válido para contestar o argumento expresso na sentença recorrida, segundo o qual ocorreu uma apreciação tácita da tempestividade do requerimento de abertura do incidente, levada a cabo pela Mmª. Juiz de Direito subscritora de tal despacho.
Caso tal tese viesse a ser atendida, a consequência seria a de que o prazo de natureza perentória determinado pelo artigo 188.º, n.º 1, do CIRE nunca produziria os efeitos pretendidos pelo legislador.
Por outro lado, o despacho saneador de 22 de dezembro de 2021 não se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade do incidente de qualificação, não se tendo esgotado, por esta via, o poder/dever jurisdicional do Tribunal para a apreciação do mesmo.
Acolhemos aqui aquilo que se escreveu a este propósito, em situação idêntica, no Acórdão do TRP de 30.01.2024 16.12.2015, proc. 5137/18.7T8VNG.E. P1, visitável, in www.dgsi.pt:
“Perante tal posição, não pode deixar de ser colocada e resolvida a questão sobre a qualidade desta intervenção legislativa. Deverá decidir-se se esta solução se deve qualificar como interpretativa, devendo por isso ser aplicada a situações jurídicas anteriores, como se a anterior regra legal já tivesse o mesmo conteúdo; ou se deve qualificar-se como inovadora, importando uma solução nova e só aplicável a situações jurídicas verificadas após a sua entrada em vigor.
Basta analisar a proposta de lei apresentada pelo Governo que esteve na base da nova lei para se concluir pela sua natureza interpretativa.
Com efeito, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª, referia: “Por último, a presente proposta de lei contém ainda alterações, que visam, no essencial, a clarificação pontual de aspetos processuais ou substantivos sobre os quais há imprecisão na lei, dissenso na doutrina ou jurisprudência e fomentar uma capaz operacionalização dos institutos vigentes, permitindo, assim, uma melhor e mais célere aplicação do Direito, com a consequente elevação da tutela de credores e devedores. (…)
Neste sentido, quanto ao incidente de qualificação de insolvência, no qual se apura da responsabilidade civil pela causa ou agravamento da situação de insolvência do devedor, prevê-se de forma expressa o carácter perentório do prazo para abertura do incidente de qualificação de insolvência…”.
Por outro lado, ainda que o legislador não o tivesse deixado tão claro, sempre teria de qualificar-se tal solução legal como interpretativa.
Como ensina Baptista Machado, (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 198, págs. 246-247) “Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretamos aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. (…)
Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.”
No caso, identificam-se na solução expressa na Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, quanto à consagração expressa na natureza peremptória do prazo para o oferecimento da alegação tendente à abertura do incidente de qualificação da insolvência, todos os requisitos que acabaram de se enunciar.
Temos, em suma, pelas razões expostas, em face da posição entretanto expressa pelo legislador em lei interpretativa, e uma vez que, nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil, a lei interpretativa se integra na lei interpretada, que já à luz da versão anterior do artigo 188.º, n.º 1, do CIRE, a que se subsume a situação sub judice, o prazo de ali previsto para a apresentação de alegação tendente à abertura do incidente de qualificação de insolvência era peremptório.
Por outro lado, já concluímos que tal prazo não foi observado, ou seja, que o administrador de insolvência veio praticar o acto de si esperado muito para além daquele prazo, tendo sido, por isso, também extemporaneamente declarada a abertura do incidente, pelo tribunal.
Como se refere no Ac. do TRL de 14-11-2023 (proc. nº 619/22.9T8AGH-B.L1-1, em dgsi.pt), em termos que acolhemos integralmente “A palavra ‘perentório’ utilizada no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE tem como significado o constante do n.º 3 do artigo 139.º do CPC, implicando que “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o acto”. Se a prática de um acto após o termo do respectivo prazo implica a extinção, por caducidade, do direito de o praticar, estamos perante uma excepção peremptória extintiva, que não depende da sua invocação pelo interessado, porque, sendo estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, é apreciada oficiosamente pelo tribunal (artigo 333.º, n.º 1, do CC). Sendo de conhecimento oficioso, cumpre ao juiz dela conhecer, ou no despacho saneador ou na sentença final (arts. 595.º, n.º 1, alínea a) e 608.º, n.º 2, ambos do CPC), sob pena de a sentença ser nula, de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.”
No caso, temos de concluir, por todo o exposto, que, ao tempo do oferecimento da alegação do administrador de insolvência tendente à abertura do incidente de qualificação e à afectação dos ora apelantes pela qualificação da insolvência de A..., Lda. como culposa, já se extinguira a possibilidade de um tal acto ser praticado. E, consequentemente, que tal deveria ter sido reconhecido pelo tribunal, ao invés de ter sido decretada a abertura do incidente de qualificação, com toda a respectiva tramitação e ulterior decisão final.
Por consequência, cumpre revogar a decisão recorrida, a substituir por outra que, reconhecendo a extemporaneidade do incidente, reconhece igualmente a extemporaneidade da abertura do incidente de qualificação de insolvência, decretando consequentemente o seu arquivamento.
Tal decisão determina a nulidade da sentença ulteriormente produzida que, qualificando a insolvência da A... e decretando a afectação dos ora apelantes por tal qualificação, acabou por se pronunciar sobre questão que já não era passível de tal apreciação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.”
Ficam prejudicadas as demais questões colocadas no recurso.
Sumário: (…)
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, decretam a revogação da decisão de abertura do incidente de qualificação da Insolvência da (…) – Fábrica de (…), SA e a nulidade da sentença que, no culminar desse procedimento foi proferida e que qualificou a insolvência como culposa, com afectação dos requeridos.
Custas pela massa insolvente.
Évora, 27 de Junho de 2024
Rosa Barroso
Canelas Brás
Emília Costa