CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
QUESTÕES NOVAS EM RECURSO
Sumário

I - A Lei Quadro das Contraordenações Ambientais prevê expressamente no art. 43.º que as notificações são efetuadas por carta registada com AR, dirigida para a sede ou domicílio dos destinatários.
II - Em processo de contraordenação além de não ser aplicável o princípio da vinculação por via do art. 75 nº2 do RGCO, também existe jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ nº 3/2019, no sentido de que o recorrente, no recurso da decisão proferida em primeira instância, pode suscitar questões que não tenha invocado na impugnação judicial.

(da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 892/23.5T9PVZ.P1





1. Relatório


Na sequência de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, (IGAMAOT), no processo CO/…6/21 que deu origem à condenação da arguida A..., Lda, com sede na ..., Lote ...0, ..., freguesia ..., concelho ..., pela prática de contraordenação ambiental grave, (incumprimento dos requisitos mínimos relativos às instalações e armazenagem de veículos em fim de vida - VFV), p.p. pelo nº1 do art. 87 e al. ddd) do art. 90 do DL 152-D/2017 de 11/12 sancionável a título de negligência nos termos da al.b) do nº3 do at. 22 da LQCOA, - (lei de quadros das contraordenações ambientais) -, na coima de €12.000,00 (doze mil euros) foi depositada em 19/01/2024, decisão proferida por mero despacho no recurso de contraordenação no processo nº 892/23.5T9PVZ do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim com o seguinte dispositivo:
« o Tribunal julga totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, A..., Lda..
No entanto, altera-se a decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, aplicando-se à Recorrente uma coima no valor de € 6.000,00 (seis mil euros), suspendendo a execução da coima no restante, pelo prazo de dois anos, subordinada ao cumprimento da sanção acessória de imposição de remoção, em 60 dias úteis, de todos os resíduos das suas instalações e seu encaminhamento para um centro de receção de veículos em fim de vida, assim se repondo a situação anterior à infração e se eliminando os riscos criados para o ambiente, tudo nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, al. a) e b), 30.º, n.º 1, al. j) e n.º 4, todos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
Custas a cargo da recorrente que se fixam em 1 UC – cfr. artigo 8.º, n.º 9, do Regime Geral das Contraordenações, por referência à Tabela III anexa.»
Discordando da decisão do Tribunal por ter considerado que a arguida foi devidamente notificada da instauração do processo contraordenacional e do prazo que lhe foi concedido para apresentação da sua defesa, bem como da circunstância de, no caso concreto, não ter sido aplicada a suspensão total da coima, veio a arguida interpor o presente recurso.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso:
«I. O tribunal a quo considerou a recorrente devidamente notificação do processo de contraordenação contra si instaurado. Ora, com tal entendimento não pode a recorrente concordar.
II. Nos presentes autos não existia prova sustentável para que o tribunal a quo decidisse do modo em que o fez.
III. Não existe prova de que a pessoa que consta no AR assinado e que servir de prova para sustentar a posição do tribunal recorrido era trabalhador ou representante da recorrida.
IV. Não existe prova em como a funcionária AA tenha dado conhecimento aos representantes da recorrida da ação inspetiva levado a cabo no dia dos factos em discussão.
V. Pelo que, não existe prova suficiente para a comprovação de um facto, então, deveria vigorar neste ponto o princípio do “in dúbio pro reo”, previsto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
VI. O facto do aviso de receção ter sido assinado por algum representante legal da recorrida, ou seu empregado surge como omissa na matéria de facto dada como provada.
VII. Pelo que, se verifica, neste ponto, um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, pois o Tribunal a quo não considerou provado ou não provado, um facto expressamente alegado pela defesa, de que podia e devia conhecer, sendo esse facto relevante para aferir se a notificação em causa foi, ou não, recebida por quem tinha a capacidade de vincular a pessoa coletiva à receção dessa notificação.
VIII. Tudo isto torna inválida a notificação para exercício do direito de audição e defesa, a nulidade decorrente dessa omissão deve considerar-se insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º119.º do CPP.
IX. Por outro lado, consta do auto de notícia junto aos autos que a coima a ser aplicada ao caso em concreto seria no seu limite mínimo o montante de 36.000,00 € e limite máximo o valor de 260.000,00€.
X. Tendo em consideração os factos de que aqui se tratam, bem como a aplicação da coima em 12.000,00€ que acabou por ser condenada a recorrente, aqueles valores não correspondem à verdade.
XI. O auto de contraordenação não cumpre o exposto no artigo 46º da LQCA.
XII. Pelo que, quando um auto de contraordenação não contenha os elementos que a lei impõe, a decisão que dele resulta é nula por aplicação do disposto no artigo 374.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal para as decisões condenatórias, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCOC
XIII. Ao caso em concreto deveria ter sido aplicada a suspensão da execução da coima de forma total e não apenas parcial.
XIV. A recorrente, se o fez, apenas cometeu a contraordenação de forma negligente.
XV. A arguida recorrente não tem qualquer antecedente contraordenacional.
XVI. Antes de qualquer aplicação de coima e sanção acessória, a arguida não tinha no local dos factos quaisquer resíduos que pudessem prejudicar o meio ambiente.
XVII. A arguida recorrente não causou qualquer impacto negativo no bem jurídico e protegido pela norma que alegadamente violou.
XVIII. Não retirou qualquer benefício económico do mesmo.
XIX. Assim, ao caso deveria aplicar-se a suspensão total da execução da coima, pois mostra-se suficiente e adequada para prevenir a reincidência da recorrente, bem como à prevenção de danos ambientais.»
Conclui pedindo que na procedência do presente recurso seja a decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgue inválida a notificação para exercício do direito de audição e defesa da recorrente, - a nulidade decorrente dessa omissão deve considerar-se insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º. 119.º do CPP -, e/ou declare nulo o auto de contraordenação por aplicação do disposto no artigo 374 n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal para as decisões condenatórias, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCOC ou, caso não seja esse o entendimento, aplique ao caso em concreto, a suspensão total da execução da coima, prevista no artigo 20º-A da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
O presente recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 15/02/2024.
Em primeira instância o MP respondeu ao recurso considerando que não assiste razão ao recorrente porque a notificação do auto de instauração do processo de contraordenação foi validamente realizada após uma fiscalização policial levada a cabo nas instalações da sede da sociedade comercial arguida e de ter havido contacto pessoal com uma trabalhadora da mesma.
Os artigos 50 do RGCO e 49 da LQCOA exigem que a pessoa visada por um procedimento contraordenacional seja notificada formalmente para que se possa defender antes de ser proferida a decisão final, consagrando o exercício do contraditório na fase administrativa.
Às notificações de pessoas coletivas aplicam-se os artigos 41, 58 e 59 do RGCO, o art. 113 nº1-b), e 2, do Código de Processo Penal, e o art. 43 nº1, 2 e 11, da LQCOA. em conjugação com o disposto nos artigos 188, 228 e 246, todos do Código de Processo Civil, visto que nem o RGCO, nem o Código de Processo Penal, nem a LQCOA contêm uma regra específica.
A lei processual civil estabelece como regime a citação das pessoas coletivas por via postal (artigos 228 e 246 do Código de Processo Civil) por meio de carta registada com aviso de receção, dirigida ao citando e endereçada à sede ou ao local onde funciona habitualmente a administração.
A lei não exige que o aviso de receção seja assinado pelo representante legal, pode ser qualquer trabalhador ou pessoa com poderes para receber correspondência, sem que tal configure falta de citação.
A fiscalização policial que deu início ao processo contraordenacional foi levada a cabo por dois militares da G.N.R. na morada da sede da empresa, na presença de uma trabalhadora -AA (identificação completa no auto de notícia) dando-lhe conhecimento da razão de ser da aludida fiscalização e das respetivas consequências, conforme ficou exarado no auto de notícia. Este facto, por si só, constitui logo à partida um obstáculo à tese segundo a qual a sociedade arguida não foi informada sobre a existência do auto de notícia.
A notificação formal dirigida à sociedade arguida para o exercício do direito de defesa cumpriu o disposto nos arts. 50 do RGCO e 49 da LQCOA com o envio para a morada da sede da sociedade arguida com aviso de receção assinado nesse mesmo local por uma pessoa em sua representação, que forneceu um elemento identificativo para o efeito, como se alcança a partir do teor de fls. 6 dos autos, pelo que, teria de ser necessariamente alguém ligado à sociedade arguida ou incumbido por esta para receber notificações em tais termos.
Aliás, o método de notificação da comunicação para o exercício do direito de defesa e de notificação da decisão final foi o mesmo e a sociedade arguida não colocou em causa esta notificação.
Entende o MP que não pode proceder a arguida nulidade.
Não assiste razão ao pedido de suspensão total da coima aplicada à arguida, pelas razões já expostas na sentença recorrida: a arguida é pessoa coletiva, exerce uma atividade ambiental com impacto no meio ambiente, e tinha, por isso, a obrigação de conhecer o enquadramento legal dessa atividade; por fim, a contraordenação ambiental foi grave (incumprimento dos requisitos mínimos relativos às instalações de armazenagem de veículos em fim de vida).
Pugna pela improcedência do presente recurso e pela manutenção do decidido.
Nesta Relação a Sr.ª Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer de não provimento do recurso.
Quanto à questão da nulidade da notificação efetuada nos termos do artigo 50 do RGCO e a violação do direito de defesa decorrente dessa nulidade entende que o cumprimento do contraditório sempre pode ser feito, em caso de impugnação judicial, quando o processo contraordenacional é introduzido em juízo, com a dedução de acusação pelo Ministério Público.
Por outro lado, a arguida/Recorrente acabou por aceitar que a decisão do recurso fosse proferida por mero despacho, considerando que toda a prova necessária à decisão se encontrava já nos autos.
Subsiste a questão do modo como foi feita a notificação prevista no art. 50 do RGCO.
A arguida/ Recorrente foi notificada por carta registada com aviso de receção, tendo sido assinado aviso de receção por pessoa diferente do destinatário.
Do aviso de receção junto aos autos, resulta no espaço destinado à pessoa a quem foi entregue a notificação o número de identificação civil e o nome “BB”.
Quanto a este ponto refere o parecer:
«Ora, nunca alegou a Recorrente que a pessoa que assinou e recebeu a notificação não era sua funcionária, nem alegou ou comprovou que o facto de não ter tomado conhecimento da mencionada notificação se deu a motivo que não lhe era imputável.
Aliás, e como se refere na decisão recorrida, desde logo, o auto levantado pela autoridade policial faz menção expressão que a acção inspectiva foi feita na presença de uma funcionária da empresa arguida.
Não tem, pois, razão a Recorrente ao arguir a nulidade insanável da sua notificação.
Quanto à alteração da condenação, nos termos acima expostos, não fez a Recorrente qualquer pedido na sua impugnação judicial da decisão administrativa à sanção/coima que lhe foi aplicada, tendo o tribunal a quo decidido, de modo favorável, à arguida/Recorrente que metade do montante da coima aplicada poderia ser suspensa, nos termos determinados, o que não merece qualquer reparo.»
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP veio a recorrente responder ao parecer reiterando os seus argumentos recursivos.


2. Fundamentação

A- Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir.
Para melhor compreensão da situação em recurso passamos de seguida a transcrever a decisão recorrida quanto aos seus fundamentos de facto e de direito:
«I. Relatório
A..., Lda., NIPC ...03, com sede no Zona Industrial ..., Lote ...0, ... ..., veio apresentar recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, em sede da qual foi proferida uma decisão condenatória que comportou a aplicação de uma coima no valor de € 12.000,00, acrescida de € 75,00 a título de custas do processo.
Concluiu o seu recurso invocando, em súmula:
a) A nulidade do procedimento contraordenacional por ausência de comunicação à mesma dos factos que lhe eram imputados em ordem a poder exercer o seu direito de defesa na fase administrativa do processo, nos termos do disposto nos arts. 50.º e 41.º do Regime Geral das Contraordenações, em conjugação com o disposto no art. 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, 49.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
Recebido o recurso, foi a Recorrente notificada a fim de informar se se opunha à prolação da decisão por mero despacho (dado que o Ministério Público já tinha manifestado essa não oposição), tendo a mesma, por requerimento de 05/01/2024, afirmado que não se opõe à prolação de decisão naqueles termos.
Da nulidade do procedimento contraordenacional por ausência de comunicação à mesma dos factos que lhe eram imputados
Contra a Sociedade A..., Lda. foi instaurado procedimento contraordenacional ambiental grave por incumprimento dos requisitos mínimos relativos às instalações de armazenagem de veículos em fim de vida, previsto e punível pelo n.º 1 do art. 87.º e al. ddd) do n.º 2 do art. 90.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos da al. b) do n.º 3 do art. 22.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
A única questão suscitada pela sociedade arguida prende-se com a alegada nulidade do procedimento contraordenacional, por ausência de comunicação à mesma, antes da prolação da decisão final administrativa, dos factos que lhe eram imputados em ordem a poder exercer o seu direito de defesa na fase administrativa do processo, nos termos do disposto nos arts. 50º e 41º do Regime Geral das Contraordenações, em conjugação com o disposto no art. 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, 49º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais e 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.
De acordo com a Recorrente, o auto de contraordenação não lhe foi notificado, nem aos seus legais representantes, nem foi a recorrente notificada da existência do processo contraordenacional, de molde a exercer, querendo, o direito de audição de apreciação dos meios de prova e de apresentar a sua defesa.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta dos artigos 50.º do Regime Geral das Contraordenações e 49.º Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, sempre que qualquer entidade fiscalizadora lavrar um auto contraordenacional nos termos do qual sejam imputados a uma pessoa, singular ou coletiva, factos constitutivos duma infração contraordenacional e se inicie um procedimento contra essa pessoa por contraordenação tem de haver, imperativamente, uma notificação formal ao visado dando-lhe conta da imputação que lhe é feita para que se possa defender antes de ser proferida a decisão final administrativa.
Esta norma dá cumprimento ao comando do art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, correspondendo à consagração contraordenacional do princípio do contraditório da fase administrativa que terá sempre de ser observado em qualquer processo de direito sancionatório.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional 99/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “Dos direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32º, n.º10, da CRP, e densificados no artigo 50º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo contra-ordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate.”.
No presente caso, entende a Recorrente que o auto de contraordenação não lhe foi notificado, nem aos seus legais representantes, nem foi a recorrente notificada da existência do processo contraordenacional, de molde a exercer, querendo, o direito de audição de apreciação dos meios de prova e de apresentar a sua defesa.
As regras de notificação em processo contraordenacional quando sejam visadas pessoas coletivas são ligeiramente distintas do regime de notificações a pessoas singulares porquanto, nesta matéria, aplicam-se os arts. 41.º, 58.º e 59.º do Regime Geral das Contraordenações, o art. 113.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, e o art. 43.º, n.ºs 1, 2 e 11, da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, mas em conjugação com o disposto nos arts. 188.º, 228.º e 246.º, todos do Código de Processo Civil, visto que nem o Regime Geral das Contraordenações, nem o Código de Processo Penal, nem tão pouco a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, contêm qualquer regra específica para a notificação das pessoas coletivas.
Pelo exposto, as notificações em processo contraordenacional das pessoas coletivas devem ser realizadas nos termos do que a lei processual civil estabelece como regime legal de citação destas entidades.
Neste quadro, o que a lei impõe é que a carta seja endereçada para a sede ou local onde funciona habitualmente a administração da pessoa coletiva, e que o aviso de receção seja assinado por um concreto destinatário aí presente, mas que não tem de ser, necessariamente, o representante legal ou gerente da empresa, podendo, por isso, ser qualquer funcionário ou pessoa à mesma ligada ou um qualquer colaborador com poder para receber correspondência, sem que tal corresponda a um caso de falta de citação.
Assim, a aceitação de que é válida em processo contraordenacional a notificação de decisão administrativa condenatória, e, por maioria de razão, a notificação para o exercício do direito de defesa na fase administrativa, a uma pessoa coletiva através de carta registada com aviso de receção para a sua sede que, por sua vez, venha a ser assinada por um concreto destinatário aí presente à mesma ligado, ainda que não seja o seu representante legal, corresponde à posição da jurisprudência dominante, sendo certo que da pesquisa por nós levada a cabo não encontramos decisões de Tribunais superiores em sentido contrário.
Quanto a isto veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/09/2018, R: Maria da Graça Santos Silva, Proc. n.º 385/17.0Y4LSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
Assim sendo, verifica-se, em primeiro lugar, que a fiscalização policial que deu início ao processo contraordenacional foi levada a cabo por dois militares da G.N.R., na morada da sede da empresa constante do seu registo de matrícula comercial, e que nessa foi contactada pessoalmente uma funcionária da arguida identificada com sendo AA dando-lhe conhecimento da razão de ser da aludida fiscalização e das respetivas consequências, conforme ficou exarado no auto de notícia.
Este facto constitui um obstáculo à tese segundo a qual a sociedade arguida não foi informada sobre a existência do auto de notícia, pois não é credível que uma funcionária não tenha reportado à administração uma fiscalização policial levada a cabo nas instalações da sede da empresa, assim como a data em que ocorreu e qual a sua razão de ser e conclusões que logrou apurar a respeito da mesma. Do processo também não constam elementos que permitem infirmar esta conclusão.
Em reforço desta ideia, a notificação formal dirigida à sociedade arguida para o exercício do direito de defesa, nos termos do disposto nos arts. 50.º do Regime Geral das Contraordenações e 49º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, em sede do processo contraordenacional instaurado na sequência do auto de notícia resultante da sobredita fiscalização, foi dirigida para a morada da sede da sociedade arguida constante do registo de matrícula desta mesma sociedade.
Esta notificação foi feita através de carta registada, cujo aviso de receção, por sua vez, foi assinado nesse mesmo local, na morada da sede da sociedade arguida, por uma pessoa em sua representação, que, inclusivamente, forneceu um elemento identificativo para o efeito, como se alcança a partir do teor de fls. 06 destes autos.
Pela Recorrente não foram apresentados elementos que permitam afastar a validade, regularidade e eficácia legal que tal notificação comportou em concreto.
Desta forma, encontram-se integralmente preenchidos os pressupostos da validade, regularidade e eficácia da notificação dirigida à arguida em sede do presente processo contraordenacional para o exercício do direito de defesa nos termos do disposto nos arts. 50.º Regime Geral das Contraordenações e 49º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, porquanto a mesma foi feita através de carta registada com aviso de receção, assinado por pessoa concretamente identificada, e dirigida para a morada da sede da empresa.
Pelo exposto, conclui-se que a notificação dirigida à sociedade arguida no presente processo de contraordenação para o exercício do direito de defesa foi válida e eficaz e, consequentemente, o processo contraordenacional não está ferido de nenhuma nulidade processual.


II. Fundamentação

Factos Provados

1. A sociedade A..., Lda. - com o CAE Principal 49410-R3 transportes rodoviários de mercadorias, CAE Secundário 38311-R3 Desmantelamento de veículos automóveis, em fim de vida, CAE Secundário 38321-R Valorização de resíduos metálicos, CAE Secundário 38322-R3 Valorização de resíduos não metálicos, CAE Secundário 38120-R3 Recolha de resíduos perigosos, CAE Secundário 38112-R3 Recolha de outros resíduos não perigosos, CAE Secundário 38220-R3 Tratamento e eliminação de resíduos perigosos, CAE Secundário 38212-R3 Tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos -, tem sede na ..., Lote ...0, ..., freguesia ..., concelho ....
2. No dia 11 de março de 2021, pelas 17h00, a sociedade arguida efetivava o desmantelamento/depósito de VFV num terreno designado de lote ..., contíguo à morada referida em 1) e a si pertencente.
3. A Arguida estava adstrita ao cumprimento da obrigação legal que sobre si impendia, designadamente de assegurar o cumprimento dos requisitos técnicos mínimos relativos às instalações de armazenagem de VFV.
4. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta.
5. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
2. Factos Não Provados
Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
3. Convicção sobre a matéria de facto
Os factos em apreço resultam como provados do auto de notícia junto aos autos e não foram impugnados pela Recorrente no presente recurso de impugnação judicial, tendo a mesma expressamente aceite a prolação de decisão por mero despacho e, como tal, a natureza jurídica das questões a decidir.

4. Direito
No caso dos autos, face à factualidade apurada, cometeu a Recorrente a contraordenação prevista e punível pelo n.º 1 do art. 87.º e al. ddd) do n.º 2 do art. 90.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos da al. b) do n.º 3 do art. 22.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
Da determinação da medida da coima
Foi proferida, pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, decisão administrativa condenatória que comportou a aplicação de uma coima no valor de € 12.000,00, acrescida de € 75,00 a título de custas do processo.
A moldura abstrata da coima aplicável ao comportamento desvalioso imputado à Recorrente é variável, sendo sancionável com coima de 2.000 euros a 20.000 euros em caso de negligência e de 4.000 euros a 40.000 euros em caso de dolo, se praticada por pessoas singulares, e com coima de 12.000 euros a 72.000 euros em caso de negligência e de 36.000 euros a 216.000 euros em caso de dolo, se praticada por pessoas coletivas.
Pode, ainda, haver lugar à eventual aplicação das seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos pertencentes ao arguido, utilizados ou produzidos aquando da infração;
b) Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou comunitários;
d) Privação do direito de participar em conferências, feiras ou mercados nacionais ou internacionais com intuito de transacionar ou dar publicidade aos seus produtos ou às suas atividades;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objeto a empreitada ou concessão de obras públicas, a aquisição de bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Cessação ou suspensão de licenças, alvarás ou autorizações relacionados com o exercício da respetiva atividade;
h) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de crédito de que haja usufruído;
i) Selagem de equipamentos destinados à laboração;
j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
k) Publicidade da condenação;
Nos termos do n.º 1 do art. 20.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, a determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.”.
Na promoção de 31/07/2023, o Ministério Público suscitou a questão de a coima ser demasiado elevada e, não possuindo a sociedade arguida antecedentes contraordenacionais, poder ser aplicado o mecanismo previsto no art. 20.º-A da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais e, consequentemente, ser suspenso na sua execução, a título meramente parcial, o valor da coima, em função de deveres ambientais que a arguida fique obrigada a cumprir a título de reparação pelos danos provocados no ambiente em virtude da sua conduta, mas sendo certo que pelo menos 70% do valor da coima teria de ser necessariamente pago por forma a que se satisfizessem as elevadas exigências de prevenção geral e especial aqui emergentes.
Nos termos do art. 20.º-A da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais: “Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:
a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.”.
Neste caso, a contraordenação revestiu uma forma de culpa mais leve (negligência) e a arguida não tem averbadas condenações pela prática de contraordenações de cariz ambiental ou pela prática de qualquer crime, pelo que se justifica a suspensão da execução da coima.
No entanto, a suspensão está dependente da verificação das condições cumulativas previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 20º-A da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, a primeira das quais consiste na aplicação de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, ou seja, a sanção acessória prevista na al. j) do n.º 1 do art. 30º do mesmo diploma.
No caso em apreço, a sanção acessória que se apresenta como adequada corresponde à imposição de remoção, em 60 dias úteis, de todos os resíduos das suas instalações e seu encaminhamento para um centro de receção de veículos em fim de vida.
O art. 20.º-A, n.º 1 prevê ainda a possibilidade de a suspensão da coima ser total ou parcial.
No caso em apreço, tratando-se a Arguida de uma pessoa coletiva, que exerce uma atividade ambiental da qual resultam, necessariamente, impactes no meio ambiente, tinha obrigação de conhecer e acatar todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia ser validamente exercida. Assim, estando em causa uma contraordenação ambiental grave por incumprimento dos requisitos mínimos relativos às instalações de armazenagem de veículos em fim de vida, afigura-se-nos necessário e adequado, para acautelar o efeito sancionatório e prevenir a repetição de comportamentos semelhantes, quer por terceiros quer pela própria arguida, que esta suporte parcialmente a coima.
Em face do exposto, é adequado que a Arguida efetue o pagamento de 50% do valor da coima, correspondente a € 6.000,00, suspendendo a execução da coima no restante, pelo prazo de dois anos, subordinada ao cumprimento da sanção acessória de a imposição de remoção, em 60 dias úteis, de todos os resíduos das suas instalações e seu encaminhamento para um centro de receção de veículos em fim de vida, assim se repondo a situação anterior à infração e se eliminando os riscos criados para o ambiente, tudo nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, al. a) e b), 30.º, n.º 1, al. j) e n.º 4, todos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.

III. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal julga totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, A..., Lda..
No entanto, altera-se a decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, aplicando-se à Recorrente uma coima no valor de € 6.000,00 (seis mil euros), suspendendo a execução da coima no restante, pelo prazo de dois anos, subordinada ao cumprimento da sanção acessória de imposição de remoção, em 60 dias úteis, de todos os resíduos das suas instalações e seu encaminhamento para um centro de receção de veículos em fim de vida, assim se repondo a situação anterior à infração e se eliminando os riscos criados para o ambiente, tudo nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, al. a) e b), 30.º, n.º 1, al. j) e n.º 4, todos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
Custas a cargo da recorrente que se fixam em 1 UC – cfr. artigo 8.º, n.º 9, do Regime Geral das Contraordenações, por referência à Tabela III anexa.»

B – Fundamentação de Direito
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Ora, no caso concreto as questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:
1. Nulidade da notificação sobre a instauração do processo contraordenacional e do prazo para apresentação da defesa.
2. Discordância por não ter sido decretada a suspensão total da coima aplicada.
Cumpre apreciar e decidir!

1ª questão:
Na impugnação judicial remetida ao Tribunal a quo a recorrente invoca unicamente a falta de notificação do auto de notícia nº90/2021, que terá inviabilizado o seu direito de defesa e audição da recorrente no processo administrativo, que se traduz na possibilidade de esta se pronunciar acerca das imputações que lhe são feitas, exercendo assim o seu direito de defesa e invocando ou fornecendo os elementos de que se socorre.
A omissão verificada configura uma nulidade principal e insanável que consiste na falta de audição do arguido e que determina a invalidade do ato e de todos os dele dependentes e que forem afetados pela mesma.
Foi sobre esta questão que o Tribunal de primeira instância foi chamado a pronunciar-se.
Continua agora a recorrente a entender, em sede de recurso, que foi mal apreciada a questão e que ocorreu a referida falta de notificação da arguida do auto de notícia e do prazo para sobre ele se pronunciar.
Do auto de notícia lavrado em 11/03/2021 por agente da GNR pertencente ao NPA do destacamento territorial de ... que posteriormente foi enviado à Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território consta:
«Este NPA foi recebido, na empresa A... LDA, pela Sr.ª AA, número de identificação fiscal ...27..., número de cartão de cidadão ..., válido até 12-10-2021, funcionaria de escritório.
Acto continuo, questionamos á Sr.ª AA se o terreno contiguo, lote ..., pertencia á empresa A... LDA, tendo a mesma sido categórica em afirmar que sim.
Foi ainda questionada se efectivava desmantelamento/deposito de veiculos em fim de vida (vfv) naquele local, tendo a Sr.a AA retorquido que os veiculos em fim de vida somente estavam naquele local depositados para posteriormente serem desmantelados em outro local.
Conforme se pode verificar nas fotografias em anexo, tiradas por este Núcleo, na data e local supramencionado.
Destarte este Núcleo informou a Sr.a AA das irregularidades detectadas e esclareceu dos procedimentos a adoptar de forma a cumprir o estipulado no decreto-lei 152-D/2017 de 11 de dezembro.
Pelos factos acima descritos, procedeu-se ao levantamento do presente Auto de Noticia por Contra-ordenaçâo e a seu encaminhamento para a entidade competente. »
Posteriormente a notificação da arguida para efeitos do art. 49 da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, foi efetuada via postal por carta registada enviada para a sede da empresa sita no Parque Industrial 10, ... ..., e mostra-se rececionada em 2/06/2021 por BB.
A questão a apreciar prende-se com a forma de notificação das pessoas coletivas em processo de contraordenação.
O art. 49 da lei Quadro das Contraordenações ambientais dispõe sob a epígrafe: ”Direito de audiência e defesa do arguido”
«1 - O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.
2 - No mesmo prazo deve, querendo, apresentar resposta escrita, juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada facto, num total de sete.
3 - Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal, bem como daquelas relativamente às quais não sejam indicados os elementos necessários à sua notificação.»
Equipara-se ao art. 50 do RGCO que dispõe:
«Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.»
Os preceitos citados tratam de garantir que também em processos de natureza contraordenacional seja observado o princípio do contraditório constitucionalmente consagrado no art.32 nº5 da CRP.
A LQCOA estabelece no seu art. 43 nº1 que as notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se impute ao arguido a prática de contraordenação da decisão que lhe aplique coima ou admoestação, sanção acessória ou alguma medida cautelar, bem como a convocação para este assistir ou participar em atos ou diligências e no nº2 deste artigo expressamente consta que as notificações são dirigidas para a sede ou para o domicílio dos destinatários.
No caso concreto a inspeção que conduziu ao levantamento do auto de notícia por contraordenação foi feita na presença de uma funcionária da sociedade arguida, o que se harmoniza com o disposto no art. 223 nº 3 do CPC que dispõe: «As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.» - aplicável por força do art. 41 do RGCO e do art. 4º do CPP e a carta expedida para a notificação prevista no art. 49 da LQCOA foi enviada para a sede da sociedade arguida com se pode ver do AR junto com o processo de contraordenação remetido ao Tribunal em 23/05/2023 pelo IGAMAOT.
Assim, estão no caso concreto cumpridas as formalidades legais exigidas em processo de contraordenação ambiental para a notificação da pessoa coletiva a quem se imputa a contraordenação, não ocorrendo a invocada falta de notificação geradora de nulidade.
Pelo exposto, improcede este argumento do recurso.

2ª questão:
A recorrente discorda da decisão recorrida por in casu não ter aplicado a suspensão total da coima em que foi condenada.
Aqui chegados salientamos que consistindo o recurso no reexame por um tribunal superior de uma decisão judicial, seria pressuposto que a questão tivesse sido previamente posta à consideração e decisão do Tribunal de primeira instância.
Ora, no caso concreto apenas foi pedido pela ora recorrente, na impugnação judicial por si proposta, que fosse declarada a nulidade do procedimento contraordenacional com base na falta de notificação da arguida por ausência de comunicação à mesma dos factos que lhe eram imputados em ordem a poder exercer o seu direito de defesa na fase administrativa do processo, nos termos do disposto nos artigos 50 e 41 do Regime Geral das Contraordenações, em conjugação com o disposto no art. 119 al.c), do CPP, 49 da LQCOA e 32 da CRP.
Foi o MP que suscitou nos autos a questão de a coima aplicada ser demasiado elevada face à ausência de antecedentes criminais da sociedade arguida e promoveu ao abrigo do art. 20 -A da LQCOA a suspensão parcial do valor da coima aplicada, o que levou a que o Tribunal anuísse e decretasse a suspensão de 50% da coima cominada à arguida, subordinada ao cumprimento de sanção acessória que a recorrente não questionou.
Assim, e como resulta do exposto, apenas em sede de recurso a requerente aborda a questão da suspensão da coima decretada, o que não tinha sido por si solicitado em primeira instância.
Alega a arguida no recurso que tendo cometido a contraordenação de forma negligente e não lhe sendo conhecidos antecedentes contraordenacionais, ao caso em concreto, deveria ter sido aplicada a suspensão da execução da coima de forma total e não apenas parcial.
E ainda que antes de qualquer aplicação de coima e sanção acessória, a arguida não tinha no local dos factos quaisquer resíduos que pudessem prejudicar o meio ambiente e não causou qualquer impacto negativo no bem jurídico protegido pela norma que alegadamente violou, nem retirou qualquer benefício económico do mesmo.
Tendo em conta que em recurso de contraordenação não tem aplicação o princípio da vinculação, face ao teor do art. 75 nº2 do RGCO, e atento o Acórdão do STJ nº3/2019 publicado na 1ª série do Diário da República de 2/07/2019 que fixou a seguinte jurisprudência: «Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa», passamos a analisar a questão oportunidade da suspensão total da coima aplicada à recorrente.
No caso concreto a arguida aceitou por via do seu requerimento entrado no sistema citius em 5/01/2024 que a decisão fosse tomada por mero despacho, por ter considerado que toda a prova da defesa já se encontrava nos autos, o que deu origem à não efetivação da audiência de julgamento que se encontrava agendada.
Sucede que os factos ora alegados para a obtenção do benefício pretendido de suspensão total da coima aplicada nem sequer foram objeto de prova ou alegados em primeira instância, não constando do processo.
O MP na fase de recebimento da impugnação judicial em juízo considerou que:
«O único aspecto que aqui poderá eventualmente merecer discussão, mas que não foi apontado no recurso, será a discussão da medida da coima que, de facto, é muito elevada conforme sucede com as coimas ambientais [face á realidade económico-financeira do tecido empresarial português de pequena e média dimensão].
Com efeito, poderá eventualmente, caso a sociedade arguida não possua antecedentes contraordenacionais, ser aplicado o mecanismo previsto no art. 20º-A da L.Q.C.O.A. e, consequentemente, ser suspenso na sua execução, a título meramente parcial, o valor da coima, em função de deveres ambientais que a arguida fique obrigada a cumprir a título de reparação pelos danos provocados no ambiente em virtude da sua conduta, mas sendo certo que pelo menos 70% do valor da coima terá de ser necessariamente pago por forma a que se satisfaçam as elevadas exigências de prevenção geral e especial aqui emergentes.»
Ora, a decisão recorrida suspendeu 50% do valor da coima aplicada pela autoridade administrativa o que foi claramente favorável à arguida.
Sendo a arguida uma pessoa coletiva que continua a exercer atividade com impacto ambiental e sendo a contraordenação em causa grave, não merece qualquer reparo a decisão de suspensão apenas parcial da coima aplicada à recorrente mercê das exigências de prevenção quer geral, quer especial, que o caso requer.




3. Decisão:

Com base nos argumentos que foram aduzidos, acordam os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso da arguida A..., Lda, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas, pelo decaimento do recurso, a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.






Relatora: Paula Guerreiro
1º Adjunto: Luís Coimbra
2º Adjunto: Castela Rio