CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO
CONSUMO EXCLUSIVO
IN DUBIO PRO REO
Sumário

I - A detenção típica do crime de tráfico de estupefacientes tem autonomia perante os fins para a venda, consumo ou cedência a terceiros, bastando o simples armazenamento para destino ulterior. É a perigosidade inerente à existência e disponibilidade do estupefaciente, ainda que por mero depósito, que o legislador quis punir.
II- Pretendendo o arguido provar o uso exclusivo para o seu consumo (como causa de exclusão da responsabilidade penal cfr.art.40º nº4 do DL 15/93), se for criada no julgador incerteza probatória, o princípio “in dubio pro reo”, possibilita que se dê como provado o destino para consumo.
III - Os factos respeitantes à finalidade do consumo podem provar-se, não com o grau de probabilidade elevada (próprio do standard em processo penal), mas pela operacionalidade do “in dubio pro reo”, ou seja, a prova do facto emerge no plano da dúvida, cujo princípio também integra o standard de prova.
IV - A quantidade apreendida de estupefacientes de diferente natureza, apesar de, por si só, ser relevante em termos indiciários, excedendo a quantidade necessária para o consumo médio individual por 10 dias, contudo, não é decisiva (cfr.art.40º nº3 do Dec.Lei nº15/93). No entanto, estabiliza-se a prova da detenção típica, por não se provar o destino para o consumo, como seria o caso, do arguido prestar declarações com valor probatório nesse sentido.”

(da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo nº433/22.1GBMTS.P1




No Juízo Local Criminal de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto em processo comum com intervenção de Tribunal Singular proferindo-se sentença nos seguintes termos:
“- Nos termos e com os fundamentos expostos o Tribunal decide:
1. Absolver os arguidos AA e BB da prática em coautoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal.
2. Considerando-se que a conduta do arguido CC integra a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º1 do Código Penal, atenta a natureza semipública de tal tipo de ilícito, e porque DD tem legitimidade, está em tempo, e dado não haver oposição do arguido, julgo válida e relevante a desistência de queixa apresentada e, em consequência, julgo extinto o procedimento criminal, nos termos dos artºs 113.º, 116.º, nº 2 e 203.º, n.º3, todos do Código Penal, no que concerne a este crime.
3. Absolver o arguido BB da prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) e c), ambos do Código Penal.
4. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I, A, B e C, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
5. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I, A, B e C, na pena de um ano e oito meses de prisão.
6. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, n.º 1, alíneas q), az) e ae) e n.º 3, alínea ac), 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), do RJAM, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I, A, B e C, na pena de um ano e seis meses de prisão.
7. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, n.º 1, alíneas q), az) e ae) e n.º 3, alínea ac), 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), do RJAM, na pena de um ano e seis meses de prisão.
8. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na forma tentada, praticado contra o Guarda Principal EE, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão.
9. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na forma tentada, praticado contra o Guarda Principal FF, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão.
10. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de injúria agravada, praticado contra o Guarda Principal FF, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 188.º, todos do Código Penal, na pena de dois meses de prisão.
11. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de injúria agravada, praticado contra o Guarda Principal EE, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 188.º, todos do Código Penal, na pena de dois meses de prisão.
12. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas a BB, condená-lo na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução subordinada ao regime de prova.
13. Condenar os arguidos AA e BB no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 2 UC e nos encargos do processo (cf. artigos 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1, do Código de Processo Penal).
14. Declarar perdido a favor do Estado e ordenar a destruição por incineração do remanescente do produto estupefaciente apreendido à ordem destes autos.
15. Declarar o perdimento a favor do Estado das facas e balança de precisão e do valor monetário apreendido ao arguido BB apreendidos à ordem dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro e ordenar a sua destruição.
16. Declarar o perdimento a favor do Estado da arma e munições apreendidas à ordem destes autos, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º1 do Código Penal, aplicável ex vi artigo 105.º, n.º1, do Regime Jurídico das Armas e Munições.
17. Determinar o oportuno cumprimento do disposto no artigo 186.º, n.ºs 2 a 4 do Código de Processo Penal, quanto ao valor monetário apreendido ao arguido AA.
18. Ordenar que se solicite, após trânsito, à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social referente ao arguido BB.
19. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela Unidade de Saúde ... procedente por provado relativamente à arguido/demandado CC e, em consequência, condená-lo no pagamento da quantia de €85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos à taxa supletiva legal de 4% para obrigações meramente civis (Portaria 291/03 de 8 de abril), sem prejuízo de eventuais ulteriores alterações à referida taxa, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento.
Notifique..”.

*

Inconformado, vem o arguido AA recorrer dessa sentença apresentando as seguintes conclusões:
- Como resulta da douta sentença, decidiu a Meritíssima Senhora Juiz do Tribunal a quo condenar o arguido aqui recorrente na prática, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade.
Considerou, pois, que “relativamente à factualidade vertida no ponto 6., o tribunal assentou a sua convicção com base no teor dos autos de apreensão de folhas 112 a 119, no relatório fotográfico de folhas 130 a 136, no que concerne ao local onde foram encontradas cada uma das substâncias apreendidas e, quanto às características, natureza e peso líquido destas foi tido em consideração o teor do exame pericial junto a folhas 479 a 480. Mais se considerou o mesmo auto de apreensão e a nota discriminativa de fls.137 para prova dos valores monetários ali descritos.”
Mais entendeu o Tribunal a quo “que era o arguido AA que detinha o referido produto estupefaciente resultou do teor do auto de apreensão de folhas 117 e seguinte, complementado pelo depoimento do militar GG, que confirmou que no quarto do arguido encontraram 10 gramas de haxixe numa comoda, heroína e cocaína. E assim, o Tribunal não teve dúvidas em concluir que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre o referido produto estupefaciente.”
Sucede que, conforme consta do referido auto de apreensão, na diligência de busca e apreensão, aquela casa era habitada pelo arguido aqui recorrente e mais seis familiares, a saber:
- HH (irmão do arguido);
- II (irmão do arguido);
- JJ (companheira de II);
- KK (filha de II e LL);
- MM (irmã do arguido); e
- NN (padrasto do arguido).
Decorre ainda do relatório social da DGRS referente ao arguido aqui recorrente junto aos autos, que a casa onde reside, que é uma habitação camarária, encontra-se arrendada à sua mãe, OO, pessoa que, no dia e hora da diligência de buscas, não se encontrava na habitação. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, deveriam ter sido considerados pelo Tribunal a quo, que o arguido vivia numa casa camarária arrendada à mãe, sendo o seu agregado familiar composto por si e por mais sete membros, conforme melhor se alcança do Relatório elaborado após busca domiciliária efetuada à residência do arguido, bem assim como corrobora o depoimento prestado pela testemunha GG, cabo da GNR que presidiu à referida busca.
Não será, também, despiciendo que, aquando da inquirição da referida testemunha GG, este mencionou não se recordar se o arguido se encontrava dentro do quarto onde foi encontrado o produto estupefaciente, somente assumindo que esse seria o seu quarto porque
o arguido lhe terá dito – depoimento da testemunha GG no dia 10/11/2023, às 10 horas, 14 minutos e 29 segundos e termo as 10 horas, 20 minutos e 14 segundos.
Pelo que, apesar do doutamente decidido, a verdade é que a Meritíssima Senhora Juiz de Direito do Tribunal a quo omitiu o dever de se pronunciar quanto a estes factos bem como sobre as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, relativamente às suas condições socioeconómicas, em que referiu que consigo viviam mais sete pessoas – conforme consta das declarações do arguido no dia 06/12/2023, às 15 horas, 41 minutos e 50 segundos e termo às 15 horas, 43 minutos e 16 segundos. Isto posto, Como pode, assim, o tribunal a quo considerar, como considerou, que o produto de estupefaciente encontrado num quarto de uma casa onde vivem oito pessoas era detido exclusivamente pelo arguido?
Com o máximo respeito, esteve mal o tribunal a quo concluir como concluiu com base no teor do auto de apreensão de folhas 117 e seguintes, completado pelo depoimento do militar GG, que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre o referido produto estupefaciente.
Assim, a existência de droga na referida casa onde residem oito pessoas, pode ter múltiplas explicações sobre quem a detém de facto. Não é, pois, possível dizer com certeza que que o produto estupefaciente ali encontrado era detido - e em exclusivo - pelo arguido aqui recorrente. Mais,
Ficou provado no ponto 55 dos factos provados que arguido é consumidor de substâncias aditivas, tendo começado a consumir haxixe aos 14 anos escalando para outras substâncias aos 20, designadamente MD, cocaína e heroína, para as quais nunca se submeteu a tratamento.
E, se é verdade que o arguido aqui recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento quanto aos factos da acusação, em sede de contestação invocou que era, na data dos factos constantes na acusação, consumidor de produtos estupefacientes.
No caso em apreço, respeitante a um momento isolado, sem ligação a outras situações localizadas no tempo antes ou depois deste acontecimento, cria a incerteza se, de facto, a droga encontrada naquela residência, não só a que estava na sala e cozinha mas a que foi também encontrada no quarto, pertencia ao arguido ou a qualquer outra pessoa que ali residia.
Assim, a droga que foi encontrada na residência onde se encontrava o arguido, ainda que no seu quarto, não pode ser a si imputada.
Persistindo dúvidas sobre essa pertença, quer de propriedade quer de posse precária ou mera detenção, impunha ao tribunal a quo julgar não provado o respetivo fato.
Nessa medida, a decisão padece do vício de erro notório na apreciação da prova relativamente à detenção de estupefaciente por parte do arguido aqui recorrente.
Ao ser dado como provado no ponto 6 dos factos provados que o arguido aqui recorrente tinha canábis, era imperioso, à luz das mais elementares regras da normalidade - art.º 127º do Código de Processo Penal - que se desse como provado que queria ter consigo estas substâncias.
Pelo que, nos factos não provados, deveria constar, na parte relativa à detenção pelo arguido aqui recorrente do produto estupefaciente, como não provado.
Existe assim, com o devido respeito, um vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Mas mesmo que se entendesse que a droga que estava no seu quarto era detida por este, é legítimo – mais ainda se nenhuma ligação é estabelecida entre este arguido no âmbito da atividade de tráfico de estupefacientes – colocar-se a questão da finalidade daquela detenção, se para cedência a terceiros se para consumo pessoal.
Foi dado como não provado no ponto vi.) dos factos não provados que “O arguido AA dedica-se à compra e posterior venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, heroína e canábis a outros indivíduos consumidores destas substâncias, no Município ....” Conforme consta da douta sentença “Os factos julgados não provados são o direto reflexo da falta de produção de prova cabal demonstrativa de que os mesmos são verídicos.”
Referindo ainda, ” De facto, não foi feita prova no sentido de se alcançar a veracidade do vertido nas alíneas nas alíneas i.) a vi.), Xii.) e xiii) dos factos não provados .”
É que, se não há dúvida de que o crime de tráfico de estupefacientes se mostra completo com a mera detenção de estupefacientes, independentemente da natureza ou quantidade, não é menos verdade que, em termos objetivos, igual afirmação pode ser realizada relativamente à detenção de estupefacientes para consumo, seja no âmbito do art. 40.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22/01, seja no do art. 2.º da Lei 30/2000, de 29/11.
Neste contexto, não ficando provado que a detenção era para tráfico, assume toda a relevância perceber quem detinha e qual a finalidade daquela detenção.
O Tribunal a quo não a indagou, presumindo a sua detenção para consumo, mas sem que, concomitantemente, fixasse na matéria de facto provada essa mesma intenção.
Desta configuração resulta uma clara insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31/10/2006, in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/- /A7467073E533C3A180257DE100574948 segundo o qual:
“I - A simples detenção de estupefacientes que está prevista no art. 21.º e no tipo privilegiado do art.º 25.º, do DL 15/93, de 22-01, é também comum à situação prevista no, para quem vem entendendo que esta norma não foi revogada pelo art. 28.º da referida Lei 30/2000.
II - Neste quadro de análise, e independentemente da posição jurídica que, de entre as duas referidas, se partilhe, torna-se decisivo determinar qual o fim a que a droga apreendida ao arguido (53,60 g de canabis) era destinada.
III - Exercido pelo tribunal o dever oficioso de averiguar e esclarecer o referido fim, se subsistirem, a final, dúvidas sobre o destino da droga, esse estado de dúvida deve reverter a favor do arguido, de acordo com o princípio in dúbio pro reo.
IV - Não tendo o tribunal a quo apurado qual o destino da droga encontrada na posse do arguido (53,60 g. de canabis), a matéria de facto que o mesmo deu como provada é, no ponto em causa, insuficiente para a decisão, nos precisos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.” A dúvida sobre o destino do produto teria sempre que ser resolvida a favor do arguido, de acordo com o princípio da presunção da inocência e culpa.
Impõe-se, assim, a absolvição do arguido, ora recorrente, pela prática do crime de tráfico de menor gravidade do qual, aliás, o mesmo vinha acusado, nos termos ínsitos na sentença recorrida.
II. EM CONCLUSÃO:
1ª Deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo que o arguido aqui recorrente, à data dos factos constantes da acusação, vivia numa casa arrendada pela mãe, sendo o seu agregado familiar composto por si e por mais sete membros, conforme melhor se alcança do Relatório elaborado após busca domiciliária efetuada à residência do arguido, bem assim como corrobora o depoimento prestado pela testemunha GG, cabo da GNR que presidiu à referida busca.
2ª Não será, também, despiciendo que, aquando da inquirição da referida testemunha GG, este mencionou não se recordar se o arguido se encontrava dentro do quarto onde foi encontrado o produto estupefaciente, somente assumindo que esse seria o seu quarto porque
o arguido lhe terá dito.
3ª A Meritíssima Senhora Juiz de Direito do Tribunal a quo omitiu o dever de se pronunciar quanto a estes factos bem como sobre as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento relativamente às suas condições socioeconómicas, em que referiu que consigo viviam mais sete pessoas.
4ª O arguido aqui recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento quanto aos factos da acusação, mas em sede de contestação invocou que era, na data da prática dos factos, consumidor de produtos estupefacientes.
5ª A existência de droga na referida casa onde residem oito pessoas, pode ter múltiplas explicações sobre quem a detém, pelo que, a droga que foi encontrada na residência do arguido, ainda que seu quarto, não pode ser a si imputada.
6ª Nessa medida, a decisão padece do vício de erro notório na apreciação da prova relativamente à detenção de estupefaciente por parte do arguido aqui recorrente.
7ª Para que o arguido fosse condenado por tráfico de menor gravidade, seria imperioso, à luz das mais elementares regras da normalidade, que se desse como provado que aquele efetivamente detinha tais substâncias, devendo ainda constar dos factos não provados, o consumo exclusivo pelo arguido aqui recorrente do produto estupefaciente, como não provado.
8ª Verifica-se, assim, um vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
9ª Mesmo que se entendesse que a droga que estava no quarto onde dormia o arguido era detida por este, é legítimo – mais ainda se nenhuma ligação é estabelecida entre este arguido no âmbito da atividade de tráfico de estupefacientes – colocar-se a questão da finalidade daquela detenção, se para cedência a terceiros se para consumo pessoal.
10ª Se não há dúvida de que o crime de tráfico de estupefacientes se mostra completo com a mera detenção de estupefacientes, independentemente da natureza ou quantidade, não é menos verdade que, em termos objetivos, igual afirmação pode ser realizada relativamente à detenção de estupefacientes para consumo, seja no âmbito do artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22/01, seja no do artigo 2.º da Lei 30/2000, de 29/11.
11ª Ficando provado que a detenção não era para cedência a terceiros, assume toda a relevância perceber quem detinha e qual a finalidade daquela detenção; ora o Tribunal a quo não a indagou, presumindo a sua detenção para consumo, mas sem que, concomitantemente, fixasse na matéria de facto provada essa mesma intenção.
12ª Pelo que resulta uma clara insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31/10/2006, proferida no processo 1842/06-1.
13ª A dúvida sobre o destino do produto teria sempre que ser resolvida a favor do arguido, de acordo com o princípio da presunção da inocência e culpa.
14ª Impõe-se, assim, a absolvição do arguido, ora recorrente, pela prática do crime de tráfico de menor gravidade do qual, aliás, o mesmo vinha acusado, nos termos ínsitos na sentença recorrida.
NESTES TERMOS,
e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão aqui exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
*

Admitido o recurso, respondeu-lhe apenas o magistrado do MP junto da primeira instância, pugnando pela respetiva procedência.
Sem pretender quebrar o devido respeito por opinião contrária, e que é muito, não podemos concordar com as pretensões formuladas pelo recorrente.
Questão prévia:
A motivação de facto vertida, com afirmações atinentes aos elementos típicos do ilícito imputado ao arguido, o recorrente não observou as normas processuais relativas à impugnação da matéria de facto e de direito (cf. artigos 412.º, n.º 2 e 3, do Código Processo Penal).
Não obstante:
Fundamenta a Mma. Juiz e no que diz respeito ao arguido recorrente:
“Mesmo considerando que ambos os arguidos na data da prática dos factos eram consumidores, atenta a quantidade de produto que cada um tinha, considerada apenas por si e pela sua natureza, assume um relevo que constituiria índice de afastamento dos limites da detenção para consumo, sobretudo se se considerar a inexistência de explicação para tal detenção compaginável com o consumo exclusivo pelo mesmo. (…) E assim, fácil é concluir que tais quantidades não seriam exclusivamente destinadas ao seu consumo, mesmo que parte o pudesse ser.
Mas ainda se salienta, que os arguidos não indicaram qualquer elemento de prova que sustentasse que as quantidades de produto estupefaciente que detinham se destinavam, no seu todo (como se impunha que sucedesse para se estar perante uma situação de consumo e não de tráfico), ao consumo exclusivo de cada um, sendo que lhes competia a prova do elemento negativo do tipo de crime pelo qual vinham acusados, ou seja, recaía sobre aqueles o ónus de provar que o produto estupefaciente que detinham se destinava seu consumo exclusivo e não apenas ao seu consumo.”.
A versão dos factos que pretende agora fazer valer: que se devia dar como não provado que o consumo era exclusivo para o seu consumo. O recorrente interpreta de forma errada a nova redação do artigo que mantém o crime a não ser que o arguido, consiga provar e não serão apenas por meras declarações que que é para autoconsumo. E relembramos que o arguido se remeteu ao silêncio. E como supra se transcreveu, a douta sentença até quanto a essa matéria se pronunciou.
A matéria de facto, salvo melhor opinião, a prova produzida em audiência de julgamento foi correctamente apreciada pela M.ma Juiz, sendo dada a relevância merecida a toda a prova pericial e documental.
Aliás, no concreto facto que o recorrente alega, nomeadamente: que aquela casa era habitada pelo arguido aqui recorrente e mais seis familiares (…) que o arguido vivia numa casa camarária arrendada à mãe, sendo o seu agregado familiar composto por si e por mais sete membros, conforme melhor se alcança do Relatório elaborado após busca domiciliária efetuada à residência do arguido, bem assim como corrobora o depoimento prestado pela testemunha GG, cabo da GNR que presidiu à referida busca.
Da análise ao referido Relatório (prova documental), verificamos que o alegado pelo recorrente, consta precisamente do relatório e foram devidamente identificadas as pessoas que se encontravam no local e está devidamente identificado quem residia na casa.
Razão pela qual, a sentença fundamenta:
“Relativamente à factualidade vertida no ponto 6., o tribunal assentou a sua convicção com base no teor dos autos de apreensão de folhas 112 a 119, no relatório fotográfico de folhas 130 a 136, no que concerne ao local onde foram encontradas cada uma das substancias apreendidas e, quanto às características, natureza e peso líquido destas foi tido em consideração o teor do exame pericial junto a folhas 479 a 480. Mais se considerou o mesmo auto de apreensão e a nota discriminativa de fls. 137 para prova dos valores monetários ali descritos.
Que era o arguido AA que detinha o referido produto estupefaciente resultou do teor do auto de apreensão de folhas 117 e seguinte, complementado pelo depoimento do militar GG, que confirmou que no quarto do arguido encontraram 10 gramas de haxixe numa comoda, heroína e cocaína. E assim, o Tribunal não teve dúvidas em concluir que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre o referido produto estupefaciente. Acresce dizer que o arguido que mantém o silêncio em audiência (apontamento nosso: as declarações do arguido, foram apenas para as suas concretas condições sócio económicas, o que à data dos factos o agregado até poderia ser outro e não tem qualquer relevo para ser poderem ser consideradas como declarações prestadas pelo arguido), como foi o caso do arguido AA que optou por não prestar declarações, não pode ser prejudicado, mas, também é certo que prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicados pelo seu silêncio.
Inexistem dúvidas de que o arguido conhecia a natureza, características e qualidades do produto estupefaciente que tinha consigo, desde logo considerando que resultou apurado que este arguido, precocemente, adotou uma conduta associada aos consumos de substâncias aditivas e à transgressividade (cf. ponto 54. Dos factos provados).
Quanto à factualidade vertida no ponto 17., no plano subjetivo do ilícito apurado, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ter-se-á de ponderar o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado. Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica (…).”
Assim, a matéria dada como assente encontra-se devidamente fundamentada e resulta de uma correcta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência.
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal, o Tribunal apenas considerou provados os factos constantes da sentença, com a fundamentação expressa na mesma, a qual se dá por integralmente reproduzida.
Em face da matéria dada como assente cabe concluir que a conduta do arguido consubstancia, efectivamente, a prática dos crimes pelo quais foi condenado.
Nestes termos, salvo melhor opinião, o recurso em apreço não deverá proceder.
Não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório na apreciação da prova.
Refira-se que na alínea b), do art. 412º, n.º 3, do CPP, o legislador refere-se a provas que impõem (e não permitem), decisão diversa da recorrida, pelo que sempre que a convicção do juiz que proferiu a decisão recorrida seja uma convicção válida, não está no escrutínio do erro notório da apreciação da prova como erradamente é alegado.
A previsão legal do disposto no art. 410º n.º 2, do CPP, enquadra aquelas situações em que a matéria de facto elencada pelo Tribunal como assente e provada se revela insuficiente para fundar a decisão de direito que se lhe segue, ou seja, estão ausentes os pressupostos de facto que sustentam o silogismo da decisão incriminatória. Com o respeito que nos é devido pela opinião contrária, não se vislumbra, in casu, como demonstramos, que a decisão recorrida enferme de qualquer tipo de vício, nomeadamente, o que lhe imputa o recorrente.
No caso vertente, a Mma. Juiz analisada as declarações das testemunhas, conjugados com os restantes elementos de prova, nomeadamente pericial e documental, em cotejo com a factualidade dada como provada e com a desenvolvida fundamentação de tal juízo, consignada no texto da decisão recorrida, não detetamos qualquer erro de apreciação ou violação das regras processuais quanto à apreciação e valoração da prova de acordo como o princípio consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, relativamente aos factos que dizem respeito à conduta do arguido, antes, que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova, como transparece do exame crítico da mesma, isto é, na avaliação feita pelo tribunal não se mostram violadas as regras da experiência, o juízo feito na decisão recorrida, não é arbitrário, nem contraditório, nem desrespeitador das regras sobre o valor da prova ou das leges artis, antes um juízo permitido pelas regras da experiência e da lógica.
A sentença mostra-se devidamente fundamentada com apreciação crítica da prova produzida, estando demonstrado o processo de raciocínio que conduziu a Mma Juíza à decisão proferida.
A conduta do arguido é ilícita e culposa, integrando a prática do crime pelos qual vinha acusado e foi condenado, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude das suas condutas.
Os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida resultam claramente da prova produzida nos autos.
Face ao exposto, em nosso entender, a Mma. Juíza valorou de forma adequada a prova produzida e aplicou correctamente o direito aos factos provados, pelo que a decisão recorrida não violou quaisquer normas legais.
III.
Nestes termos não há, pois, qualquer fundamento para revogar a douta sentença proferida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo recorrente.
Porém, Vossas Excelências, farão, como habitualmente J U S T I Ç A.
*

O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

In casu, vem o arguido AA, com os demais sinais dos autos, não se conformando com a douta sentença que no âmbito dos presentes autos, além do mais, o condenou “…pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I, A, B e C, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período…”, recorrer da mesma .
Fundamente a sua discordância no facto de entender “…vício de erro notório na apreciação da prova relativamente à detenção de estupefaciente por parte do arguido aqui recorrente…vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.”.
E bem assim no facto de “…A dúvida sobre o destino do produto teria sempre que ser resolvida a favor do arguido, de acordo com o princípio da presunção da inocência e culpa...”.
Pugnando, a final, pela sua absolvição.
*

A Exma. Colega junto da primeira instância veio superiormente responder ao mesmo, entendendo a final, que “…não há, pois, qualquer fundamento para revogar a douta sentença proferida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo recorrente.”.
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E, desde já, dir-se-á que lhe assiste razão.
Ora, o que efectivamente foi feito na douta sentença, mais não foi do que fundamentar, e bem, a responsabilidade jurídico-penal do arguido.
No fundo, o que está aqui em causa, é uma mera desconformidade entre o pensamento do julgador e o do próprio recorrente, carecendo este último, obviamente, de qualquer relevância jurídica.
E isto porque, tratando-se de uma mera discordância, olvida quase que por completo a “ratio essendi” da bem estruturada sentença, ora em crise.
Com efeito, após escalpelizar demoradamente a matéria probatória dada como provada, analisa e explana demorada e exaustivamente, quer a convicção do Tribunal, quer o enquadramento jurídico-penal, para a final se deter na escolha e determinação da medida da pena, o que é feito superiormente, e absolutamente isento de qualquer reparo, o que o aqui recorrente meramente discorda.
E, assenta o recorrente a sua discordância em duas basilares questões:
- O produto estupefaciente apreendido nunca poderia ser considerado de sua propriedade; e
- Não ficou demonstrado que o mesmo fosse para venda.
Ora, e no segmento que ora interessa, da douta sentença ora em crise, ficou provado que:
6. No dia 06.09.2022, pelas 07h00, o arguido AA detinha no interior da sua residência sita na praceta ..., ..., ..., os seguintes objetos no interior do seu quarto:
6.1. Em cima da cómoda:
- Uma (1) caixa de metal, vulgo porta-cartões de visita, contendo no seu interior vários pedaços de canábis (resina), num total de 10,268 gramas, com um grau de pureza de 23,8% (THC), suficiente para 48 (quarenta e oito) doses individuais.
- Um (1) Cofre pequeno de cor azul, contendo no seu interior duzentos e quarenta euros (240€) em notas e moedas do B.C.E., distribuídas da seguinte forma: uma (1) nota de cem Euros (100€), doze (12) notas de dez Euros (10€), três (3) notas de cinco Euros (5€), duas (2) moedas de dois Euros (2€) e uma (1) moeda de um Euro (1€).
- Um (1) bloco de papel contendo manuscritos.
- Dois (2) pedaços de papel (filtros de cigarros), com a estampa “Smoking”, contendo inscrições.
- Uma (1) embalagem de 0,859 gramas de heroína.
- Duas (2) embalagens de 0,674 gramas de cocaína.
6.2. Na primeira gaveta da comoda uma (1) caixa de plástico transparente, contendo 59,514 gramas de canábis (resina), com um grau de pureza de 23,0% (THC), suficiente para 273 (duzentas e setenta e três) doses individuais.
7. O arguido AA conhecia a natureza e a característica estupefaciente das substâncias que detinha.
(…/…)
17. Os arguidos CC, AA e BB sabiam que condutas supra descritas lhes estavam vedadas por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de a realizar, agindo de forma livre, deliberada e consciente, com pleno conhecimento de que a sua conduta era punida e proibida por lei penal.”.
Pretende o aqui recorrente, capciosamente, confundir o seu quarto, com o facto de que a “…casa era habitada pelo arguido aqui recorrente e mais seis familiares, a saber:
- HH (irmão do arguido);
- II (irmão do arguido);
- JJ (companheira de II);
- KK (filha de II e LL);
- MM (irmã do arguido); e
- NN (padrasto do arguido).”.
E, alegadamente, olvidando que também ficou provado “Que era o arguido AA que detinha o referido produto estupefaciente resultou do teor do auto de apreensão de folhas 117 e seguinte, complementado pelo depoimento do militar GG, que confirmou que no quarto do arguido encontraram 10 gramas de haxixe numa comoda, heroína e cocaína. E assim, o Tribunal não teve dúvidas em concluir que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre o referido produto estupefaciente.”.
Não obstante a clareza da sentença ora em crise, vem o recorrente colocar em causa, ao longo do recurso apresentado, a forma como o Tribunal analisou toda a prova indicada nos autos.
Contudo, fê-lo no âmbito dos poderes que se lhe encontram legalmente atribuídos, designadamente no artigo 127º do Código de Processo Penal, atribuindo e deixando de atribuir credibilidade ao depoimento das testemunhas e partes que correctamente assinalou na decisão recorrida.
Aquela norma processual dispõe que “(...) a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Livre convicção essa que não pode ser arbitrária, nem discricionária, sendo obrigatoriamente limitada pelo dever de fundamentar de uma forma razoável a decisão em causa, o que, no presente caso, se verifica sem margem para dúvidas.
Refere o recorrente a existência de erro de interpretação e aplicação, o mesmo é dizer violação das finalidades das penas e das medidas de segurança, e bem assim violação na determinação da medida concreta da pena, o que nos reconduz, conforme entendemos do seu raciocínio, a invocação de erro de julgamento sobre a matéria de facto dada por provada, pugnando mesmo pela sua absolvição, nos exactos termos em que foi condenado.
Ora, como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
II - O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.”. (Cfr. Proc. nº 66/15.1GAMIR.C1, de 27.09.2017, in www.dgsi.pt) Tal está devidamente plasmado na douta sentença, e cabalmente explicitado o “iter” que levou à decisão condenatória.
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados e não provados, foi obtida através da apreciação crítica da prova produzida, nomeadamente a constante nos autos, em conjunto com a demais prova produzida em audiência de julgamento.
A sentença recorrida de forma coerente, lógica e devidamente fundamentada enunciou o que esteve na origem da creditação da prova, razão pela qual entendemos inexistir qualquer vício a apontar ao mesmo.
Nas conclusões da motivação do recurso verifica-se que recorrente apresenta a sua interpretação sobre a prova produzida e o seu entendimento sobre qual deveria ser a decisão do Tribunal.
Limita-se a atacar a convicção do Tribunal recorrido sendo que este está vinculado ao principio da livre apreciação da prova e ás regras da experiência e lógica comum.
A convicção do Tribunal, pessoal, objectiva e motivada só pode ser modificada pelo Tribunal de recurso quando a mesma violar os seus fundamentos vinculados ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da lógica e da experiência comum.
O que, manifestamente, in casu não acontece.
O principio da livre apreciação da prova e o seu exercício é indissociável da oralidade e da imediação em que decorre o julgamento contribuindo de forma essencial para a convicção do julgador, aqui avultando actividade puramente cognitiva conjugada com elementos não racionalmente explicáveis e elementos de índole emocional, apenas apreendidos devido aos aludidos princípios.
No caso vertente o Tribunal, de forma justificada e na sequência de apreciação critica da prova entendeu valorizar determinada linha de depoimento, formulando-se um juízo sobre o cometimento de certos factos e de se dar como provada determinada factualidade.
Não será legítimo ao Tribunal de recurso alterar o julgamento feito em primeira instância quando a decisão encontrada, devidamente fundamentada for, face ao factualismo dado como provado, compatível com as regras da experiência comum.
Efectivamente, conforme tem vindo a ser decidido repetida e uniformemente:
Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.”. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6-3-2002, proferido no Processo nº 0111381, www.dgsi.pt) Acresce ainda que na matéria em apreço o Tribunal recorrido não expressou ou manifestou qualquer dúvida quanto a qualquer facto, resultando os factos dados como provados de um processo de avaliação critica da prova, não tendo surgido no espírito do julgador qualquer dúvida quanto à sua verificação e configuração.
Pelo que, igualmente, inexiste aqui a alegada violação do princípio in dúbio pro reu.
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No mais, louvamo-nos nas considerações expendidas pela Exma. Colega da primeira instância, que aqui se dão por reproduzidas, e com as quais se concorda na íntegra.
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Em conclusão, somos de parecer que:
-a prova foi devidamente apreciada e valorada;
-a sentença está devida e acertadamente fundamentada, e não padece de qualquer erro ou vício;
-não houve violação de lei;
-o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença nos seus precisos termos.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais se acrescentou e, após exame preliminar, sem outras vicissitudes, colheram-se os vistos e foram os autos à conferência.
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Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Conforme dessas conclusões se colhe, as matérias neste caso relevantes são as seguintes:
- vícios de insuficiência da decisão da matéria de facto e erro notório.
- in dúbio pro reo.
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A sentença recorrida:
« 1. Para julgamento com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação pública contra:
CC, filho de PP e de QQ, natural da freguesia ..., concelho de natural da freguesia ..., concelho ..., nascido em ../../1998, residente na Rua ..., ..., ...;
AA, filho de RR e de OO, natural da freguesia ..., concelho ..., nascido em ../../1998, solteiro, residente na praceta ..., ..., ...;
BB, filho de SS e de TT, natural da freguesia ..., concelho ..., nascido em ../../1992, solteiro, residente na Rua ..., ..., ...;
Imputando, nos termos dos factos vertidos no despacho de acusação pública, proferida nos autos, a prática:
- ao arguido CC de um crime de ofensa à integridade física qualificada, em coautoria, p. e p. pelos artigos 26.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea h), do Código Penal.
- ao arguido AA a prática, em concurso efetivo de um crime de ofensa à integridade física qualificada, coautoria, p. e p. pelos artigos 26.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea h), do Código Penal; e de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I A, B e C.
- ao arguido BB a prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 26.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea h), do Código Penal; três crime de ameaça agravada, contra DD e contra os dois militares da GNR, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal; um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I, A, B e C; um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, n.º 1, alíneas q), az) e ae) e n.º 3, alínea ac), 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), do RJAM (em concurso aparente com o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 3, alínea p) e ac), 3.º n.º 4, alínea a) e n.º 6 e 86.º, n.º 1, alínea d), do RJAM); dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, praticado contra os dois militares da GNR, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal; e de dois crimes de injuria agravada, praticados contra os dois militares da GNR, p.e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 188.º, todos do Código Penal.
2. Pela ULS- Unidade Local de Matosinhos foi deduzido pedido de indemnização contra os arguidos, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €85,91, acrescida de juros de mora, pela assistência prestada a DD.
3. A acusação pública foi judicialmente recebida e o pedido de indemnização liminarmente admitido.
4. Cada um dos arguidos apresentou contestação.
5. Em audiência de julgamento DD declarou desistir da queixa crime apresentada contra todos os arguidos, que a aceitaram.
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II. Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
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III. Fundamentação

A) De facto

Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 04.08.2022, pelas 22h00, na Rua ..., em ..., ..., na esplanada do café “A...”, o arguido CC abeirou-se de DD.
2. Aí, sem proferir qualquer palavra, o arguido CC desferiu dois socos na face de DD, provocando a queda do mesmo no solo.
3. DD foi transportado de urgência para o Hospital ... onde deu entrada com uma ferida corto-contusa no couro cabeludo, escoriações no joelho direito e escoriação e edema na região mala esquerda, tendo necessitado de sutura.
4. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido CC, DD sofreu dores e lesões na zona do crânio, face e membro superior direito.
5. O arguido CC atuou com o propósito concretizado de molestar a integridade física de DD, o que logrou, sabendo que a sua conduta era apta a alcançar tal resultado.
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6. No dia 06.09.2022, pelas 07h00, o arguido AA detinha no interior da sua residência sita na praceta ..., ..., ..., os seguintes objetos no interior do seu quarto:
6.1. Em cima da cómoda:
- Uma (1) caixa de metal, vulgo porta-cartões de visita, contendo no seu interior vários pedaços de canábis (resina), num total de 10,268 gramas, com um grau de pureza de 23,8% (THC), suficiente para 48 (quarenta e oito) doses individuais.
- Um (1) Cofre pequeno de cor azul, contendo no seu interior duzentos e quarenta euros (240€) em notas e moedas do B.C.E., distribuídas da seguinte forma: uma (1) nota de cem Euros (100€), doze (12) notas de dez Euros (10€), três (3) notas de cinco Euros (5€), duas (2) moedas de dois Euros (2€) e uma (1) moeda de um Euro (1€).
- Um (1) bloco de papel contendo manuscritos.
- Dois (2) pedaços de papel (filtros de cigarros), com a estampa “Smoking”, contendo inscrições.
- Uma (1) embalagem de 0,859 gramas de heroína.
- Duas (2) embalagens de 0,674 gramas de cocaína.
6.2. Na primeira gaveta da comoda uma (1) caixa de plástico transparente, contendo 59,514 gramas de canábis (resina), com um grau de pureza de 23,0% (THC), suficiente para 273 (duzentas e setenta e três) doses individuais.
7. O arguido AA conhecia a natureza e a característica estupefaciente das substâncias que detinha.
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8. No dia 06.09.2022, pelas 07h00, o arguido BB detinha no interior da sua residência sita na rua ..., ..., ..., os seguintes objetos:
8.1. Na cozinha do anexo:
Em cima da mesa:
- Uma (01) arma de fogo (pistola), de cor preta, de marca “Rhoner”, modelo 115, calibre 6,35 mm Browning, com número ...78, configurando uma arma semi-automática, em boas condições de conversação e funcionamento, com carregador municiado com sete munições do mesmo calibre, sendo quatro marca “Prvi Partizon”, uma marca “Sellier &Bellot”, uma marca “Geco” e uma marca “Remington-Peters”.
- Uma balança digital de cor cinzenta, em pleno estado de funcionamento, com um pedaço de canábis (resina) no prato, com o peso bruto aproximado de 1,131 gramas.
- Várias notas do Banco Central Europeu, no valor total de cento e vinte euros (120€). - Em cima do armário, vários pedaços de canábis (resina) com o peso de 41,768 gramas, com um grau de pureza de 18,6% (THC), suficiente para 155 (cento e cinquenta e cinco), doses individuais.
- Em cima do balcão, um embrulho de plástico, contendo 66,443 gramas de fenacetina.
- Na casa de banho, uma (1) faca com cabo em madeira, contendo na lâmina resíduos de produto estupefaciente, utilizada para o seu corte/doseamento.
8.2. No quarto do visado, em cima da cómoda, um (01) caderno, contendo manuscritos alusivo às vendas de produto estupefaciente.
8.3. Na garagem, em cima da mesa:
-Um (1) invólucro plástico, contendo no seu interior 5,546 gramas de heroína, suficiente para 10 (dez) doses individuais.
- Uma (1) faca, contendo na sua lâmina vestígios de produto estupefaciente, utilizada presumivelmente para o corte/doseamento do mesmo.
- No anexo no piso superior, no interior de uma gaveta que se encontrava pousada no chão, um (1) cartucho, de calibre 12, de cor verde, marca Baschieri & Pellagri”.
9. No referido dia 06.09.2022, pelas 08h50, o arguido BB detinha no interior do veículo por si utilizado marca Mercedes, modelo ..., cor preto, matrícula ..-..-SJ, os seguintes objetos no apoio de braço da consola central:
- Notas do B.C.E. no valor de 40,00€, proveniente da venda de produto estupefaciente;
- Um invólucro/embrulho plástico.
10. O arguido BB detinha tais objetos/ armas e munições na sua posse, sabendo que não os podiam deter por não estar legalmente habilitado, sabendo que tais objetos configuravam armas proibidas.
11. O arguido BB conhecia a natureza e a característica estupefaciente das substancias que detinha e alienava aos consumidores a troco de quantias monetárias bem como das substancias apreendidas na sua posse, destinando-a à entrega, a troco de dinheiro e outros valores, a todos os indivíduos que a quisessem adquirir.
*

12. Quando os elementos da GNR, Guarda Principal EE e Guarda Principal FF estavam a proceder ao cumprimento da busca determinada nos autos no quarto do arguido BB, devidamente identificados e fardados, este insurgiu-se contra os mencionados militares, tentando atingi-los com diversos pontapés, o que só não conseguiu porque aqueles se desviaram e conseguiram manietá-lo e algemá-lo.
13. No decurso da busca, o arguido proferiu na direção dos dois militares da GNR referidos as seguintes expressões, querendo dizer que atentaria contra a integridade física dos mesmos: “Vou-vos foder” e “Filhos da Puta”.
14. O arguido BB, ao tentar agredir os dois militares da GNR que levavam a cabo as buscas atuou com o propósito concretizado de os molestar na sua integridade física, bem sabendo que levava a cabo atos contra militares no exercício das suas funções, só não tendo alcançado os seus intentos por razões alheias à sua vontade.
16. O arguido BB ao apelidar os dois militares da GNR com as expressões referidas supra pretendia atingi-los na sua honra e consideração pessoal e profissional, bem sabendo que praticava tais atos contra militares da GNR em exercício de funções, o que logrou.
*

17. Os arguidos CC, AA e BB sabiam que condutas supra descritas lhes estavam vedadas por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de a realizar, agindo de forma livre, deliberada e consciente, com pleno conhecimento de que a sua conduta era punida e proibida por lei penal.
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18. O arguido CC foi condenado:
18.1. Por sentença proferida em 30 outubro 2017, transitada em julgado em 29 novembro 2017, pela prática no dia 18 maio 2016 de um crime de furto simples, na pena de 180 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento em 10 março 2019;
18.2. Por sentença proferida em 27 fevereiro 2018, transitada em julgado no dia 9 abril 2018, pela prática no dia no dia 16 fevereiro 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa declarada extinta em 23 janeiro 2019;
18.3. Por sentença proferida em 27 abril 2022, transitada em julgado em 27 de maio 2022, pela prática no dia 12 abril 2022, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 190 dias de multa.
19. O arguido AA não tem antecedentes criminais.
20. O arguido BB foi condenado:
20.1. Por sentença proferida em 27.06.2012, transitada em julgado em 12.09.2012, pela prática no dia 11.08.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 30 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento em 4.4.2013;
20.2. Por sentença proferida em 15.04.2015, transitada em julgado em 15.05.2015, pela prática no dia 10.03.2012 de um crime de dano e de um crime de furto, na pena única de 200 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento em 10.01.2017;
20.3. Por acórdão proferido em 4.05.2017, transitado em julgado em 6.06.2017, pela prática em 2016 de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de um ano e nove meses de prisão, suspensa por igual período declarada extinta em 5.03.2019;
20.4. Por sentença proferida em 13.09.2018, transitada em julgado em 10.09.2019, pela prática em 8.05.2017 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de um ano e dois meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, declarada extinta em 9.01.2021;
20.5. Por sentença proferida em 8.06.2019, transitada em julgado em 26.09.2019, pela prática no dia 23.10. 2018, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de cinco meses de prisão, suspensa por dois anos, declarada extinta pelo cumprimento em 26 setembro 2021.
(Do percurso de vida e condições sócio-económicas dos arguidos)
21. CC tem origem num núcleo familiar de estatuto socioeconómico humilde, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido num ambiente familiar condicionado pela separação dos pais, quando tinha dois anos.
22. O acompanhamento educativo de CC foi essencialmente protagonizado pela figura materna, que, entretanto, estabeleceu dois sucessivos relacionamentos conjugais, dos quais resultaram três filhos, num ambiente permissivo ao nível da imposição de regras de conduta e definição de estratégias educativas, mantendo a figura paterna, protagonista de condenações penais que motivaram penas de prisão efetivas, alheamento face aos deveres parentais.
23. Esta conjuntura familiar e as dificuldades de adaptação ao contexto escolar, em que revelou insucesso na aprendizagem, indisciplina e absentismo, motivaram aos doze anos o internamento de CC na Instituição Privada de Solidariedade social, “...”, na cidade ..., onde permaneceu até aos quinze anos.
24. Com esta idade, CC, pouco depois do reingresso ao agregado familiar materno, foi de novo institucionalizado, devido a condutas associais, no âmbito da aplicação de medida tutelar educativa, no Centro Educativo ..., também da cidade ..., onde concluiu o 6º ano e permaneceu até aos dezassete anos.
25. Com aquela idade, após o regresso ao agregado familiar de origem, CC iniciou percurso laboral desenvolvido posteriormente com alguma intermitência, designadamente como operador de armazém e operário da construção civil.
26. Aos dezanove anos CC abandonou o agregado familiar de origem e passou a coabitar com os avós, na morada constante dos autos, onde permanece.
27. Ao tempo da factualidade, subjacente aos autos, CC encontrava-se profissionalmente inativo e integrava o agregado familiar com os avós, ocupando o tempo predominantemente com amigos e conhecidos, alguns deles associados a práticas criminais e condenações penais, maioritariamente residentes no mesmo conjunto habitacional social, conotado com alguma problemática social disfuncional, em cuja companhia consumia regularmente estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe.
28. Atualmente CC continua a integrar o agregado familiar com os avós maternos, ambos sexagenários, com quem mantém relacionamento considerado pelos próprios como solidário; reside em apartamento camarário, tipologia T3, com adequadas condições de habitabilidade, situado em zona suburbana do concelho ....
29. CC encontra-se profissionalmente ativo, como operário no setor da construção civil, perspetivando estabelecer brevemente contrato de trabalho efetivo com a empresa “B..., Lda.”, sedeada em ..., auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional.
30. À data da ocorrência dos factos, BB beneficiava de idêntico enquadramento sociofamiliar e habitacional: residia com a companheira (UU, 25 anos, funcionária C...), em habitação anexa ao domicílio dos progenitores, de tipologia 1+1, que dispõe de adequadas condições de habitabilidade e conforto.
31. Este relacionamento remonta a 2016 e é caracterizado como afetivamente próximo, ainda que marcado por alguma instabilidade.
32. BB esteve em situação de desemprego, entre outubro de 2021 e julho de 2023, subsistindo exclusivamente com o montante relativo ao salário da companheira (900€, aproximadamente) e dispondo de uma rotina diminutamente estruturada, que integrava, essencialmente, momentos de convivo com os pares, entre os quais os coarguidos, amigos de infância.
33. BB descreve o ano de 2022 como um período de desorganização pessoal – no que foi corroborado pela progenitora - presumivelmente acentuado pelo consumo regular de substâncias psicoativas, designadamente heroína e cocaína.
34. Este quadro terá potenciado uma fragilização do seu estado de saúde, assim como induziu fatores de disrupção relacional, com momentos de rutura eminente, entretanto ultrapassados.
35. Habilitado com o segundo ciclo do ensino básico e tendo já transitado por diferentes enquadramentos laborais, que alternou com períodos de inatividade, BB exerce funções como motorista de ligeiro de mercadorias, na empresa D..., com vínculo contratual temporário com a empresa E..., desde julho de 2023.
36. BB cumpre um horário compreendido entre as 10h00 e as 18h00 (2ª a 6ª feira) e 09h00 às 14h00 (sábados) e aufere, líquidos, cerca de 923,53€ mensais.
37. O contexto económico sustenta-se nos rendimentos obtidos por ambos os elementos do agregado e que rondam os 1800€.
38. BB enunciou, como despesas fixas de maior relevo, as decorrentes da alimentação (400€), combustível (80€) e encargos domésticos (150€).
39. BB reporta o seu envolvimento com o consumo de canabinóides ao período da adolescência, que tem mantido num padrão mais ou menos irregular, assumindo, presentemente, um padrão de consumo recreativo. Sugere, igualmente, conservar relações de sociabilidade pouco convencionais e pró-criminais, pese embora, no meio de residência, lhe seja reconhecida uma alteração comportamental positiva coincidente com a sua inserção laboral de caráter mais regular.
40. De acordo com a avaliação técnica realizada, BB apresentou, até janeiro de 2021, um quotidiano condicionado pelo cumprimento de pena de prisão na habitação (PPH) em sede do processo nº ... (condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada), tendo sido objeto de intervenção técnica por parte das equipas de reinserção social Porto Penal 5 e Porto Vigilância Eletrónica, em sede de dois processos distintos.
41. BB encontrava-se em fase de reorganização do seu quotidiano, cujo investimento se deveria continuar a direcionar no sentido da sua inserção laboral e eventual consecução de estado de abstinência quanto ao consumo de canabinóides.
42. Relativamente ao cumprimento da PPH, decorreu, globalmente, sem registo de incidentes.
43. Apesar de não se tratar de um episódio inédito, BB demonstra consciência crítica mitigada sobre a natureza do crime de que está acusado, manifestando-se, contudo, disponível para o que lhe for determinado judicialmente, em caso de eventual condenação. Conserva o apoio do seu núcleo familiar e verbaliza receio, pelo eventual impacto de uma condenação, no seu enquadramento laboral.
44. BB, de 31 anos, apresenta uma trajetória pessoal caracterizada por uma vivência familiar perturbada pelo padrão comportamental desviante do progenitor com correlato no cumprimento de sucessivas penas privativas de liberdade e pelo parco investimento realizado na sua formação escolar/profissional.
45. BB dispõe, contudo, de contexto familiar de suporte, bem como de enquadramento profissional estável, o que se constitui como dimensão de uma eventual orientação normativa.

46. AA frequentou a escolaridade na ..., em ..., uma vez que foi alvo de aplicação de medida de promoção e proteção com 5 anos.
47. AA permaneceu institucionalizado até aos 13/14 anos, tendo sido, nessa idade, acolhido por uma família residente nas imediações da localidade de inserção da sua família de origem, até aos 17 anos aproximadamente, altura que se operou uma rutura relacional com a família de acolhimento face à conduta disruptiva que adotava.
48. Ainda que tenha frequentado a escola até aos 15/16 anos, em presença de uma conduta de irreverência e de desvalorização dos conteúdos letivos, integrado num grupo com práticas delinquenciais, AA não concluiu o 2º ciclo do ensino básico.
49. AA nunca exerceu atividade laboral formal, realiza pontualmente alguns biscates na área da construção civil, apresentando uma condição de dependência económica.
50. AA insere o meio comunitário de ... há diversos anos.
51. Pelo menos desde os 13 anos que AA estabeleceu relações de amizade com elementos de idêntica faixa etária, residentes no mesmo conjunto habitacional, ou nas imediações do mesmo, frequentando os espaços de convívio e lazer daquela comunidade, efetuando-se associações à sua imagem relacionadas com a inatividade e com uma pertença grupal de conotação disfuncional.
52. AA inscreve um quotidiano pautado pela inocupação, integrando um estilo de vida orientado para a inserção grupal.
53. AA tem um relacionamento de namoro há aproximadamente 6 anos, com quem também despende algum tempo.
54. AA, precocemente, adotou uma conduta associada aos consumos de substâncias aditivas e à trangressividade.
55. Aos 11 anos AA iniciou os hábitos tabágicos; aos 14 anos começou a consumir haxixe, escalando para outras substâncias aos 20 anos, designadamente MD, cocaína e heroína, para os quais nunca se submeteu a tratamento,
56. AA inscreve uma vivência pessoal, familiar, social e profissional, de instabilidade e complexidade. O arguido organiza uma vivência atenta à inserção grupal e sociocomunitária de inocupação e de consumos aditivos, sem rotinas estruturadas e normativas do quotidiano.

(Do pedido de indemnização civil)
57. A Unidade Local de Saúde de Matosinhos prestou assistência médica a DD no serviço de urgência, no dia referido no ponto 1..
58. Os serviços de assistência hospitalar mencionados no ponto anterior custaram a quantia de €85,91.
*

Factos não provados

Com relevo para a boa decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:
i.) AA (conhecido pela alcunha “...”) e BB (conhecido pela alcunha “...”) tiveram intervenção, juntamente com o arguido CC, na factualidade vertida no ponto 1. dos factos provados.
ii.) Após o descrito no ponto 1. dos facos provados, os três arguidos, em comunhão de esforços com um quarto indivíduo cuja identidade se desconhece, desferiram diversos murros e pontapés no corpo de DD, até o mesmo ficar inconsciente.
iii.) No decurso da agressão, um dos arguidos desferiu uma pancada na cabeça do ofendido com recurso a uma garrafa de vidro.
iv.) No dia 07.08.2022, pelas 00h30, o arguido BB, ao volante do veículo marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-VC, de que é possuidor, acompanhando por um individuo cuja identidade se desconhece no lugar do pendura, circulou pela rua ..., em ..., passando pelo restaurante “F...” aí sito, em marcha muito lenta, olhando fixamente para o ofendido DD que aí se encontrava.
v.) Ao chegar ao final da rua, o arguido BB ou o individuo que o acompanhava no lugar do pendura a sua solicitação, efetuou três disparos para o ar, de forma a intimidar o ofendido fazendo-o crer que o mataria.
vi.) Para o efeito, os arguidos não se inibiram de praticar tais agressões em comunhão de esforços entre si e com um outro individuo de identidade não concretamente apurada, sabendo que tal superioridade numérica colocava o ofendido numa situação de inferioridade e que as agressões que perpetuaram tinham uma capacidade lesiva significativa, como tiveram, ao ponto de deixar o ofendido inconsciente.
vii.) O arguido AA dedica-se à compra e posterior venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, heroína e canábis a outros indivíduos consumidores destas substâncias, no Município ....
viii.) O arguido BB ao passar de carro por DD, encarando-o com um olhar fixo e após efetuar dois disparos para o ar, pretendia intimidá-lo, como intimidou, fazendo-o crer que de futuro o iria matar, o que logrou, bem sabendo que os factos que praticava eram aptos a alcançar tal resultado e que privariam o ofendido na sua liberdade pessoal, como privaram.
ix.) O teor dos escritos referidos no ponto 6.1. dos factos provados eram alusivos às vendas de produto estupefaciente.
x.) O valor monetário referido no ponto 6.1. dos factos provados era proveniente da venda de produto estupefaciente.
xi.) O arguido AA detinha uma uma faca de Cozinha com o cabo de plástico de cor preta, com resíduos de canábis, utilizada no corte/doseamento de produto estupefaciente, encontrada na cozinha, em cima do Balcão, da sua residência.
xii.) O arguido AA destinava o produto estupefaciente que detinha à entrega, a troco de dinheiro e outros valores, a todos os indivíduos que a quisessem adquirir.
xiii.) O plástico referido no ponto 9. dos factos provados é usualmente utilizado no acondicionamento de um quilograma (1kg) de produto estupefaciente (haxixe).
xiv.) O arguido BB ao proferir as expressões referidas no ponto 13. dos factos provados na direção dos dois militares da GNR que executavam a busca no exercício das suas funções, atuou com o propósito concretizado de os intimidar, fazendo-os crer que de futuro atentaria contra a sua integridade física, o que logrou.
*

Indicação, valoração e análise crítica da prova
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados e não provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma valoração de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável.
Em concreto, o Tribunal baseou a sua convicção a partir da valoração do seguinte acervo probatório:
«Foram inquiridas as seguintes testemunhas: DD, id. fls. 26-28; VV, id. fls. 2-3; WW, militar da GNR, id. fls. 14-15; GG, militar da GNR, id. fls. 112-119; XX, militar da GNR, id. fls. 112-119; YY, militar da GNR, id. fls. 159-166 e 203-207; ZZ, militar da GNR, id. fls. 159-166; Guarda Principal, EE, n.º ..., id. fls. 162; Guarda Principal FF, n.º ..., id. fls. 162.»
Foi valorada a prova pericial, concretamente considerou-se o teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal referente a DD junto a fls.493 a 495, os exames toxicológicos de fls.479 a 480, 484 a 485 e o teor dos exames periciais à arma de fogo e munições juntos a folhas 423 a 425, 430 a 431 e 432 a 433, sendo considerado o que decorre do artigo 163.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, nos termos do qual presume-se subtraído à livre apreciação do julgador o juízo de natureza técnica, científica ou artística, podendo o julgador divergir desse juízo desde que fundamente tal divergência e a sua convicção o suporte.
» Foi tida em consideração a prova documental, que infra se fará referência.
» Por fim, para além da prova direta dos factos, considerou-se, ainda, a prova indireta relativamente a parte da factualidade objeto de julgamento e que infra será expressamente mencionada. Sobre a prova indireta, entende Euclides Dâmaso Simões1, que o uso da mesma implica dois momentos de análise: um primeiro requisito de ordem material exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência; posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência).
*

Tendo sido da valoração crítica, conjugada e ponderada da globalidade do supra mencionado acervo probatório que o Tribunal logrou formar firme convicção da veracidade sobre os factos julgados, cumpre, agora, analisar criticamente, a prova produzida em detalhe nos seus aspetos essenciais, quer quanto à factualidade que resultou provada, quer também quanto aos factos não provados.
O Tribunal fundamentou a sua convicção, quanto aos factos constantes da acusação pública e considerados como provados nos pontos 1. a 5. no depoimento de DD, que se afiguraram credíveis, por ter sido notório que depôs de forma objetiva e distanciada, não se tendo denota qualquer sentimento de retaliação, nem de “proteção”; descreveu apenas a factualidade que guardou na sua memória, explicando que apenas se recorda de ter visto CC na sua direção e de este lhe ter atingido na cara com socos, sendo que depois disso apenas se recorda de ter recuperado os sentidos já no hospital. Conjugadamente com o referido depoimento, teve-se em consideração, o teor do auto de denuncia de folhas 2, no que concerne à data e horas dos factos, e, relativamente às lesões sofridas por DD, o teor dos relatórios clínicos de folhas 10 e 11 e o teor dos relatórios periciais de folhas 493 a 495 e 582 a 584.
O elemento subjetivo da incriminação constante do ponto 5. dos factos provados, resulta inferido da materialidade dos factos dados como provados e da ressonância ético-jurídica que torna ao alcance de qualquer cidadão o conhecimento da proibição jurídico-penal daquele ato, sendo claro que, com a sua conduta, o arguido não poderia deixar de estar consciente de que se encontrava a lesar a integridade física de DD, agindo intencionalmente com vista a alcançar esse desiderato, sabendo o arguido que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei como crime.
*

Relativamente à factualidade vertida no ponto 6. , o tribunal assentou a sua convicção com base no teor dos autos de apreensão de folhas 112 a 119, no relatório fotográfico de folhas 130 a 136, no que concerne ao local onde foram encontradas cada uma das substancias apreendidas e, quanto às características, natureza e peso líquido destas foi tido em consideração o teor do exame pericial junto a folhas 479 a 480. Mais se considerou o mesmo auto de apreensão e a nota discriminativa de fls.137 para prova dos valores monetários ali descritos.
Que era o arguido AA que detinha o referido produto estupefaciente resultou do teor do auto de apreensão de folhas 117 e seguinte, complementado pelo depoimento do militar GG, que confirmou que no quarto do arguido encontraram 10 gramas de haxixe numa comoda, heroína e cocaína. E assim, o Tribunal não teve dúvidas em concluir que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre o referido produto estupefaciente. Acresce dizer que o arguido que mantém o silêncio em audiência, como foi o caso do arguido AA que optou por não prestar declarações, não pode ser prejudicado, mas, também é certo que prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicados pelo seu silêncio.
Inexistem dúvidas de que o arguido conhecia a natureza, características e qualidades do produto estupefaciente que tinha consigo, desde logo considerando que resultou apurado que este arguido, precocemente, adotou uma conduta associada aos consumos de substâncias aditivas e à transgressividade (cf. ponto 54. dos factos provados).
Quanto à factualidade vertida no ponto 17., no plano subjetivo do ilícito apurado, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ter-se-á de ponderar o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado. Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica2. No caso dos autos, para além do que já supra se foi referindo, que o arguido AA previu e quis atuar do modo em que o fez, é o que deflui, com clareza, em conjugação com as características de personalidade do arguido e de harmonia com a

A veracidade do acervo fático apurado nos pontos 8. a 11. dos factos provados emerge idoneamente demonstrada pela valoração positiva e conjugada dos seguintes elementos probatórios:
- exames periciais de folhas 423 a 425, 430 a 431 e 432 a 433 (referente à arma e munições);
- exame pericial de folhas 484 a 485 referente ao produto estupefaciente;
- relatório de busca de folhas 159 a 163, do qual emerge amplamente demonstrado quer o exato local onde se encontravam as substancias apreendidas, quer os objetos descritos, bem como que o anexo á residência principal onde foram todos encontrados era habitado pelo arguido BB.
- auto de busca e apreensão de folhas 164 a 166, que foi assinado pelo arguido BB;
- reportagem fotográfica de folhas 175 a 187;
- escritos de folhas 189 a 194, nos quais aparecem as expressões “70 – Polen”, “125-Pó”, !80 – Erva” (c. fls.189); “5 pedras sem”; “20 pedras”; “10 pedras”; “18 pacotes”, “20 pedra com euro”; “5 meia s/ euro”; “10 pedras s/ euro”; “18 pacotes” (cf. fls 193);
- nota discriminativa do dinheiro apreendido de folhas 188;
- relatório de busca e apreensão realizada ao veiculo ..-..-SJ de folhas 207;
- suporte fotográfico de folhas 219.
Concretizando, as apuradas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 8., nomeadamente quanto ao exato lugar onde foram encontrados quer o produto estupefaciente quer os objetos descritos, decorreram da análise do mencionado auto busca e de apreensão. Relativamente à qualidade e quantidade do produto estupefaciente apreendido e ali descrito consideraram-se os mencionados teste rápido e relatório pericial.
Ainda relativamente ao mesmo segmento fático considerou-se o depoimento de YY, militar da GNR, que naquela data esteve no local e descreveu o que ali observou.
Da conjugação do teor do referido auto de apreensão - assinado pelo arguido no momento em que foi encontrado na sua posse o produto -, com o teor do depoimento do referido militar e o teor do relatório de busca elaborado pelo mesmo, o Tribunal não teve dúvidas em concluir que era o arguido que tinha o domínio do facto sobre a totalidade do produto estupefaciente e demais objetos apreendidos, sendo ele quem efetivamente detinha os mesmos. Que o arguido destinada o produto apreendido a venda, tal afere-se amplamente da conjugação das regras da experiência de vida com o que aquele tinha consigo:
- quantidades e qualidades do produto estupefaciente;
- duas facas com resíduos de produto estupefaciente,
- notas manuscritas que evidenciam tratar-se de apontamentos referentes a quantidades de produto estupefaciente,
- balança de precisão em funcionamento com um pedaço de canábis (resina) no prato.
- 66,443 gramas de fenacetina (trata-se de uma substancia com ação antipirética e analgésica, mas que atualmente quase deixou de ser usado, tendo mesmo sido proibido em alguns países, devido ao seus efeitos hematológicos e de nefrotoxicidade. A Fenacetina está agora a ser utilizada como um agente de corte para adulterar cocaína, devido às características físicas semelhantes das duas drogas- cf.https://www.indice.eu/pt/medicamentos/DCI/fenacetina/informacao-geral).
- e ainda a arma de fogo (pistola), de cor preta, de marca “Rhoner”, modelo 115, calibre 6,35 mm Browning.
O arguido BB não quis prestar declarações em audiência de julgamento relativamente aos factos da acusação, mas em sede de contestação invocou que ele e a sua companheira na data da prática dos factos eram consumidores de produtos estupefacientes e que sempre trabalhou.
Do relatório social elaborado pela DGRSP a este arguido consta o seguinte “À data da ocorrência dos factos, BB beneficiava de idêntico enquadramento sociofamiliar e habitacional: residia com a companheira (UU, 25 anos, funcionária C...), em habitação anexa ao domicilio dos progenitores, de tipologia 1+1, que dispõe de adequadas condições de habitabilidade e conforto. Este relacionamento remonta a 2016 e é caracterizado como afetivamente próximo, ainda que marcado por alguma instabilidade. BB esteve em situação de desemprego, entre outubro de 2021 e julho de 2023, subsistindo exclusivamente com o montante relativo ao salário da companheira (900€, aproximadamente) e dispondo de uma rotina diminutamente estruturada, que integrava, essencialmente, momentos de convivo com os pares, entre os quais os coarguidos, amigos de infância. (cf. pontos 30. a 31. dos factos provados).
O arguido juntou aos autos com a contestação um contrato de trabalho cuja data de início é 4.08.2023.
E assim, mesmo considerando que o arguido era consumidor de produtos estupefacientes na data dos factos, face ao quadro global do que lhe foi apreendido e acima descrito, que destinava pelo menos parte do produto que tinha à venda, sendo que não tendo naquela data qualquer ocupação laboral, ainda mais firma a convicção de que o valor monetário que tinha consigo -quer em casa quer na sua viatura - provinha da venda de tais substancias.
Relativamente à conduta do arguido BB vertida nos pontos 12. a 16. dos factos provados, a mesma resultou amplamente provada pela conjugação dos depoimentos de YY, EE e FF. Todos os referidos militares depuseram de forma objetiva, serena e distanciada, tendo cada um descrito o que viu (concretamente a atuação do arguido durante a mesma) aquando da diligência de busca à residência do arguido BB. É certo que no declarado por cada uma destas testemunhas se verificou algumas disparidades quanto ao desenrolar dos factos, contudo, tal ficou a dever-se notoriamente ao posicionamento de cada um no local, bem como ao que cada um mais reteve na sua memória. E tal surgiu ainda mais evidenciado por, para além de nos pontos essenciais terem sido coerentes entre si, uma vez que são colegas de trabalho teria sido muito fácil concertar uma versão “sólida”, o que notoriamente não aconteceu, o que veio a reforçar a credibilidade de todas as testemunhas.
Mas, conjugadamente com o depoimento das referidas testemunhas, ainda foi valorado o relatório de busca junto a folhas 159 a 143, quer quanto ao dia e hora dos acontecimentos, mas também quanto ao desenrolar dos factos, uma vez que presenciados pelo respetivo subscritor.
Ainda se acrescenta que, como já supra se mencionou, BB optou por não prestar declarações, sendo que o direito ao silêncio não visa beneficiar o arguido, condicionando a prova testemunhal; decorre antes do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que imputa ao arguido, facultando a este um comportamento que possa obstar à sua auto-incriminação.
Quanto à factualidade vertida no ponto 17. , para além do que já supra se foi referindo, que o arguido BB quis atuar do modo em que o fez em cada uma das referidas situações, sabendo que incorria em responsabilidade criminal é o que deflui, com clareza, em conjugação com as características de personalidade do arguido (desde logo considerando as anteriores condenações que sofreu) e de harmonia com a experiência comum projetada na atuação objetiva do mesmo. Tais regras de experiência comum, e tendo em conta os padrões de entendimento e comportamento do homem médio, projetadas no contexto fático provado e as presunções naturais que delas emergem, não levantaram quaisquer dúvidas sobre a veracidade da referida factualidade. A ausência de antecedentes criminais do arguido AA e os apurados antecedentes criminais dos arguidos CC e BB emerge demonstrada pelo teor dos respetivos certificados do registo criminal juntos aos autos.
Os relatórios sociais elaborados pela DGRSP relativamente a cada um dos arguidos fundou a convicção do Tribunal sobre os factos apurados em relação às condições de vida de cada um (cf. pontos 21. a 56.), salientando-se que as fontes desses relatórios, neles mencionadas, se afiguram idóneas para o efeito, tanto mais que foram elaborados por entidade pública, isenta e competente e, por via disso, merecedora de credibilidade, não tendo o teor de tais relatórios sido infirmado por qualquer outro elemento de prova.
A assistência hospitalar prestada (episódio de urgência) pela Unidade de Saúde ..., e os seus custos emergem demonstrados, de harmonia com o provado, pela valoração do documento com o pedido de indemnização, meio de prova idóneo para o efeito.
Os factos julgados não provados são o direto reflexo da falta de produção de prova cabal demonstrativa de que os mesmos são verídicos.
De facto, nenhuma prova foi feita no sentido de se alcançar a veracidade do vertidos nas alíneas i.) a vi.), xii.) e xiii.) dos factos não provados.
Relativamente à restante factualidade, analisado o teor dos escritos juntos a folhas 138, mesmo considerando que o arguido AA tinha no seu quarto a quantia de €240, bem como o produto estupefaciente descrito no ponto 6. dos factos provados, o tribunal não conseguiu alcançar com segurança que os mesmos se referiam a notas de venda de produto estupefaciente. É certo que tais “anotações” levantam a suspeita de que os nomes ali referidos seguidos de algarismos poderiam referir-se a tais vendas. Contudo, mesmo apelando às regras da experiência de vida, não se pode alcançar com o grau de certeza suficiente que assim era. De facto, nos referidos nomes, que não se apurou serem de consumidores, há, inclusive, a inscrição “mãe 10”. Acresce que os órgãos de policia criminal ouvidos em audiência referiram não haver qualquer referenciação deste arguido à venda de produtos com fins lucrativos, pelo que, a prova direta, mesmo conjugada entre si, foi insuficiente para alcançar a veracidade do segmento fático em análise.
A factualidade vertida nas alíneas xi.) e xii.) resultou não provada uma vez que, segundo o que referiu o militar GG, que esteve presente na diligência de busca e apreensão, aquela casa era na data habitada por outras pessoas para além do arguido (mais cinco familiares), pelo que o produto estupefaciente encontrava-se em partes da residência - a sala e cozinha – que, de acordo com as regras da experiência comum, serão usadas de igual forma por esses habitantes, não estando demonstrado qualquer ato de detenção e/ou acesso exclusivo do arguido aos referidos locais. Assim sendo, longe de se afirmar uma certeza de que os mesmos não lhe pertenciam, o que o Tribunal pode afirmar é que persistem dúvidas sobre essa pertença, quer a título de propriedade quer de posse precária ou mera detenção. Na dúvida impõe-se julgar não provado o respetivo facto.
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B) O Direito

§ 0. Da responsabilidade criminal dos arguidos
A concretização e imputação aos arguidos de um juízo de censura jurídico-penal pressupõe e exige a efetiva negação dos valores ou bens jurídicos criminalmente tutelados por via dos crimes que lhes são imputado nos autos.
A) Dos crimes de ofensa à integridade física qualificada imputados aos arguidos CC, AA e BB
Por via dos tipos legais dos crimes de ofensa à integridade física pretende o legislador dar guarida penal à integridade física da pessoa humana viva contra ataques de qualquer espécie e praticados por qualquer pessoa.
Assim, dispõe o artigo 143.º do Código Penal que comete o crime de ofensa à integridade física simples «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa».
O tipo incriminador distingue duas modalidades de realização, que podem ou não ser cumulativas: a ofensa no corpo e a ofensa na saúde. Por ofensa no corpo deve entender-se todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante. Tanto integram o elemento típico aquelas atuações que envolvem lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, como as atuações que envolvem alterações físicas, como corte de cabelo, ou tatuagem, e ainda as atuações que envolvem perturbação de funções físicas, tais como as provocadas na visão, olfato, entre outras. As lesões da saúde são aquelas que põem em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, considerando-se como tais a criação de um estado de doença, através de infeção, contágio, etc., ou a conduta que contribua para a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente.
No que respeita ao tipo subjetivo, este crime requer para o seu preenchimento, o dolo, em qualquer das suas modalidades3.
3 Cf. artigos 13.º e 14.º do Código Penal.
4In Jornadas de Direito Criminal, fase I, Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 170.
5 Relatado pelo Conselheiro SOUTO MOURA, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
No artigo 26.º prevê-se que “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Como ensina Faria Costa4, a coautoria verifica-se sempre que os agentes atuam com «existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime», podendo o acordo ser prévio e expresso, mas bastando-se também com um acordo tácito. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de abril de 20085 decidiu-se que «Tendo ficado provado, quanto a todos os episódios em que o arguido atuou acompanhado, que tal ocorreu em conjugação de esforços e intentos, estão na verdade preenchidos todos os elementos de que o artigo 26.º do Código Penal faz depender a coautoria: tomar parte direta na execução do crime, por acordo, e juntamente com outros.”
Aqui chegados, há ainda que ter presente que o n.º1 do artigo 145.º do Código Penal dispõe que integra o crime de ofensa à integridade física qualificada se as ofensas forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.
i.) Do crime de ofensa à integridade física qualificada sobre DD
Questão que agora se coloca é a de saber se as condutas dos três arguidos ou de algum deles sobre a pessoa de DD se podem considerar qualificadas nos termos constantes da acusação, ou seja, se estamos perante um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º2, alínea h) todos do Código Penal
Estipula este normativo legal que, se as ofensas previstas no artigo 143.º forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena até 4 anos de prisão.
Por seu turno prevê o n.º2 do mesmo normativo que “são suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º2 do artigo 132.º.”
Assim, a aplicação do artigo 145.º “(…) e o funcionamento da qualificação que aqui se prevê supõem a verificação de uma lesão da integridade física simples (artigo 143.º), grave (artigo 144.º), ou a ocorrência de um dos resultados que nos termos do artigo 147.º são suscetíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente. Além da verificação de qualquer um destes resultados, necessário se torna que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma «especial censurabilidade ou perversidade (…) e que se mostra suscetível de decorrer de uma das circunstâncias previstas no n.º2 do artigo 132.º. Enveredou-se, deste modo, aqui como no homicídio, para cuja disciplina se remete, pela técnica dos exemplos-padrão ou dos exemplos-regra”6.
6 Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 249 e 250.
Existirá especial censurabilidade - certo que é censurável o agente ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito - quando as circunstâncias em que a ofensa à integridade física foi causada, sejam de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, por outro lado, “(…) tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade”.
10 Apud Paula Ribeiro de Faria, obra citada, pág. 252.
Sobre a “especial censurabilidade ou perversidade”, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 31.10.20018 que “para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento assumido pelo arguido, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto ilícito e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura”. Cf., também, o Acórdão da Relação do Porto de 18.12.20029: “Como tem sido unanimemente recortado jurisprudencialmente, o que verdadeiramente releva em cada caso é que as suas circunstâncias analisadas em concreto demonstrem que o agente atuou com uma censurabilidade ou perversidade que justificam uma censura penal que não deve ser encontrada na moldura sancionatória de um tipo legal de crime simples, mas sim noutra moldura, que represente um castigo aumentado”.
Diga-se, no tocante ao tipo de culpa, que, no caso da ofensa à integridade física qualificada existe, na opinião de Figueiredo Dias10, como que uma “culpa qualificada” resultante de uma “imagem global do facto agravada”.
Traçado este quadro normativo, projetemos nele a conduta apurada. Desde logo, analisados os factos provados resulta muito claro que não houve qualquer atuação conjunta dos arguidos entre si. Apenas resultou apurado que um deles, concretamente o arguido CC, deu socos em DD. Consequentemente resulta necessariamente afastada a previsão do exemplo-padrão referido na alínea h) do n.º2 do artigo 132.º do Código Penal, que prevê a circunstância de o agente “(…) praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas(…)”.
Resultou ao Tribunal de forma inquestionável, o arguido CC agiu com censurabilidade, revelando uma atitude desconforme com os valores do ordenamento jurídico-penal, contudo a realização dos factos praticados não se revela, em concreto, especialmente desvaliosa e criticável de molde a qualificar o crime de ofensa à integridade física.
Não obstante, a ilicitude da conduta do arguido é ostensiva. Nada, nenhum facto as justifica. É também claro que o arguido agiu, a esse propósito, com dolo direto11. Está, assim, preenchido o tipo subjetivo do crime base do artigo 143.º, n.º1 do Código Penal na apurada conduta.
11 Cf. artigo 14.º, n.º1 do Código Penal.
No entanto, DD em audiência de julgamento, desistiu da queixa crime apresentada contra os arguidos. E assim, cabendo a conduta do arguido CC na previsão do artigo 143.º, n.º1 do Código Penal, este ilícito criminal tem a natureza de crime semi público, pelo que tendo a desistência sido apresentada antes de proferida a sentença, a mesma deve ser operante e, consequentemente, porque o arguido declarou aceitar tal desistência, reta ao tribunal homologá-la e declarar a extinção do procedimento criminal relativamente ao crime de ofensa à integridade física cometido sobre DD.
ii.) Dos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada sobre EE e FF
Resultou provado que quando os elementos da GNR, Guarda Principal EE e Guarda Principal FF estavam a proceder ao cumprimento da busca determinada nos autos no quarto do arguido BB, devidamente identificados e fardados, este insurgiu-se contra os mencionados militares, tentando atingi-los com diversos pontapés, o que só não conseguiu porque aqueles se desviaram e conseguiram manietá-lo e algemá-lo.
Mais resultou provado que assim atuando, o arguido BB atuou com o propósito concretizado de molestar os militares na sua integridade física, sabendo que levava a cabo atos contra militares no exercício das suas funções, só não tendo alcançado os seus intentos por razões alheias à sua vontade.
Perante tal conduta, resultou ao Tribunal de forma inquestionável, que o arguido agiu com especial censurabilidade, revelando uma atitude especialmente desconforme com os valores do ordenamento jurídico-penal, já que a forma de realização dos factos que praticaram se revela, em concreto, especialmente desvaliosa e criticável.
A ilicitude da conduta do arguido é ostensiva. Nada, nenhum facto a justifica. É também claro que o arguido agiu, a esse propósito, com dolo direto.
Está, assim, de igual modo preenchido o tipo subjetivo do crime base do artigo 143.º, n.º1 do Código Penal na apurada conduta do arguido.
É, ainda, patente que o arguido é imputável e atuou com culpa material penal, pois sabia como devia agir em fidelidade ao Direito e por sua livre vontade quis agir de modo contrário ao acervo axiológico-jurídico-penal.
É nesse querer agir como agiu e não ter querido omitir a apurada conduta, apesar de ser perfeitamente capaz de as omitir e de saber ser este o seu dever legal, que reside a sua culpa material penal. Não ocorre qualquer facto no acervo factual provado que integre qualquer causa de exculpação da conduta do arguido.
Termos em que se julga verificado preenchido e em toda a conduta praticada pelo arguido BB o pressuposto do artigo 145.º, n.º1, alínea a), por remissão para o artigo 132.º, n.º2, al. l), ambos do Código Penal.
E assim, considerando tudo o supra explanado, a conduta do arguido deve ser punida criminalmente uma vez que consubstancia a prática de dois crimes crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada.

B) Dos crimes de tráfico de menor gravidade imputados aos arguidos AA e BB

Cada um dos dois mencionados arguidos vêm acusados da prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível nos termos do artigo 25.º, alínea a), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
Mesmo considerando que ambos os arguidos na data da prática dos factos eram consumidores, atenta a quantidade de produto que cada um tinha, considerada apenas por si e pela sua natureza, assume um relevo que constituiria índice de afastamento dos limites da detenção para consumo, sobretudo se se considerar a inexistência de explicação para tal detenção compaginável com o consumo exclusivo pelo mesmo.
Acresce que, relativamente ao arguido BB ainda resultou provado que este destinava à venda o produto estupefaciente que detinha.
E assim, fácil é concluir que tais quantidades não seriam exclusivamente destinadas ao seu consumo, mesmo que parte o pudesse ser.
Mas ainda se salienta que os arguidos não indicaram qualquer elemento de prova que sustentasse que as quantidades de produto estupefaciente que detinham se destinavam, no seu todo (como se impunha que sucedesse para se estar perante uma situação de consumo e não de tráfico), ao consumo exclusivo de cada um, sendo que lhes competia a prova do elemento negativo do tipo de crime pelo qual vinham acusados, ou seja, recaía sobre aqueles o ónus de provar que o produto estupefaciente que detinham se destinava seu consumo exclusivo e não apenas ao seu consumo12.
12 Cf. acórdão do STJ, de 21/06/1989, disponível em www.dgsi.pt.
Aqui chegados cumpre analisar, em face do quadro circunstancial de valoração da ilicitude do facto, a conduta dos arguidos se insere na previsão do artigo 25.º.
O crime previsto no artigo 25.º consubstancia, conforme tem sido entendido na doutrina e jurisprudência, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental do artigo 21º.
Neste sentido, o Acórdão do STJ de 04.05.200513 onde se diz que: “a essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (retius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude”.
13 Proferido no processo n.º 05P1263, disponível em www.dgsi.pt.
Pressupõe-se, deste modo, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída”, a extrair de circunstâncias específicas, objetivas e factuais, verificadas no caso concreto, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
Da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei ora em análise, que contém disposições penais que criminalizam a detenção, o tráfico e o consumo de estupefacientes, resulta que o principal escopo do legislador é o de evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocados pelo consumo de estupefacientes, que o respetivo tráfico, indiscutivelmente, potencia; ou seja, o tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores; e, ademais, afeta a vida em sociedade, dificultando a inserção social dos consumidores, possuindo também comprovados efeitos criminógenos. O crime de tráfico de estupefacientes caracteriza-se como um tipo legal que visa a proteção de uma multiplicidade de bens jurídicos, revestindo a natureza de um crime de perigo comum, e, aí, de perigo abstrato, uma vez que não exige o dano ou, sequer, o perigo, efetivo dos bens jurídicos protegidos.
A apreciação do facto de uma conduta consubstanciar, ou não, o tipo legal de tráfico de estupefacientes depende da apreciação casuística do caso concreto. Neste contexto assume primordial importância a aferição da intenção do arguido, principalmente quando este detinha substâncias estupefacientes em seu poder. Pelo que há que avaliar um conjunto de fatores: a quantidade de droga apreendida, os antecedentes criminais do arguido, o facto de este ser ou não um consumidor habitual de substâncias estupefacientes, entre outras circunstâncias que podem ser relevantes.
No que concerne à ilicitude do facto praticado pelos arguidos, esta se verifica com a simples detenção de substâncias estupefacientes que, pelas suas quantidades, seja nociva para a saúde humana, pelo perigo que tal situação potencia. Tal decorre do Acórdão do STJ, de 05.11.200914, onde se refere que: “… a mera detenção de produto considerado estupefaciente pelas tabelas I a III anexas ao DL 15/93, de 22.01, se não autorizada ou destinada a consumo próprio, é considerada crime de tráfico. (…), não é necessário que se prove a venda ou a cedência a outrem para haver crime de tráfico. É que consta dos elementos típicos previstos no artigo 21.º do DL, de 22 de janeiro (crime base) (…)”.
14 Disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Por fim, retira-se ainda dos autos, e resultou provado, que os arguidos são consumidores habituais e não foram encontrados elementos que levem a considerar a existência de uma qualquer estrutura organizada de tráfico. Mais se provou que os arguidos conheciam as características estupefacientes do produto (já que o consumiam), sabiam que não se encontravam autorizados a detê-lo e que a sua conduta era proibida por lei. Agiram, assim, deliberada, livre e conscientemente, pelo que se encontra preenchido, relativamente aos dois arguidos o elemento subjetivo, na modalidade de dolo direto do crime em referência.
Em síntese, o conjunto de todas as circunstâncias aponta para uma situação em que a ilicitude se revela consideravelmente diminuída relativamente a cada um dos arguidos, pelo que estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime previsto no artigo 25.º, al. a), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
C) Dos crimes de ameaça agravada imputados ao arguido BB
O arguido BB encontra-se acusado da prática de três crimes de ameaça agravada.
Dispõe o artigo 153.º do Código Penal que “ Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, consagrado no artigo 155.º, que assim dispõe, à data da prática dos factos:
“1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º
2 - As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coação, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se”.
No que concerne ao tipo objetivo de ilícito, são três as características essenciais do conceito ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial. O mal ameaçado tem que ser futuro, o que significa que não pode ser de execução iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Necessário é só, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (cf. artigo 22.º, n.º 2, al. c), do Código Penal)15.
É ainda indispensável que a ocorrência do mal futuro dependa da vontade do agente, o que estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência.
É indiferente a forma que revista a ação de ameaçar: tanto pode ser oral, como escrita ou gestual.
O mal ameaçado, isto é, o objeto da ameaça tem que constituir crime, isto é, tem que configurar em si mesmo um facto ilícito típico, contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
Sujeito passivo ou vítima do crime de ameaça é o destinatário da ameaça, havendo que distinguir deste sujeito passivo a pessoa objeto do crime ameaçado, isto é, o sujeito passivo ou vítima da prática futura do crime que dá corpo à ameaça, pois poderão não coincidir (devendo, contudo, estar numa relação de proximidade existencial).
O conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo desta é elemento integrante do tipo objetivo do ilícito de ameaça. Efetivamente, se é irrelevante a forma utilizada pelo agente ameaçador, indispensável é, para o preenchimento do tipo, que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário. Dito de outra forma, a lei não exige que a ameaça seja dirigida diretamente ao ofendido, bastando que o facto ameaçador chegue ao seu conhecimento, por qualquer meio, ainda que por interposta pessoa16. É ainda necessário que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Isto significa que se exige apenas que a ameaça seja suscetível de afetar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado. O crime de ameaça, após a revisão de 1995, deixou de ser um crime de resultado e de dano e passou a ser um crime de mera ação ou de perigo concreto (ou seja, exige-se que no caso concreto se tenha verificado o perigo de lesão da tranquilidade interior e da liberdade do ameaçado).
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objetivo-individual: objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem revelar as características da pessoa ameaçada (relevância das sub-capacidades do ameaçado ou, inversamente, das sobre-capacidades relativamente à média dos cidadãos).
No que concerne ao tipo subjetivo, trata-se de um crime doloso, dolo esse que exige e se basta com a consciência da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça.
O artigo 155.º estabelece uma agravação da pena abstrata, quando, entre outras situações aí previstas, a ameaça for praticada contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º132, no exercício das suas funções ou por causa delas” (alínea c)).
A ratio desta agravação consiste na consideração legislativa de que há, no geral dos casos, uma proporção direta entre a gravidade do crime objeto de ameaça e a perturbação da paz individual e da liberdade de determinação: quanto mais grave aquele for maior será esta perturbação. Este artigo 155.º prevê, portanto, um crime de ameaça qualificada pela gravidade do crime ameaçado. Por fim, cumpre salientar que crime de ameaça agravada constitui um tipo legal autónomo e distinto daquele previsto no artigo 153.º do Código Penal. Isto porque, a remissão que o artigo 155.º, n.º 1, do Código Penal faz para o artigo 153.º do mesmo Código refere-se, tão só, aos factos previstos no n.º 1 deste preceito e não para a natureza do ilícito previsto no n.º 2.
De facto, aquando da alteração do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, o legislador optou claramente por autonomizar várias circunstâncias agravantes quer da ameaça quer da coação, criando um tipo legal próprio que pune de forma mais grave comportamentos que revelam um maior grau de ilicitude ou de culpa.
E é por tal motivo que, uma vez que os bens jurídicos protegidos nessa incriminação do artigo 155.º do Código Penal, não sendo apenas atinentes à esfera da liberdade pessoal das pessoas, mas porque interferem já com valores supraindividuais, o ilícito em questão assume natureza pública, não estando a ação penal dependente da vontade do ofendido.
Posto isto, analisada a matéria de facto apurada no caso dos autos, no que concerne a uma eventual ameaça sobre DD, não resultou provado qualquer facto suscetível de preencher os elementos objetivos do tipo de ilícito criminal em análise, pelo que, quanto a este crime, o arguido BB terá de absolvido da prática do mesmo.
No que respeita ao imputado crime sobre os militares, é certo que resultou provado que o arguido lhes disse “vou-vos foder”.
O critério de aferição do conceito de futuro no âmbito do crime de ameaça tem sido frequentemente discutido na doutrina, como na jurisprudência, sendo hoje pacificamente assumido que o mal futuro cominado na ameaça integradora do tipo de crime a que nos reportamos não se situa necessariamente num futuro longínquo ou mais ou menos distante. É futuro todo o mal que não se inicia com a ameaça ou imediatamente a seguir a ela, independentemente do tempo verbal utilizado. Ora, no contexto global que os factos provados evidenciam, a expressão dirigida pelo arguido aos dois militares da guarda nacional republicana, por si só, mostra-se insuficiente para o preenchimento do ilícito.
A análise da verificação do mal futuro não pode, pois, restringir-se ao sentido atual ou futuro que, aparentemente, comporte, seja por que forma for, sob pena de redutora perceção da realidade e, até, acrescente-se, de excessiva tutela penal, a coberto dessa simples literalidade.
De facto, as palavras do arguido traduzem a ameaça de um mal, admitindo, na sua literalidade, a projeção de futuro, ainda que, porque proferidas durante e no contexto da ação de fiscalização policial, resulte que, temporalmente, a prometida lesão, a ocorrer, se quedasse por esse momento.
Sem prejuízo do significado das palavras do arguido, caberá, então, dilucidar, de acordo com as regras da experiência, da sua adequação a perturbar o agente da autoridade, sendo que não é necessário que esse resultado se verificasse, nem que propriamente o arguido tivesse essa específica intencionalidade. E, assim, durante a fiscalização policial em curso, a sua atitude melhor se configurará como resposta ao que poderia vir a ser concretizado nessa fiscalização do que como expressão de convicção sua de que, através da mesma, lograsse algum efeito de obstar ao que tivesse de ser feito nesse momento e, mesmo, tivesse a possibilidade de agir como prometia.
Ainda que admitindo que outra fosse a sua convicção, afigura-se, porém, que o critério do “homem médio” tende no apontado sentido. Por seu lado, mas conjugado com esse aspeto, também, na perspetiva do que as regras da experiência ensinam, não se descortina fundamento decisivo para lhes conferir relevo típico, carente, em concreto, da tutela penal.
Acresce que, independentemente dos militares terem ficado, ou não, intimidados - elemento de que o ilícito prescinde -, se entende que as palavras do arguido, nesse específico contexto, não eram, pelo menos com necessária certeza, suscetíveis de ser valoradas de forma séria, dificilmente se acreditando, até, que a arguida as tivesse interpretado como tal. Não se desconhece que não se exige, para o crime, qualquer especificidade de conduta, nem que se verifique qualquer dano (entre outros, acórdão da Relação do Porto de 21.03.2007, rel. Borges Martins, no proc. n.º 0617077, in www.dgsi.pt), mas também só é viável, para o efeito de integração no tipo, as condutas que sejam aptas, numa perspetiva ex ante, a criar perigo para o bem jurídico protegido.
Em síntese, não obstante se verificar por banda do arguido BB um claro desrespeito pela entidade policial em exercício de funções, não e pode atribuir a dimensão de redundar no tipo legal de ameaça em face da contextualização atinente.

D) Dos crimes de injúria agravada imputados ao arguido BB
O Ministério Público imputa ao arguido BB a prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, previstos e puníveis pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal.
Estipula o artigo 181º, nº. 1 do Código Penal que comete o crime de injúria: “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe, palavras, ofensivos da sua honra e consideração…”.
Por outro lado, refere o artigo 184.º do mesmo diploma legal que: “as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº. 2 do artigo 132., no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade”.
Na alínea l), do nº. 2 do artigo 132.º do Código Penal estão descritas as pessoas que, por razão do exercício das suas funções ou por causa delas, se encontram expostas a atos desta natureza, encontrando-se entre elas os militares.
No caso dos autos resultou provado que quando os elementos da GNR,, Guarda Principal EE e Guarda Principal FF estavam a proceder ao cumprimento da busca determinada nos autos no quarto do arguido BB, devidamente identificados e fardados, este insurgiu-se contra os mencionados militares, dizendo “Filhos da Puta”. Mais resultou provado que o arguido BB, ao apelidar os dois militares da GNR com referida expressão pretendia atingi-los na sua honra e consideração pessoal e profissional, sabendo que praticava tais atos contra militares da GNR em exercício de funções, o que logrou.
Ora, não podemos ignorar que quem utiliza tal expressão, dirigindo-a a um terceiro, tem a clara intenção de ofender a honra e a consideração dessa outra pessoa, sabendo que essas palavras são aptas a produzir tal resultado.
Não são mero desabafo ou falta de educação, principalmente quando são dirigidas a alguém que está no exercício das suas funções de autoridade pública e que, por esse mesmo motivo, deveria ser tratada com o respeito que merece e que é próprio das suas funções.
Encontram-se, assim, reunidos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito criminal em apreço.
Inexistem quaisquer fatores endógenos ou exógenos que retirassem a capacidade de o arguido se nortear em conformidade com o direito, pelo que o arguido deverá ser punido pela prática de dois crimes de injúria agravada, por ter dirigido a sua conduta a dois militares de guarda nacional republicana em exercício de funções e por causa dessas funções.

E) Do crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido BB
Por fim, o arguido BB ainda e encontra acusado da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 2.º, n.º1, al. q), az) e ae), artigo 3.º, n.º4 e artigo 86.º, n.º1, al. c), do RJAM.
Determina o artigo 2.º, n.º1, do referido diploma legal que Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por:
(…)
q) «Arma de fogo curta» a arma de fogo cujo cano não exceda 30 cm ou cujo comprimento total não exceda 60 cm; (…)
ae) «Arma de fogo semiautomática» a arma de fogo que, após cada disparo, se recarregue automaticamente e que não possa, mediante uma única pressão no gatilho, fazer mais de um disparo;
(…)
az) «Pistola» a arma de fogo curta, de tiro a tiro, de repetição ou semiautomática
O artigo 3.º, n.º4, al.a) do mesmo diploma legal estabelece que São armas da classe B1: a) As pistolas semiautomáticas com os calibres denominados 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 Auto);
Por sua vez, dispõe o artigo 86.º, n.º 1, na parte que aqui nos interessa que quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
“(…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
O tipo objetivo deste crime reconduz-se à adoção de um dos comportamentos descritos (entre outros, a detenção, uso ou porte de arma proibida) que, por implicar uma probabilidade de dano para diversos bens jurídicos, fundamenta a punição. Trata-se de um crime de perigo abstrato e de perigo comum17. O tipo legal objetivo é bastante abrangente, preenchendo-se, designadamente, com a mera detenção, uso ou porte de armas proibidas.
Ou seja, trata-se um crime de mera conduta que se prolonga espácio-temporalmente, de um crime permanente, não podendo entender-se que existe uma infração por cada utilização ou deslocação que eventualmente seja feita com a arma proibida, ou por cada arma proibida que o agente detenha18. Tais circunstâncias revelam apenas posteriormente, em sede de determinação da pena, ao nível da avaliação da gravidade do ilícito e das concretas circunstâncias em que o mesmo teve lugar.
18 Cf. Ac. RC, de 14.10.87, BMJ, nº 370, pág. 622.
No que se refere ao tipo subjetivo do crime cumpre salientar que, tratando-se de crime doloso, é necessário que o agente tenha conhecimento dos elementos integradores da norma. Ou seja, neste caso, para que a consciência ética do agente se ponha corretamente o problema da ilicitude, precisa de conhecer não só a factualidade, como a própria proibição, uma vez que é esta que dá relevância axiológica à conduta, sendo que, por isso mesmo, o erro sobre a proibição é ainda um erro intelectual que exclui o dolo.
No caso dos autos, resultou provado que o arguido BB detinha uma (01) arma de fogo (pistola), de cor preta, de marca “Rhoner”, modelo 115, calibre 6,35 mm Browning, com número ...78, configurando uma arma semi-automática, em boas condições de conversação e funcionamento, com carregador municiado com sete munições do mesmo calibre, sendo quatro marca “Prvi Partizon”, uma marca “Sellier &Bellot”, uma marca “Geco” e uma marca “Remington-Peters”.
Mais se apurou que este arguido detinha tais objetos/ armas e munições na sua posse, sabendo que não os podiam deter por não estar legalmente habilitado, sabendo que tais objetos configuravam armas proibidas, tendo atuado de forma livre, deliberada e consciente, com conhecimento que a sua conduta era punida e proibida por lei.
Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. O arguido praticou assim na forma consumada e em autoria material um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

§ 2. Das consequências jurídicas do crime praticado pelos arguidos AA e BB.
a) Devidamente subsumida a conduta dos arguidos, cumpre agora proceder à determinação da natureza e medida da sanção a aplicar a cada um deles.
O crime de tráfico previsto pelos artigos 21.º e 25.º, al. a), do DL n.º15/93 é punido com pena de um a cinco anos de prisão.
O crime de detenção de arma proibida é punido com pena prisão de um a cinco anos ou pena de multa de dez a 600 dias (cf. artigo 86.º, n.º1, al. c) do RJAM).
A moldura legal aplicável ao crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, é de um mês a dois anos e seis meses de prisão [artigos 73.º, n.º 1, als. a) e b), 143.º e 145.º, n.º1, alínea a), todos do Código Penal].
O crime de injúria agravada é punido com pena de um mês a quatro meses e meio de prisão ou de dez a 180 dias de multa (cf. artigos 181.º e 184.º do Código Penal).
Uma vez que relativamente aos crimes de detenção de arma, de ofensa à integridade física e de injúria pelos quais o arguido BB vai condenado admitem a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, cumpre proceder, desde já, a determinação da espécie de pena que concretamente irá ser aplicada relativamente ao arguido BB, atendendo, para o efeito, ao sentido e ao alcance do princípio geral que resulta da combinação dos artigos 40.º e 70.º.
Nos casos em que o legislador tenha admitido o funcionamento alternativo de uma reação detentiva e de uma pena não privativa da liberdade, deverá o tribunal dar preferência à segunda sempre que, através dela, for possível realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E como aplicação de penas tem por objetivo a proteção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade, serão sempre e só considerações de prevenção geral e especial a decidir da possibilidade de preferir, no caso concreto, uma medida não detentiva a uma pena de prisão.
Para além da ressonância ética que a lesão de bem jurídico de essencialidade tão evidente sempre provoca na comunidade, sendo por isso elevadas as exigências de prevenção geral, acresce que, olhando para o passado do arguido antes de cometer os factos em causa nos autos, havia sido condenado por onze vezes. Resulta assim, que o comportamento empreendido pelo arguido não pode ser entendido como um ato impulsivo e descontrolado, mas sim como a manifestação de uma personalidade avessa a levar a vida em conformidade com o direito.
De facto, as cinco anteriores condenações em que este arguido havia já sido condenado antes da prática dos factos em causa nos autos (em multa e em prisão), não foram suficientes para o demover da prática de novos ilícitos criminais. No juízo a ter quanto à escolha da pena, atento o seu já relevante percurso criminal, o que urge ponderar é a suficiência da pena a aplicar para evitar o cometimento de novos crimes, independentemente da sua natureza, e da falência das penas aplicadas anteriormente, e não se já praticou ou não crime idêntico no passado.
Desta ponderação resulta que as penas de multa que foram aplicadas ao arguido BB não se mostraram com virtualidades suficientes e adequadas para prevenir a prática de novos ilícitos como o dos autos, nem tal pena se mostra suficiente para prevenir a prática de futuros ilícitos, quer pelo arguido quer pela comunidade em geral, razão pela qual entendemos que apenas uma pena privativa de liberdade se revela suficiente para satisfazer as exigências de reprovação e prevenção (geral e especial) dos crimes que cometeu, pelo que se opta pela aplicação ao arguido da pena de prisão relativamente a todos os crimes.
b) Na determinação da medida concreta aos arguidos de cada uma das penas deve o Tribunal tomar em conta, como diretrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º1 do artigo 71.º, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos fatores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.
Tendo, pois, em conta os princípios gerais que acabam de ser formulados, deverão ser, neste momento, consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipos legais convocados, sejam expressivas da culpa de cada um dos arguido e da medida das necessidades de prevenção.
Vejamos separadamente a situação de cada um dos referidos arguidos.
i.) Relativamente ao arguido AA, na medida concreta da pena a aplicar relevam os seguintes fatores:
Não registar antecedentes criminais;
A sua aparente boa inserção familiar;
A quantidade de produto estupefaciente, que, atento o tipo de crime que integra, não é muito relevante;
A circunstância de não se ter provado quaisquer atos de transação do produto detido pelo arguido;
A atuação do arguido com dolo direto;
A personalidade do arguido, evidenciada por uma maior vulnerabilidade à prática do crime de tráfico, em face da sua problemática aditiva.
E assim, tudo ponderado, revela-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de um ano e dois meses de prisão.
ii.) Relativamente ao arguido BB relevam os seguintes fatores:
A sua atual boa inserção familiar e profissional;
A ilicitude é elevada, uma vez que o arguido detinha, para além do mais, cocaína, considerada uma “droga dura” pelas nefastas consequências que advêm para a saúde dos que a consomem; A atuação do arguido com dolo direto em todas as condutas penalmente relevantes;
A personalidade do arguido, evidenciada por uma maior vulnerabilidade à prática do crime de tráfico, em face da sua problemática aditiva;
As cinco condenações anteriores sofridas pelo arguido.
No que concerne ao crime de detenção de arma, a circunstância de ter o carregador municiado com sete munições.
Sopesados os circunstancialismos acima enunciados e salvaguardas as finalidades da pena e as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso concreto, e considerando a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em causa, adequada e proporcional, a aplicação ao arguido das seguintes penas:
- Um ano e oito meses de prisão relativamente ao crime de tráfico de menor gravidade.
- Um ano e seis meses de prisão relativamente ao crime de detenção de arma proibida.
- Cinco meses de prisão relativamente a cada um dos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada.
- Dois meses de prisão relativamente a cada um dos crimes de injúria agravada.
c) Tendo o arguido BB praticado os mencionados crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, cumpre, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, proceder à construção da moldura do concurso e, considerando globalmente o conjunto dos factos e a personalidade daquele, determinar, dentro dela, a medida concreta da pena única a aplicar-lhe.
As regras da punição do concurso mandam que este se faça, determinando, em primeiro lugar, a moldura penal do mesmo, a qual terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Para a definição da pena concreta, deve levar-se em consideração, em conjunto, os factos e sua gravidade, já supra analisados.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Vertendo ao caso dos autos, atento o disposto no n.º2 do artigo 77.º, a pena única a aplicar ao arguido oscilará entre um ano e oito meses e os quatro anos e quatro meses de prisão.
Para determinação da pena única a aplicar ao arguido há a considerar o número de crimes que cometeu (seis), bem como a natureza e gravidade dos factos em causa. Não obstante a atual boa inserção familiar e profissional do arguido, as anteriores condenações que sofreu antes da prática dos factos, levam-nos a concluir que a pena não terá já um impacto muito significativo sobre o comportamento futuro daquele, existindo como tal uma necessidade de efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
Em síntese, considerando a globalidade os factos acima descritos e a personalidade do arguido, julga-se adequada a aplicação de uma pena unitária de três anos e quatro meses de prisão, assim se salvaguardando as finalidades da punição.
d) Considerando cada uma das penas concretamente aplicadas, cumpre ponderar a sua substituição, em face dos diversos institutos legalmente previstos para o efeito, designadamente o da prestação de trabalho a favor da comunidade o da suspensão da execução da pena de prisão.
Relativamente a AA, apesar de primário, tem uma vulnerabilidade que advém da sua inatividade bem como da sua dependência de produtos estupefacientes, pelo que resulta inequívoco que a substituição da prisão pelo trabalho a favor da comunidade ficará aquém das finalidades da punição.
E assim, face à personalidade e condições pessoais dos arguidos, afigura-se que a única pena de substituição suscetível de aplicação é a prevista no artigo 50.º do Código Penal, cujo n.º 1 dispõe que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos (n.º 5 do aludido normativo).
Na suspensão da execução da pena não estão em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral (sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico) e de prevenção especial. Perante um prognóstico favorável nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, são considerações de prevenção especial que determinam a socialização do arguido em liberdade, por assim se lograr alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena, e ser adequada e suficiente às finalidades da punição.
Relativamente ao arguido AA este é primário e encontra-se bem inserido no seio da sua família. E assim, não obstante a já supra referida vulnerabilidade apresentada pelo arguido, por força da sua situação de inatividade laboral e de dependência aditiva, entendemos que ainda se pode afirmar que existe um juízo de prognose favorável no sentido de que conseguirá nortear a sua vida em conformidade com o direito, sendo a censura do facto e a ameaça de prisão, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Já relativamente ao arguido BB, o arguido praticou os factos já após ter sofrido várias condenações, uma das quis em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação. Contudo, o juízo de prognose favorável reporta-se ao presente momento, não se podendo desconsiderar que se verifica uma alteração do rumo do arguido, que demonstra uma vontade de alterar a sua vida, tendo-se mantido ativo profissionalmente desde há quase um ano, sendo que também o relatório social aponta nesse sentido. E assim, embora relativamente a este arguido já se verifica uma zona de fronteira, no confronto entre o passado criminal do mesmo e as suas atuais circunstâncias de vida, ainda é de concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão podem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Acrescenta-se que entendemos que a ameaça da prisão, porque tenderá a servir de suficiente desincentivo à reiteração futura dos comportamentos que se sanciona, não será entendida como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime e, por consequência, não comprometerá a defesa do ordenamento jurídico e exigências da exteriorização física da reprovação20.
20 Cf. Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/5/90, in RPCC, 2, 1991, pág.256..
Por tudo quanto foi exposto, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB pelo período de três anos e quaro meses.
No entanto, considerando a personalidade do arguido, bem como que o cometimento dos factos ainda num passado muito recente, suscitam-se dúvidas quanto a uma definitiva interiorização da censurabilidade das condutas em causa, pelo que se julga conveniente e adequado à realização das finalidades da punição condicionar a suspensão da pena de prisão ao cumprimento escrupuloso e regular do plano a realizar no âmbito do regime de prova previsto pelo artigo 53.º, n.º2, do Código Penal e às regras de conduta que resultarem do mesmo regime, a implementar segundo plano a elaborar posteriormente pela DGRSP.
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IV. Do pedido de indemnização civil
A Unidade Local de Saúde de Matosinhos deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €85,91, acrescida dos juros legais desde a data da notificação até integral pagamento pela assistência prestada a DD.
Considerando-se o conjunto dos factos processualmente adquiridos, apenas a responsabilidade civil fundada na prática de facto ilícito poderá estar em causa.
O artigo 483.º, do Código Civil, dispõe que, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Contudo, urge realçar que a condenação em indemnização por perdas e danos, no âmbito da ação penal, embora regulada pela lei civil, por força do princípio da adesão, tem sempre de se fundar na prática de um crime (cf. artigos 129.º do Código Penal e 71.º, n.º 1, do CPP).
O que significa que a causa de pedir do pedido de indemnização civil é integrada pelos factos pelos quais o arguido/demandado foi acusado, que constituem o thema decidendum.
O que significa que, “excluída a ilicitude da conduta do arguido, excluída fica a obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 483, n.º 1 do Código Civil.”
E, assim sendo, há que absolver os arguidos/demandados AA e BB do pedido- cf. art. 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Já no que concerne ao arguido CC provou-se que a demandante Unidade Local de Saúde de Matosinhos prestou assistência hospitalar a DD, por causa da atuação culposa e ilicita sobre aquele pelo arguido CC. Assim sendo, assiste o direito à demandante de ser reembolsada do demandado CC pela respetiva importância, acrescida dos respetivos juros de mora legais vencidos e vincendos à taxa supletiva legal de 4% para obrigações meramente civis (Portaria 291/03 de 8 de abril), sem prejuízo de eventuais ulteriores alterações à referida taxa, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento.

* V. Do destino dos bens apreendidos
Encontram-se apreendidos nos autos os objetos, armas, valor monetário e produto estupefaciente.
Dispõe o artigo 178.º, n.º1 do CPP que “são apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa …”.
Por sua vez, nos termos do artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, “são declarados perdidos a favor do estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
No que in casu importa, a declaração de perda a favor do Estado dos objetos apreendidos, ao abrigo do disposto no artigo 109.º do Código Penal, exige a verificação de dois pressupostos essenciais, a saber: - que o objeto tenha servido ou estivesse destinado a servir a prática de facto ilícito típico, ou que por este tenham sido produzidos; - que exista sério risco do objetos ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos.
O primeiro pressuposto preenche-se pela sua simples verificação objetiva.
No que concerne ao segundo pressuposto, a concretização do elemento traduzido em “sério risco de nova utilização ilícita” apresenta uma dupla vertente, objetiva e subjetiva, ainda que de verificação alternativa.
Quanto à vertente objetiva, importa atender às características específicas do objeto utilizado para a prática do crime ou que para ele se destinava, concluindo-se pela “perigosidade objetiva” quando o objeto, independentemente de quem o detém, é apto ou revela potencialidades para funcionar como instrumento de factos ilícitos.
Quanto à vertente subjetiva, importa atender às características e personalidade do agente, seja as reveladas na própria prática do facto ilícito concreto, seja as resultantes de outros elementos constantes dos autos, concluindo-se pela “perigosidade subjetiva” quando o detentor do objeto demonstra específica propensão para utilizar o dito objeto na prática de novos factos ilícitos.
Por isso e atenta a natureza das facas e balança apreendidos, devem esses objetos ser declarados perdidos a favor do Estado Português, desde já se ordenando a sua destruição, atenta a total e evidente falta de valor dos mesmos, após trânsito da presente decisão.
No que concerne à arma e munições apreendidas à ordem deste processo, aplica-se o disposto no artigo 109.º, n.º1 do Código Penal, aplicável ao caso, com as necessárias adaptações, por força do disposto no artigo 105.º, n.º1 do Regime Jurídico das Armas e Munições.
Considerando que a arma e munições apreendidas à ordem destes autos, acima melhor identificadas serviram para a prática de facto típico ilícito de natureza criminal, sendo que oferecem, pela sua natureza de armas/munições proibidas, sério risco de serem utilizados no cometimento de novos factos ilícitos típicos, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º1 do Código Penal, aplicável ex vi artigo 105.º, n.º1 do Regime Jurídico das Armas e Munições, é de declarar o seu perdimento a favor do Estado, devendo, após, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 78.º, n.º1 do Regime Jurídico das Armas e Munições.
Determina o artigo 35.º, n.º1 do DL n.º15/93, de 22 de Janeiro, que “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.” Por sua vez, o nº2 do mesmo preceito legal estabelece que “as plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.”
Atenta a natureza do remanescente do produto estupefaciente apreendido nestes autos (cf. folhas 32) e ainda não destruído, determina-se a sua perda a favor do Estado e a sua destruição por incineração, após trânsito da presente decisão (artigos 35.º e 62.º, ambos do citado DL. n.º15/93). Por fim, relativamente ao valor monetário apreendido ao arguido BB, por ter resultado que o mesmo é produto da prática de ilícito criminal, declaro-o perdido a favor do Estado.
Relativamente ao valor monetário apreendido ao arguido AA, não havendo razões para declarar o seu perdimento a favor do Estado, por falta de verificação dos requisitos enunciados nos artigos 109.º, n.º1 do Código Penal e 35.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, determina-se o oportuno cumprimento do disposto no artigo 186.º, nºs 2 a 4 do Código de Processo Penal.
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VII. Dispositivo (…) »

Cumpre apreciar.
No naipe que questões suscitadas sobre impugnação da matéria de facto pelo arguido, cumpre desde logo, apreciar a demarcação dos conceitos de insuficiência para a decisão da matéria de facto na apreciação da prova, e erro notório, e assim traçar os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha.
Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.” Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 ( concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”
No elenco dos vícios da decisão, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal;
Por sua vez, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio.
Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”, “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.
Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.
Quanto ao alegado vício de insuficiência da decisão da matéria de facto previsto no art.410º nº2 respeita à alínea a) do CPP, diversamente do que sustenta o recorrente, não se vislumbra qual o parâmetro de insuficiência decisório. Com efeito, pretende o recorrente, mas incorretamente, sustentar que não se havendo provado o destino para a venda a terceiros, a prova da mera detenção do estupefaciente se enquadra num parâmetro de insuficiência, defendendo que o Tribunal teria sempre de se pronunciar sobre o destino dessa detenção ou a intenção do sujeito sobre a mesma (se para venda ou consumo), mas esta argumentação situa-se ao arrepio do figurino típico, dado que a tipicidade de cada um dos crimes previstos nos arts.21º e 25º do Dec.Lei nº15/93 fecha-se e consuma-se com a prova da “mera” detenção, não subsistindo aí qualquer parâmetro de insuficiência.
Depois, a alegação deste vício é feita com recurso a elementos externos à própria fundamentação, o que, como se viu, coloca o vício arguido noutra sede do objeto de recurso. De essencial, e a este respeito, o recorrente quando sustenta a insuficiência da matéria provada pretende discutir, por um lado, a imputação do estupefaciente apreendido ao arguido, discutindo outros factos que alega e que, em si, são externos ao texto da própria decisão, designadamente um alegado numeroso agregado familiar que povoaria a habitação. A este respeito, não se produziu prova sobre o que sustenta a defesa pois, contrariamente ao afirmado, no relatório social junto nos autos consta que o agregado familiar é composto pelo arguido, sua mãe, padrasto e um irmão, sendo que o depoimento de GG agente da GNR que efetuou a busca foi muito claro ao referir-se ao quarto do arguido AA, o que confirmou mais adiante no seu depoimento, referindo que o arguido indicou o quarto como sendo o dele (apenas referido que na habitação no momento da busca se encontrarem seis pessoas familiares, mas sem que isso esclarecesse que essa sua presença significasse que aí residia). Depois, arguido quando presta declarações a final, e perguntado sobre quantas pessoas residiam na habitação indica o número de 8 (o que nem confere com o que sustenta no recurso), depois alude que se encontram inscritas na habitação camarária 4 pessoas, as quais nem conferem com as que são indicadas pelo relatório social. Mas estes fundamentos, como se referiu, pertencem à impugnação sobre a decisão da matéria de facto com sede no art.412º do CPP, pelo que, não se verifica a invocada nulidade.
Quando muito, poder-se-ia sustentar que a fundamentação não foi exaustiva, mas esse critério de suficiência da fundamentação, quando muito inscreve-se no âmbito das irregularidades.
No invocado vício de erro notório a impugnação do recorrente, designadamente quando refere nos pontos já focados da composição do agregado familiar e sobre as ilações probatórias quanto à titularidade do estupefaciente apreendido, são, no entanto, asserções que não se baseiam apenas nos limites do texto da decisão, antes, são “contaminadas” pela análise que deriva dos meios de prova, os quais como elementos externos à decisão em si, não podem ser aferidos no âmbito do invocado vício, sobretudo quando convoca o confronto entre os depoimentos do agente que procedeu à busca e os termos da mesma, com a respetiva reportagem fotográfica. Porque essa apreciação depende também da análise de outros elementos externos ao próprio texto, igualmente, não se deferirá a subsunção ao erro notório, embora se devam retirar as devidas conclusões em sede de erro de julgamento nos termos do art.412º do CPP.
Portanto, não padecendo o acórdão de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso.
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Também não pode operar o princípio “in dúbio pro reu”, dado que nos parâmetros de convencimento probatório do Tribunal “A Quo” não se antevê qualquer panorama de dúvida que fragilizasse a decisão da matéria de facto, de modo que não pode operar este princípio, ainda que adiante se retome o mesmo.
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No âmbito da impugnação da matéria de facto, pese embora o recorrente se situe no âmbito do art.410º do CPP, como discorre sobre a interpretações dos meios de prova nos termos do art.412º do CPP, em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade, em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
O recorrente centra a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto na circunstância do Tribunal “A Quo” haver fundado a sua convicção em elementos que considera insuficientes, defendendo que o Tribunal “A Quo” não julgou corretamente a titularidade do estupefaciente apreendido, assim como a mera detenção, sustentando que o arguido deverá ser absolvido do ilícito em que foi condenado.
Deve dizer-se que a par das concretas divergências enfatizadas pelo recorrente, não cumpriu o mesmo com suficiência o ónus de impugnação especificada, que a lei obriga. Com efeito, estava o mesmo obrigado à indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação a cada facto (devendo alocar as passagens a enunciar a cada facto em discussão que considera em crise nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal), assim como a indicação das provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto, e não apenas, as provas que permitam uma diversa apreciação. Como não se cumpriu este ónus, a mera impugnação (ainda que com segmentos indicados mas sem referências a passagens com correspondência a pontos de facto impugnados), é inoperante nos termos do art.412º do CPP. No que resta, o recorrente pretende uma reinterpretação diversa dos factos provados, finalidade que não logra ultrapassar a livre convicção do julgador, deste que fundada em premissas válidas e admissíveis.
Na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal “a quo” explicou o curso da sua convicção num plano de coerência com as regras da experiência comum. O Tribunal de recurso ouvidos estes meios de prova, entende que não existem desconformidades sobre o que foi considerado pelo Tribunal “A Quo” quanto à relevância de cada um destes meios de prova. O Tribunal “A Quo” na formação da sua convicção, mostrou respeitar os regras da lógica e da experiência comum. Contrariamente ao que é sustentado pelo recorrente o Tribunal nunca presumiu que a droga apreendida ao arguido seria para seu consumo, somente entendeu que, como o arguido já consumiu estupefacientes, por esse facto conhecia muito bem a natureza dos produtos que lhe foram apreendidos e tinha um manifesto dolo na sua detenção. O Tribunal “A Quo” formou a sua convicção no auto de busca, sua reportagem, no relatório social e depoimento do militar GG, pois apesar das declarações do arguido se limitarem às suas condições de vida, o mesmo não colocou qualquer dúvida sobre o seu quarto que aliás indicara ao agente de autoridade, segundo as referências repetidas no depoimento deste.
A este respeito cabe referir que o recorrente parte de pressupostos típicos incorretos, como se a detenção para ser típica e criminalmente punida dependesse da atitude subjetiva do detentor finalisticamente dirigida à venda ou a cedência a terceiros, quando, para a integração típica basta a mera detenção prevista no art.21º para fechar a tipicidade, onde à acusação apenas cumprirá provar essa detenção, como elemento típico suficiente para fechar a tipicidade do delito de tráfico nos termos dos arts.21º ou do 25º do Dec.Lei nº15/93, consoante densidade de ilicitude, sem que o elemento objetivo deva estar associado a uma intenção de venda ou de cedência a terceiros.
E a detenção pode verificar-se para muitos fins, que não apenas a venda, consumo ou cedência a terceiros, passando pelo simples armazenamento para destino ulterior. Pois, é a perigosidade inerente à existência do estupefaciente, ainda que por mero depósito, que o legislador quis punir.
Por sua vez, o arguido pretendendo provar o uso exclusivo para o seu consumo (como causa de exclusão da responsabilidade penal), nesse propósito, se forem criados planos de incerteza probatória, o princípio “in dúbio pro reo”, possibilita que se dê como provado o destino para consumo. O caso não deixa de ser curioso, pois os factos respeitantes à finalidade do consumo apuram-se não com o exigível grau de probabilidade elevada (reservada para a prova do objeto da acusação), mas sim pela operacionalidade do in dúbio pro reo, ou seja, trata-se da prova de um facto que ocorre num plano de dúvida, a qual possibilita a prova do consumo (em caso de dúvida). Contudo, in casu não se instalou uma dúvida legítima na convicção do julgador sobre o destino do consumo.
A quantidade apreendida ao arguido de estupefacientes de diferente natureza, apesar de, por si só, ser relevante em termos indiciários, dado exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, contudo, é consabido não ser decisivo (cfr.art.40º nº3 do Dec.Lei nº15/93). No entanto, no problema probatório dos autos, a par da apreensão, não se produziu prova sobre o destino desse estupefaciente para o consumo do arguido (como seria o caso, do arguido prestar declarações nesse sentido com valor probatório, claro está), e essa realidade não se pode ficcionar, carece de prova.
Na ausência de prova do destino desse estupefaciente para o consumo, torna a detenção ilícita o elemento de facto preponderante para integração típica no art.25º do Dec.Lei nº15/93.
E não se detetando falha alguma no exame crítico realizado pelo Tribunal a quo, a convicção formada por este, como se viu, torna-se insindicável, concordando este Tribunal de recurso com o juízo de prova que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo qualquer erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção.
Não vislumbramos que haja sido formulado qualquer juízo destituído de razoabilidade e que contrarie os ditames da experiência comum, devendo improceder a impugnação movida à decisão a matéria de facto, assim improcedendo todas as conclusões de recurso.




DISPOSITIVO.
Pelo exposto, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Criminal decidem negar provimento o recurso, mantendo-se a douta sentença nos seus precisos termos.

Condena-se o arguido recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em três UCs.

Notifique.







Porto, 3 de Julho de 2024.
Nuno Pires Salpico
Maria Joana Grácio
Castela Rio