APOIO JUDICIÁRIO
MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário

1 – O deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não abrange a dispensa do pagamento de multas nem de penalidades.
2 – A lei apenas admite o pagamento em prestações quando estejam em dívida as custas devidas a juízo, não quando a dívida provenha de uma condenação da parte em multa por litigância de má-fé.
3 – Na litigância de má fé a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor, relativamente à decisão condenatória, ficando qualquer questão incidental subsequente à condenação, como o pedido de pagamento em prestações, sujeita às regras gerais da alçada e da sucumbência em ordem a garantir a admissibilidade do recurso interposto.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 5702/18.2T8STB-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Execução – Juiz 1
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Reclamação contra a não admissão do recurso:
I – Relatório:
Na presente execução para pagamento de quantia certa proposta por “Banco (…), SA” contra (…), esta veio interpor recurso da decisão de não admissão do pagamento em prestações da multa em que foi condenada como litigante de má fé.
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(…) goza do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
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Em sede de sentença, a Primeira Instância determinou a aplicação de uma multa de 7 UC´s, nos termos dos artigos 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais e essa condenação foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão datado de 13/01/2022.
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O valor da multa ascende a € 714,00 (setecentos e catorze euros).
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(…) veio requerer que a multa fosse incluída nos casos de dispensa de pagamento dos “demais encargos com o processo” ou, se assim não se entendesse, que o pagamento fosse realizado em prestações.
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não ser legalmente admissível dispensar o pagamento de uma multa de natureza civil, a título de litigância de má fé, adiantando ainda que não seria admissível o pagamento faseado do montante em dívida, por se tratar de uma multa processual, atento o disposto nos artigos 28.º e 33.º do Regulamento das Custas Processuais.
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O Meritíssimo Juiz de Direito indeferiu a pretensão da executada nos seguintes termos:
«Como é sabido, o deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não abrange a dispensa do pagamento de multas nem de penalidades (cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 3ª edição, Almedina, pág. 370).
Por outro lado, a lei apenas admite o pagamento em prestações quando estejam em dívida as custas devidas a juízo (abrangendo apenas a taxa de justiça e os encargos, além das custas de parte, como resulta do disposto no artigo 529.º, n.º 1, do CPC), não quando a dívida provenha de uma condenação da parte em multa por litigância de má-fé (cfr. artigos 28.º e 33.º do RCP) – neste sentido, vide autor e obra citados, pág. 411.
Pelo exposto, indefere-se o requerido».
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Não se conformando com o despacho que indeferiu o pagamento em prestações da multa em que foi condenada, a executada veio interpor recurso.
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O Ministério Público tomou posição no sentido que a decisão é irrecorrível, face ao disposto no n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, a contrario, atento ao montante em causa.
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Após enunciar o problema, o despacho reclamado tem o seguinte conteúdo:
«Foi fixado à oposição por embargos o valor de € 10.122,44, mas a decisão impugnada não é desfavorável à recorrente em valor superior a € 2.500,00 (metade da alçada do tribunal de primeira instância).
Não se verifica nenhuma das exceções à regra estabelecida no n.º 1 do artigo 629.º, nomeadamente as que se encontram previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.
Não se verifica, igualmente, a situação prevista no art. 27º, n.º 6, do RCP, uma vez que a embargante não pretende recorrer do despacho que a condenou no pagamento da multa por litigância de má-fé.
Por tudo isto, o recurso interposto não pode ser admitido em virtude de a decisão impugnada não ser desfavorável à recorrente em valor superior a € 2.500,00 (metade da alçada do tribunal de primeira instância).
Pelo que vem de ser exposto, indefiro o requerimento de interposição de recurso por entender que a decisão proferida não é passível de recurso ordinário (artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC)».
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A executada veio apresentar reclamação, em que afirma que a multa em causa tem natureza penal, está sujeita ao respectivo regime e permite a possibilidade de recurso, pelo menos em um grau de jurisdição.
Requereu que a reclamação fosse aceite e, consequentemente, ordenada a subida do recurso.
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II – Factos com interesse para a justa decisão da reclamação:
Os factos com interesse para a justa decisão da reclamação são aqueles que constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o Tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão (n.º 1 do artigo 643.º do Código de Processo Civil).
Como regra base do sistema de impugnações vigora a regra que «o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa» (n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil).
A propósito da admissão dos recursos ordinários, Alberto dos Reis sublinha que «é condição primária que o recurso seja interposto de decisão proferida em causa que, pelo seu valor, exceda a alçada do tribunal respectivo, isto é, do tribunal de cujo despacho ou sentença se pretende recorrer»[1].
Dispõe o n.º 2 do artigo 44.º da Lei da Organização do sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) que «em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30.000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5.000,00».
A alçada é precisamente o limite do valor até ao qual o Tribunal julga definitivamente, não sendo admitido recurso das decisões proferidas em causas cujo valor se contenha dentro desse limite[2].
No entanto, para além de excepções consagradas em normas extravagantes, está salvaguarda a recorribilidade nas situações inscritas nos números 2 e 3 do citado artigo 629.º do Código de Processo Civil[3].
A presente situação não está integrada em nenhuma dessas excepções.
Mais, a litigância de má fé é um instituto típico do direito civil, a que não são aplicadas as regras do processo penal.
Estamos de acordo com Salvador da Costa quando afirma que o deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não abrange a dispensa do pagamento de multas nem de penalidades[4].
No seu comentário, o Juiz Conselheiro avança ainda que a lei apenas admite o pagamento em prestações quando estejam em dívida as custas devidas a juízo (abrangendo apenas a taxa de justiça e os encargos, além das custas de parte, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 529.º[5] do Código de Processo Civil), não quando a dívida provenha de uma condenação da parte em multa por litigância de má-fé (cfr. artigos 28.º[6] e 33.º[7] do Regulamento das Custas Processuais)[8].
Não existe assim qualquer norma que preveja o pagamento em prestações da condenação como litigante de má fé, a condenada já teve direito ao duplo grau de jurisdição relativamente à decisão que condenou por litigância de má-fé, ao abrigo do n.º 3 do artigo 542.º do Código de Processo Civil[9], com referência ao n.º 6 do artigo 27.º[10] do Regulamento das Custas Processuais, e o indeferimento do pedido formulado é desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Primeira Instância.
Em suma, na litigância de má fé a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor, relativamente à decisão condenatória, ficando qualquer questão incidental subsequente à condenação, como o pedido de pagamento em prestações, sujeita às regras gerais da alçada e da sucumbência em ordem a garantir a admissibilidade do recurso interposto.
Deste modo, mantém-se o despacho reclamado e não se admite o recurso interposto.
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Tendo em atenção a tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais referida no artigo 7.º do citado diploma, fixa-se no mínimo a taxa de justiça devida pelo presente incidente, tomando-se em consideração a condenação já efectuada pela primeira instância.
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V – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso interposto.
Tributação pelo mínimo, nos termos da Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário atribuído à reclamante.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 10/07/2024

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

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[1] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pág. 583.
[2] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pág. 9.
[3] Dispõe o artigo 629.º do Código de Processo Civil que:
«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de acção ou do requerimento inicial de procedimento cautelar».
[4] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 370.
[5] Artigo 529.º (Custas processuais):
1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
3 - São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.
4 - As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
[6] Artigo 28.º (Pagamento):
1 - Salvo disposição em contrário, as multas são pagas no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que as tiver fixado.
2 - Quando a multa deva ser paga por parte que não tenha constituído mandatário judicial ou mero interveniente no processo, o pagamento só é devido após notificação por escrito de onde constem o prazo de pagamento e as cominações devidas pela falta do mesmo.
3 - Não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respectiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final.
4 - Independentemente dos benefícios concedidos pela isenção de custas ou pelo apoio judiciário ou do vencimento na causa, as multas são sempre pagas pela parte que as motivou.
[7] Artigo 33.º (Pagamento das custas em prestações):
1 - Quando o valor a pagar seja igual ou superior a 3 UC, o responsável pode requerer, fundamentadamente, o pagamento das custas em prestações, de acordo com as seguintes regras:
a) O pagamento é feito em até seis prestações mensais sucessivas, não inferiores a 0,5 UC, se o valor total não ultrapassar a quantia de 12 UC, quando se trate de pessoa singular, ou a quantia de 20 UC, tratando-se de pessoa colectiva;
b) O pagamento é feito em até 12 prestações mensais sucessivas, não inferiores a 1 UC, quando sejam ultrapassados os valores referidos na alínea anterior.
2 - O responsável remete ao tribunal, dentro do prazo do pagamento voluntário, o requerimento referido no n.º 1 acompanhado de um plano de pagamento que respeite as regras previstas no número anterior.
3 - A primeira prestação é paga no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de deferimento e as subsequentes são pagas mensalmente no dia correspondente ao do pagamento da primeira.
4 - A falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento das seguintes, procedendo-se nos termos dos artigos seguintes, designadamente quanto ao destino do valor já pago.
[8] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 411.
[9] Artigo 542.º (Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé):
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
[10] Artigo 27.º (Disposições gerais):
1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.
3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
5 - A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória excepcional.
6 - Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.