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ALÇADA
SUCUMBÊNCIA
RECURSO
Sumário
A alçada do tribunal de 1ª instância é de € 5.000,00 e, não obstante o valor da causa na presente acção seja de € 7.469,98, a verdade é que a respectiva sucumbência é, tão só, no valor de € 1.410,00 (inferior a € 2.500,00), pelo que, face aos requisitos cumulativos previstos no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, o recurso não é, de todo, admissível, não podendo esta Relação conhecer do seu objecto. (Sumário do Relator)
Texto Integral
P. 37/23.1T8CCH.E1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Évora:
Resulta dos autos que pelo relator foi proferida decisão sumária nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil.
Notificado da referida decisão apresentou o autor/apelante requerimento no sentido de recair um acórdão sobre a matéria em causa (constante da aludida decisão), atento o disposto no artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Cumpre decidir:
É entendimento pacífico que a reclamação para a conferência, nos termos do citado n.º 3 do artigo 652.º, tem por função substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal e não alargar o âmbito de conhecimento a outros temas que não tenham sido apreciados – cfr., nesse sentido, o Ac. do T.C. de 28/3/90, B.M.J. 395, pág. 607 (sublinhado nosso).
Posto isto temos que:
*
(…) veio intentar a presente acção comum contra (…), pedindo que a ré seja condenada a restituir ao autor os bens que a mesma tem na sua posse e que lhe pertencem e, caso a restituição não seja possível, a condenação da ré no pagamento do valor correspondente a esses bens, bem como ao pagamento da quantia de € 1.375,00, a título de pagamentos que efectuou, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em resumo, que viveu maritalmente com a ré entre Outubro de 2021 e Junho de 2022, em casa onde a ré já residia, tendo levado consigo vários bens móveis que eram seus. Mais alega que durante a vivência em comum adquiriu bens e contribuiu para a aquisição de outros, que se encontram ainda na posse da ré, razão pela qual o património desta se encontra enriquecido à custa do património do autor.
Devidamente citada para o efeito veio a ré apresentar a sua contestação, alegando que o autor não levou quaisquer bens quando se mudou para a sua casa, e que pouco ou nada contribuiu para as despesas comuns. Mais alega que o autor não adquiriu bens durante a vivência em comum, sendo que os bens que foram adquiridos vieram a ser suportados com dinheiro da ré. Além disso, veio ainda deduzir pedido reconvencional, no qual alega que o autor, durante a vivência em comum, apenas comparticipou no pagamento de 4 rendas, e nada suportou a título de comparticipação nas despesas de água, luz e telecomunicações, conforme havia ficado acordado no início da união. Mais peticionou a condenação do autor em litigância de má-fé.
O autor deduziu réplica, admitindo que a ré o informou do valor da renda, que se computava em € 350,00 e que suportaria metade desse valor, o que efectivamente aconteceu. Mais alega que não existiu qualquer acordo quanto às despesas de luz, água e telecomunicações e que era o autor quem suportava o pagamento do gás, sendo que a ré em nada ficou prejudicada, pois despendeu valores avultados em supermercado, combustível e restaurantes durante o período em que viveu maritalmente com a ré. Mais pugnou pela improcedência do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.
Pela Mma. Juiz a quo foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, onde foi admitido o pedido reconvencional apresentado pela ré. Além disso, foi dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, atento o valor da acção, tendo sido admitidos os meios de prova apresentados pelo autor e pela ré nos respectivos articulados.
De seguida, foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença pela M.ª Juiz a quo, na qual julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a ré:
a. a devolver ao autor os bens identificados em 5 dos factos provados; não sendo possível a restituição deverá a ré entregar ao autor valor equivalente que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, até ao valor máximo de € 1.404,96;
b. a devolver ao autor os bens identificados em 6 e 7 dos factos provados; não sendo possível a restituição deverá a ré entregar ao autor valor equivalente que resultou apurado nos autos, até ao valor máximo de € 426,47;
c. a devolver ao autor o bem identificado em 8 dos factos provados; não sendo possível a restituição deverá a ré entregar ao autor valor equivalente que resultou apurado nos autos, de € 1.539,10;
d. a pagar ao autor a quantia de € 750,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
e. absolvendo-se a ré do demais peticionado pelo autor.
Por outro lado, julgou ainda o pedido reconvencional deduzido pela ré parcialmente procedente e, em consequência:
a. Condenou o autor / reconvindo a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 1.410,00;
b. Absolveu o autor / reconvindo do demais peticionado pela ré / reconvinte.
Finalmente, julgou totalmente improcedente o pedido deduzido pela ré de condenação do autor em multa e indemnização por litigância de má-fé.
Inconformado com tal decisão dela apelou o autor, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
Pela ré não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Por se ter entendido que este Tribunal Superior não poderá conhecer do objecto do recurso interposto pelo autor foram ouvidas as partes, ao abrigo do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3][4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo autor, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões: 1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal a quo a prova (documental) carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada; 2º) Saber se, atenta a factualidade apurada nos autos, deverá ser revogada parcialmente a sentença recorrida e, por via disso, não ser o autor condenado a pagar à ré a quantia de € 1.410,00, absolvendo-se o mesmo do pedido reconvencional deduzido pela ré.
Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo, a qual, de imediato, passamos a transcrever: 1. Autor e ré iniciaram um relacionamento amoroso em Abril de 2021. 2. Autor e ré começaram a viver maritalmente no início de Outubro de 2021, quando o autor foi residir para a casa da ré, onde esta habitava com as duas filhas, sita na Rua do (…), n.º 17, r/c, em (…). 3. Autor e ré acordaram que o autor comparticipava mensalmente no pagamento de metade da renda paga pela ré, suportando o pagamento de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros), e na aquisição das botijas de gás. 4. A convivência marital terminou no final de Junho de 2022, altura em que o autor saiu da residência da ré. 5. Durante a convivência marital o autor levou vários dos seus bens móveis para a casa da ré: a) Um sistema de som de cor branca (subwoofer e 2 colunas); b) Um espremedor eléctrico de fruta; c) Uma máquina de batidos; d) Uma mala de alumínio com faqueiro profissional em inox; e) Uma faca de chefe de cozinha; f) Três facas de sushi; g) Uma gaiola viveiro de metal para pássaros; h) Um quadro de parede, a preto e branco, representando edifícios; i) Duas pedras lisas em ardósia preta; j) Três cestos em rede para papéis, de cor branca; k) Uma peça de decoração representando um elefante; l) Uma peça de decoração – ampulheta em vidro transparente; m) Duas peças de decoração – dois budas; n) Uma vela com formato de ananás, dourada; o) Um módulo de três gavetas em rede metálica; p) Dois caixotes do lixo Ecoponto; q) Quatro estantes brancas, com quatro divisórias; r) Uma estante branca; s) Uma cadeira de secretária giratória, com assento branco; t) Dois cavaletes brancos; u) Uma cama de casal, cor de madeira; v) Um móvel de televisão branco. 6. Durante a vivência em comum o autor adquiriu: a) Três estantes de ripas de pinho, sem verniz, com as medidas de 170 cm x 70 cm x 30 cm, no valor de € 38,97; b) Uma estante de madeira natural eco, com as medidas de 90 cm x 70 cm x 30 cm, no valor de € 10,99; c) Um colchão de molas ensacadas, modelo VESTEROY, no valor de € 189,00; d) Uma ventoinha mini, de marca EQUATION, modelo LARA 15 w, com 10 cm, cinza metal, no valor de € 12,99; e) Um conjunto de edredon e duas fronhas, com as medidas de 240 cm x 220 cm, de cor branca, com corações pretos, modelo LYKTFIBBLA, no valor de € 15,00; f) Um armário branco, modelo EKET, com uma porta e pés, com a medida de 35x35x70 cm, modelo EKET, marca IKEA, no valor de € 22,50. 7. Durante o tempo em que residiu em casa da ré o autor adquiriu várias plantas e produtos necessários e decorativos: a) uma embalagem de adubo complex de 1 litro, TNT, da marca HESI, no valor de € 9,93; b) dezasseis vasos quadrados pretos, com as medidas de 11 x 11 x 12 cm, no valor de € 6,24; c) dois vasos quadrados pretos, com as medidas de 13 x 13 x 14 cm, no valor de € 1,50; d) uma embalagem de terra de 50 l, da marca Bio BIz, no valor de € 15,90; e) uma embalagem de Coco Hig Porosity, de 50 l, da marca Atami, no valor de € 12,00; f) uma planta Alocasia Azlanii Baby, no valor de € 11,95; g) uma planta Philoendro Mamei V15, no valor de € 79,50; 8. Durante a vivência em comum o autor levou para casa da ré um frigorífico americano, que pertencia aos pais, adquirido por € 1.539,10, e o frigorífico combinado da ré, de marca BEKO, foi levado para a casa dos pais do autor, que foi vendida com electrodomésticos, designadamente o frigorífico da ré. 9. Durante a vivência em comum o autor contribuiu com € 135,00, correspondente a metade do valor de aquisição de uma máquina de lavar loiça. 10. O autor também liquidou o valor de 615,00 para reparar o veículo conduzido pela ré. 11. Após o terminus da relação, o autor tentou reaver os bens identificados em 5, 6, 7 e 8 e obter o ressarcimento das quantias referidas em 9 e 10, sem sucesso. 12. A ré sempre trabalhou e trabalha, por conta própria, na área da estética, e sempre sustentou sozinha as suas filhas e a sua casa de morada de família. 13. O autor apenas comparticipou no pagamento de quatro meses de renda. 14. Durante a vivência em comum, a ré transferiu para a conta do réu, através de Mbway, o valor global de € 535,00. 15. Para adquirir um frigorífico com as mesmas características do referido em 8 (frigorífico combinado de marca BEKO), a ré terá de despender, cerca de € 450,00.
No entanto – e não obstante as questões supra referidas suscitadas pelo apelante – impõe-se apreciar, desde já, como questão prévia, o de saber se o recurso interposto pelo autor podia ou devia ter sido admitido, atento o valor da respectiva sucumbência (cfr. artigo 629.º, n.º 1, do C.P.C.).
Ora, da análise dos autos – nomeadamente da apreciação do teor global das conclusões de recurso apresentadas pelo Autor – verifica-se que, não obstante o valor da causa tenha sido fixado em € 7.469,98, a sucumbência recursiva é de apenas € 1.410,00 (ou seja, o montante em que a decisão impugnada é desfavorável para o autor, aqui recorrente), reportando-se a mesma, tão só, à sua condenação no pedido reconvencional. E, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do C.P.C., só é admissível recurso nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (sublinhado nosso).
Ora, a alçada do tribunal de 1ª instância (aquele que proferiu a decisão recorrida) é de € 5.000,00 face ao disposto no artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/8, pelo que a admissibilidade do recurso depende, não só do valor da causa ou incidente ser superior a € 5.000,00, como também da sucumbência ser superior a € 2.500,00 – cfr., nesse sentido, Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., pág. 101.
Assim sendo, muito embora, numa primeira análise, o valor da presente acção (€ 7.469,98) permitisse o recurso admitido, uma vez que tal valor é superior à alçada do tribunal de 1ª instância (€ 5.000,00), a verdade é que este requisito é cumulativo com o requisito da utilidade económica do pedido – sucumbência – que, in casu, teria de ser superior a € 2.500,00, o que, de todo, não sucede, pois tal sucumbência é de apenas € 1.410,00 (já que o recurso se restringiu à condenação do autor no pedido reconvencional deduzido pela ré) e, por isso, repete-se, manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2.500,00).
Acresce que o despacho que admitiu o recurso em apreço no tribunal a quo também não vincula este Tribunal Superior, atento o estipulado no artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Neste sentido, aliás, e em casos similares ao dos presentes autos, já se veio a pronunciar o signatário no Ac. da R.E. de 13/7/2006, proferido no Proc. 1577/06 (agravo), da 2ª secção e no Ac. da R.L. de 4/12/2006, proferido no Proc. 9484/06 (agravo), da 1ª secção, arestos esses em que foi o relator, bem como no Ac. da R.E. de 4/7/2006, proferido no Proc. 971/06 (agravo), da 2ª secção, acórdão esse em que o ora relator foi adjunto.
Deste modo, forçoso é concluir que, por não estarem verificados os (dois) requisitos cumulativos de admissão do recurso previstos no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, não é possível este Tribunal Superior tomar conhecimento das questões suscitadas pelo autor no presente recurso de apelação, estando prejudicada, por isso, a sua apreciação.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do CPC, passamos a elaborar o seguinte sumário: (…)
Decisão:
Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes desta Relação, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC, em não conhecer do objecto do recurso interposto pelo autor, face às razões e fundamentos supra referidos, determinando-se, em consequência, a devolução dos autos à 1ª instância.
Custas pelo autor, ora apelante.
Évora, 27 de Junho de 2024
Rui Manuel Machado e Moura
Maria Domingas Alves Simões
José Manuel Tomé de Carvalho
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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, págs. 286 e 299).