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PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE PONTUALIDADE
DEVER DE RESPEITO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário
I – Deve rejeitar-se a impugnação da decisão de facto se não se descortina a indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, não se mostrando igualmente cumpridos, mesmo por reporte ao corpo das alegações, os demais ónus prescritos na lei para a impugnação da decisão de facto. II – Caso a decisão da 1.ª instância contrarie meios de prova vinculada, deve o Tribunal da Relação alterar a decisão de facto em conformidade com aqueles meios de prova. III – O prazo de caducidade do procedimento disciplinar só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento dos factos que por ele foram praticados, competindo ao trabalhador alegar e provar a data em que tal aconteceu. IV – Integra justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora, enfermeira numa unidade hospitalar, que não cumpre o horário de trabalho, entrando e saindo mais cedo e, por vezes, entrando e saindo mais tarde, às horas que entende, sem para tal estar autorizada, em não se mostrando disposta a submeter-se à disciplina do empregador e a cumprir as horas de início e fim da prestação e não observando, também, o dever de respeito para com o seu superior hierárquico pois, em vez de acatar a chamada de atenção deste para a necessidade e importância de cumprir o horário e escala, e de que não era possível entrar e sair fora de horas ou ausentar-se por longos períodos durante o horário de trabalho sem avisar ninguém, não aceitou tal chamada de atenção e ainda acusou o enfermeiro-chefe de perseguição, discutindo com ele no Gabinete de Enfermagem em tom de voz elevado e audível para outros, incluindo utentes que se encontravam no corredor. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. AA impugnou judicialmente no Tribunal do Trabalho de Lisboa a regularidade e licitude do seu despedimento efectuado em 29 de Dezembro de 2022 por Centro Hospitalar XX, E.P.E..
Realizada a audiência de partes, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar.
No seu articulado, alegou, em síntese: que o autora era enfermeira ao seu serviço; que a mesma adoptou condutas que descreve e são passíveis de uma especial censura; que a autora nunca respeitou as indicações superiores e nunca mudou a sua atitude, continuando, ao invés, a incumprir reiteradamente os horários e escalas fixadas e, igualmente de forma reiterada, a desrespeitar colegas e chefia, afigurando-se adequada e inevitável a aplicação à trabalhadora da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 328.º do Código do Trabalho. Defende, a final, que o despedimento se fundou em justa causa, devendo improceder a presente acção com a sua absolvição do pedido. Juntou o procedimento disciplinar.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, a trabalhadora veio alegar, em resumo, que deve ser declarada a exceção peremptória de caducidade do exercício do poder disciplinar, que o procedimento disciplinar é nulo por falta de fundamentação e de suficiente concretização das acusações, bem como de falta de prova da nota de culpa e da decisão disciplinar. Defende, a final, que deve ser declarada a ilicitude do despedimento da autora e o réu condenado a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, bem como condenado a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 29 de Dezembro de 2022, até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do disposto no art. 98º-N, nºs 1 a 3, do CPT.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção dos factos assentes e controvertidos.
Findo o julgamento, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença final que considerou a acção improcedente por não provada e absolveu a R. do pedido.
1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I - O Tribunal a quo não faz uma correta descrição dos factos provados, pois, começa por transcrever, na integra a PI da R., e depois parece que inicia novamente, e, desta vez por si, a elencar os factos provados, pelo que, prejudica o direito de defesa da A, o que constitui uma causa de nulidade da sentença recorrida.
II – O Tribunal a quo olvidou, a apreciação das declarações de parte da Autora, pelo que, devem as suas declarações ser reapreciadas na sua totalidade.
III - O que se verifica, é que o Tribunal a quo apenas deu como “boas” as declarações do Réu, empregador.
IV - O Tribunal a quo não apreciou as declarações da A. e não justificou, em nenhum momento, o motivo, isto é, não justificou porque não considerou credíveis as declarações da A.
V - O Tribunal a quo não apreciou corretamente o que referiu no seu depoimento BB, enfermeiro, este referiu que era possível alterar a picagem do ponto, o que aconteceu nomeadamente no dia 01-09-2022 quanto à picagem das 14:39, pois era a hora que o enfermeiro considerava correta.
VI - Quando a A. refere que as horas que constam no pica ponto não estão corretas, fala com verdade, e assim sendo, o R. podia alterar as horas a seu bel prazer.
VII- Quando perguntado sobre se as enfermeiras costumam acordar alterações de horário entre si, bem como folgas, o enfermeiro refere que sim, “era normal ajustarem horários nos próprios dias”.
VIII - O tribunal a quo não se pronunciou quanto a esta parte do testemunho, absolutamente relevante. Pois se era uma prática reiterada as enfermeiras alterarem os horários entre si, não se concebe como pode apenas esta trabalhadora ter sido alvo de processo disciplinar.
IX - Ainda quanto a este testemunho, quando perguntado sobre como é a produtividade da A. este responde que é “Adequada”. Mais uma vez, o tribunal a quo não apreciou, convenientemente, o testemunho do enfermeiro nesta parte.
X - Quando perguntado sobre se a A. o tinha insultado, este refere que não, que “não ouviu palavras impróprias”.
XI - Perguntado sobre se a A. era “agressiva ou defensiva”, também não conseguiu explicar.
XII - O enfermeiro no seu testemunho, diz mesmo que “nenhum doente relatou alguma coisa de mal”, e que os doentes nunca lhe fizeram queixa da A.
XIII - No que concerne ao testemunho de CC, enfermeira, quando lhe foi perguntado se havia um espírito de entreajuda entre as enfermeiras, respondeu que sim, e que faziam tarefas umas das outras.
XIV - Pelo que, o que verificamos é que apenas existem queixas por parte do R. quando alguém tem de fazer uma tarefa para colaborar com a A.
XV - Nas declarações de parte da A. esta referiu, resumidamente que nunca faltou, e que realmente houve foi trocas de horários com colegas de comum acordo, o que era costume entre as enfermeiras.
XVI - O sistema de picagem não funciona, e, por não funcionar, não é válido para aferir dos atrasos. Pelo que, não é justo utilizá-lo contra a A.
XVII - Conforme refere nas suas declarações de parte, e que não foram corretamente valoradas, a A. refere que na discussão com o enf. Chefe a A. apenas lhe disse que não abandonou o serviço naquele dia. Não se calou simplesmente. Sentiu necessidade de se justificar.
XVIII - Não há doentes que tenham feito queixas.
XIX - A A. põe em crise todos os factos dados como provados, pois a prova feita em Tribunal não se coaduna com os mesmos, excepto aqueles que expressamente aceitou na sua nota de culpa, motivo pelo qual requer a reapreciação da prova gravada nos termos descritos nesta peça processual.
XX - O Conselho de Administração, órgão com competência disciplinar, teve conhecimento dos factos no dia 2 de Setembro de 2022, pelo que tendo sido a nota de culpa notificada à autora em 04.11.2022, já tinha decorrido o prazo de 60 dias.
XXI–O tribunal a quo não pode ter razão com relação ao salto epistemológico que efetua: se o secretariado teve conhecimento, como pode o Conselho de Administração não ter tido conhecimento?
XXII - Foi o próprio hospital, o funcionário com responsabilidades na área de serviço onde a A. colaborava, que, ele próprio, remeteu essa informação.
XXIII - Foi o próprio que designou ou determinou o secretariado com a entidade por intermédio da qual teria de ser dado conhecimento da situação, considerando o secretariado como sendo o próprio conselho de administração.
XXIV - Não fez absolutamente qualquer distinção entre o secretariado e o órgão, propriamente dito. E, na verdade, o funcionário que remeteu esta informação para o secretariado estava a pensar bem. Isto porque o secretariado e o Conselho de Administração são uma única entidade.
XXV - Admitir a peregrina tese proposta pelo Tribunal a quo seria admitir que o secretariado poderia gerir a seu bel prazer, conforme a sua conveniência, o que era dado a conhecer ou não ao Conselho de Administração.
XXVI – O que se deve considerar é que o Conselho de Administração é notificado na data em que o secretariado recebe essas mesmas comunicações. Não poderia ser de outra forma.
XXVII – O procedimento disciplinar caducou, devendo ser declarado nulo e de nenhum efeito.
XXVIII - A sentença, de que ora se recorre não valorou corretamente os depoimentos realizados em sede de audiência de julgamento, e noutros casos não valorou, de todo.
XXIX - Trata-se, aqui dos direitos de audiência e defesa com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
XXX- Constata-se que foram invocados fundamentos que deveriam ter sido apreciados.
XXXI - O direito de defesa da Recorrente foi violado, porquanto foram totalmente desconsiderados os argumentos por esta expostos.
XXXIII - Em suma, a sentença recorrida é, pois, nesta medida, totalmente omissa, configurando, desta forma, uma nulidade, por omissão de pronúncia.
XXXIV - Por mero dever de patrocínio, ainda que se pudesse aplicar uma sanção à A. nunca seria a do despedimento, pois que constitui a sanção mais gravosa.
Termos em que,
Sempre com o mui douto suprimento deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, Deve ser concedido provimento integral ao presente recurso, por totalmente fundado, de facto e de Direito;
a) declarando-se nula e de nenhum efeito a Sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo e determinando-se, por consequência, a reintegração da A;
b) Ser reapreciada a prova gravada nos termos descritos na presente peça processual;
c) Caso não se entenda que a Sentença recorrida é nula e de nenhum efeito, e com base na reapreciação da prova gravada, deve a Sentença ser revogada, e a A. ser reintegrada;
d) Caso assim não se entenda, deve a exceção de caducidade do procedimento disciplinar proceder, a Sentença recorrida ser revogada, e a A. reintegrada.
e) Caso não se entenda que deve a A. ser reintegrada, que se aplique uma sanção menos gravosa.”
1.3. Não consta que a R. tenha apresentado contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 265.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto Parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de ser negado provimento à apelação.
*
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* 2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da nulidade da sentença recorrida;
2.ª – da impugnação da decisão de facto, o que implica a análise da questão, prévia, suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta do incumprimento dos ónus legais de impugnação da matéria de facto;
3.ª – da caducidade do procedimento disciplinar;
4.ª – da sanção disciplinar de despedimento.
* 3. Da nulidade da sentença
*
3.1. A recorrente argui a nulidade da sentença alegando em primeiro lugar que o tribunal não faz uma correta descrição dos factos provados, pois começa por transcrever, na integra, a petição inicial da R., e depois parece que inicia novamente, e, desta vez por si, a elencar os factos provados, pelo que, prejudica o direito de defesa da A. (conclusão I).
Não lhe assiste razão.
Com efeito, e desde logo, as causas de nulidade da sentença são taxativas, constando o seu catálogo fechado do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Este preceito tipifica os casos passíveis de integrar nulidade de sentença, de forma exaustiva1. E todas as hipóteses legalmente previstas respeitam a violações de exigências formais da sentença ali enunciadas, nelas se não incluindo qualquer referência ao modo de elencar os factos provados na sentença.
Sempre se dirá, todavia, que a sentença é escorreita no modo como enuncia os factos provados, de modo algum sendo susceptível de prejudicar o direito de defesa da trabalhadora. A alegação da recorrente terá eventualmente explicação pela circunstância de no ponto 2. dos factos provados a Mma. Juiz a quo ter feito constar o conteúdo da nota de culpa, com os factos aí imputados à trabalhadora, mas uma leitura atenta deste ponto da decisão torna claro que, no mesmo, a sentença não considera provado que a trabalhadora tenha praticado os factos relatados na nota de culpa, mas sim, que por “escrito datado de 02.11.2022, recebido pelo trabalhador no próprio dia, a ré informou-o da intenção de proceder ao seu despedimento, anexando a nota de culpa junta a fls. 24 vs. a 26 vs., assinaladamente, com o seguinte teor: «(…)»”, o que é uma realidade diversa. Com efeito, uma coisa é dizer que o empregador remeteu à trabalhadora uma nota de culpa em que lhe imputou determinados factos, colocando entre aspas e de forma clara essa imputação, e outra, distinta, é afirmar na matéria de facto provada que a trabalhadora praticou determinados factos. No ponto 2. a sentença considera provada a remessa da nota de culpa com um determinado conteúdo (à semelhança do que faz nos pontos subsequentes quanto às demais peças do procedimento disciplinar até à decisão final). Já nos pontos 5. a 7. expõe os factos, dos alegados, relativos à conduta da trabalhadora e à consideração que a mesma merece no seu meio profissional, que o tribunal considerou provados após a instrução dos autos e a realização da audiência de discussão e julgamento.
Não enferma a sentença de qualquer nulidade com este fundamento.
3.2. A recorrente alega também que a sentença não valorou corretamente os depoimentos realizados em sede de audiência de julgamento e, noutros casos, não os valorou de todo, que estão em causa direitos de audiência e defesa com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa e que invocou fundamentos que deveriam ter sido apreciados, sendo violado o seu direito de defesa porquanto foram totalmente desconsiderados os argumentos por si expostos. Conclui que a sentença recorrida é, nesta medida, totalmente omissa (conclusões XXVIII a XXXIII).
Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº. 1, alínea d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Os vícios da omissão e excesso de pronúncia prendem-se com o disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, por um lado, o juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, e, por outro, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso.
As decisões judiciais padecem de omissão de pronúncia quando deixam de pronunciar-se sobre questões que devessem apreciar – primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil –, o que constitui cominação à violação do dever imposto ao tribunal, na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo Código, de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra”.
A omissão de pronúncia constitui uma patologia da decisão que consiste na sua incompletude, por referência aos deveres de pronúncia relativamente às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e, também, relativamente àquelas que sejam de conhecimento oficioso e constituam um passo necessário no iter decisório.
No âmbito desta patologia, cabe ter presente que as questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que assumem no desenvolvimento da lide2. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das excepções e contra-excepções invocadas.
Ora, compulsada a sentença, não se vê que o tribunal a quo tenha incorrido em omissão de pronúncia.
Com efeito, como pacificamente se tem considerado na jurisprudência3, a decisão proferida sobre a matéria de facto não é susceptível de enfermar das nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil. Acresce que, quanto à alegação do recorrente de que a Mma. Juiz a quo não valorou correctamente ou não valorou de todo determinados depoimentos e declarações, não só não estamos em presença de uma questão, tal como as questões são perspectivadas no artigo 608.º do Código de Processo Civil, como ainda o artigo 607.º, n.º 5 deste diploma garante o exercício livre da apreciação da prova por parte do juiz, pelo que nunca poderia por este motivo assacar-se um vício formal à sentença.
A falta de análise de determinados meios de prova que o recorrente reputa relevantes pode, quando muito, consubstanciar um erro de julgamento em matéria de facto, não integrando nulidade da sentença, (sem prejuízo de a argumentação aduzida a propósito ser analisada pelo tribunal ad quem, sendo caso disso, no âmbito da impugnação da matéria de facto).
Por outro lado, a desconsideração de uma norma ou de um determinado argumento na solução de um feito submetido a juízo, podendo traduzir um erro na aplicação do direito, não traduz também uma omissão de pronúncia do juiz. Esta, repetimo-lo, apenas se verifica quando o juiz deixe de apreciar e decidir uma questão que lhe tenha sido submetida. Se o juiz aprecia a questão – no caso a questão da caducidade do procedimento disciplinar e a questão de saber se existia justa causa de despedimento – desconsiderando um argumento da parte que não se lhe afigure relevante ou apreciando erradamente um determinado regime jurídico, tal não belisca a regularidade formal da peça processual em que se consubstancia a sentença, podendo apenas integrar erro de julgamento em matéria de direito ou jurídico-conclusiva.
Improcede a arguida nulidade da sentença, também por esta perspectiva.
* 4. Fundamentação de facto
*
4.1. No decurso da sua alegação, a recorrente denota discordar da decisão de facto que ficou a constar da sentença recorrida.
É o que sucede quando anuncia desde logo no início da sua peça processual que pretende a reapreciação da prova gravada e diz no decurso das conclusões II a XIX que o tribunal não apreciou as suas declarações de parte, não justificou por que não as considerou credíveis, não apreciou correctamente os depoimentos de testemunhas ou não se pronunciou sobre partes deles que reputa relevantes, concluindo que “põe em crise todos os factos dados como provados, pois a prova feita em Tribunal não se coaduna com os mesmos, excepto aqueles que expressamente aceitou na sua nota de culpa, motivo pelo qual requer a reapreciação da prova gravada nos termos descritos nesta peça processual”.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto Parecer, sustenta dever o recurso ser rejeitado relativamente a este particular na medida que a recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios concretos que imporiam decisão diversa e a decisão que no seu entender deveria ser proferida.
Vejamos
A propósito dos requisitos para a impugnação da decisão de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil, o seguinte: «Artigo 640.º Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto 1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Como temos repetidamente afirmado, para sindicar o cumprimento das normas legais que enquadram os ónus processuais a cargo das partes que pretendam impugnar as decisões judiciais em via de recurso, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas dos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º].
Os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto enquadram-se nesta lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso e a sua inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria. Como resulta da parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais nele previstas. Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo4. Pretende-se deste modo prevenir o uso injustificado do recurso e delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Ora, analisando as alegações da recorrente e a forma como foi estruturada a apelação em sede de matéria de facto, verifica-se que a mesma, pese embora evidencie discordâncias com a decisão de facto e com a valoração que foi feita dos diversos meios de prova, não cuida efectivamente de impugnar esta vertente da decisão da 1.ª instância com a observância dos ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, e desde logo, a recorrente não indica os pontos de facto de que discorda, afirmando que “põe em crise todos os factos dados como provados”, sem fazer qualquer especificação.
Ainda que em teoria pudesse suceder que a recorrente discordasse de todos e cada um dos factos que a sentença considerou provados, tal não a dispensaria de uma enunciação detalhada de cada um dos factos que reputa mal julgados, com a indicação dos meios de prova que sustentam a sua tese e a exposição clara do sentido da decisão que entende ser a correcta quanto a cada um deles.
Mas a recorrente nem especificou nas suas alegações e conclusões haver concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem disse em que termos deveriam estes factos ser julgados (se não provados, ou se provados com uma redacção diversa da que lhes foi conferida), não identificando a decisão alternativa por que propugna, em conformidade com o que prescreve o artigo 640.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil.
E, além disso, não especificou os concretos meios probatórios constantes do processo que impõem decisão de facto diversa da recorrida, o que teria que ser feito relativamente a cada um dos factos que pretende ver alterados, com especificação das passagens da gravação dos depoimentos e declarações em que funda o seu recurso, em conformidade com o que prescreve o artigo 640.º, n.º1, alínea b) e n.º 2, do mesmo diploma.
Ainda que se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância [artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2] possa ter lugar no corpo das alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação, o mesmo sendo de considerar relativamente ao sentido da decisão [artigo 640.º, n.º 1, alínea c)], em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/20235 – segundo o qual nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações” –, certo é que também no corpo das alegações a recorrente omite estas especificações, limitando-se a considerações esparsas sobre os depoimentos e declarações a que alude, sem os relacionar com factos concretos que pretenda impugnar, sem indicar, muito menos com exactidão, as passagens da gravação em que funda o seu recurso e sem identificar a decisão que reputa de correcta.
É assim de entender que a recorrente não delimita o âmbito fáctico do recurso por se não descortinar a indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, não se mostrando igualmente cumpridos, mesmo por reporte ao corpo das alegações, os demais ónus prescritos na lei para a impugnação da decisão de facto [art. 640°, n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil]6.
Destarte, nos termos do disposto no artigo 640, n.º 1 (corpo do preceito), e não havendo a possibilidade de aperfeiçoamento, como ficou dito, deve rejeitar-se a impugnação da decisão de facto, procedendo, nestes termos, a questão prévia suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto Parecer.
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4.2. A despeito de rejeitada a impugnação da decisão de facto, impõe-se-nos a apreciação oficiosa da decisão que ficou a constar da primeira parte do facto 2.
Com efeito, nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos confessados, ou admitidos por acordo, ou plenamente provados por documento, que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
E, caso a decisão da 1.ª instância contrarie estes meios de prova vinculada, deve o Tribunal da Relação, em conformidade com o artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e em obediência aos indicados preceitos, alterar a decisão de facto em conformidade.
Ficou a constar no ponto 2, da decisão de facto que:
2 - Por escrito datado de 02.11.2022, recebido pelo trabalhador no próprio dia, a ré informou-o da intenção de proceder ao seu despedimento, anexando a nota de culpa junta a fls. 24 vs. a 26 vs., assinaladamente, com o seguinte teor:“(…)”.
Ora verifica-se que a R. alegou no artigo 15.º do articulado motivador que a “nota de culpa foi notificada à autora a 4 de Novembro de 2022”, alegação que a A. aceitou na sua contestação, alegando mesmo, em fundamento da excepção de caducidade do procedimento disciplinar que ali deduziu, que “a nota de culpa apenas foi notificada à autora em 04.11.2022”.
Não se descortinam as razões que levaram a Mma. Juiz a quo a considerar provado que a nota de culpa foi recebida “no próprio dia” 2 de Novembro de 2022 pela trabalhadora.
Mostrando-se plenamente provado, por confissão e acordo das partes, que a recorrente recebeu a nota de culpa no dia 4 de Novembro de 2022 (cfr. os artigos 351.º do Código Civil e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), tal deve ser reflectido na decisão de facto.
Ficam o ponto 2. da decisão de facto com a seguinte redacção:
2 - Por escrito datado de 02 de Novembro de 2022, recebido pela trabalhadora no dia 4 de Novembro de 2022, a ré informou-a da intenção de proceder ao seu despedimento, anexando a nota de culpa junta a fls. 24 vs. a 26 vs., assinaladamente, com o seguinte teor: “(…)”.
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4.3. São os seguintes os factos que a sentença considerou provados, com a alteração oficiosamente introduzida nesta instância: 1 – Por deliberação de 8 de Setembro de 2022, foi determinada a instauração de processo disciplinar à autora. 2 - Por escrito datado de 02 de Novembro de 2022, recebido pela trabalhadora no dia 4 de Novembro de 2022, a ré informou-a da intenção de proceder ao seu despedimento, anexando a nota de culpa junta a fls. 24 vs. a 26 vs., assinaladamente, com o seguinte teor:
“(…)7
1.º
Por deliberação do Exmo. Conselho de Administração do Centro Hospitalar XX, E.P.E. (Centro Hospitalar XX, E.P.E.), datada de 08 de Setembro de 2022, foi contra a arguida AA, Enfermeira colocada no Serviço..., instaurado processo disciplinar com vista ao despedimento.
2.º
A arguida encontra-se vinculada ao Centro Hospitalar XX, E.P.E., por contrato individual de trabalho por tempo indeterminado iniciado em 25/11/2011, no seguimento de contrato individual de trabalho a termo certo que vigorou entre 25/05/2009 e 24/11/2011.
3.º
A arguida, que já esteve colocada no Serviço ... do Hospital ZZ (25/054/2010 – 05/03/2020), no Serviço ... do Hospital YY (09/03/2020 – 14/06/2020), no Gabinete... (15/06/2020 – 03/08/2020) e no Serviço ... do Hospital ZZ (04/08/2020 – 18/11/2020), encontra-se agora colocada no Serviço..., desde 19/11/2020 até à presente data.
4.º
É prática reiterada da arguida (entenda-se quase diária), pelo menos desde que ingressou no Serviço onde se encontra colocada, o incumprimento do horário que lhe está destinado, entrando e saindo fora de horas e ausentando-se do local de trabalho sem avisar colegas ou chefia, o que conduz a atraso nas prestações dos cuidados de saúde e a que tenham que ser as colegas da arguida a fazer o trabalho que lhe cabia.
5.º
Designadamente, e só considerando o presente ano de 2022, perante a escala/horário fixado, que se coloca entre parênteses, fez a trabalhadora, sem para tal estar autorizada, os horários indicados de seguida, com as irregularidades a negrito e sublinhado:
03-01-2022 (08:00-20:00): 08:57-19:14
06-01-2022 (08:00-16:00): 07:59-15:04
11-01-2022 (08:00-16:00): 08:00-15:02
17-01-2022 (08:00-16:00): 09:12-20:00
18-01-2022 (08:00-16:00): 08:57-16:16
24-01-2022 (09:00-16:00): 09:14-16:00
31-01-2022 (13:00-20:00): 09.16-20:00
07-02-2022 (13:00-20:00): 09:58-20:06
14-02-2022 (08:00-13:30): 07:18-13:30
14-03-2022 (10:00-18:00): 09:11-19:01
23-03-2022 (14:00-19:00): 11:16-19:03
30-03-2022 (11:00-19:00): 14:20-19:14
07-04-2022 (11:00-19:00): 11:06-18:00
11-04-2022 (08:00-20:00): 08:19-19:02
13-04-2022 (11:00-19:00): 09:13-18:33
14-04-2022 (11:00-19:00): 07:55-18:02
02-05-2022 (13:00-18:30): 13:43-18:30
04-05-2022 (11:00-19:00): 14:22-20:00
09-05-2022 (13:00-20:00): 13:31-20:01
11-05-2022 (14:00-19:00): 13:55-19:45
16-05-2022 (13:00-20:00): 14:21-20:09
18-05-2022 (14:00-19:00): 14:00-19:46
01-06-2022 (08:00-18:00): 08:41-18:00
03-06-2022 (13:00-20:00): 09:52-16:04
06-06-2022 (13:00-20:00): 10:29-19:33
15-06-2022 ((14:00-18:00): 10:41-17:02
24-06-2022 (09:00-17:00): 09:25-17:10
27-06-2022 (08:00-20:00): 08:00-19:11
Julho – Ausente até 15/08/2022 (greve, férias, ausências e doença)
16-08-2022(08:00-15:00): 09:20-15:02
17-08-2022 (13:00-20:00): 09:42-18:15
19-08-2022 (08:00-15:00): 07:46-10:26
23-08-2022 (09:00-16:00): 08:01-15:29
25-08-2022 (11:00-19:00): 08:05-17:23
26-08-2022 (09:00-16:00): 07:53-15:02
29-08-2022 (10:00-17:00): 07:57-15:01
30-08-2022 (08:00-15:00): 07:14-15:05
01-09-2022 (08:00-15:00): 14:39-16:06
02-09-2022 (08:00-15:00): 08:01-16:00
05-09-2022 (10:00-18:00): 10:15-19:04
07-09-2022 (08:00-15:00): 08:00-15:53
12-09-2022 (08:00-17:00): 08:44-17:18
6.º
É igualmente prática reiterada, entenda-se quase diária) da arguida provocar conflitos com as suas colegas enfermeiras, assistentes técnicas, médicos ou chefia directa, nomeadamente com o senhor enfermeiro-chefe BB, o que sucede, igualmente, desde que entrou para o Serviço onde se encontra colocada e já antes sucedera nos Serviços por onde passara, motivando a transferência.
7.º
Ainda que sendo prática reiterada, a situação mais grave, e que conduziu à instauração dos presentes autos disciplinares, ocorreu no passado dia 1 de Setembro:
O enfermeiro-chefe tentou, mais uma vez, chamar a atenção da arguida, chamando-a ao Gabinete de Enfermagem e alertando-a para a necessidade e importância de cumprir o horário e escala, explicando-lhe não ser admissível entrar e sair fora de horas e ausentar-se por longos períodos durante o horário de trabalho sem se dignar sequer avisar alguém.
8.º
A arguida não aceitou o que lhe foi dito e acusou o chefe de perseguição, começando a discutir num tom de voz cada vez mais elevado, dizendo-lhe que não tem que dar explicações, enquanto começava a deambular, pelo corredor da consulta, perto de utentes que se encontravam na sala de espera, que é mesmo ao lado, fazendo ainda de seguida uma participação na plataforma HER+.
9.º
À semelhança do que sucedeu nos demais Serviços por onde passou, a arguida encontra-se incompatibilizada com todos os profissionais de saúde do serviço, sendo descrita, globalmente, como uma trabalhadora conflituosa, agressiva (verbalmente) e problemática.
(…).” 2 – Em 18 de Novembro de 2022, a autora apresentou resposta à nota de culpa, junta a fls. 116 a 145 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida. 3 – Em 13.12.2022 foi emitido o Relatório Final, junto a fls. 179 a 192 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 4 – Por deliberação de 15.12.2022, foi decidido pelo Conselho de Administração do réu, aplicar à autora a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação. 5 – Em 2022, perante a escala/horário fixado (referido entre parêntesis), fez a autora, sem para tal estar autorizada, os horários indicados de seguida8: 03-01-2022 (08:00-20:00): 08:57-19:14 06-01-2022 (08:00-16:00): 07:59-15:04 11-01-2022 (08:00-16:00): 08:00-15:02 17-01-2022 (08:00-16:00): 09:12-20:00 18-01-2022 (08:00-16:00): 08:57-16:16 24-01-2022 (09:00-16:00): 09:14-16:00 31-01-2022 (13:00-20:00): 09.16-20:00 07-02-2022 (13:00-20:00): 09:58-20:06 14-02-2022 (08:00-13:30): 07:18-13:30 14-03-2022 (10:00-18:00): 09:11-19:01 23-03-2022 (14:00-19:00): 11:16-19:03 30-03-2022 (11:00-19:00): 14:20-19:14 07-04-2022 (11:00-19:00): 11:06-18:00 11-04-2022 (08:00-20:00): 08:19-19:02 13-04-2022 (11:00-19:00): 09:13-18:33 14-04-2022 (11:00-19:00): 07:55-18:02 02-05-2022 (13:00-18:30): 13:43-18:30 04-05-2022 (11:00-19:00): 14:22-20:00 09-05-2022 (13:00-20:00): 13:31-20:01 11-05-2022 (14:00-19:00): 13:55-19:45 16-05-2022 (13:00-20:00): 14:21-20:09 18-05-2022 (14:00-19:00): 14:00-19:46 01-06-2022 (08:00-18:00): 08:41-18:00 03-06-2022 (13:00-20:00): 09:52-16:04 06-06-2022 (13:00-20:00): 10:29-19:33 15-06-2022 ((14:00-18:00): 10:41-17:02 24-06-2022 (09:00-17:00): 09:25-17:10 27-06-2022 (08:00-20:00): 08:00-19:11 16-08-2022(08:00-15:00): 09:20-15:02 17-08-2022 (13:00-20:00): 09:42-18:15 19-08-2022 (08:00-15:00): 07:46-10:26 23-08-2022 (09:00-16:00): 08:01-15:29 25-08-2022 (11:00-19:00): 08:05-17:23 26-08-2022 (09:00-16:00): 07:53-15:02 29-08-2022 (10:00-17:00): 07:57-15:01 30-08-2022 (08:00-15:00): 07:14-15:05 01-09-2022 (08:00-15:00): 14:39-16:06 02-09-2022 (08:00-15:00): 08:01-16:00 05-09-2022 (10:00-18:00): 10:15-19:04 07-09-2022 (08:00-15:00): 08:00-15:53 12-09-2022 (08:00-17:00): 08:44-17:18 6 – A autora é considerada no relacionamento com os outros intervenientes, enfermeiros e assistentes técnicos, como uma pessoa conflituosa e rude. 7 - Em 1 de Setembro de 2022, quando o enfermeiro-chefe tentou, mais uma vez chamar a atenção da autora, chamando-a ao Gabinete de Enfermagem e alertando-a para a necessidade e importância de cumprir o horário e escala, explicando-lhe não ser possível entrar e sair fora de horas e ausentar-se por longos períodos durante o horário de trabalho sem avisar ninguém, a autora não aceitou e acusou o chefe de perseguição (“mobbing”), discutindo num tom de voz elevado, audível para outros incluindo utentes que se encontravam corredor e fazendo de seguida uma participação na plataforma HER+. 8 – O enfermeiro BB, chefia directa da autora, remeteu no dia 1 de Setembro de 2022, o email junto a fls. 209 verso e 210 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para a Enfermeira DD a qual no dia 2 de Setembro reencaminhou por email para o Secretariado do Conselho de Administração.
* 5. Fundamentação de direito
* 5.1. Da caducidade do procedimento disciplinar
Alega a recorrente que o procedimento disciplinar caducou, invocando que o Conselho de Administração, órgão com competência disciplinar, teve conhecimento dos factos no dia 2 de Setembro de 2022, pelo que tendo sido a nota de culpa notificada à autora em 04 de Novembro de 2022, já tinha decorrido o prazo de 60 dias. Na sua perspectiva, se o secretariado do Conselho de Administração teve conhecimento quando o funcionário com responsabilidades na área de serviço onde a trabalhadora colaborava, remeteu informação a dar conhecimento da situação, considerando o secretariado como sendo o próprio Conselho de Administração, este também teve conhecimento, não se podendo admitir que o secretariado pode gerir a seu bel prazer, conforme a sua conveniência, o que é dado a conhecer, ou não, ao Conselho de Administração.
Defende, assim, se considere que o Conselho de Administração foi notificado na data em que o secretariado recebeu a comunicação dos factos, com a inerente caducidade do procedimento disciplinar quando a recebeu em 4 de Novembro de 2022.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 329.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o direito de exercer o poder disciplinar prescreve “um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”. Por sua vez o n.º 2 do artigo 329.º dispõe que o procedimento disciplinar “deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
O prazo previsto no n.º 2 do preceito mostra-se estabelecido nos mesmos termos em que dispuseram os artigos 31.º, n.º 1 da LCT e 372.º, n.º1 do Código do Trabalho de 2003 e foi intitulado pela doutrina e pela jurisprudência como um prazo de caducidade. De acordo com a doutrina uniformizadora estabelecida no AUJ n.º 4/2003, de 21 de Maio de 2003, “[a] caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso” (in DR I-A, de 2003.07.10).
Apesar de ser um prazo de caducidade – art. 298.º, n.º 2 do Código Civil –, este prazo interrompe-se com o recebimento da nota de culpa e com a instauração do inquérito prévio nos termos dos artigos 352.º e 353.º do Código do Trabalho.
Decorre da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º que: por um lado, uma vez cometida a infracção disciplinar, o empregador dispõe de um ano para dela tomar conhecimento a fim de a punir disciplinarmente, e, uma vez transcurso o prazo de um ano sobre a prática da actividade que determina em abstracto a aplicação de uma sanção disciplinar, verifica-se o termo final do prazo de prescrição e já não é possível o exercício da acção disciplinar, ainda que o empregador não tenha tido conhecimento da infracção; e, por outro lado, uma vez conhecida a infracção, o empregador dispõe do prazo de 60 dias para exercer a acção disciplinar, desde que sobre a prática da mesma não tenha decorrido mais de um ano.
O estabelecimento destes dois prazos funda-se em diferentes razões: a prescrição do direito de exercer o poder disciplinar assenta na ideia de que decorrido o lapso de tempo de um ano sobre a infracção já não é razoável punir o infractor; a caducidade do procedimento disciplinar tem subjacente a obrigação do empregador de actuar disciplinarmente dentro de sessenta dias, considerando-se a partir de então que, não tendo exercido o seu poder disciplinar, se conformou com a atitude indisciplinada do trabalhador.
Com o estabelecimento do prazo de caducidade, cujo termo inicial se situa na data do conhecimento da infracção pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, pretende-se que o empregador seja célere na sua reacção disciplinar: se, tendo conhecimento da infracção, o empregador não instaura o procedimento disciplinar nos 60 dias subsequentes, este caduca.
Sendo a caducidade uma exceção peremptória, impende sobre o trabalhador nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus de alegar e provar que o empregador, ou o superior hierárquico com poderes disciplinares, tinha conhecimento da infracção há mais de 60 dias9.
É pacífico entre as partes que o prazo de caducidade em causa na apelação se interrompeu com a notificação da nota de culpa à trabalhadora, em 4 de Novembro de 2022 (facto 2.)
A dissidência entre recorrente e recorrida situa-se, apenas, no dies a quo para a contagem deste prazo de caducidade do exercício do procedimento disciplinar que, nos termos do n.º 2, do artigo 329.º corre a partir do conhecimento efectivo pelo empregador, ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, da conduta infraccional atribuída ao trabalhador.
Nos casos em que o empregador é uma pessoa coletiva, para efeitos do conhecimento a que alude o artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, o empregador é o órgão com poderes de gestão (por ser este o titular do poder disciplinar), nomeadamente a Gerência nas sociedades por quotas e o Conselho de Administração, nas sociedades anónimas ou nas entidades publicas empresariais.
O legislador considerou igualmente relevante no n.º 2, do artigo 329.º o conhecimento da infração por parte do superior hierárquico a quem tenha sido atribuída esta competência disciplinar, em consonância com o n.º 4 do mesmo artigo, segundo o qual o poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador ou por superior hierárquico do trabalhador, mediante delegação de poderes disciplinares.
Mas não menciona qualquer outra entidade.
Perante este regime jurídico, a jurisprudência tem considerado ser de exigir um conhecimento efectivo por parte de uma destas duas entidades (empregador ou superior hierárquico com competência disciplinar), conhecimento que não se presume do simples facto de outros órgãos ou departamentos, ou outras pessoas dentro da estrutura organizativa do empregador, terem esse conhecimento10.
A sentença sob recurso partiu deste pressuposto ao afirmar o seguinte: «[…] Ora, o facto do email com a descrição de factos ter sido reencaminhado no dia 2 de Setembro de 2022 para o secretariado do Conselho de Administração, não é apto a demonstrar que este último teve conhecimento nesse mesmo dia. Com efeito, o secretariado do CA, não é o próprio Conselho de Administração e, da data do conhecimento efectivo por este, não fez a autora qualquer prova. Por tudo isto, não se verifica a caducidade do direito de exercer a acção disciplinar da ré.
[…]»
Já a recorrente defende que, se o secretariado do Conselho de Administração teve conhecimento dos factos no dia 2 de Setembro de 2022, o Conselho de Administração teve também deles conhecimento, e que o enfermeiro designou o secretariado como a entidade por intermédio da qual teria de ser dado conhecimento da situação ao Conselho de Administração, considerando o secretariado como sendo o próprio Conselho de Administração.
Daqui infere que as actuações que lhe foram imputadas eram do conhecimento do Conselho de Administração havia mais de 60 dias quando a nota de culpa lhe foi notificada em 4 de Novembro de 2022.
Tendo em consideração a factualidade provada e o regime legal prescrito no artigo 329.º, n.ºs 2 e 4 do Código do Trabalho bem como, também, o regime jurídico das unidades de saúde com a natureza de entidades públicas empresariais, podemos adiantar que a sentença decidiu com acerto.
Senão vejamos.
Reconduzindo-nos aos factos provados e intentando deles retirar algum contributo quanto a esta questão, é a nosso ver muito relevante atentar em que o e-mail remetido no dia 2 de Setembro, dado como reproduzido no facto 8. (documento junto por ambas as partes), não se mostra dirigido ao Conselho de Administração com uma qualquer pretensão perante este formulada. Mostra-se sim dirigido ao “Secretariado CA-EE” e o que nele é pedido é para “imprimir e colocar para CA com a seguinte informação (…)”.
Ou seja, não se trata de uma missiva dirigida ao Conselho de Administração pedindo a este o que quer que seja e que o secretariado tenha recebido em nome do indicado Conselho, mas de uma missiva dirigida ao próprio secretariado e com uma pretensão concreta: a de este imprimir o documento e o entregar ao Conselho de Administração, certamente para este se inteirar da informação dele constante.
Não pode também deixar de se notar que consta aposto ao referido e-mail remetido aos serviços de secretariado no dia 2 de Setembro e dado como reproduzido no facto 8., uma nota a indicar que o e-mail foi “presente à sessão do Conselho de Administração” de 8 de Setembro de 2022, contendo por debaixo dessa data as assinaturas nele manuscritas do Presidente do Conselho de Administração, de dois Vogais, do Director Clínico e da Enfermeira Directora, o que indicia o conhecimento por estas pessoas do conteúdo do e-mail na indicada se verificou efectivamente no dia 08 de Setembro de 2022 (documento junto pela R. a fls. 19 e verso e pela A. a fls. 209 verso-210).
Sendo nesse próprio dia que o Conselho de Administração deliberou instaurar procedimento disciplinar à recorrente (facto 1.).
Não vemos, pois, que da comunicação dos factos que constituem a infracção disciplinar por parte da Enfermeira Directora aos serviços do secretariado, que, conforme pedido expresso, tinham a incumbência de transmitir a informação constante do e-mail a Conselho de Administração, possa induzir-se o conhecimento pelo próprio Conselho de Administração daqueles factos no dia 2 de Setembro de 2022 em que a comunicação foi feita.
Aliás, como bem diz a recorrente, o funcionário responsável pelo serviço onde a autora colaborava designou o secretariado como a entidade “por intermédio” da qual teria que ser dado conhecimento da situação, o que, a nosso ver, só pode significar que o secretariado do Conselho de Administração é uma entidade diferente deste.
Além disso, do regime jurídico aplicável à recorrida não se infere que os serviços de secretariado do Conselho de Administração pudessem configurar um superior hierárquico da trabalhadora com poderes disciplinares, ou que o recebimento por tais serviços dos e-mails a eles dirigidos devesse implicar o concomitante conhecimento do respectivo conteúdo por parte do Conselho de Administração.
O Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, que aprovou o regime jurídico e os estatutos das unidades de saúde com a natureza de entidades públicas empresariais e foi objecto de sucessivas alterações salientando-se a operada pelo Decreto-Lei n.º 12/2015, de 26 de Janeiro, que nele incorporou os estatutos das Unidades Locais de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais (ULS, E. P. E.), estabeleceu no seu artigo 5.º que as “entidades públicas empresariais abrangidas pelo presente decreto-lei são pessoas coletivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas e do artigo 18.º do anexo da Lei n.º 27/2002, de 8 de novembro” (n.º 1), que “[o]s hospitais E. P. E. regem-se pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, com as especificidades previstas no presente decreto-lei e nos seus Estatutos constantes dos anexos I e II, bem como nos respectivos regulamentos internos e nas normas em vigor para o Serviço Nacional de Saúde que não contrariem as normas aqui previstas”, bem como que “o regime fixado no presente decreto-lei e nos Estatutos a ele anexos tem caráter especial relativamente ao disposto no regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas, que é subsidiariamente aplicável com as devidas adaptações” (n.º 3).
Quanto ao Conselho de Administração, enquanto órgão do Hospital E.P.E., os Estatutos constantes do Anexo II ao diploma prescrevem que o mesmo é composto “pelo presidente e um máximo de quatro vogais, que exercem funções executivas, em função da dimensão e complexidade do hospital E. P. E., sendo um dos membros o diretor clínico e outro o enfermeiro diretor” (artigo 6.º), que compete ao conselho de administração garantir o cumprimento dos objectivos básicos, bem como o “exercício de todos os poderes de gestão que não estejam reservados a outros órgãos”, e em especial “[e]xercer a competência em matéria disciplinar prevista na lei, independentemente da relação jurídica de emprego” [artigo 7.º, n.º 1, alínea p)], podendo delegar esta sua competências nos seus membros ou demais pessoal de direcção e chefia (artigo 7.º, n.º 3) e, quando ao funcionamento do conselho de administração, que o mesmo “reúne, pelo menos, semanalmente e, ainda, sempre que convocado pelo presidente ou por solicitação de dois dos seus membros ou do fiscal único” (artigo 11.º, n.º1).
Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de Fevereiro, em vigor a partir de 2017-02-15, o qual veio regular o Regime Jurídico e os Estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como as integradas no Setor Público Administrativo nada dispondo de inovatório a este propósito.
Finalmente o Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto, revogou o Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro [artigo 105.º, alínea d)] e aprovou o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, bem como aprovou o regime de criação, organização e funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) e os novos Estatutos dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e unidades locais de saúde (ULS), integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo. Este diploma entrou em vigor em 5 de Agosto de 2022 [artigo 106.º], estando em vigor à data dos factos e também nada estabeleceu de inovatório com relevância para os presentes autos, a propósito do funcionamento do Conselho de Administração dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e ULS , que são “unidades de saúde do SNS e integram o setor empresarial do Estado ou o setor público administrativo” e “revestem a natureza de entidades públicas empresariais, doravante designados por estabelecimentos de saúde, E. P. E., são pessoas coletivas de direito público de natureza empresarial integrados na administração indireta do Estado, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do respetivo regime jurídico, constituídas por tempo indeterminado” (artigos 67.º, 68.º, 69.º e 71.º).
Destes regimes sucessivos infere-se, por um lado, que é o Conselho de Administração das unidades de saúde com a natureza de entidades públicas empresariais que gere estas unidades, que a ele compete exercer a competência em matéria disciplinar laboral enquanto empregador, que o mesmo se reúne uma vez por semana (ainda que possa reunir-se mais vezes, mas não necessariamente), sendo integrado por pessoas diversas, algumas com funções clínicas (director clínico e enfermeiro director), não estando em permanência reunido o colectivo que o integra.
Por outro, constata-se que em nenhuma destas normas é conferida competência especial ao secretariado do Conselho de Administração, serviço ou departamento este que, aliás, nelas não encontra previsão específica.
Inexiste, pois, qualquer fundamento normativo para levar a considerar que ao secretariado sejam conferidas outras funções que não as de simples apoio administrativo ou assessoria do Conselho de Administração.
E não pode, por isso, concluir-se que as comunicações ao secretariado do Conselho de Administração constituem, só por lhe serem dirigidas, são comunicações ao próprio Conselho de Administração.
Acresce que do artigo 21.º do Regulamento Interno do Centro Hospitalar XX, E.P.E. (Centro Hospitalar XX, E.P.E.) invocado pela recorrente – o Regulamento Interno de 21 de Março de 2014 – não se retira que, tal como alega a recorrente, as comunicações que se pretendam fazer ao Conselho de Administração devam ser feitas ao secretariado. Em tal norma é dito que “[t]endo em consideração a dimensão e complexidade do Centro Hospitalar XX, E.P.E., o CA pode propor a nomeação de Administrador Hospitalar/Gestor para integrar a estrutura de órgão de direcção para os estabelecimentos do Centro Hospitalar XX, E.P.E., delegando as competências que forem entendidas adequadas”. Desta simples faculdade de o Conselho de Administração poder propor a nomeação de Administrador Hospitalar/Gestor a quem delegue competências de modo algum pode retirar-se que também o possa fazer ao Secretariado, vg. conferindo-lhe competências disciplinares. Sendo certo que, a tal ser possível, sempre os factos provados deveriam revelar tal delegação.
Igualmente o organograma da recorrida a que a recorrente se refere, do qual efectivamente não consta qualquer alusão ao secretariado, não permite, por esse simples facto, inferir que quaisquer comunicações dirigidas ao secretariado devam considerar-se dirigidas ao Conselho de Administração enquanto órgão de gestão da pessoa colectiva de direito público, como vem dito nas alegações de recurso.
Deste modo, não resultando do regime jurídico aplicável, nem dos factos provados, que os serviços de secretariado pudessem configurar um superior hierárquico da trabalhadora com poderes disciplinares, ou que o recebimento por tais serviços dos e-mails a eles dirigidos devesse implicar o concomitante conhecimento do respectivo conteúdo por parte do Conselho de Administração, a remessa do e-mail referido no facto 8. ao secretariado no dia 2 de Setembro de 2022 não releva para efeitos de considerar que se verificou nesse dia o termo inicial do prazo de caducidade do procedimento disciplinar.
E cabe concluir, como a sentença, que a recorrente não demonstrou que o Conselho de Administração tivesse o conhecimento efectivo dos factos que consubstanciam a infracção disciplinar antes do dia 8 de Setembro de 2022, data em que deliberou a instauração do procedimento disciplinar (facto 1.).
Assim, não tendo a recorrente logrado provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, o qual tem na sua base a mesma lógica que subjaz ao artigo 343.º, n.º 2, do mesmo diploma), que o empregador teve conhecimento dos factos que lhe imputou na nota de culpa em data anterior a 08 de Setembro de 2022, não é possível afirmar que, em 04 de Novembro de 2022, data em que o recorrente recebeu a nota de culpa, já se havia esgotado o prazo de 60 dias estipulado no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho.
Improcede a apelação no que concerne à invocada excepção de caducidade.
* 5.2. Da sanção disciplinar de despedimento
A recorrente invoca a final que, ainda que “ainda que se pudesse aplicar uma sanção à A. nunca seria a do despedimento, pois que constitui a sanção mais gravosa”, alegação que fez constar da conclusão XXXIV, nada mais alegando a este propósito, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões que o rematam.
A sentença sob recurso, após doutas considerações sobre as modalidade de cessação do contrato de trabalho, sobre o poder disciplinar que o empregador tem sobre os trabalhadores ao seu serviço, sobre os critérios da sanção disciplinar, sobre a especificidade do despedimento com invocação de justa causa, os seus requisitos e as causas da sua ilicitude, considerou justificada a sanção aplicada – o despedimento – alinhando em síntese, a seguinte argumentação:
- a ré imputa à trabalhadora não cumprir o horário de trabalho, no sentido de entrar e sair às horas que entende, e da perturbação que causa no serviço, bem como falta de respeito pela chefia e de ser conflituosa com os colegas;
- o comportamento da autora atenta contra o dever de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a entidade empregadora, com urbanidade e probidade, o dever de comparecer ao serviço com pontualidade e o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho - artigo 128.º, n.º 1, al. a), b) e e) do CT;
- a autora durante o ano de 2022 e dias acima referidos não cumpriu o horário que lhe estava adstrito, entrando e saindo mais cedo e, por vezes entrando e saindo mais tarde sem para tal estar autorizada e sem que ficasse demonstrada uma co-relação entre uns e outros;
- num serviço de saúde, o cumprimento do horário adstrito, observando as horas de entrada e de saída, é de importância vital, ressaltando dos factos provados que a autora não estava disposta a submeter-se à disciplina do empregador e a cumprir as horas de início e fim da prestação, o que causa naturalmente constrangimentos na unidade hospitalar e nos demais profissionais, pares da autora, que com esta trabalhavam;
- os factos apurados quanto à reunião da autora com a sua chefia, consubstanciam por parte daquela, uma falta de respeito para com esta, sem que ficassem demonstrados factos que o justificassem;
- a autora revelou total desconsideração pela perturbação que os seus atrasos/ausências parciais pudessem causar nos serviços da empregadora quando não se encontrava à hora de início ou, ainda mais grave, quando saía antes da hora do termo, sem que avisasse previamente a sua chefia e para tal fosse autorizada, devendo considerar-se gravosa essa falta de cumprimento que aconteceu amiúde durante um ano;
- é também grave o comportamento desafiador da autora perante a sua chefia;
- as funções desempenhadas pela autora são de uma grande dignidade e exigem uma relação de confiança;
- a gravidade da perturbação introduzida no funcionamento da organização da empregadora com o comportamento reiterado ao longo dos meses do ano, designadamente quanto à falta de cumprimento do horário, revelador de um completo desprezo pelo interesse da empregadora, é apta a fazer o empregador perder a confiança na trabalhadora, indispensável à manutenção do vínculo;
- se a empregadora não pode confiar que a autora se submete à disciplina do serviço no cumprimento do horário que lhe está atribuído e no respeito pela sua chefia directa, deixa de lhe ser exigível que mantenha a relação laboral;
- existe, ainda, o perigo da repercussão das condutas em causa na disciplina geral da organização, em termos de exemplo para a generalidade dos trabalhadores;
- a sanção disciplinar de despedimento revela-se proporcional à gravidade das infrações perpetradas pela trabalhadora, à sua culpabilidade e às exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama, sendo certo que a empregadora a chamou por diversas vezes à atenção.
A recorrente não refutou estas asserções, limitando-se à afirmação genérica de que não deveria ser aplicada a sanção de despedimento, por ser a mais gravosa e não aduzindo qualquer argumentação susceptível de fundar esta sua afirmação.
O que nos dispensa, também, de mais larga fundamentação.
Seja como for, deve dizer-se que, analisando a factualidade apurada nos presentes autos, e tendo presente o regime jurídico que emerge dos artigos 128.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho, nenhuma censura nos merece o juízo da sentença.
O artigo 128.º, n.º 1, do Código do Trabalho estabelece que “[s]em prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
“[…] a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
[…]”
Por seu turno o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
E o artigo 330.º, n.º 1, do mesmo diploma, prescreve que “[a] sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção”.
Os factos provados são eloquentes quanto à sucessiva violação do dever de pontualidade e de observância do horário de trabalho fixado pela recorrida empregadora em múltiplas e sucessivas ocasiões no decurso do ano de 2022 (facto 5.), demonstrativa de que nos dias indicados na decisão de facto fazia o horário que queria e não o que lhe era previamente determinado, reiterando sucessivamente o seu comportamento, o que confere maior gravidade à conduta ilícita da recorrente.
Quanto ao dever de respeito, é igualmente de considerar que a recorrente adoptou uma conduta frontalmente violadora de tal dever quando, em 1 de Setembro de 2022, o enfermeiro-chefe a chamou à atenção para a necessidade e importância de cumprir o horário e escala, explicando-lhe não ser possível entrar e sair fora de horas e ausentar-se por longos períodos durante o horário de trabalho sem avisar ninguém, e a recorrente não aceitou, discutindo no Gabinete de Enfermagem num tom de voz elevado, audível para outros incluindo utentes que se encontravam corredor e acusando o chefe de perseguição (facto 7.).
Não só a chamada de atenção era justificada (vide o facto 5.) como, ainda, a trabalhadora se alheou do respeito devido ao seu superior hierárquico pois, em vez de acatar o alerta para a necessidade e importância de cumprir o horário e escala, e a explicação de que não era possível entrar e sair fora de horas e ausentar-se por longos períodos durante o horário de trabalho sem avisar ninguém, não aceitou a chamada de atenção e ainda se permitiu acusar o enfermeiro-chefe de perseguição e discutir com ele no Gabinete de Enfermagem em tom de voz elevado e audível para outros incluindo utentes que se encontravam no corredor. E alheou-se, também, do respeito devido aos utentes que se encontravam no hospital, naturalmente em situação de fragilidade física e muitas vezes emocional, o que torna substancialmente mais perturbador que pressintam um conflito aberto entre pessoas que em princípio deveriam estar empenhadas no cuidado sereno e atento aos utentes que têm necessidade de recorrer aos serviços de uma unidade hospitalar.
Deve aqui também ponderar-se, como circunstância a atender para aferir da inexigibilidade da subsistência do vínculo, nos termos do n.º 3, do artigo 351.º do Código do Trabalho, o facto de a autora ser considerada como uma pessoa conflituosa e rude no relacionamento com os outros intervenientes, enfermeiros e assistentes técnicos (facto 6.).
Analisados os contornos concretos das sucessivas condutas ilícitas e culposas imputadas à recorrente, cremos ser patente a sua gravidade e inevitáveis as consequências no lastro de confiança subjacente ao contrato, tendo presente o entendimento de um "empregador razoável", em face das circunstâncias do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º do Código Civil).
E é de concluir, como a sentença, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostram relevantes, que a ruptura é irremediável e nenhuma outra medida se revela adequada a sanar a crise contratual aberta pelo comportamento da trabalhadora11.
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Improcedem as alegações da recorrente, merecendo confirmação a sentença recorrida.
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Porque ficou vencida no recurso que interpôs, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 4527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar no presente recurso, a responsabilidade é restrita às custas de parte que haja.
* 6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. julga-se improcedente a arguida nulidade da sentença;
6.2. rejeita-se a impugnação da matéria de facto deduzida;
6.3. altera-se oficiosamente o ponto n.º 2. da matéria de facto, nos termos sobreditos;
6.4. no mais, nega-se provimento à apelação e confirma-se a sentença da 1.ª instância.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Lisboa, 03 de Julho de 2024
Maria José Costa Pinto
Leopoldo Soares
Paula Pott
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1. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2015, Processo n.º 52/2000, sumariado in www.stj.pt e de 9 de Janeiro de 2024, Processo nº 21/21.0YFLSB, in www.dgsi.pt.↩︎
2. Vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra 2017, pp. 712-714.↩︎
3. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.06.06, proferido no processo n.º 07S670, e de 2023.03.29, proferido no processo n.º 4207/19.9T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt e, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.01.21, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1 e com anotação favorável de Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.pt, entrada de 28 de Janeiro de 2015.↩︎
4. Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, pp. 158-159.↩︎
5. Publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, com rectificação através da Declaração de Retificação nº 25/2023 (que rectifica o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1) publicada no Diário da República n.º 230/2023, Série I de 2023-11-28.↩︎
6. Vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 2016.10.25, proferido no processo n.º 12/14.7TBLRA.C1. Vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Julho de 2020, Proc. n.º 283/08.8TTBGC-B.G1.S1, nos termos do qual, o art.º 640.º, n.º1, al. a) do Código de Processo Civil, ao exigir a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pressupõe que seja feita a referência: no que se refere aos factos alegados, aos respectivos articulados, e quanto aos factos não articulados, que o tribunal venha a considerar relevantes para a boa decisão da causa, que seja feita referência ao despacho proferido nos termos do art.º 72.º, n.º 1 do CPT.↩︎
7. Coloca-se um tipo de letra diferente na parte a transcrever da nota de culpa, para melhor delimitação dos dizeres da nota de culpa que se encontram entre aspas neste ponto 2. do elenco de factos.↩︎
8. Sublinham-se os tempos inobservados, além de colocar a negrito, para melhor compreensão.↩︎
9. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.11.09, Recurso n.º 1697/05 - 4.ª Secção, de 2010.01.13, processo n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1, de 2010.10.13, proferido no processo n.º 673/03.2TTBRR.L1.S1, de 2013.03.05, processo n.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1; de 2011.02.18, processo n.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1, ainda que por vezes radicando no artigo 343º do Código Civil este ónus da prova do trabalhador de que o empregador ou superior hierárquico com competência disciplinar tinha conhecimento da infracção há mais de 60 dias.↩︎
10. Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2022.03.30, Processo 351/19.0T8OAZ.P1.S1.↩︎
11. Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 551 e ss., Jorge Leite e C. Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985 pp. 248 ss., B.Lobo Xavier, "Da justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova" in R.D.E.S., 1988, pp.1 ss.↩︎