REJEIÇÃO DO RECURSO
CONCLUSÕES DE RECURSO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
Sumário

- Tendo-se a recorrente limitado no segmento da alegação de recurso denominado de “conclusões” a reproduzir, apenas e tão só, o corpo dessa mesma alegação, é de entender que não há conclusões.
- Por isso, forçoso é concluir que, face ao disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, não é de admitir o recurso de apelação interposto pela Autora, por faltarem as conclusões das alegações de recurso.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

P. 58149/22.5YIPRT.E1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Évora:

Resulta dos autos que pelo relator foi proferida decisão sumária nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil.
Notificado da referida decisão apresentou o A./apelante requerimento no sentido de recair um acórdão sobre a matéria em causa (constante da aludida decisão), atento o disposto no artigo 652.°, n.º 3, do C.P.C..
Cumpre decidir:
É entendimento pacífico que a reclamação para a conferência, nos termos do citado n.º 3 do artigo 652.°, tem por função, apenas, substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal e não alargar o âmbito de conhecimento a outros temas que não tenham sido apreciados – cfr., nesse sentido, o Ac. do T.C. de 28/3/90, B.M.J. 395, pág. 607 (sublinhado nosso).
Posto isto temos que:

*
Nos presentes autos de acção comum (originalmente instaurados e tramitados como injunção e acção especial a que se refere o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9), veio a A. (...), Lda. pedir a condenação da R. (...) Agrícola e Agro-Pecuária, Lda. no pagamento da quantia de € 21.848,50 a título de capital em dívida, acrescida de juros moratórios, e da quantia de € 200,00 com custos de cobrança da dívida, além da taxa de justiça paga no valor de € 153,00.
Devidamente citada para o efeito veio a R. apresentar a sua oposição, na qual arguiu a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção apresentado nos autos pela A., com a consequente nulidade do processo e sua absolvição da instância, fundamentalmente por considerar que o requerimento de injunção da A. padece de falta de causa de pedir, por não estar suficientemente concretizada factualmente.
De seguida, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferido despacho saneador, onde concluiu que a presente acção enferma do vício da falta da causa de pedir e, por via disso, julgou verificada a ineptidão do requerimento de injunção e a consequente excepção dilatória de nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição da Ré da instância, por aplicação do disposto nos artigos 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), 196.º, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º, todos do CPC.

Inconformada com tal decisão dela apelou a A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com aquilo a que apelidou de “conclusões”:
1ª - O Tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento de injunção requerido, por inapto.
2ª - Com o devido respeito, a Recorrente discorda em absoluto deste entendimento.
3ª - O requerimento de injunção é um requerimento onde os factos são expostos por súmula e de forma sucinta.
4ª - Caso o Tribunal entenda necessário, deverá convidar as partes a fazerem um aperfeiçoamento da peça em causa, neste caso, deveria ter convidado a autora a fazer o aperfeiçoamento da petição inicial.
5ª - Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o legalmente disposto. Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
6ª - Nos termos legais, no requerimento inicial de injunção a Autora deve especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respectiva existência.
7ª - Por sua vez, diz-nos a Lei que, na falta da indicação de qualquer dos elementos necessários, a Autora é notificada para suprir a falta ou prestar os esclarecimentos necessários, aperfeiçoando o pedido.
8ª - Ao considerar que não estavam devidamente especificados todos os fundamentos do pedido, o Tribunal a quo, devia, ao abrigo da legislação em vigor, ter convidado a Autora para suprir os fundamentos em falta, nomeadamente concretizando os fundamentos.
9ª - A ausência deste convite para suprir as deficiências do requerimento inicial influiu directamente na decisão da causa, na medida em que deu origem à decisão.
10ª - Assim, uma vez que a omissão do Tribunal influi directamente na decisão causa, a referida decisão padece de nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, nulidade essa que se requer seja declarada. Sem prescindir, e caso assim não seja entendido,
11ª - Ainda que assim não se entenda, então deveria o Tribunal a quo pelo menos ter dado oportunidade à Autora para comprovar, em sede de produção de prova, os fundamentos que invocava.
12ª - Assim, e não tendo sido dada oportunidade à Autora de provar os fundamentos que invocou no seu requerimento inicial, bem como em sede de instrução e julgamento de processo não podia o Tribunal a quo ter proferido decisão no sentido que proferiu.
13ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou normas legais, nomeadamente o disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil.
14ª - Termos em que:
a) Deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos; ou
b) Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil e substituindo-a por outra que convide a Autora a suprir as deficiências do requerimento inicial.
Pela R. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Neste Tribunal Superior foi determinado pelo relator o cumprimento do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do C.P.C., uma vez que as alegações de recurso apresentadas pela A. não continham verdadeiras conclusões (pois estas eram, apenas, uma mera transcrição/cópia das respectivas alegações), sendo as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o (eventual) não conhecimento do objecto do recurso.
A Autora veio responder, tendo pugnado pelo conhecimento do recurso de apelação por si interposto.
Por sua vez, a Ré nada veio dizer.
Foram colhidos os vistos junto das Exmas. Juízes Adjuntas – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do CPC), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das apelidadas “conclusões” da alegação de recurso apresentadas pela Autora, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se não existia fundamento para ter sido declarada a ineptidão do requerimento inicial (por falta da causa de pedir – cfr. artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC) e, em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos até final (nomeadamente com a prolação de despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial).
No entanto – e não obstante a questão supra referida suscitada pela Autora – impõe-se apreciar, desde já, como questão prévia, o de saber se a Autora, com a apresentação das alegações de recurso, formulou as respectivas conclusões, tal como é estipulado no artigo 639.º, n.º 1, do CPC (sendo certo que se a resposta for negativa não se poderá conhecer do objecto do presente recurso – cfr. artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil).
Ora, apreciando, de imediato, tal questão prévia adianta-se desde já que, da análise dos presentes autos, constata-se que a Autora, nas suas alegações de recurso, veio questionar a legalidade da decisão recorrida, uma vez que entende que existe causa de pedir no requerimento inicial por si apresentado e, por isso, não se verificam os requisitos para ser declarada a nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição da Ré da instância (cfr. artigos 186.º, nºs 1 e 2, alínea c), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 578.º, todos do CPC), sustentando, assim, a revogação de tal decisão e o prosseguindo dos autos, até final, na 1ª instância (nomeadamente com a prolação de despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial).
Posteriormente, e apelidando-as de “conclusões” (!!!), veio a Autora transcrever, ipsis verbis, tudo aquilo que, previamente, já havia afirmado a tal propósito nas alegações de recurso.
Ora, desde já adiantamos que, a propósito desta questão, seguimos de perto os fundamentos explanados nos acórdãos desta Relação proferidos, respectivamente, em 15/12/2016, no Proc. 310/14.0TBALR.E1 (sendo relatora a Dra. Conceição Ferreira) e em 15/5/2017, no Proc. 179/14.4TBALR.E1 (sendo relatora a Dra. Eduarda Branquinho), bem como o acórdão desta Relação, em que o signatário foi relator, datado de 22/3/2018 e disponível in www.dgsi.pt.
Em sentido idêntico ou similar aos arestos supra referidos podem ver-se ainda, entre outros, os Acs. da R.P. de 27/1/2020 e de 9/11/2020 e, também, os Acs. da R.G. de 27/2/2020, de 25/3/2021 e de 30/3/2023, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim, e tal como se prevê no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que a pede a alteração ou a anulação da decisão.
Por outro lado, quando a alegação do recorrente não tenha conclusões, há lugar a indeferimento do requerimento de interposição do recurso – cfr. artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que o segmento da alegação da recorrente que no mesmo vem denominado de “conclusões” não observa minimamente o esforço de síntese exigido no citado artigo 639.º, n.º 1, pois limita-se – tão só – a reproduzir integralmente o corpo dessa mesma alegação!
Por isso, é nosso entendimento que, de todo, não existem conclusões, ocorrendo sim, e apenas, a mera repetição da alegação da recorrente: as coisas não deixam de ser o que são pelo facto de serem apelidadas duma forma que não tem qualquer correspondência com a sua substância!
E, faltando as conclusões, não pode naturalmente ter lugar o convite ao aperfeiçoamento previsto no mencionado artigo 639.º, n.º 3, do CPC – inexistindo, por isso, qualquer nulidade – pois tal aperfeiçoamento pressupõe e exige que, ainda assim, tenha havido algum esforço de síntese e haja verdadeiras conclusões, e não que as mesmas tenham sido – de todo em todo – omitidas, como ocorreu in casu.
Por outras palavras, diremos que não pode pretender-se que a inexistência de um qualquer esforço de síntese, e a denominação como “conclusões” dos próprios fundamentos da alegação da recorrente, na prática reproduzidos numa mera operação de “copy / paste” (em que apenas se mudam os números…), possa ter idêntica virtualidade, e suscitar semelhante convite.
Daí que, com todo o respeito que é devido por opinião diversa, torna-se por demais evidente que tal hipótese se reconduzirá a um caso nítido de falta de conclusões, cominado, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, com o indeferimento do requerimento de interposição do recurso, o que acarreta, inexoravelmente, o não conhecimento deste.
E não se diga ou argumente que, fazendo-o, está-se a negar o acesso à justiça, constitucionalmente garantido.
Isto porque, as leis de processo existem precisamente para regular esse acesso, que é assim balizado por regras formais, as quais assumem particular acuidade quando está em causa a litigância perante um Tribunal Superior.
Deste modo, forçoso é concluir que o recurso em causa interposto pela Autora terá de ser indeferido, por inexistência de conclusões (que não foram, de todo, formuladas em estrita obediência ao estipulado no artigo 639.º, n.º 1, do CPC), tal como prevê o artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC e, por via disso, não se poderá conhecer do seu objecto.
Finalmente apenas se dirá que que o despacho proferido pelo Mmo. Juiz a quo – o qual admitiu o recurso em apreço – também não vincula este Tribunal Superior, atento o estipulado no artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Em consequência, mostra-se prejudicada a apreciação da questão suscitada pela Autora no recurso em análise, dela não podendo tomar conhecimento esta Relação.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do CPC, passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

Decisão:

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes desta Relação em indeferir o recurso interposto pela Autora, uma vez que, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, inexistem conclusões (as quais não foram, de todo, formuladas em obediência ao estipulado no artigo 639.º, n.º 1, do CPC) e, em consequência, não se conhece do objecto de tal recurso (cfr. artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC), determinando-se que, oportunamente, sejam os autos remetidos à 1ª instância.
Custas pela Autora.
Évora, 27 de Junho de 2024
Rui Machado e Moura
Maria Rosa Barroso
Ana Margarida Leite (com voto de vencido)
«Declaração de voto:
Voto vencida o acórdão.
Diferentemente da posição plasmada no acórdão, entendo que a reprodução do teor da motivação nas conclusões das alegações do recurso não configura uma situação de falta de conclusões, fundamento de imediata rejeição da apelação por aplicação do estatuído no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), 2ª parte, do CPC, mas uma irregularidade que se assemelha à apresentação de conclusões complexas ou prolixas, fundamento da prolação de despacho convidando o recorrente ao respectivo aperfeiçoamento, sob pena de se não conhecer do recurso, nos termos previstos no artigo 639.º, n.º 3, do CPC.
Por esse motivo, previamente à rejeição do recurso, entendo que seria de proferir despacho de aperfeiçoamento das conclusões das alegações, nos termos previstos no artigo 639.º, n.º 3, do CPC».

__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, págs. 286 e 299).