ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
IDADE
Sumário

1 – A falta de fundamentação do laudo pericial, podendo configurar nulidade de procedimento, deve ser invocada no prazo geral de arguição de nulidades.
2 – Não é infundada a sentença que se baseia no teor do laudo pericial maioritariamente firmado.
3 – A prova pericial, sendo de livre apreciação pelo juiz, apenas poderá ser afastada se os autos revelarem outras provas capazes de abalar a credibilidade daquela.
4 – Atingindo a sinistrada os 50 anos de idade após o acidente e ainda antes de ter instaurado o incidente de revisão, mesmo que não se conclua por agravamento da incapacidade decorrente das sequelas apresentadas, deve rever-se a mesma de modo a ajustá-la à idade conforme Instrução 5/1-a) da TNI.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, sinistrada no processo supra identificado, encontrando-se notificada Decisão Final que julgou improcedente o presente incidente de revisão de incapacidade, e não se conformando com o teor da mesma, dela vem interpor recurso.
Formula o seguinte pedido:
i) Deve ser declarado nulo o Auto de Exame por Junta Médica, por falta ou insuficiência de fundamentação;
ii) deve ser anulada a sentença recorrida, e ordenado ao tribunal de 1ª instância que leve a cabo as diligências que considere serem pertinentes e repetição da junta médica para suprimento das mencionadas irregularidades, com resposta total e fundamentada do laudo que emitam quanto à IPP, necessidade de reconversão profissional e aplicação do fator 1,5 e questão da IPATH, pronunciando-se fundamentadamente quanto à divergência com os pareceres clínico do GML, com o parecer do perito do sinistrado, bem como a atribuição da bonificação de acordo com a situação de IPATH em que atualmente se encontra.
Funda-se nas seguintes conclusões:
a) A apelante não pode aceitar a douta decisão que julgou que o seu estado, em resultado do acidente de trabalho objeto dos presentes autos, decidindo manter inalterada a incapacidade fixada de IPP de 4%.
b) O acidente de trabalho data de 16.11.2025, tendo desde ai a sua capacidade de ganho diminuída, por força do agravamento da sua situação clínica, não mais conseguindo trabalhar como lavadeira. Aliás nunca mais desde o acidente exerceu qualquer profissão por não conseguir manter em longos ou médios períodos em pé.
c) Importa salientar que no âmbito do atual incidente de revisão, a sinistrada foi submetida a perícia singular, sob Perito Médico nomeado pelo Tribunal que concluiu a 19.10.2023 existir agravamento das sequelas do acidente de trabalho, pela sua subsunção ao Cap. I 14.2.2.1 alínea b) e Cap. I 14.2.4 da TNI, propondo a IPP global de 10,23%.
d) Aplicando também fator de bonificação de 1,5 tendo em conta a sua incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
e) Estipula-se no número 5 Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais – “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
f) O n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da T.N.I., estabelece que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, quando o Sinistrado não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
g) A sinistrada não auferiu da aplicação desse fator em função da idade, o que deveria ter sido aplicado.
h) Dos dois exames realizados, apenas o ultimo realizado em 06.02.2024 releva para a decisão dos presentes autos, não tendo sido tido em conta o entendimento do perito da sinistrada e do perito nomeado em 19.10.2023 aplicando ambos estes últimos a bonificação de 1,5%.
i) Analisado o resultado do referido exame por junta médica, não é valorado o parecer do senhor perito da sinistrada em consonância com o perito singular.
j) É certo que MMª Juiz afirma que quem percebe de medicina são os médicos, no entanto para fundamentar a decisão tomada necessitaria pelo menos de perceber o entendimento dos peritos e não se basear em conclusões sintéticas.
k) O laudo pericial deve ser fundamentado de modo a que do mesmo resultem os elementos essenciais ao método tendente à aquisição da conclusão a que os peritos chegaram, devendo os peritos expor o seu próprio itinerário cognitivo, de forma compreensível para um não técnico.
l) Nos termos do nº 8 das Instruções Gerais da TNI, os peritos devem fundamentar as suas conclusões de forma a permitir ao julgador a análise e ponderação, com segurança, do grau de incapacidade a atribuir.
m) Por outro lado, verificando-se, como se verifica, uma divergência entre os peritos sobre a questão da IPP, aplicação do fator 1,5 e incapacidade absoluta para a profissão habitual, era indispensável que do Relatório constassem as razões invocadas por cada um deles para dar resposta num e noutro sentido, de forma a que o Tribunal (que se venha a pronunciar sobre tal matéria), pudesse avaliar a bondade dos fundamentos de cada uma dessas posições.
n) E tal fundamentação impunha-se em maior grau, na presente situação, uma vez que nos autos existe um laudo (singular) do perito do IML que atribui IPP diferente da atribuída pelo perito da sinistrada apesar de ambos aplicarem o fator 1,5, em discrepância com os restantes peritos.
o) Limitando-se a emitir uma mera e abstrata opinião de IPP e de que não estava agravada na incapacidade, baseada apenas no exame realizado naquele dia. Não explicam contudo em que consistiu esse exame, nem o motivo da discordância face ao resultado do perito singular já constante dos autos, motivos de discordância entre peritos e sem qualquer referência às declarações da sinistrada que demonstrou que teve 7 anos de sofrimento até ser operada pelo SNS contra a indicação da seguradora e que a impediu de trabalhar durante esse período até a presente data.
p) A falta de fundamentação do relatório pericial constitui nulidade processual nos termos do art. 201º do CPC.
q) Não se pronunciando o tribunal sobre estes aspetos e omitindo tais factos na sentença, tal, porque influi na decisão da causa, constitui nulidade processual nos termos do referido art. 201º do CPC.
r) A sentença não apreciou convenientemente todas as questões que lhe foram colocadas, designadamente sobre a IPP, necessidade de reconversão profissional e consequente aplicação do fator de bonificação de 1,5, e eventual existência de IPATH, devido à falta de fundamentação do laudo de junta médica.
s) A falta de fundamentação do laudo pericial influi na decisão da causa, desde logo porque fornece ao tribunal uma informação cuja coerência ou acerto não é possível sindicar, como se viu.
t) Afetando ainda, por inerência, a inteligibilidade e compreensão da sentença proferida com base nesse relatório no que toca à fixação da incapacidade, aplicação do fator 1,5 e incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, já que na mesma o Sr. Juiz confirma o referido laudo maioritário.
u) O que impede, nomeadamente, um Tribunal Superior, em sede de recurso, se pronuncie quanto ao acerto dessa sentença, na medida em que dela não consta os correspondentes fundamentos.
v) Com efeito, devido à falta de fundamentação do relatório médico, não tinha o Tribunal os meios de prova suficientes que suportassem a decisão proferida, pelo que se verifica erro de julgamento – art. 712º, nº 4, do CPC.
w) O Mmo Juiz de Primeira Instância assenta a fundamentação da sentença proferida no laudo maioritário, que conforme se referiu apresenta vícios que justificam a sua nulidade.
FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., devidamente identificada nos autos, notificada das Alegações de Recurso apresentadas pela sinistrada, vem apresentar as suas Contra-Alegações nas quais conclui que a sentença não merece censura.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual conclui que a sentença está fundamentada, a IPATH foi suscitada, pela 1ª vez, em sede de recurso, pelo que é uma nova questão. Razões pelas quais o recurso deve improceder.
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O percurso dos autos:
AA requereu a revisão da incapacidade de que se encontra afetada e que correspondia então a uma IPP de 4% (Cap. I 14.2.4 da TNI, isto é, da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23.10), desde a data da alta, ou seja, desde 15.03.2016.
Alegou, para tanto, ter a sua capacidade de ganho diminuída, por força do agravamento da sua situação clínica, que descreveu.
Admitido o presente incidente de revisão, a sinistrada foi submetida a perícia singular, que concluiu a 19.10.2023 existir agravamento das sequelas do acidente de trabalho, pela sua subsunção ao Cap. I 14.2.2.1 alínea b) e Cap. I 14.2.4 da TNI, propondo a IPP global de 10,2 3%, já majorada pelo fator idade.
Requerida a sua submissão a junta médica, esta concluiu em 6.2.2024 por maioria (pelo perito do Tribunal e da seguradora) inexistir agravamento.
Foi proferida decisão que manteve inalterada a incapacidade fixada (IPP de 4%).
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A falta de fundamentação do laudo pericial constitui nulidade processual?
2ª - A sentença não apreciou convenientemente todas as questões que lhe foram colocadas, designadamente sobre a IPP, necessidade de reconversão profissional e consequente aplicação do fator de bonificação de 1,5, e eventual existência de IPATH, devido à falta de fundamentação do laudo de junta médica?
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FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS:
Da decisão proferida em sede de incidente resultam os seguintes factos:
O acidente de trabalho deu-se em 16.11.2015.
A sinistrada foi considerada afetada de IPP de 4% (Cap. I 14.2.4 da TNI, desde a data da alta, ou seja, desde 15.03.2016.
A pessoa responsável pelo acidente é Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.
Por consulta à sentença que integra fls. 110 temos ainda:
Do acidente resultou entorse do tornozelo do pé direito.
À data do acidente a Sinistrada auferia o valor anual de 7.070,00€.
Do documento que integra fls. 26 resulta:
A Sinistrada nasceu em 19/10/1967.
De fls. 113 decorre que foi entregue um capital de remição da pensão anual de 197,96€.
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O DIREITO:
A 1ª questão a que cumpre dar resposta prende-se com uma nulidade procedimental, a saber, a nulidade do laudo pericial por falta de fundamentação.
O laudo em causa é o que consigna o resultado do exame por junta médica, realizado em 2/02/2024 e notificado às partes em 5/02/2024, ou seja, um mês antes de proferida a sentença1.
Como é sabido, as nulidades de procedimento devem ser invocadas nos termos do disposto no Artº 199º/1 do CPC – estando a parte presente no ato, por si ou por intermédio de mandatário, enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo – que é o geral de 10 dias – conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele.
Ora, como supra dito, o laudo pericial foi notificado às partes em 5/02/2024 e muito concretamente à Srª Advogada subscritora do recurso.
Neste pressuposto, há muito caducou o direito para invocar alguma nulidade do género da que ora vem invocar, pelo que não se conhece da invocada falta de fundamentação.
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A 2ª questão liga-se, em parte, com a antecedente, na medida em que pressupõe falta de fundamentação da sentença por comunicação da ausência de fundamentação do laudo pericial, suscitando ainda a questão de saber se deve ser aplicado o fator de bonificação 1,5 e se existe IPATH.
Relativamente à falta de fundamentação da sentença, é uma conclusão que não subscrevemos.
Na verdade, vista a sentença, verificamos que a mesma enuncia os atos processuais levados a cabo no incidente, dando conta do resultado quer do exame singular, quer do colegial, ponderando-os e vindo a concluir que “vistos os autos, incluindo a documentação clínica carreada, o Tribunal não vê razão para se afastar do parecer maioritário tomado em junta médica a que assistiu, inclusive ao debate entre os senhores peritos. E, por essa razão, entende-se não existir fundamento para divergir do parecer maioritário tomado em junta médica, face aos elementos constantes dos autos e o previsto na TNI, pelo que se julga de manter a incapacidade atribuída à sinistrada.
Está, pois, suficientemente fundamentada, não nos suscitando dúvidas acerca do bem fundado da sua conclusão.
Na verdade, estando a prova pericial sujeita à livre apreciação do juiz – Artº 389º do CC-, o afastamento deste relativamente às conclusões dos peritos carece de adequada fundamentação através do exame de outras provas eventualmente carreadas para os autos. É que não pode deixar de se ter presente que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (Artº 388º do CC). Como é o caso em matéria médica.
Conforme dito em recente acórdão desta RLx., numa situação não totalmente coincidente com a presente, mas, ainda assim, esclarecedora para o que ora releva, embora o juiz seja o perito dos peritos, não lhe cabe divergir do laudo sem que ponderosas razões o motivem, atenta a especialidade dos conhecimentos técnicos dos seus membros, razões que não existem quando todos os elementos disponíveis no processo de revisão da incapacidade, nomeadamente o exame singular e a junta médica, afirmaram unanimemente que não houve agravamento na situação do sinistrado (Ac. de 2024-05-08-Procº 1968/20.6T8CSC-A). Idêntica conclusão resulta do Ac. da RLx. de 8/11/2023, Proc.º 374/21.0T8BRR. Ou seja, só razões ponderosas deverão afastar o juiz das conclusões periciais.
Elucidativo é também o Ac. da RP de 5/06/2023, Proc.º 6640/19.7T8VNG, de acordo com o qual a menos que a força probatória da prova tenha natureza vinculativa, vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo a qual o juiz aprecia livremente a prova de acordo com a sua prudente convicção (art. 607º, nº 5, do CPC), o que, porém, não se confunde com a arbitrariedade dessa apreciação. Com efeito, a convicção há-de formar-se, não com base num simples ou insustentado convencimento, mas sim, e em síntese, com base num juízo crítico com respaldo na globalidade da prova que haja sido produzida, bem como nas regras da experiência, da lógica, da razoabilidade, do senso comum, da normalidade das “coisas”.
Nesta medida, não obstante a falta de unanimidade dos peritos, revelando-se cabalmente justificada a opção judicial, nenhuma censura merece a sentença.
Isto posto, poderia o Tribunal ter concluído por IPATH?
Conforme emerge dos autos, a Sinistrada ficou, na sequência do entorse sofrido, afetada de incapacidade permanente parcial de 4%.
Veio invocar agravamento sem que, contudo, alguma vez alegasse a modificação da natureza da incapacidade.
O fundamento para o agravamento esteve no surgimento de distintas lesões o que foi afastado pela maioria dos peritos que integraram a junta médica, que, claramente, responderam de modo negativo ao quesito para o efeito formulado a partir do requerimento apresentado pela Seguradora, esclarecendo que consubstanciam o seu entendimento no exame objetivo que realizaram e nas queixas proferidas pela examinada, queixas estas que se consubstanciam em dor no tornozelo só ao toque com força e relativamente às quais a examinada não recorre a medicação. Já o exame revelou edema residual no tornozelo, cicatrizes patológicas, com mobilidade preservada do tornozelo e limitação na inversão do pé sem dor à palpação dos complexos ligamentares ou sinais de instabilidade.
Ora, em matéria de direito processual civil laboral compete às partes a alegação dos factos pertinentes à causa (Artº 5º/1 do CPC, aplicável ex vi Artº 1º/2-a) do CPT).
Compulsado o requerimento inicial que originou o incidente, em parte alguma é invocada a situação de IPATH, situação que carece da alegação de matéria factual pertinente.
Nessa medida, tal como afirma o Ministério Público no seu parecer, estamos em presença de uma nova questão, nunca anteriormente suscitada nos autos. Razão pela qual, visando os recursos a reapreciação de decisões judiciais, e estando estas sujeitas à causa de pedir oportunamente invocada, o recurso não é o meio adequado à respetiva invocação.
Acresce que, tal como diz a Apelada, não há nos autos qualquer evidência capaz de sustentar a alteração da natureza da incapacidade.
Improcede, assim, também deste ponto de vista, a questão acerca da IPATH.
Resta saber se o Tribunal deveria ter aplicado o fator de bonificação 1.5 previsto nas Condições Gerais da TNI (nº 5).
Sobre esta questão a Sinistrada também nada diz no momento da apresentação do requerimento inicial. Logo, a questão também não foi apreciada na sentença.
Tratando-se, porém, de aplicação da lei aos factos em matéria de direitos indisponíveis – como é a relativa aos acidentes de trabalho – não há obstáculo ao conhecimento da mesma.
Dispõe o n.º 5 das instruções gerais da TNI, aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30.09:
5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a. Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com a multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
Á data de prolação da sentença que definiu os direitos da Sinistrada2 a mesma não havia ainda completado a idade de referência. Mas já a havia atingido à data de instauração do presente incidente3, apresentando atualmente 56 anos de idade.
Revelam os autos que nunca lhe foi atribuído o fator acima mencionado.
Em AUJ recentemente prolatado – Ac. de 22/05/2024, Proc.º 33/12.4TTCVL.74- o STJ, assumindo que o envelhecimento “é um fenómeno universal, irreversível e inevitável “, processo que se acentua após os 50 anos de idade, decidiu que não há motivo que justifique que o sinistrado que tinha menos de 50 anos de idade à data da fixação dos direitos, mas, entretanto, atinja essa idade, não passe a beneficiar da mesma bonificação. E mais concluiu que o incidente de revisão da incapacidade é apto à revisão decorrente da aplicação do fator de bonificação.
Dá-se ali conta da diversidade jurisprudencial produzida acerca desta temática, desvalorizando-se a circunstância de inexistir mecanismo processual capaz de dar resposta à mesma, na medida em que o processo é instrumental – “o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo”. Mais se afirmou que “a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações”.
Assentando nestes pressupostos, foi fixada jurisprudência de acordo com a qual:
1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.
Muito embora os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo Art. 2º do CC (atualmente revogado), certo é que têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º/ 2-c) do CPC.
Assim, em conformidade com este aresto, ao qual aderimos, impõe-se-nos que reconheçamos o agravamento da incapacidade decorrente da aplicação do referido fator e, nessa medida, reconhece-se uma IPP de 6% desde 17/07/2023 (data de dedução do incidente).
Consequência desta decisão é o recálculo do valor da pensão.
Considerando que o salário auferido à data do acidente se cifrava em 7.070,00€/ano, a pensão anual deve fixar-se em 296,94€, sendo, também ela, obrigatoriamente remível (Artº 75º/1 da Lei 98/2009 de 4/09).
Visto que a Sinistrada já recebeu capital de remição da pensão anteriormente fixada, é-lhe agora devida a diferença de capital.
Ao valor devido acrescem juros de mora à taxa anual de 4%.
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As custas, tendo presente que ambas as partes ficaram vencidas, serão suportadas por ambas as partes, na proporção de ½ para cada uma (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a. Modificar a sentença fixando a IPP em 6% desde 17/07/2023,
b. Fixar a pensão anual no montante de duzentos e noventa e seis euros e noventa e quatro cêntimos (296,94€) desde então e
c. Condenar a Apelada no pagamento à Apelante da diferença que se apurar relativa ao capital de remição desta pensão anual vitalícia.
Custas por ambas as partes na proporção de ½ para cada uma.
Notifique.

Lisboa, 3/07/2024
MANUELA FIALHO
LEOPOLDO SOARES
CELINA NÓBREGA
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1. A sentença foi proferida em 5/03/2024
2. 28/11/2016
3. O incidente foi instaurado em 17/07/2023
4. Que se saiba ainda não transitado em julgado