RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário

Uma vez que, no caso em apreço, o recurso de revisão interposto pela Autora tem por base o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 696.º do CPC, o mesmo tem de ser apreciado no tribunal de 1ª instância, pois foi nesse tribunal que, no entender da recorrente, aconteceu a omissão ou anomalia que sustenta o fundamento do presente recurso de revisão.

Texto Integral

P. 31206/15.7T8LSB.E1-A

Acórdão em conferência no Tribunal da Relação de Évora:

Resulta dos autos que pelo relator foi proferida decisão sumária nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil.
Notificado da referida decisão veio a A. apresentar nos autos um requerimento no sentido de recair um acórdão sobre a matéria em causa (constante da aludida decisão), atento o disposto no artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Cumpre decidir:
É entendimento pacífico que a reclamação para a conferência, nos termos do citado n.º 3 do artigo 652.º, tem por função substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal e não alargar o âmbito de conhecimento a outros temas que não tenham sido apreciados – cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do T.C. de 28/3/90, B.M.J. 395, pág. 607 (sublinhado nosso).
Posto isto temos que:

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(…), LlC apresentou petição inicial dirigida a este Tribunal Superior tendente a apreciar e julgar recurso extraordinário de revisão interposto pela mesma, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, als. b) e c), do CPC (correspondente ao artigo 771.º do anterior CPC), de uma sentença proferida pelo tribunal a quo e confirmada integralmente por esta Relação de Évora.
Assim sendo haverá que apreciar e decidir, desde já, se este Tribunal da Relação é competente para julgar o recurso extraordinário de revisão em apreço.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir dispensam-se os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos (cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Vejamos:
O recurso de revisão em causa tem por base o disposto no artigo 696.º, alíneas b) e c), do C.P.C. sendo que, in casu, a decisão a rever é aquela que foi proferida no Tribunal Judicial de Évora, limitando-se esta Relação, tão só, a confirmar a mesma, conforme, aliás, se alcança do acórdão proferido neste Tribunal Superior em 11/11/2021 (cfr. o processo principal, a que estes autos estão apensos).
Na verdade, transitando em julgado uma sentença, nos termos do artigo 628.º do C.P.C., e tendo sido confirmada pela Relação a sentença proferida na 1ª instância em sede de recurso ordinário, o efeito do caso julgado reporta-se à decisão do tribunal a quo pois foi esta, afinal, a decisão confirmada.
Com efeito, incidindo o recurso para o tribunal ad quem sobre a decisão do tribunal a quo e tendo aquele Tribunal Superior confirmado a decisão da 1ª instância – em nada a modificando – os efeitos do caso julgado material reportam-se necessariamente à decisão que foi proferida na 1ª instância, ainda que o efeito temporal do caso julgado se tenha de aferir à data em que o acórdão da Relação deixou de ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos do citado artigo 628.º do C.P.C..
Acresce que a boa jurisprudência entende que a fixação de competência para conhecer e julgar recursos extraordinários de revisão circunscreve-se apenas ao tribunal que ditou o julgamento da causa no sentido de que, pelo seu trânsito, foi tornado definitivo, ou seja, o tribunal de 1ª instância é o competente para conhecer dos recursos de revisão quando o Tribunal Superior que interveio em último lugar tenha confirmado a sentença, na medida em que é esta a decisão a rever, o que, como já se referiu anteriormente, veio a ocorrer no caso em apreço (cfr., entre outros, os Acs. da R.L. de 6/7/89, BMJ 389, pág. 639 e de 12/12/91, in www.dgsi.pt e o Ac. do STJ de 9/2/84, também in www.dgsi.pt).
Assim sendo, o trânsito em julgado que releva é o caso julgado material, aquele que se refere ao conteúdo/ objecto da causa – pedido e causa de pedir.
Deste modo, estando consagrado no artigo 697.º, n.º 1, do C.P.C. que o critério de fixação de competência para conhecer dos recursos extraordinários de revisão é o do tribunal que proferiu a sentença transitada em julgado, no caso da sentença ser modificada, em sede de recurso ordinário da mesma, e porque, desta forma é proferida uma nova decisão, só então fará sentido que seja o Tribunal Superior a conhecer daquele recurso extraordinário, o que, como se viu, não sucedeu, de todo, no caso dos presentes autos.
Daí que, entendemos que é o tribunal de 1ª instância o competente para apreciar o recurso de revisão em causa, uma vez que a decisão revidenda é a que ali veio a ser proferida, a qual, no entanto, foi confirmada por acórdão deste Tribunal Superior e também por aresto do STJ, já que a acção que o recurso extraordinário de revisão inicia é a instância anterior, que ressurge por virtude desse recurso, com vista a um novo exame da mesma causa (cfr., nesse sentido, o Ac. da R.P. de 4/7/91, BMJ 409, pág.878).
Aliás, foi esse o entendimento já perfilhado anteriormente pelo agora relator no Proc. 1164/05 da 3ª secção e no Proc. 1930/08 também da 3ª secção e ainda no Proc. 2939/16.2T8FAR.E1-A, da 2ª secção, todos desta Relação, em arestos datados de 23/6/2005, 18/7/2008 e 21/12/2020, respectivamente, bem como a tese sustentada no Proc. 2053/04 da 2ª secção, também desta Relação, no acórdão de 4/11/2004, em que foi relator o Juiz Desembargador Pedro Antunes (no qual o signatário interveio como adjunto) e também a decisão proferida pelo Juiz Desembargador Silva Rato, no Proc. 2656/09.0TBSTB.E1-A, datada de 4/11/2020, todas elas já transitadas em julgado.
Além disso, nos recursos de revisão, como ocorreu in casu, pode ser arrolada prova testemunhal pelo que é legítimo perguntar:
- Se a acção em causa tivesse transitado após ter sido confirmada por acórdão do STJ era este nosso mais alto Tribunal o competente para processar o recurso de revisão? Pensamos que não, pois o mesmo só conhece de direito e não de facto.
E, a este propósito, não podemos deixar de sufragar, por inteiro, aquilo que é afirmado pelo Juiz Conselheiro Amâncio Ferreira que, de imediato, passamos a transcrever:
- “O que se estabelece no sentido de atribuir competência aos tribunais superiores para conhecer do recurso de revisão tem de ser entendido cum grano salis, sob pena de se alcançarem soluções absurdas, incompatíveis com outras do sistema”.
E mais adiante afirma: “Procedendo a uma interpretação restritiva da 2ª parte do n.º 1 do artigo 772.º do CPC, dir-se-á que o recurso deve ser dirigido ao tribunal onde foi cometida a anomalia ou aconteceu a omissão que suporta o fundamento da revisão.
Assim, será sempre dirigido ao tribunal de 1ª instância, independentemente de a decisão por ele proferida ter subido aos tribunais superiores pela via de qualquer recurso extraordinário, a revisão baseada nos motivos das alíneas c), e) e f) do artigo 771.º (correspondente ao artigo 696.º do actual CPC).
Com efeito, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa devem ser apresentados, em regra, em 1ª instância (artigo 523.º)”.
Acrescentando: “No que tange ao motivo da alínea b) do artigo 771.º (…) o pedido de revisão fundado nas falsidades de depoimento e das declarações de peritos nunca pode ser dirigido ao Supremo, por este não apreciar matéria de facto, e mesmo à Relação somente se os depoimentos e as declarações de peritos falsos tiverem sido prestados perante ela, aquando da renovação dos meios de prova, ao abrigo da faculdade conferida pelo n.º 3 do artigo 712º (correspondendo ao artigo 662.º do actual C.P.C.) – cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª ed., págs. 348, 349 e 350.
Por outro lado, sendo todos os meios de prova produzidos na 1ª instância apenas se o recurso de revisão correr os seus termos nessa instância se dará a real possibilidade às partes de terem um grau de impugnação da nova decisão relativa à matéria de facto, se a tal houver lugar, por via da eventual alteração da decisão relativa à matéria de facto anteriormente produzida.
Além disso, a alegação, por parte da A./recorrente, da existência de falsidade do depoimento de uma testemunha e da superveniência de documentos de que não havia tido conhecimento anterior, aí sustentando, nomeadamente, a alteração dos factos dados como provados e não provados constantes da decisão a rever, factualidade essa que, indubitavelmente, veio a ser apurada no julgamento e na sentença proferida em 1ª instância, forçosamente nos leva a concluir que tal falsidade do depoimento e da falta de conhecimento de documentos ocorreu no decurso da causa perante o referido tribunal de 1ª instância, pelo que, resulta claro, será este último o tribunal competente para conhecer e apreciar o recurso de revisão em análise.
Deste modo, uma vez que, no caso em apreço, o recurso de revisão interposto pela A. tem por base o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 696.º do CPC, dúvidas não restam de que o recurso em causa tem de ser apreciado no tribunal de 1ª instância – o que se determina – pois foi nesse tribunal que, no entender da A., aqui recorrente, aconteceu a omissão ou anomalia que sustenta o fundamento do presente recurso de revisão.

Decisão:

Pelo exposto, atentas as razões e fundamentos acima explanados, acordam em conferência os Juízes desta Relação que será o Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 1) o competente para conhecer e apreciar da viabilidade ou inviabilidade do presente recurso extraordinário de revisão interposto pela Autora, aqui recorrente, o que, desde já, se determina para os devidos e legais efeitos.
Sem custas.
Notifique e, de seguida, após trânsito, remetam-se os presentes autos à 1ª instância.
Évora, 27 de Junho de 2024
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás