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ABANDONO DO TRABALHO
PRESUNÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Sumário
Uma vez que a presunção a que alude o n.º 2 do art. 403.º do Código do Trabalho só se estabelece se se provar que, para além da falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, o empregador não foi informado do motivo da ausência, a mesma não opera quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência do trabalhador se deve a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra XX, Lda., alegando, em síntese, que prestava a sua actividade profissional de mecânico de frio e ar condicionado por conta da R. desde 1997. No período de 17.08.2022 até 15.09.2022 encontrava-se de baixa médica por doença oncológica com incapacidade temporária para o trabalho e, uma vez que a situação de doença não permitiu que se deslocasse à entidade empregadora ou aos correios, comunicou telefonicamente que se encontrava de baixa. Em 26 de Setembro, quando a saúde lhe permitiu, deslocou-se à entidade empregadora a fim de entregar a referida baixa, tendo a empregadora recusado recebê-la dizendo que teria de aguardar uma carta que lhe tinha sido enviada. No dia 27 efectuou o envio do certificado de incapacidade temporária para o trabalho por carta registada e no mesmo dia recebeu uma carta da entidade empregadora a comunicar a cessação do contrato de trabalho por considerar que o trabalhador abandonou o trabalho. Mais alega que a entidade empregadora era conhecedora da sua doença e que nunca foi sua intenção deixar de prestar a sua actividade, pelo que tal despedimento foi ilícito, não se verificando o abandono do posto de trabalho. Para mais, sente humilhação e revolta pela forma como foi tratado após 25 anos de prestação de trabalho.
Termina, pedindo que: i) seja declarada a nulidade do despedimento, por ilícito com as legais consequências; ii) seja a R. condenada a pagar ao A. uma indeminização correspondente a 45 dias de trabalho e diuturnidades, por cada ano de trabalho; iii) seja a R. condenada a pagar ao A. as prestações pecuniárias já vencidas e todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento e a liquidar em execução desta, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento, sendo os juros a contabilizar da quantia já vencida desde a data da citação e os das prestações vincendas desde a data em que se forem vencendo; iv) seja a R. condenada no pagamento de uma indeminização por danos não patrimoniais no valor de € 5 000,00.
A R. apresentou contestação por excepção e por impugnação, sustentando a cessação do contrato de trabalho por abandono pelo A., concluindo pela improcedência do pedido.
Feito o saneamento do processo, procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Face às considerações expendidas e às disposições legais supracitadas, decide-se declarar a ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a Ré dos pedidos contra si formulados. Custas pelo Autor.»
O A. interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões (após despacho de aperfeiçoamento): «A - Vem o presente recurso interposto de sentença que declarou lícito o despedimento do A., com fundamento em abandono do posto de trabalho, não se conformando o Recorrente com a mesma. B - A sentença, pela deficiente formulação contém nulidades que, para além de dificultarem o legítimo exercício do direito ao recurso por parte do aqui Recorrente, têm de conduzir a decisão diferente. C - O A. impugna a douta sentença recorrida no tocante à parte relativa à matéria de facto provada e não provada, bem como na parte relativa ao direito aplicável à mesma. D - A douta sentença recorrida enferma de nulidades, desde logo por erro do douto tribunal, quer na apreciação dos factos e conclusões daí retiradas, quer na aplicação do direito aos mesmos, fundamentando a decisão numa incorreta apreciação da prova produzida. Pelo que a sentença está ferida de nulidade, porquanto são contraditórios os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, em clara violação ao estatuído no art. 615º nº 1 al. b) do CPC. E - A Sentença de que se recorre é ambígua, obscura, ininteligível e resulta da simples leitura da mesma essa falta de clareza, a existência de incongruências, contradições e omissões, o que determina a sua nulidade (violação ao estatuído no art. 615º nº 1 al. c) do CPC.). F - Retira-se da douta Sentença excesso de pronuncia por um lado e por outro lado omissão de pronuncia quanto à factualidade trazida a juízo, o que também determina a sua nulidade. (violação ao estatuído no art. 615º nº 1 al. c) do CPC.). G - Afirma o douto tribunal a quo, que alicerçou a sua convicção, quanto aos factos controvertidos, na análise crítica e conjugada da prova documental, da prova por depoimento de parte e da prova testemunhal, produzidas em audiência de julgamento, ponderadas à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade”, sem, contudo, especificar qual a documentação em concreto que lhe serviu de alicerce. Donde é bem patente a falta de fundamentação, a a consequente nulidade da sentença recorrida, por violação do previsto no art.º 154.º e n.º 4 do art.º 607.º do CPC. H - Da sentença recorrida consta matéria que vai muito além dos factos constantes do despacho saneador, nomeadamente a repetida alusão à natureza, ou ao alegado desconhecimento da natureza da doença do Recorrente. Sendo que para além de se tratar de matéria sigilosa, a natureza da doença de que padece o Recorrente em nada releva, para a decisão ou razão de ciência da decisão. I - Os certificados de incapacidade, que o Recorrente apresentou e que não foram postos em causa, pela Ré, atestam que o Recorrente padece de doença natural, que o incapacita, para o trabalhado, para a prestação da sua actividade profissional e que o mesmo teria de permanecer na sua residência, só podendo o doente ausentar-se do domicílio para tratamento. J - Pelo que a douta sentença recorrida, cai muito além do objecto dos autos, quando insiste em trazer à colação a natureza da doença de que padecia e padece o Recorrente, multiplicando afirmações como as que constam do presente recurso supra, e que foram transcritas das gravações das sessões de julgamento. K - Pelo que é nula a sentença por conter adjetivação desnecessária e por excesso de pronuncia art.º 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC. L - Igualmente no que concerne ao ponto 10 dos factos provados o douto tribunal a quo andou mal ao atribuir maior credibilidade aos depoimentos de umas testemunhas (maioritariamente testemunhas da R.), em detrimento do depoimento de outras, sem, contudo, fundamentar a razão de ciência porque o faz. Veja-se as transcrições dos depoimentos acima, as quais são completamente em sentido contrário da leitura feita pelo douto tribunal. M - O poder discricionário do Juiz só pode ser exercido nos casos em que a lei o consinta e com os limites e fins previstos na norma que o permite. Ora ficou provado que a R., aqui Recorrida, sabia que o A./Recorrente estava doente, incapacitado para o trabalho, que a situação de doença era conhecida de todos, Colegas, Chefia e Patrões, e que todos sabiam do seu estado de falta de saúde, da sua incapacidade para o trabalho, com proibição de se ausentar do domicílio. N - Ficou ainda provado que, em momento algum, o Recorrente manifestou vontade de deixar de trabalhar na empresa, conhecimento que é bem patente nos depoimentos da testemunhas acima transcrito, as quais não exitaram em afirmar que “ele vivia para o trabalho”. Pelo que, sendo a prova contrária à decisão, é nula a Sentença. O - Andou mal o douto tribunal a quo quando na motivação da decisão da matéria de facto estriba a sua convicção (pontos 18 e 19 dos factos provados) que a R. expediu a carta “Cessação do Contrato de trabalho” a 9/09/2022 e que o A. recebeu a referida carta em 14/09/2022, motivando a sua convicção no doc. N.º 8 junto com a contestação, pois, é notório que o documento junto pela Ré foi alterado, afigurando-se ter sido falsificado, e que, só por erro do tribunal pode ter sido considerado como prova. P - O douto tribunal estriba ainda a sua convicção no depoimento da testemunha BB, funcionária da Ré, depoimento que é completamente contraditório com o do A., quando na PI afirma (art.º 10.º) que recepcionou a carta apenas em 28 de setembro, o que é corroborado pelos testemunhos supra. Q - Em caso de duas versões contraditórias e na falta de prova documental credível, sempre teria de ser dada como não provada a data da receção da carta, ou oficiosamente, o douto tribunal deveria ter aferido da validade da prova, porquanto é do conhecimento do homem comum que a carta registada tem formalismo obrigatório, cuja prova não foi junta aos autos. R - A Douta Sentença deveria ter dado como provado que a referida carta foi recepcionada após deslocação do A. à empresa para entregar a justificação e de baixa de 17/08 a 15/09, o que lhe foi recusado pelo chefe. S - O douto tribunal na sua motivação (ponto 21) erradamente dá como provado que o A./ aqui Recorrente, não respondeu ao SMS que lhe foi enviado a 16/09/2022, o que não corresponde à prova feita em julgamento, onde, em resposta à Mm Juiz, o A. afirmou ter falado com o representante da R. - (07:27seg (...) falamos do assunto, tanto doença como baixa, e disse a ele, … vou aí levar a baixa pessoalmente … ele falou comigo e eu disse a ele pra semana minha filha folga e vou aí levar a baixa pessoalmente”. Pelo que, o douto tribunal tinha que dar como provado que o SMS foi respondido nessa chamada,com a garantia do Recorrente que iria entregar pessoalmente o justificativo de doença. T - O douto acórdão recorrido devia ter dado como provado que o A. se deslocou pessoalmente no mês de setembro às instalações da empresa para entregar a baixa de 17/08 a 15/09, em data anterior ao recebimento da carta de cessação do contrato de trabalho, pois, é isso que resulta das declarações do A. e demais testemunhos, acima transcritos. U - É contraditória a conclusão incita na motivação e a decisão tomada, porquanto os fundamentos estão em oposição à decisão. Sendo obscura e contraditória a sentença é nula, nos termos e para efeitos do estatuído na al. c) do nº 1 do artº 615.º do CPC. V - A sentença recorrida é ainda obscura, na medida em que o douto tribunal a quo, fundamenta os factos 18,19 e 20, baseando a sua convicção em factos inexistentes. Afirma o Douto Tribunal que quem recusou receber a baixa e falar com o A. quando este se se deslocação à empresa foi o Sr. CC, nome que nem sequer consta dos autos, desconhecendo-se completamente, a quem se refere a Mm juíza. Pelo que também, por obscura, é nula a sentença recorrida, por violação do art.º 615. N.º 1 al. c) do CPC. W - Há ainda contradição, quando erradamente a douta sentença recorrida, por um lado não justificou o motivo pelo qual o Recorrente não entregou mais cedo o justificativo da baixa para o período de 17/08 a 15/09, e por outro, no ponto 4 dos factos provados retira diferente conclusão “ A situação de doença não permitiu ao A. deslocar-se à empregadora ou mesmo aos correios para enviar o comprovativo de baixa”. Sendo esta razão desde logo suficiente para ser considerado um justo impedimento do Recorrente. X - Por contradição entre os factos provados e a fundamentação da sentença, ao abrigo do estatuído no art. 615º CPC é nula a sentença recorrida. Y - Resulta claro dos depoimentos das testemunhas, que a motivação da Recorrida para proceder ao despedimento (ilícito) do Recorrente não assenta no facto de o mesmo estar doente, ou de se ter atrasado a justificar as ausências, nem por falta de conhecimento do real estado e razão das ausências do trabalhador. Z - A Recorrida na sua contestação desde logo demonstrou estar na base do despedimento do recorrente motivos alheios aos que supra se elencam. AA - A Douta sentença tinha necessariamente de respeitar o que resulta do douto despacho proferido em 03-03-2023, a fls…“(…) considerando que o objecto dos presentes autos se cinge a saber se se verificavam ou não, os pressupostos para que a Ré pusesse termo ao contrato de trabalho, celebrado com o A. por abandono do trabalho. BB - O Douto Tribunal não poderia ir além desta matéria, deveria ter considerado absolutamente irrelevante a alegação contida nos articulados que em nada se relacione com esta temática - art,ç 410.º do CPC.”. Ao extravasar a matéria em causa nos autos, o douto tribunal feriu de morte a sentença recorrida, sendo a mesma nula por excesso de pronuncia. CC - O douto tribunal ao arrepio do que tinha fixado no despacho saneador veio a indagar matéria indicada pela Recorrida e recusada no referido despacho, a qual veio a dar causa ao despedimento ilícito. Tendo-se a douta sentença estribado em factos alheios ao objecto do processo e sobre os quais há muito havia caducado o direito de acção disciplinar pelos mesmos. DD - O aqui Recorrente nunca abandonou, nem abandonaria o posto de trabalho. Erra assim a douta sentença recorrida ao estribar-se e fundamentar a sentença recorrida dando como provado e motivando a sua decisão na falta de justificação do R., até porque as testemunhas falaram dos usos da empresa e facilitismo quanto a essa matéria. Assim, por contradição entre os factos provados e a fundamentação, a decisão é nula a sentença recorrida art.º 615.º CPC. EE - O que realmente se passou é que a Recorrida ao aperceber-se que o A./Recorrente, na sequência da doença e em especial do AVC, poderia ficar definitivamente diminuído para o exercício das suas funções, decidiu aproveitar-se do atraso na entrega do Certificado de Incapacidade para o trabalho, baixa, para o período de 17 de agosto a 15 de setembro de 2022, para o “descartar”, sem dó nem piedade, sem pré-aviso, ou sem enviar a notificação a que alude o n.º 3 do art.º 403.º do CT. FF - Não se encontram preenchidos os requisitos do art.º 403.º do CT, nem sequer a presunção estabelecida no nº. 2 do mesmo normativo. O Recorrente considera ter ilidido a mesma, quando, ao longo do julgamento, faz prova do seu estado de saúde, físico e mental, que o leva a ter esquecimentos e confusões, e que, por imposição médica, se encontrava de baixa, que mantem até hoje, não se podendo ausentar para proceder à entrega de justificativos. E provar que essa sua condição de saúde era do conhecimento de toda a Empresa e muito concretamente da Empregadora. GG - A douta sentença vai ao ponto de justificar a aplicação do art.º 403.º do CT no facto de o A., não ter informado que sofria de cancro, chegando aponto de subestimar a doença do A., referido à doença com “apenas” uma dor de costas. HH - Nunca os certificados de incapacidade juntos aos autos foram postos em causa ou impugnados pela R., nunca lhe foi questionado o seu conteúdo. II - Ficou provado que todos na Empresa sabiam o estado de saúde do Recorrente, desde o Chefe, Colegas e Patrões. Sabiam que se encontrava de baixa, e, nos termos exigidos pelo médico, impossibilitado de sair de casa e que o atraso na entrega de uma única declaração só a tal facto se deveu. JJ - Ficou provado que o mesmo estava e está com problemas de memória, mormente depois de sofrer AVC, motivo plausível para esquecimentos e baralhar datas. KK - Ficou provado que, em 25 anos de trabalho o trabalhador era assíduo, presente, zeloso, que só faltava por questões de doença, e que mesmo doente, se necessário, ia trabalhar, que nem na pandemia faltou, que ia sempre que fosse chamado, mesmo fora de horas, fins de semana e feriados. Em suma que vivia para o trabalho. LL - Ficou provado que a Recorrida, ao fim de 25 anos conhecia as características do trabalhador no que concerne a ser desorganizado com papéis o que sempre aceitou. Tendo resultado claro, dos depoimentos das testemunhas acima transcritos e que se dão por integralmente reproduzidos, que o A. foi despedido por motivos bem diversos do simples facto de se ter atraso a entregar uma baixa, ou do alegado abandono do trabalho. No dizer das testemunhas da R. “foi um acumular de situações ao longo dos anos… chegou a um limite” ( 15:14 e 37:12) - ( DD). MM - Ficou bastamente provado que o A nunca recebeu a comunicação a que alude o N.º 3 do art.º 403.º do CT, pelo que também por esse motivo, não podia concluir pelo abandono do posto de trabalho sendo o despedimento ilícito. Atente-se à jurisprudência maioritária, no sentido de considerar que não houve abandono do posto de trabalho por falta dos pressupostos objectivo e subjctivo, como no caso sub judice, a titulo de mero exemplo vejam-se os Acordãos v.d. AC. acórdão de 26 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 499/10.7TTFUN.L1.S1[8 ; Acórdão da Relação de Évora de 14 de julho de 1998; Foi ainda decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/12/2019 Proc. n.º 5117/18.2T8VIS.C1 www.dgsi.pt A nível doutrinário: Maria do Rosário Palma Ramalho; o Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes;João Leal Amado “in” RLJ, Ano 139º, Março-Abril de 2010, nº 3961, págªs 235 a 241. NN - Não estando preenchidos os pressupostos do art.º 403.º do CT, contrariamente à interpretação feita na douta decisão, não houve por parte do A/Recorrente abandono do posto de trabalho. - É jurisprudência assente que: “O simples facto de um trabalhador dar um número elevado de faltas não constituiu por si só abandono do posto de trabalho. É necessário que, nesse comportamento, ocorra dolo ou culpa grave e uma clara intenção de não regressar ao trabalho, sendo que a culpa do trabalhador deve ser considerada em concreto e não em abstrato e a intenção tem de ser clara e declarada pelo próprios” Vd. AC. Relação de Lisboa , 30.03 1980, in BMJ, 300”. - Entende a doutrina e a jurisprudência maioritária que não há dolo, nem culpa grave, se as faltas foram dadas por doença, sendo admissível que a própria natureza da doença seja causa de esquecimento, devendo ser dadas como justificadas as faltas dadas com o conhecimento do superior hierárquico. OO - Da prova produzida, não resulta em momento algum a intencionalidade de o A. não retomar o trabalho, não existindo no caso concreto o animus extintivo, nem foi feita prova ao longo do julgamento de factos que permitissem concluir nesse sentido, quer objectiva, quer subjctivamente. Pelo que é nula a sentença por errada interpretação dos factos ao direito aplicável. A única decisão justa, adequada e condizente com a matéria provada em julgamento era declarar o despedimento ilícito. PP - A douta sentença recorrida lança indevidamente mão do art.º 228.º do CT, olvidando, que não o pode fazer, porque o mesmo se aplica a faltas injustificadas e que, para despedimento ao abrigo desse normativo legal a empregadora teria de começar imperativamente por instaurar um processo disciplinar ao trabalhador, o que não fez. QQ - A sentença é ainda nula por omissão de pronuncia, quando o Douto Tribunal não se pronuncia sobre matéria que o Recorrente alegou na sua PI (art.º 12 e seguintes), referentes à invalidade do despedimento por preterição de formalismos essências, como sejam a instauração de processo disciplinar. RR - Não fazendo o douto tribunal a quo alusão à falta de processo disciplinar, configura a mesma omissão de pronuncia, o que determina a nulidade da sentença art.º 615.º n.º 1 al. d) CPC. SS - A douta sentença recorrida errou, ainda, ao dar como não provado o constante da alínea G) dos factos não provados, quanto às consequências lesivas provocadas pela Ré na saúde psicológica do A./Recorrente, pela forma como foi tratado após 25 anos de prestação de trabalho, sem, como atesta a Ré no Certificado de Trabalho entregue ao Recorrente “… nada constar em seu desabono”. TT - Quanto a esta matéria ficou provado pelos depoimentos dos familiares supratranscritos, e que o Douto Tribunal a quo não valorou que o despedimento ilícito de que o Recorrente foi alvo provocaram alterações (para pior) no seu comportamento, deixando-o mais stressado e ansioso. Acrescentando a irmã EE, a qual foi peremptória ao afirmar que o A. partilhou consigo, que não esperava que as coisas terminassem assim após tantos anos de trabalho na empresa. UU - Face ao que não podia, em bom rigor, a Mm juíza ter concluído que não lhe foi possível fazer prova de que o A. se sentiu humilhado e revoltado com o fim do contrato laboral. VV - Face à prova produzida resulta claro que o A. entrou em depressão, perdeu a alegria, sentiu-se revoltado, passou a ficar deitado e apático, pela forma que foi descartado ao fim de uma vida de trabalho e dedicação à empregadora com grave prejuízo para a sua vida pessoal. WW - O douto tribunal fez tabua rasa das declarações prestadas pelas testemunhas do Recorrente quanto a esta matéria, pelo que mais uma vez a decisão é nula por omissão, falta de fundamentação e erro na apreciação da prova. XX - Errou assim a douta sentença ao fazer uma má apreciação da prova e fazer errada aplicação do direito quando considera que a empregadora não deu causa a qualquer dano não patrimonial, entendendo não se encontrarem preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual constantes do art.º 483.º CC, o que determina a nulidade da sentença recorrida. YY - Por todo o supra explanado claro se torna que a douta sentença contem erros e vícios , sendo obscura e ambígua, o que a torna ininteligível, é contraditória, deixou de se pronunciar sobre factos de que devia ter tido conhecimento e pronunciando-se sobre ele, é omissiva por u, lado e pronuncia-se em excesso por outro, fez errada interpretação da matéria de facto e sua aplicação ao direito, numa clara violação do estatuído no art.º 615.º N.º 1 al. b) a. e) CPC, o que determina a nulidade da sentença recorrida. ZZ - Da prova produzida, se devidamente fundamentada e aplicada ao direito deveria a douta sentença recorrida ter concluído pela inexistência dos pressupostos do abandono do trabalho e decidir pela ilicitude do despedimento conforme art.º 381.º CT. Com as legais consequências, art.º 389.º ss CT., O que se requer seja decidido por V. Ex.as Venerandos Desembargadores.»
A R. apresentou resposta ao recurso do A., pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência daquele.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem de precedência lógica:
- nulidade da sentença;
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- despedimento ilícito do A. pela R. e respectivas consequências.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1. O A. foi admitido em 1 de Maio de 1997, para prestar a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da R.
2. O A. foi admitido com a categoria de mecânico de Frio e Ar Condicionado, auferindo o montante de € 1419,00 (mil quatrocentos e dezanove euros) /mês e o montante mensal variável dependendo do pagamento de horas extraordinárias.
3. O A. esteve de baixa médica por doença natural, com “Incapacidade Temporária para o Trabalho”, durante o período de 6.7.2022 – 17.7.2022, situação que foi prorrogada pelos seguintes períodos: 16.07.2022 – 16.08.2022, 17.08.2022 - 15.09.2022 e 16.09.2022 – 15.10.2022.
4. A situação de doença não permitiu ao A. deslocar-se à empregadora ou mesmo aos correios para enviar o comprovativo de baixa.
5. O A. faltou no dia 6 e no dia 7 de Julho de 2022, sem prestar esclarecimento à R. sobre a sua ausência.
6. No dia 8 de Julho de 2022, depois de ser contactado pela chefia via WhatsApp, o A. enviou, pela mesma via, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, emitido em 7/07/2022 e que contemplava baixa médica por doença natural, entre 6/07/2022 e 17/07/2022, conforme documento 6 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, de onde consta:
“- Boa tarde AAentão que se passou, está melhor?
8 de Julho:
- (certificado de incapacidade anexo) Bom dia.
- Bom dia, está melhor?
- Sim estou medicado, obg
7. No dia 20 de Julho, perante a sua ausência, o A. foi contactado pela R., tendo informado que estava de baixa.
8. No dia 20 de Julho de 2022 o A. enviou à R., via WhatsApp, o certificado de incapacidade temporária emitido em 18/07/2022 e que contemplava a prorrogação de baixa por doença natural, entre 18/07/2022 e 16/08/2022.
9. Nenhum esclarecimento adicional foi enviado à R. pelo A..
10. Os certificados de incapacidade temporária descritos em 5) e 6) foram, posteriormente, entregues à R. pelo trabalhador FF.
11. O último contacto, via WhatsApp, entre A. e R., ocorreu no dia 22 de Julho de 2022.
12. O último contacto entre o A. e a R. foi através de chamada telefónica realizada pela R., cerca de duas semanas após a mensagem do dia 22 de Julho, onde o A. informou que continuava doente.
13. Desde o dia 6 de Julho de 2022 o A. não mais compareceu no local de trabalho.
14. Após o contacto descrito em 12) o A. não realizou mais nenhum contacto nem prestou qualquer informação à R..
15. A R. não tinha conhecimento de qual doença padecia o A..
16. Os colegas de trabalho sabiam que o A. estava doente, não tendo conhecimento da doença da qual o A. padecia.
17. O A. possuía um número de telemóvel fornecido pela R. através do qual comunicava com a mesma.
18. No dia 9/09/2022 a R. enviou ao A. uma carta, registada com aviso de recepção (junta com a petição inicial a verso de fls. 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzida) de onde consta: “Assunto: cessação do contrato de trabalho Exmo. Senhor, Estando a faltar ao trabalho desde o dia 16 de agosto de 2022, sem que nos tenha apresentado qualquer justificação para o facto, consideramos nos termos do artigo 403.º, do Código do Trabalho, que abandonou o trabalho. Pelo que, vimos por meio desta, informá-lo da cessação imediata da nossa relação de trabalho com efeitos a partir daquela data. Mais informamos que estão desde já à sua disposição na sede da empresa as suas contas finais. Sem mais de momento, somos com consideração. A gerência.”
19. A carta descrita em 18) foi recepcionada pelo A. no dia 14/09/2022.
20. O A não respondeu ao aviso de desactivação de número de telefone enviado via SMS a 16/09/2022 pela R.
21. Em Setembro de 2022, em data não concretamente apurada, mas após 14 de Setembro, o A. dirigiu-se às instalações da R., acompanhado da filha, GG, a fim de entregar um certificado de incapacidade temporária referente a um período não concretamente apurado.
22. O A. não deu nenhuma explicação à R. para o facto de não ter apresentado o certificado de incapacidade temporária relativo ao período de 17.08.2022 - 15.09.2022.
23. A R., na pessoa de HH, recusou receber o certificado de incapacidade temporária na circunstância descrita em 21).
24. O A., a partir de 27 de Setembro de 2022, passou a enviar à R., por carta registada com aviso de receção, os certificados de incapacidade temporária relativamente ao período de 17/08/2022 em diante.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
A. O A. encontra-se de baixa médica por doença oncológica, “Incapacidade Temporária para o Trabalho”, desde 17/08/2022, até 15/09/2022.
B. O A. comunicou telefonicamente que se mantinha de baixa durante o período de 17/08/2022 – 15/09/2022.
C. O A. não comunicou as faltas, verbalmente ou através de meios de comunicação eletrónica, em momento anterior por impossibilidade provocada pelo seu estado de saúde.
D. Em 26 de Setembro de 2022, o A. deslocou-se pessoalmente à empregadora para entregar o Certificado de Incapacidade.
E. A R. recusou-se a receber o comprovativo de baixa médica, Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, referente ao período de 16-09-2022 até 15-10-2022, dizendo ao A. que aguardasse uma carta que lhe havia sido enviada.
F. O A. recebeu a carta de cessação do contrato de trabalho a 27 de Julho de 2022.
G. O A. sente humilhação e revolta pela forma como foi tratado após 25 anos de prestação de trabalho.
3.3. Importa, em 1.º lugar, saber se a sentença está ferida de alguma nulidade, conforme o Recorrente sustenta.
Não obstante o despacho de aperfeiçoamento, o Apelante manteve conclusões longas, prolixas e confusas, designadamente retirando de todos os seus argumentos relativos à impugnação da fundamentação de facto e de direito a pretensa consequência de que a sentença é nula nos termos do art. 615.º do CPC, o que, desde logo, indicia uma grande confusão entre nulidades e erros de julgamento.
Com efeito, estabelece o n.º 1 do art. 615.º do CPC que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
O Apelante argui as nulidades a que se referem as alíneas b), c) e d), invocando contradições, obscuridades e ambiguidades a nível da fundamentação de facto e de direito, falta de fundamentação da matéria de facto, omissão e excesso de pronúncia quanto a factos e omissão de pronúncia sobre a ilicitude do despedimento por falta de procedimento disciplinar.
Ora, no que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b), sublinha-se que, como diz Fernando Amâncio Ferreira1, “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro2, afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.
Compulsada a sentença, constata-se que nela se mostram discriminados os factos considerados provados, os factos considerados não provados, a motivação que baseou a convicção subjacente à decisão respectiva e os fundamentos de direito, o que basta para que não ocorra a nulidade apontada, nos sobreditos termos.
Quanto à nulidade a que respeita a alínea c), a contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a extrair, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Trata-se duma contradição lógica, que também aqui se distingue do erro de julgamento, o qual se reporta a uma errada consideração dos factos como provados ou não provados, ou a uma errada subsunção destes ao direito aplicável. Quando o entendimento do juiz, embora errado, é expresso na fundamentação, ou dela decorre, e do mesmo é retirada uma conclusão conforme, não ocorre a oposição lógica geradora de nulidade da sentença, mas sim erro de julgamento3.
Por outro lado, como ensina José Alberto dos Reis, “[a] sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”4. Não obstante, como resulta expressamente da norma em análise, só releva como causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, e não também a que afecte apenas a fundamentação. A ininteligibilidade da parte decisória da sentença ocorre quando um declaratário normal não possa retirar da mesma um sentido unívoco, ainda que por recurso à fundamentação para a interpretar5.
Ora, o tribunal recorrido assumiu na sentença uma linha de argumentação de facto e de direito que apontava no sentido da absolvição da R. do pedido e foi precisamente essa a decisão que proferiu em conclusão, a qual, por outro lado, é clara e inequívoca, pelo que não se verifica qualquer contradição ou obscuridade ou ambiguidade que integre nulidade.
Finalmente, no que respeita à nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia, prevista na alínea d), está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão ou excesso de pronúncia sobre «questões», como tal se entendendo os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a errada consideração de factos ou linhas de fundamentação jurídica6.
Retornando à situação dos autos, verifica-se, conforme Relatório supra, que o A. assentou o seu pedido de condenação da R. nas consequências previstas legalmente para o despedimento ilícito na invocação injustificada pela R. de abandono do trabalho pelo A. e que a R. assentou a sua defesa na alegação dos requisitos formais e materiais de tal causa de cessação do contrato de trabalho, sendo essa a questão apreciada pelo tribunal no sentido da licitude da conduta da R., ficando, pois, obviamente prejudicada a verificação de despedimento ilícito por quaisquer razões formais ou materiais.
Em suma, a decisão do tribunal a quo é a conclusão lógica dum conjunto de fundamentos de facto e de direito que o mesmo invocou, interpretou e apreciou como demonstrativos de que o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho pelo A., estando a absolvição da R. do pedido em inteira conformidade com tal entendimento e enunciada em termos claros e isentos de qualquer obscuridade ou ambiguidade.
Em face do exposto, não ocorre na sentença falta absoluta de fundamentos, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, nem os mesmos estão em oposição com a decisão, nem esta é ininteligível, e nem o juiz deixou de pronunciar-se sobre a alegada cessação do contrato de trabalho por abandono pelo trabalhador, que expressamente considerou verificar-se, prejudicando a ocorrência de despedimento ilícito.
Concluindo, os vícios invocados pelo Recorrente não constituem causa de nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b), c) e d) do CPC, sendo certo que, como já se referiu, esta não se confunde com erros de julgamento quanto aos factos ou ao direito de que a mesma possa padecer.
3.4. Cumpre apreciar, então, a impugnação que o Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do CPC, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Resulta, por seu turno, dos arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1 do CPC que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, devendo ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.
Por outro lado, decorre do art. 635.º, n.º 4 do mesmo diploma que, nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Finalmente, com relevância para o caso, o art. 640.º do mesmo Código, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Retornando ao caso dos autos, das conclusões do recurso decorre que o Apelante discorda dos termos da fundamentação da convicção do tribunal recorrido em vários trechos, nomeadamente quanto ao ponto 10 da factualidade provada, sem, contudo, afirmar que pretende a alteração deste ou de quaisquer outros concretos pontos de facto para além dos n.ºs 18), 19) e 21) da factualidade provada e da alínea G) da factualidade não provada.
Ora, consta provado sob os n.ºs 18), 19) e 21) que:
18. No dia 9/09/2022 a R. enviou ao A. uma carta, registada com aviso de recepção (junta com a petição inicial a verso de fls. 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzida) de onde consta: “Assunto: cessação do contrato de trabalho Exmo. Senhor, Estando a faltar ao trabalho desde o dia 16 de agosto de 2022, sem que nos tenha apresentado qualquer justificação para o facto, consideramos nos termos do artigo 403.º, do Código do Trabalho, que abandonou o trabalho. Pelo que, vimos por meio desta, informá-lo da cessação imediata da nossa relação de trabalho com efeitos a partir daquela data. Mais informamos que estão desde já à sua disposição na sede da empresa as suas contas finais. Sem mais de momento, somos com consideração. A gerência.”
19. A carta descrita em 18) foi recepcionada pelo A no dia 14/09/2022.
21. Em Setembro de 2022, em data não concretamente apurada, mas após 14 de Setembro, o A. dirigiu-se às instalações da R., acompanhado da filha, GG, a fim de entregar um certificado de incapacidade temporária referente a um período não concretamente apurado.
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: «O vertido nos factos 18, 19 e 20 resultou provado da conjugação da carta de cessação do contrato de trabalho enviada ao Autor a fls. 9 verso (junta com a petição inicial), do seguimento do correio de fls. 38 (documento 8 junto com a contestação) e do depoimento da testemunha BB que procedeu ao envio da respetiva carta bem como acompanhou o seguimento da mesma por correio tendo clarificado a data do envio, a tentativa de entrega e a data que foi efetivamente entregue bem como o procedimento que realizou, ao enviar um SMS a informar que o número de telemóvel atribuído ao Autor seria desativado uma vez que já teria cessado a relação laboral. Tal depoimento vai de encontro com o plasmado no documento de fls. 37, onde se verifica tal SMS enviado a 16 de setembro de 2022. Relatou ainda que o Autor não respondeu a mensagem enviada. No seu depoimento de parte o Autor relatou que foi as instalações da Ré em agosto de 2022, acompanhado da sua filha GG, não sabendo concretizar a data correta, para entregar a baixa relativa ao período da segunda quinzena de julho e a primeira quinzena de agosto de 2022. O Autor demonstrou alguma dificuldade em comunicar-se (o que se depreende ser devido ao facto de o mesmo ter sofrido um AVC em fevereiro de 2023) e alguma confusão em relação às datas o que se verifica na medida em que a baixa a que o mesmo fez alusão já tinha sido entregue a Ré tanto pelo WhatsApp como em mãos pelo trabalhador FF pelo que não haveria sentido que o Autor se deslocasse a empresa para fazer a entrega do certificado de incapacidade referente aquele período. Embora questionado mais de uma vez sobre qual seria o período a que o certificado que foi entregar dizia respeito, o Autor repetiu sempre o mesmo período (de 16 de julho a 16 de agosto) – o que é demonstrativo de alguma confusão. Mais relatou que o senhor CC não aceitou receber a baixa, tendo recusado sem qualquer justificação. Já GG, filha do Autor, referiu ter se deslocado com o pai às instalações da Ré em agosto de 2022, entre os dias 16 e 18 de agosto, afirmando ter certeza desta data pois tinha sido coincidente com a sua folga no trabalho e que o certificado que foram entregar dizia respeito a baixa que começava a 15 de agosto. Referiu não ter visto o documento quando o pai foi entregar à Ré, mas que verificou o mesmo depois de chegarem a casa. Contudo, do certificado de incapacidade referente ao período de 17.8.2022 – 15.9.2022 resulta que o mesmo foi emitido apenas a 19.08.2022 e quando confrontada, em sede de audiência de julgamento, com tal documento a testemunha referiu que seria possível ter feito confusão e terem ido entregar a baixa anterior na medida em que a data de emissão deste certificado de incapacidade era posterior ao dia da sua folga pelo que não poderiam ter ido entrega-lo. Já II, companheira do Autor e EE, irmã do Autor, não souberam concretizar quando o Autor teria ido às instalações da Ré e a que período o certificado de incapacidade dizia respeito, tendo apenas conhecimento de que a Ré recusou a rececionar tal documento e referindo que tal recusa teria sido anterior ao recebimento da carta da cessão do contrato de trabalho pelo Autor. Contudo, houve incongruências relativamente ao depoimento destas duas testemunhas. EE referiu que sabia que o Autor se comunicava com a empresa através do WhatsApp e que teria enviado baixas por essa via, tendo este conhecimento por ter sido a companheira do Autor a lhe dizer. Já a companheira do Autor referiu que não tinha conhecimento se o Autor comunicava com a empresa através do WhatsApp e não sabia se o Autor teria enviado as baixas a empresa por esta via. Por outro lado, o que o foi invocado pelo Autor na petição inicial (artigos 7.º e 8.º) foi que “E em 26 de Setembro de 2022, o A. logo que lhe foi possível, ou seja, logo que a saúde lhe permitiu, deslocou-se pessoalmente à empregadora para entregar o Certificado de Incapacidade. A Empregadora aqui R. recusou-se a receber o comprovativo de baixa médica, certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, referente ao período de 16-09-2022 até 15-10-2022”. Ora, face a tais incongruências e discrepâncias o Tribunal não considerou credível a versão apresentada pelo Autor e pelas testemunhas arroladas pelo mesmo de que teria ido às instalações da Ré no mês de agosto, antes de ter rececionado a carta de cessação do contrato de trabalho. Por outro lado, as testemunhas JJ, KK e BB referiram que apenas após já ter sido enviada a carta de cessação do contrato de trabalho o Autor compareceu nas instalações da Ré a fim de entregar um certificado de incapacidade em falta. A testemunha BB explicou que não sabia concretizar a data correta mas que teria sido após o dia 14 de setembro uma vez que estava presente neste dia e sabia que tinha sido após a entrega da carta de cessação do contrato de trabalho pois como tinha feito o envio da carta estava a cuidar do seu rastreio através da internet para averiguar a data da entrega e que quando o Autor compareceu nas instalações da Ré a respetiva carta já teria sido entregue. Esta última testemunha referiu ainda que o Autor teria falado com o senhor HH e que o mesmo recusou receber o certificado de incapacidade, o que foi referido também pelo Autor e pela testemunha KK. Da concatenação de todos estes depoimentos e sopesando o facto de que a versão apresentada pelo Autor possuir uma série de discrepâncias em contraponto a versão apresentada pela Ré e testemunhas por si arroladas que foi apresentada de forma coerente, sem contradições e sendo verossímil de acordo com o seguimento lógico dos factos bem como as datas constantes dos certificados de incapacidade temporária, registos do correio e troca de mensagens juntos aos autos, o Tribunal deu como provadas as circunstâncias descritas em 21 e 23.»
O Recorrente entende que deveria ter sido dado como provado que a carta referida foi recepcionada após o A. se ter deslocado à empresa para entregar a justificação da baixa de 17/08 a 15/09, o que lhe foi recusado pelo chefe.
Invoca para tanto os documentos 3 junto com a p.i. e 8 junto com contestação, bem como os depoimentos do A. e das testemunhas BB, II e EE, nas passagens assinaladas.
No entanto, sem qualquer razão.
Com efeito, o A. alegou na petição inicial: «6.º Porque a situação de doença não permitiu ao A. deslocar-se à empregadora ou mesmo aos correios para enviar o comprovativo de baixa, nem no dia 16, sexta-feira, nem nos dias subsequentes, o A. comunicou telefonicamente que se mantinha de baixa. 7.º E em 26 de Setembro de 2022, o A. logo que lhe foi possível, ou seja, logo que a saúde lhe permitiu, deslocou-se pessoalmente à empregadora para entregar o Certificado de Incapacidade. 8.º A Empregadora aqui R. recusou-se a receber o comprovativo de baixa médica, Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho,referente ao período de 16-09-2022 até 15-10-2022, dizendo ao A. que aguardasse uma carta que lhe havia sido enviada. (v.d. Doc. N.º 2) 9.ºNo dia 27 de setembro o A. enviou à R., sua empregadora, o comprovativo de baixa, Certificado de Incapacidade Temporária para o trabalho, por carta registada com aviso de recepção (Cfr. print da pagina dos CTT que aqui se junta e que para todos os efeitos legais se dá por integralmente reproduzido- Doc N.º 3). 10.º No mesmo dia 27 de setembro o A. é surpreendido com uma carta registada com aviso de recepção enviada pela empregadora, cujo conteúdo sumariamente se transcreve infra (Cfr. Doc que se junta e que para todos os efeitos legais aqui se dá por integralmente reproduzida – Doc N.º 4) 11.º Na referida carta é indicado em assunto: Cessação do Contrato de trabalho (v.d Doc. N.º 4).»
Conforme o A. confessa, o documento 3 refere-se ao envio postal por aquele, no dia 27 de Setembro, do certificado de incapacidade temporária referente ao período de 16/09/2022 a 15/10/2022, que o A. tentou entregar pessoalmente na R. no dia 26 de Setembro, tendo-lhe sido recusado.
Por outro lado, a carta da R. a invocar o abandono de trabalho, junta pelo A. com a p.i. como documento 4, está datada de 9/09/2022 e o documento 8 junto com a contestação e o print informático dos CTT e aviso de recepção devidamente assinado juntos com o requerimento da R. de 3/07/2023 demonstram inequivocamente que tal carta foi enviada naquela data e recebida pelo A. no dia 14/09/2022, factos confirmados pelos depoimentos prestados nos termos constantes da sentença pois as passagens invocadas pelo Apelante são completamente descontextualizadas e inconcludentes por si sós.
Em face do exposto, de modo algum os meios de prova invocados pelo Recorrente impõem decisão diferente quanto aos pontos 18), 19) e 21) da factualidade provada.
No que concerne à alínea G) da matéria de facto, constata-se que o tribunal considerou não provado que: O A. sente humilhação e revolta pela forma como foi tratado após 25 anos de prestação de trabalho.
Sendo certo que fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: «Quanto ao vertido no facto G, as testemunhas GG, II, FF e LL, relativamente ao estado de espírito do Autor após a cessação do vínculo laboral, referiram que o Autor não exteriorizou qualquer tipo de sentimento por ser da personalidade dele não partilhar os sentimentos e/ou preocupações e que embora tenham notado alterações no seu comportamento, que estava mais estressado e ansioso, que tais teriam que ver também com seu estado de saúde. Apenas a irmã do Autor, EE, referiu que o Autor partilhou não esperar que as coisas terminassem assim após tantos anos de trabalho na mesma empresa. Ora, nenhuma destas testemunhas associou diretamente que o Autor tenha se sentido humilhado ou revoltado pelo fim do vínculo laboral pelo que tal não resultou provado, nem mesmo o Autor.»
O Apelante invoca estes depoimentos nas passagens também referidas pelo tribunal, nada acrescentando de útil quanto aos mesmos, sendo certo que os documentos clínicos juntos aos autos não fazem qualquer referência ao estado emocional do A. decorrente da sua situação profissional.
Assim, também nesta parte se tem de concluir que os meios de prova invocados pelo Recorrente não impõem decisão distinta da proferida pelo tribunal recorrido.
Improcede, pois, o recurso no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.5. Importa, assim, decidir se, em face da factualidade provada, deve entender-se que ocorreu o despedimento ilícito do A. pela R., em virtude de não ter sido validamente invocado por esta o abandono do trabalho pelo A., como sustenta o Apelante.
Estabelece o art. 403.º do Código do Trabalho:
Abandono do trabalho
1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 - O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
4 - A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 - Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.
No caso dos autos, cabe ainda ter em conta que, nos termos do art. 296.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.
Acrescenta o art. 297.º que, no dia imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade.
O art. 295.º, por seu turno, esclarece, além do mais, que durante a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho (n.º 1), a suspensão não obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais (n.º 3) e, terminado o período de suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho (n.º 4).
Releva ainda para a situação dos autos o disposto no Código do Trabalho quanto a faltas, nomeadamente:
Artigo 253.º
Comunicação de ausência
1 - A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias.
2 - Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível.
(…)
4 - A comunicação é reiterada em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
5 - O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada.
Artigo 254.º
Prova de motivo justificativo de falta
1 - O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável.
2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, centro de saúde, de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, ou ainda por atestado médico.
(…)
Do citado art. 403.º decorre que são dois os elementos constitutivos do abandono do trabalho:
- um elemento objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado;
- um elemento subjectivo, traduzido na intenção de não retomar o serviço, ou seja, na intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Em suma, antes de mais, é suposto que o trabalhador esteja numa situação de faltas injustificadas, seja por carência de motivo atendível, seja por falta de comunicação, mas, ainda, é também necessário que o trabalhador assuma um comportamento concludente, no sentido de evidenciar que, de facto, quis pôr termo ao contrato de trabalho, embora sem proceder a uma declaração expressa nesse sentido junto do empregador.
No entanto, através da presunção de abandono do trabalho estabelecida no n.º 2 do preceito em análise, cuja base consiste na falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, o legislador veio libertar o empregador de provar o elemento subjectivo, pois, invocados tais elementos da presunção de abandono pelo empregador, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador, nos termos do n.º 3, passa a incumbir ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
Já esta comunicação prevista no n.º 3 não integra um facto constitutivo da denúncia do contrato por abandono do trabalho, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.
Vejamos como a sentença recorrida apreciou a situação dos autos nas suas especificidades: «Ora, daqui resulta claro que o legislador passou a prever a necessidade de se renovar a comunicação e justificação da ausência mesmos nos casos em que o contrato esteja suspenso por força daquelas ausências. Assim, no caso sub judice, competia ao Autor comunicar a Ré as renovações da baixa médica e entregar os respetivos certificados de incapacidade temporária para o trabalho mesmo vigorando a suspensão do contrato de trabalho. Resulta então que o Autor esteve ausente do local de trabalho mais de 10 dias úteis seguidos, que não justificou ou comunicou a Ré o motivo de tal ausência e que era obrigado a fazê-lo. Ainda assim, cabe questionar se deveria a Ré conhecer o motivo da ausência do Autor. Nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.12.2019, processo n.º 5117/18.2T8VIS.C1 “Não há abandono de trabalho quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de o trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho; e, havendo este conhecimento, tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2 do artigo 403º do Cód. do Trabalho.” Vejamos: De acordo com a matéria de facto provada a Ré não tinha conhecimento da doença em concreto de que padecia o Autor, tendo apenas informação de que o mesmo teria uma dor nas costas, tal como os colegas de trabalho do mesmo, não tendo conhecimento de nenhuma informação adicional acerca do estado de saúde do Autor. Ora, de acordo com as regras da experiência comum e de acordo com o homem médio não é de se esperar que, face a pouca informação que possuía, a Ré soubesse ou devesse saber o motivo da ausência do Autor uma vez que não sabia se o Autor continuava doente, se a dor nas costas era devido a alguma causa permanente, de que forma o afetava, se ainda se mantinha, se era uma doença que daria direito a baixa médica ou não. Diferente seria se o Autor de facto sofresse de doença oncológica uma vez que ninguém se recupera de uma doença desta gravidade da noite para o dia pelo que seria expectável que, ao não comparecer, e tendo estado de baixa médica anteriormente por esse motivo, a ausência do Autor se devesse não a vontade daquele mas antes a sua situação de saúde. No entanto, não foi isto que se verificou. Embora tenha sido alegado pelo Autor que o mesmo teria uma doença oncológica não foi feita qualquer prova nesse sentido e tão pouco que a Ré soubesse das exatas condições de saúde do Autor. Assim, não se pode exigir que face a ausência e a falta de comunicação e informação por parte do Autor que a Ré devesse saber do motivo de tal ausência. De facto, não compete à empregadora diligenciar por averiguar junto de cada trabalhador ausente ao serviço o motivo para tal ausência. Compete sim ao trabalhador, justificar porque não comparece ao serviço nos termos a que se obrigou aquando da celebração do contrato de trabalho. Assim, a Ré não conhecia nem tinha a obrigação de conhecer o motivo da ausência do Autor. Já no que diz respeito a vontade do trabalhador de colocar fim ao vínculo laboral, isto é, ao animus extintivo, o Supremo tribunal de Justiça, como já supra referido, tem defendido que para que um facto seja havido como ‘concludente’ da vontade de não retomar o serviço, por banda do trabalhador, não se mostra necessário que o sentido que dele se extrai haja sido representado pelo respetivo agente, ou seja, tal concludência de um comportamento deve determinar-se ‘de fora’, ‘objetivamente’. No caso dos autos, não tendo o Autor apresentado o certificado de incapacidade correspondente ao período de 17.08.2022 – 15.09.2022 (como fez relativamente aos períodos anteriores), não comparecendo ao serviço nem apresentado qualquer justificação permite concluir que esta factualidade, em termos objetivos, evidencia que o trabalhador abandonou o trabalho. Assim, encontravam-se verificados os requisitos necessário para que produzisse efeitos a presunção prevista no artigo 403.º, n.º 2 do Código do Trabalho.»
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que as concretas circunstâncias do caso sub judice conduzem a diferente conclusão.
Na verdade, nos termos dos acima transcritos arts. 253.º e 254.º do Código do Trabalho, o trabalhador tem a obrigação de comunicar ao empregador as ausências ao trabalho (tendo de provar o facto invocado para a justificação, em prazo razoável, apenas se o empregador o exigir), sob pena de as mesmas serem consideradas injustificadas, designadamente para efeitos disciplinares, mediante instauração do competente procedimento, mas, para que não opere a presunção de abandono do trabalho, basta que o empregador esteja por qualquer meio ou modo informado do motivo da ausência.
Assim, como se reconhece na sentença, uma vez que a presunção a que alude o n.º 2 do art. 403.º do Código do Trabalho só se estabelece se se provar que, para além da falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, o empregador não foi informado do motivo da ausência, a mesma não opera quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência do trabalhador se deve a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho.
Ora, resulta com interesse da factualidade provada que o A. entrou de baixa médica, por doença natural, só podendo ausentar-se de casa para consultas e tratamentos, de 06/07/2022 a 15/10/2022, nunca mais tendo comparecido ao trabalho, que só informou a R. do motivo da ausência e só entregou os atestados médicos respeitantes aos períodos de 06/07/2022 a 17/07/2022 e de 18/07/2022 a 16/08/2022 após ter sido contactado pela R., respetivamente em 8 e 20 de Julho de 2022, que através de chamada telefónica realizada pela R., cerca de duas semanas após uma mensagem no dia 22 de Julho (logo, por volta de 5 de Agosto), o A. informou que continuava doente, e que os colegas de trabalho sabiam que o A. estava doente, embora nem eles nem a R. tivessem conhecimento da doença da qual o A. padecia, não sendo, pois, certo que conste como provado que aqueles e esta apenas sabiam que se tratava duma mera dor nas costas (ao contrário do afirmado na sentença).
Assim, concorda-se inteiramente com o Parecer do Ministério Público na parte em que afirma: «Ao deitar mão da presunção de que o trabalhador, com a sua ausência, mais não queria que fazer cessar o contrato (art. 403º nº 2 do CT), sem mais e sem se certificar, ou pelo menos tentar fazê-lo, de que assim era, o que justificaria que lançasse mão de tal presunção com segurança (ver Ac. do TRL de 20.03.2024, Proc. nº 8073/23.1T8LSB.L1), a apelada correu o risco de ver aquela presunção ilidida. Risco esse, tanto maior, quando sabia da existência de doença que afetava o apelante (seu trabalhador há 25 anos) e que lhe tolhia a liberdade de sair de casa, que este só depois de contatado entregou os dois primeiros atestados médicos, e que na empresa era sabido que estava doente, muito embora se desconhecesse a doença, o que levava mais depressa a presumir que se encontraria doente do que pretendia fazer cessar o contrato. Ao não ter sequer tentado contatar o apelante (apesar de lhe ter fornecido telefone), após o início de agosto de 2022, a apelada não fez tudo o que estava ao seu alcance para confirmar a verificação daquele risco, quanto mais não fosse para acautelar que a presunção não viesse a ser ilidida.»
Efectivamente, sabendo a R. que o A., com uma antiguidade de 25 anos, estivera ausente por doença desde 06/07/2022, só podendo ausentar-se de casa para consultas e tratamentos, que só comunicara o motivo da ausência e só entregara os 2 atestados médicos justificativos das faltas, até 16/08/2022, após ter sido contactado pela R. em 8 e 20 de Julho de 2022, respectivamente, e que através de chamada telefónica realizada pela própria R., por volta de 5 de Agosto, o A. informara que continuava doente, é de concluir que a R. tinha a obrigação de conhecer que a ausência do trabalhador se devia a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho, pelo que o dever de lealdade que se mantinha durante a suspensão do contrato de trabalho impunha-lhe que – em conformidade com o comportamento anterior, com o qual o trabalhador legitimamente contava –, pelo menos diligenciasse previamente pelo esclarecimento da situação.
Sobre situação semelhante, veja-se o Acórdão desta Relação de Lisboa de 3 de Maio de 20237, em que se refere: “Na realidade, tendo ocorrido a suspensão do contrato de trabalho em questão (e não dispondo o Réu de nenhum elemento que lhe permitisse concluir que o impedimento do trabalhador - ausente do serviço por baixa médica há meses - havia cessado) não era legítimo ao mesmo concluir, sem mais, pelo abandono do trabalho por parte do Autor. Com efeito, como se fez constar no Ac. do TRL de 21-03-2012, proc. 499/10.7TTFUN.L1-4 “3. Encontrando-se o contrato de trabalho suspenso por doença do autor, a ausência deste nunca poderia ser considerada como um abandono do trabalho, pois faltava-lhe o elemento de natureza subjectiva constituído pela intenção definitiva, por parte do trabalhador, em não retomar o trabalho, que também não se podia presumir dado que a ré sabia que o contrato de trabalho que os ligava estava suspenso por doença do autor.” Conforme também referido no Ac. do TRC de 18-12-2019, proc. 5117/18.2T8VIS.C1, igualmente citado pelo Autor, “Não há abandono quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de por termo ao contrato de trabalho; e havendo esse conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2, do art.º 403.º, do Código do Trabalho”. in www.dgsi.pt (Itálicos e sublinhados nossos). Perante este quadro, apenas pode concluir-se que a missiva do Réu endereçada ao Autor nos moldes referidos a considerar cessado o contrato de trabalho que a ambos ligava consubstancia um despedimento ilícito, visto não ter sido este antecedido do respectivo procedimento, nem ocorrer justa causa (art.º 381.º do Código do Trabalho). Termos em que improcede a presente questão.”
Em face do exposto, não se estabelecendo a presunção de abandono do trabalho, nem se provando este, a comunicação de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da R., sem que se verificassem os pressupostos do art. 403.º do Código do Trabalho, equivale a despedimento ilícito.
Deste modo, nos termos do art. 391.º do Código do Trabalho, atenta a opção do A., deve a R. ser condenada a pagar-lhe uma indemnização de montante a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude, tendo-se em conta o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Considerando que o A. auferia o montante de 1.419,00 € / mês e o montante mensal variável dependendo do pagamento de horas extraordinárias, ou seja, cerca de dois salários mínimos, e tinha incorrido em faltas injustificadas por incumprimento da obrigação de comunicação do motivo da ausência, mas, por outro lado, a R. agiu culposamente ao não instaurar o competente processo disciplinar e optar indevidamente pela invocação de abandono do trabalho, julga-se adequado fixar a indemnização de antiguidade em 30 dias de retribuição base, o que neste momento orça em 38.313,00 € (1.419,00 € x 27 anos).
Por outro lado, atento o disposto no art. 390.º do citado Código, o A. tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas do subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído no mesmo período, devendo a R. entregar essa quantia à segurança social.
Apenas improcede o seu pedido de indemnização de danos não patrimoniais, por falta de factualidade que o sustente.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, declara-se a ilicitude do despedimento do A. pela R. e condena-se esta:
- no pagamento ao A. duma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base (no valor mensal de 1.419,00 €) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão judicial, a qual importa presentemente em 38.313,00 €;
- no pagamento ao A. das retribuições (no valor mensal de 1.419.00 €) que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas do subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído no mesmo período, tudo a liquidar no incidente próprio, se necessário, devendo a R. entregar aquela quantia à segurança social;
- no pagamento ao A. de juros à taxa legal até integral pagamento, sendo os relativos à indemnização de antiguidade desde o trânsito em julgado da decisão judicial e os relativos às retribuições intercalares, como peticionado, desde a data da citação quanto às então vencidas e desde as respectivas datas de vencimento quanto às vincendas.
No mais confirma-se a sentença recorrida.
Custas da acção e do recurso por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Lisboa, 3 de Julho de 2024
Alda Martins
Alves Duarte
Maria Luzia Carvalho
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1. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52.
2. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, pp. 736-737.
4. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984 (reimpressão), p. 151.
5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 734-735.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 737.
7. Proferido no processo n.º 10633/21.6T8LSB.L1-4, com intervenção do ora 1.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt.