PESSOA COLECTIVA
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
CRIME DE SEGURANÇA PRIVADA
TITULARES DE CARTÃO PROFISSIONAL
Sumário

I - Se o acto de constituição como arguida de pessoa colectiva for levado a cabo na pessoa de quem não é seu legal representante nos termos do art. 57º/5 do Cód. de Processo Penal, estaremos perante a nulidade processual prevenida na alínea c) do art. 119º do Cód. de Processo Penal, onde se comina com tal sanção «a ausência do arguido … nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».
II - Se uma entidade presta serviços de segurança privada sem o necessário alvará, mas através de prestadores individuais (máxime empregados) titulares de cartão profissional que os habilite em si mesmos ao exercício de tal actividade, tal entidade apenas incorrerá na prática do crime tal como previsto no art. 57º/1 da Lei 34/2013, de 16 de Maio ;
III - se for titular do alvará necessário, mas os prestadores/empregados a que recorre, não estiverem habilitados com cartão profissional, a mesma entidade apenas incorre no crime tal como tipificado no art. 57º/4 da Lei 34/2013 ;
IV - Se ambas as circunstâncias se mostrarem típica e cumulativamente reunidas, a entidade em causa incorre na prática, em concurso efectivo, de ambas as actuações criminalmente relevantes, porque autónomas e distintas entre si na sua configuração típica.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Proc. nº 21/15.9XALSB.P1

Tribunal de origem: Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

       No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 21/15.9XALSB que corre termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, em 24/11/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«III. Decisão

Pelo exposto, tudo visto e ponderado:

1. Relativamente ao arguido AA

1.1. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de dois anos de prisão.

1.2. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de dez meses de prisão.

1.3. Em cúmulo jurídico de penas, condeno o arguido na pena única de dois anos e três meses de prisão.

1.4. Suspendo a execução da pena de prisão por igual período.

1.5. Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

1.6. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*

2. Relativamente ao arguido BB

2.1. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 600€.

2.2. Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

2.3. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*


3. Relativamente ao arguido CC

3.1. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 600€.

3.2. Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

3.3. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*

4. Relativamente ao arguido DD

4.1. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 600€.

4.2. Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

4.3. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*


5. Relativamente à arguida A..., S.A.

5.1. Condeno a arguida pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4 e artigo 58.º, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de cento e quarenta dias de multa à razão diária de cem euros, o que perfaz o montante global de 14.000€.

5.2. Condeno a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

5.3. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*

6. Relativamente ao arguido EE

6.1. Condeno o arguido pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, na pena de cento e quarenta dias de multa à razão diária de cem euros, o que perfaz o montante global de 14.000€.

6.2. Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

6.3. Mantém-se o Termo de Identidade e Residência até à extinção da pena.


*

7. Relativamente à arguida B..., S.A.

7.1. Absolvo a arguida da prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4 e artigo 58.º, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

7.2. Sem custas.

7.3. Com a sentença absolutória cessa a medida de coação (Termo de Identidade e Residência).


*

8. Relativamente ao arguido FF

8.1. Absolvo o arguido da prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

8.2. Sem custas.

8.3. Com a sentença absolutória cessa a medida de coação (Termo de Identidade e Residência). ».

         Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 08/01/2024, o arguido  AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :

1 - Não resulta provado que o arguido seja gerente de facto, é que na verdade era apenas gerente de direito da sociedade C... e não há nos autos prova que permitisse concluir que a gerência de direito correspondia a uma gerência de facto, por parte deste arguido.

2 – A acusação é absolutamente omissa quanto à gerência de facto da empresa C..., também o tribunal a quo bastou-se com a responsabilidade enquanto gerente de direito, já que pelo próprio arguido foi declarado que se limitada a elaborar os contratos desta empresa.

3 - As testemunhas GG e HH declaram que inequivocamente que recebiam ordens do supervisor operacional Sr. II.

4 - Não foi balizada no tempo a prova acusatória, com diferenciação dos factos relativamente à primeira empresa, à segunda (D... e quer à segunda empresa C... ).

5 - A testemunha JJ não esteve contratualmente vinculada à empresa C..., antes sim à D... e portanto não há como não concluir que as resposta desta testemunha referia-se ao o arguido enquanto responsável máximo pela empresa e não à (D...).

6 - Dada a semelhança dos nomes, a prova testemunhal não foi questionada no sentido de fixar a diferenciação entre a 1ª e 2ª empresa.

7 – O MP nunca balizou, distinguiu, ou referenciou a que empresa as testemunhas se referiam se era referida a 1ª empresa ou à 2ª.

8 - Não há prova testemunhal ou documental que prove, concretamente, que em relação à 2ª empresa arguida/recorrente, fosse o arguido o seu gerente de facto.

9 - Dr. KK declarou ao tribunal que da mudança de empresa nas lojas da B..., resultaram profundas e importantes alterações no desempenho operacional da C..., e fazendo eco das novas condições contratuais, deixaram de fazer segurança privada nas lojas, inclusive as revistas com detetor de metais aos empregados, tarefas que passaram para a responsabilidade do gerente e/ou dos coordenadores das lojas.

10 - Depoimento que foi omitido pelo douto Tribunal.

11 - Dos contratos celebrados pela C..., onde se menciona, inequivocamente, que as empresas contratantes tinham conhecimento e aceitavam que os serviços a prestar pela empresa C... não eram de segurança privada.

12 - Resulta também das declarações do arguido que este só redigia os contratos.

13 – O douto Tribunal, ao condenar o arguido pelo crime que veio acusado e absolvendo a empresa contratante, violou o critério de objetividade da fundamentação legal, que se impunha.

14 - Os serviços que a C... prestou à A... eram contrato de serviços de portaria e rececionistas que se limitavam a abrir e fechar cancelas e anotar matrículas das viaturas que ali acediam e com o devido respeito, este serviço não era de segurança privada.

15 - Os próprios contratos de trabalho dos trabalhadores ali colocados revelam inequivocamente o seu objeto e natureza não confundíveis com as tarefas de segurança privada.

16 - Releva-se que estes autos tiveram apenas objetivo de encerrar a C... sob qualquer designação.

17 - Como prova a “ espetacular “ detenção do Senhor Presidente da Administração da B..., com direito a espetáculo televisivo na CMTV, que viria a ser absolvido.

18 - Os autos não contêm prova de atos preparatórios ou de execução do crime de que foi condenado o arguido recorrente.

19 - Não resulta comportamento culposo sequer negligente dos factos de que este arguido foi condenado.

20 - Com o devido respeito, não há nos autos indícios da responsabilidade objetiva ou subjetiva que determinasse a sua condenação.

21 - A identificação da gerência de direito da empresa arguida, não basta para desencadear responsabilização penal e não resulta prova inequívoca que este arguido desse ordens de facto de serviços de segurança privada, como resulta da douta sentença condenatória.

22 - «A posição de representante é pois insuficiente para gerar responsabilização penal, na medida em que sempre será necessário que o mesmo actue voluntariamente».

23 - A responsabilização criminal imputada a este arguido pelo douto tribunal a quo, enferma precisamente da ausência de atuação voluntária, sem ter em consideração a titularidade da posição de representante da empresa,

24 - O ora recorrente foi condenado por presunção, o que não é aceitável.

25 - É certo, que o arguido já tinha sido condenado por um crime de igual natureza.

26 - No entanto, não foi condenado por reincidente, nem lhe foi aplicada pena como causa especial de determinação de pena prevista no art.º 76º do CP, nem foi condenado pelo crime reiterado, para ser punido em pena de prisão, conforme impõe a 2ª parte do art.º 76º n.º 1 do CP.

27 - Considerando as circunstâncias relativas à condenação do crime de que veio acusado, não foi relevada a conduta deste quer anterior e posterior os factos, quer na audiência de julgamento, numa total colaboração com o tribunal a quo.

28 - As razões da sua prevenção geral e especial e à sua culpa, com o devido respeito, tribunal a quo, ao fixar a pena de prisão de 2 anos e 3 meses de prisão, embora suspensa, por igual período, não respeitou a finalidade de punição e os critérios legais de determinação da medida de pena, pelo que este arguido considera excessiva e desproporcional a pena aplicada.

29 - Não basta seguir o registo criminal deste arguido, para automaticamente, através deste facto se agrave e dificulte o direito à sua ressocialização, e por via disso seja condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, em cúmulo jurídico.

30 - Aliás, não se compreende que este arguido, enquanto representante de direito seja condenado pela prática de um crime previsto no art.º 57º n.º 1 da lei 34/13 de 16 de maio, e ao mesmo tempo é condenado pelo mesmo crime, ao abrigo do nº 4 do mesmo normativo, como se cliente fosse dele mesmo, ao contratar esse mesmo serviço.

31 - O que, com o devido respeito, não deixa de ser contraditório, com dois enquadramentos punitivos, como se de duas entidades se tratasse.

32 - Com o devido respeito, este arguido foi condenado duplamente, quer por ser representante da empresa C..., que como utilizar estes serviços, como “consumidor” desse mesmo serviço.

33 - O que salvo melhor opinião estamos perante uma contradição insanável, que deu origem ao cúmulo jurídico de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensos por igual período.

34 – Para além de ser paradoxal é uma pena excessiva perante a moldura penal prevista, pelo que se requer a sua revogação e que seja absolvido do crime de que foi condenado, ou caos disso, ser-lhe aplicável a multa prevista no normativo indicado.

      Também inconformados com a decisão, dela recorreram, em 08/01/2024, os arguidos EE e “A..., S.A.”, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1 - A arguida A... é uma Sociedade Anónima, composta por Conselho de Administração, conforme certidão comercial junta aos autos - fls. 490/495.

2 – Tendo como presidente do Conselho de Administração, à data, LL e, vogais, EE e MM.

3 - O legal representante seria o presidente do Conselho de Administração e não o arguido.

4 - Por se tratar de uma Sociedade Anónima, deveriam ter sido constituídos arguidos, todos os titulares do Conselho de Administração e não só o arguido EE.

5 - A A... (arguida), deveria ser constituída na pessoa do seu presidente do Conselho de Administração e não na pessoa do vogal de Administração EE, pelo que, com o devido respeito, quer a A..., quer o seu vogal, EE, foram, erroneamente constituídos arguidos.

6 - Com o devido respeito, o Ministério Público (MP), constitui erradamente arguida a A..., S.A., já que deveria respeitar a sua natureza de Sociedade Anónima e não a considerar como Sociedade de Responsabilidade Limitada, representada por um só gerente, que não é o caso.

7 - A representação desta pessoa coletiva, para a sua constituição, como arguido, compete a quem a Lei designar.

8 - Ora, com o devido respeito, o MP não cuidou de saber que a A..., S.A., era uma Sociedade Anónima, para a sua constituição como arguida.

9 - Uma coisa, é a acusação feita na pessoa singular de um dos Administradores, outra coisa é a Sociedade A..., pelos atos de que vem acusada, na pessoa dos seus administradores.

10 - Existiu uma irregularidade na constituição da A... como arguida, e não se verificando o previsto no art.º 57º e 58º do Código de Processo Penal (CPP), nos termos do art.º 118.º e 123.° do CPP.

11 - Havendo irregularidade da constituição da A... como arguida, deverão, consequentemente serem inválidos os atos subsequentes.

12 - Assim sendo o facto n.º 33 dos factos provados, carece de correção técnica, porque a certidão invocada a fls. 490/495 indica LL, como presidente da Administração desta arguida.

13 - Tanto a A..., S.A., como o seu vogal, EE, foram constituídos arguidos, pelo facto de tomarem conhecimento da ação inspetiva 24/4/15.

14 - Quer na douta Acusação, quer na douta sentença, o dolo ou negligência que se imputa à arguida A... ou ao seu legal e co-representante, foi pelo facto de tomarem conhecimento de que em 24/4/2015 (data da 1.ª ação inspetiva) tomaram conhecimento do auto de notícia, o certo é que não foram notificados para cessar contratualmente os serviços da C..., melhor identificada.

15 - Esta ação policial não notificou a A... nem o seu representante legal para qualquer contraditório, nem foram constituídos arguidos.

16 – Ao tomarem conhecimento desta irregularidade naquela data, não pode concluir-se, como o fez o MP e o douto Tribunal de que a arguida A... e o seu represente legal, tivessem praticado o crime de que foram condenados por dolo direto, o que não é aceitável.

17 - Na ação inspetiva de 2015, a A..., através de um representante legal, até poderia tomar conhecimento da irregularidade, mas não foram no entanto constituídos arguidos, nem tão pouco foram notificados das diligências posteriores por parte da arguida C....

18 - A negligência é um tipo especial de imputabilidade, que oferece uma estrutura própria quer ao nível do ilícito, quer ao nível da culpa, importando relevar que o douto Tribunal a quo, atribui a censura jurídico-penal à A... e ao seu representante legal, não por ter contratado uma empresa sem alvará A e C, mas sim por tomarem conhecimento deste facto, na ação inspetiva de 24/4/2015 e se conformarem com ela.

19 - A censura penal, ocorreu depois da ação inspetiva de 24/4/2015 e de não excluíram o serviço da empresa arguida lego de imediato.

20 - O douto Tribunal ignorou o depoimento de NN, que soube com a fiscalização que existiam uma “camaras ligadas” que não tinham autorização, também imagens de atos legais que não eram da ... e que a A... apenas contratou serviço de portaria.

21 - Como não foi notificado para contratar outra empresa pela autoridade policial, é natural que este assunto, tivesse sido considerado sanado, na ação inspetiva, ocorreu entre 24/04/2015.

22 – O douto Tribunal ignorou a dinâmica destes factos para qualificar a censura penal à arguida A... e ao seu representante.

23 – A A..., não contratou o serviço sabendo da inexistência de alvarás A e C pela C..., aliás esta informou a A... que estava a regularizar o assunto do alvará – cf. fls., que de boa fé aceitou como válida.

24 – A A... e o arguido EE, são primários, e a dinâmica dos factos não demonstra dolo direto, conforme é invocado na douta sentença, nem a ilicitude é elevada, por contratar o serviço a C..., considerando que a pena aplicada de 140 dias de multa é desproporcional e excessiva (na moldura abstrata de 10 a 480 de multa (art.º 41º e 47º do CP e 57º n.º 4 da Lei 34/15 de 16 de maio).

25 – A conduta não foi voluntária, nem intencional, não tendo objetivado o resultado ilícito. O comportamento que se impunha era de maior diligência e acompanhamento dos serviços prestados pela C....

26 - O Tribunal a quo, ao aplicar a multa ignorou a dinâmica e o contexto da sua censurabilidade com a pena especialmente atenuada (cf. art.º 17º do CP), as exigências da prevenção geral são diminutas , até porque depois da ação inspetiva de 03/02/2016 os serviços foram suspensos.

27 - A C..., deixou de prestar serviços para a A... e para isso bastou a constituição da arguida, pelo que a prevenção geral acentuada não é verificável pela aplicação da pena de multa, de 140 dias a 100,00€ diários, o arguido EE, numa moldura abstrata de 5€ a 500€.

28 - Sendo este arguido primário, resulta que a fixação de 100€ de multa diária a 140 dias, não é razoável nem proporcional, pelo que existe uma total falta de fundamentação concreta, para esta pena aplicada.

29 - Além de ser igual tal pena aplicada á arguida A..., esta não é comparável com a situação económica do arguido EE.

30 - Aqui, com o devido respeito, o Tribunal não respeitou o princípio da proporcionalidade.

31 - O douto Tribunal não indicou nenhum critério objetivo que justificasse igual pena aplicada ao arguido EE e á arguida A....

32 - Embora o não fundamentasse, os rendimentos de um e de outro não são minimamente equiparáveis.

33 - Além do mais, a A..., para além desta arguida, era representada também por outros representantes, que nem sequer foram constituídos arguidos.

34 - Com o devido respeito, a pena aplicada à A... e ao arguido EE, é puramente arbitrária, sem ser baseada em fundamento factual ou legal que justificasse pena igual para os dois arguidos.

35 - Pelo que, nesta medida, a serem condenados deveriam serem condenados pelo montante mínimo quer nos dias de multa, quer no valor dia a fixar por cada dia de multa.

Os recursos foram admitidos.

O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu aos recursos, propugnando, em qualquer dos casos, pela respectiva improcedência.

Assim, e quanto ao recurso do arguido AA, conclui o Ministério Público da seguinte forma :

I. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais o arguido vinha acusado e evidenciou o seu cometimento.

II. Com efeito, essa prova, produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo tribunal segundo os cânones legais - Cfr. Art.º 127.º do Código de Processo Penal – suporta objectivamente os factos dados como assentes na sentença recorrida e empresta a todo o processo decisório de formação da convicção da M. Juiz a quo, foros de justeza, correcção e comportabilidade juridicamente atendíveis.

III. Não existe na opinião do Ministério Público qualquer erro na apreciação da prova ou na valoração da mesma pelo Tribunal a quo.

IV. Pelo que não obstante o alegado, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum.

V. O recorrente alega que o Tribunal a quo formou a sua convicção sem suporte na prova testemunhal ou documental, não atribuindo credibilidade ou omitindo alguns depoimentos (nomeadamente o do Dr. KK) e que não existiu diferenciação na produção de prova entre as empresas “D...” e “C...” e que resultasse da prova que o arguido AA fosse o seu gerente de facto.

VI. Refere ainda o recorrente que das declarações do arguido resulta que este apenas redigia os contratos, era apenas gerente de direito e que a “C...” não prestava serviços de segurança privada, pelo que, não deveria ser condenado, referindo, inclusive que “foi condenado por presunção, o que não é aceitável”.

VII. Como resulta do supra transcrito trecho da douta Sentença do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, o que alega o arguido não é o que resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento como na Sentença bem se refere.

VIII. Efectivamente o recorrente era o gerente de direito e de facto das duas sociedades comerciais e tal resulta, do nosso ponto de vista óbvio, desde logo, pelo facto do arguido assumir que redigia os contratos e nos mesmos colocar cláusulas que indiciam a confundibilidade pretendida e bem assim, a utilização indistinta das duas sociedades na prática dos factos que consubstanciam a prática do ilícito criminal pelo qual foi condenado pelo Tribunal a quo.

IX. Efectivamente dos contratos de trabalho, como já supra citado, nomeadamente do documento junto a fls. 18, 42 e 43 dos autos, onde os trabalhadores são contratados pela sociedade comercial “D...”, mas irão exercer as suas funções mediante “as directrizes e autoridade da “C...”, prestando estas sociedades, serviços para os quais não possuíam os competentes alvarás, tal como resulta demonstrado da factura junta aos autos a fls. 44, que foi emitida pela “C...” à B... onde se descreve a prestação dos seguintes serviços: “monitorização e gestão dos v/sistemas de alarmes de intrusão, incêndio e videovigilância, instalados nas v/lojas e armazéns em 2016”, sendo este o serviço que o patrão, o aqui arguido AA determinava aos trabalhadores que tinham tais contratos e prestavam os seus serviços em lojas da B....

X. E o arguido AA era representante de facto e de direito de ambas as sociedades pois, tal como resulta da prova produzida, nomeadamente da prova documental nos termos já referidos e ainda da prova testemunhal, sendo que vários depoentes referiram que celebraram e resolveram contratos, trabalharam, receberam ordens e instruções, mantiveram contactos, conheciam por, e trataram de questões relacionadas com o arguido AA sendo referido por todos ser este o gerente de facto e de direito de ambas as sobreditas sociedades.

XI. Sendo que algumas das testemunhas trabalharam sob contrato de ambas as sociedades comerciais e mantiveram-se a exercer, precisamente, as mesmas funções que faziam enquanto funcionários de “D...” e de “C...”, nomeadamente, OO e JJ que assim o transmitiram quando foram inquiridos.

XII. Acresce que, não há dúvida que o arguido AA utilizou serviços prestados pelos coarguidos que não eram detentores de cartão de segurança privado ou tinham o mesmo inválido, que exerciam funções de segurança privado e não eram titulares de cartão profissional que os habilitaria a tais funções, tal como bem é referido na douta Sentença do Tribunal,

XIII. E ao contrário do que refere o arguido recorrente, não é apenas quem é “consumidor” do serviço de segurança privado exercido nos termos previstos na norma em crise, mas também, aquele que contrata prestadores nesses termos, “utilizando-os” para prestar a terceiros o serviço de segurança privado em tais moldes.

XIV. E a pena aplicada na sentença recorrida, obedeceu a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e a reintegração do recorrente, bem como, ponderou as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial, é equilibrada, adequada ao caso, obedece aos critérios legais na sua determinação, não ultrapassa a medida da culpa, razões pela qual deverá valer e permanecer.

XV. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vicio que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.

XVI. Pelo exposto, não merece qualquer reparo a decisão recorrida.

XVII. Não foi violada qualquer norma jurídica.

No que respeita aos recursos dos arguidos EE e “A..., S.A.”, conclui o Ministério Público da seguinte forma :

I. Não existiu qualquer tipo de erro ou irregularidade na constituição como arguida da A..., S.A. uma vez que a mesma quando constituída arguida nos autos, o que sucedeu em 28/03/2017 – fls. 306, tal acto foi praticado na pessoa do arguido EE, na qualidade de representante legal da sociedade comercial arguida, e com assistência do seu I. Mandatário, Dr. PP, signatário das alegações de recurso a que ora se responde.

II. A forma de obrigar da sociedade comercial, nos termos da sua certidão permanente, mantém-se inalterada desde a sua constituição, a saber, vincula-se ou obriga–se a sociedade comercial com a “Assinatura de qualquer um dos administradores ou de mandatários com poderes bastantes para o efeito.” E foi representada pelo à época administrador e actual Presidente do C.A., o também arguido EE e nessa qualidade, podia e obrigou a sociedade com a sua assinatura.

III. Ainda que assim se não considerasse, sempre o art.º 409.º do Código das Sociedades Comerciais (Decreto-Lei n.º 262/86 de 02.09) com a epígrafe “Vinculação da sociedade” para além do disposto nos primeiros três números, estatui no seu n.º 4 que “Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade.”.

No momento da constituição como arguido da sociedade comercial A..., S.A. o arguido EE identificou-se como seu Administrador e foi nessa qualidade que outorgou o Termo de constituição de arguido de tal sociedade e o TIR pelo que não existe qualquer irregularidade, erro, falha, omissão ou o que quer que seja relacionada com a constituição de arguida da A..., S.A. e sempre se dirá que não se encontra prevista qualquer consequência para a alegada irregularidade e não está a situação prevista no elenco taxativo de nulidades previstas no Código de Processo Penal nos seus art.ºs 119.º e 120.º e igualmente não se verifica qualquer tipo de irregularidade nos termos dos art.ºs 118.º e 123.º do Código de Processo Penal.

IV. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais os arguidos vinham acusados e evidenciou o seu cometimento.

V. Com efeito, essa prova, produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo tribunal segundo os cânones legais - Cfr. Art.º 127.º do Código de Processo Penal – suporta objectivamente os factos dados como assentes na sentença recorrida e empresta a todo o processo decisório de formação da convicção da M. Juiz a quo, foros de justeza, correcção e comportabilidade juridicamente atendíveis.

VI. Não existe na opinião do Ministério Público qualquer erro na apreciação da prova ou na valoração da mesma pelo Tribunal a quo.

VII. Pelo que não obstante o alegado, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum.

VIII. Os recorrentes alegam que o Tribunal a quo formou a sua convicção sem suporte na prova testemunhal ou documental, não levando em conta que o arguido EE não era o Presidente do CA da arguida e que apenas foram constituídos arguidos (o EE e a A...) por terem tido conhecimento da acção inspectiva levada a cabo em 24/04/2015, sendo daí o dolo ou negligência que lhes é imputado na acusação e na Sentença do Tribunal a quo.

IX. Efectivamente os recorrentes tiveram pleno conhecimento da irregularidade da situação da D... em 2015 e nada fizeram, ou seja, mantiveram o contrato que tinham em vigor, bem sabendo que eram prestados serviços de segurança privada (controlo de acessos, rondas, controlo de CCTV, etc.), resultando ainda da prova testemunhal, nomeadamente do depoimento de JJ que foi pessoa ligada à A... quem ensinou as funções que o segurança BB teria de desempenhar.

X. Como resulta do supra transcrito trecho da douta Sentença do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, o que alega o arguido não é o que resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento como na Sentença bem se refere.

XI. Acresce que a testemunha NN referiu que quando a A... celebrou contrato com a D... foi solicitado o Alvará e que os porteiros vigiavam e faziam rondas para evitar furtos de gasóleo e verificavam as câmaras, porém, disse ainda que a A... apenas contratou serviços de portaria!?!, referindo também que a C... era a mesma empresa que a outra, apenas mudava o nome devido à insolvência da primeira.

XII. Resulta ainda dos depoimentos dos agentes da PSP QQ e RR que o arguido EE esteve efectivamente presente na fiscalização de 2015 e foi plenamente esclarecido que a situação da D... estava ilegal e não tinha alvará pelo que não poderia visualizar CCTV, etc., ou seja, o arguido EE e a arguida A..., S.A. por aquele representada e, já agora, vinculada, tiveram pleno conhecimento da situação e conformaram-se com a mesma o que veio a ser verificado em 2016.

XIII. E ao contrário do que alegam os recorrentes, depois de advertidos pelos agentes policiais da ilegalidade que se verificava, não era necessário, uma notificação formal para cessarem a ilicitude da situação e não podem deixar de ser considerados culpados e agindo com dolo na manutenção do status quo da segurança do ..., não sendo necessária uma advertência solene aos agentes dos ilícitos que cometem para ser punidos e o que poderia ser visto, eventualmente como uma negligência, depois da advertência documentada pela prova testemunhal e documental (auto de notícia de 2015 que deu início aos presentes autos), tem de ser necessariamente encarada como uma conduta dolosa pelos arguidos recorrentes e de elevada ilicitude como foi bem decidido pelo Tribunal a quo.

XIV. A pena aplicada na sentença recorrida, obedeceu a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e a reintegração do recorrente, bem como, ponderou as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial, é equilibrada, adequada ao caso, obedece aos critérios legais na sua determinação, não ultrapassa a medida da culpa, razões pela qual deverá valer e permanecer.

XV. O crime de Exercício ilícito da atividade de segurança privada é punido com pena de prisão até quatro anos ou multa até 480 dias no caso da previsão do artigo 57.º n.º 4 ex vi n.º 2 da Lei n.º 34/2013 de 16.05) e considerando o supra exposto e bem assim, os argumentos vertidos na douta Sentença em crise, que aqui se dá por integralmente reproduzida, entende-se que foram adequadas as penas de multa aplicadas, que se limitam a praticamente uma quarta parte do máximo da moldura abstratamente aplicável da pena de multa que é no caso de 480 dias, o que leva em linha de conta o facto dos arguidos serem primários e bem assim a sua culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.

XVI. No que diz respeito ao quantitativo diário, cumpre referir que relativamente à sociedade comercial A..., S.A. a mesma é proprietária e senhoria de diversos imóveis pelos quais aufere rendimentos que anualmente ascendem várias centenas de milhares de Euros e tem um capital social de €5.000,000,00 (cinco milhões de Euros) e possui mais de 10 empregados nos seus quadros de acordo com a informação disponível em Open source na Internet.

XVII. Dos factos provados da Sentença em crise (nomeadamente do ponto 51) resulta claro que o arguido EE sendo presidente do CA da arguida A..., S.A. aufere um vencimento líquido de €10.000,00 mensais pago pela arguida e por outras sociedades comerciais que gere, despendendo cerca de €4.000,00 mensais com o sustento, habitação do agregado familiar e educação dos filhos.

XVIII. Assim, o quantitativo diário para a pena de multa concretamente determinado aos arguidos afigura-se-nos adequado e proporcional aos seus proventos, sendo que, para o arguido tal quantia significa um mês e uns dias de trabalho e para a empresa uma renda mensal de um imóvel.

XIX. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vicio que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.

XX. Pelo exposto, não merece qualquer reparo a decisão recorrida.

XXI. Não foi violada qualquer norma jurídica.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu propugna pela improcedência dos recursos, referenciando em síntese conclusiva o seguinte :

« Por serem completas e exaustivas subscrevo e adiro sem reservas (indo até para lá da cautela razoável) às considerações e motivos constantes das proficientes respostas apresentadas pelo Digníssimo(a) magistrado(a) do Ministério Público junto da 1.ª instância, que aqui se convocam, para as quais se remete e cujo conteúdo factual, descritivo e narrativo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e que desta peça faz parte integrante e incindível, devendo, por conseguinte, julgar-se os recursos improcedentes e manter-se a sentença recorrida nos segmentos impugnados, nada mais tendo a acrescentar por tudo já ter sido dito, debatido e equacionado, evitando-se assim o calvário ou via sacra de inúteis e fastidiosas repetições (e porventura, com uma duplicação inútil de argumentos e recorrendo a uma estética puramente subjectiva, acabar por (re)dizer o mesmo por outras palavras, num arranjo de ideias, gramatical e formalmente diferente, mas substancialmente idêntico, criando a ilusória aparência de inovação e – falsa – novidade ou prestabilidade – artigo 130.º do Código de Processo Civil – C.P.C., ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal – C.P.P.).

Para além disso, a arquitetura da decisão revidenda também é autodemonstrativa, autossustentável, autoexplicativa e autossuficiente5, o que, em acrescento, já é motivo suficiente e bastante para que nos escusarmos de tecer mais aturadas considerações, por manifesta e exuberante redundância. Com efeito, não é necessário qualquer esforço intelectual ou interpretativo para acompanhar o Tribunal a quo no processo racional e lógico que deixou explanado no texto e narrativa da decisão6, quer na imaculada interpretação da prova produzida, na correcta avaliação da matéria de facto e na primorosa escolha das sanções, que para além de adequadas e bem doseadas, honram os pergaminhos mais prodigiosos da sempiterna ideia de Justiça. ».

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada vindo a ser acrescentado no processo.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


*

II. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

 

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre :

1. saber se se mostra verificada invalidade processual relativa à constituição da pessoa colectiva “A..., S.A.” como arguida ;

2. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal ;

2.i. quanto à situação do arguido AA ;

2.ii. quanto à situação dos arguidos EE e “A..., S.A.” ;

3. saber se pelo arguido AA se mostram preenchidos os pressupostos de ambos os tipos criminais pelos mquais vem condenado ;

4. saber se a medida concreta da pena de única de prisão aplicada ao arguido AA é excessiva ;

5. saber se as medidas concretas das penas de multa aplicadas aos arguidos EE e “A..., S.A.” são excessivas.


*

Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

 

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:

« A. Factos provados

Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:

A) Da acusação:

1. A D..., Unipessoal, Lda. foi constituída a 20/08/2004, dedicada à vigilância de bens móveis e imóveis, controlo de entrada, presença e saída de pessoas, prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou de outros locais, públicos ou privados, bem como exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, entre outros, relacionados.

2. A C... foi constituída a 21/11/2014, dedicada à prestação de serviços de rececionistas de prédios urbanos, portarias de hotelaria e afins, de guardas noturnos, limpezas industriais e domésticas, formação profissional e consultadoria.

3. A D..., Unipessoal, Lda. foi titular do alvará A n.º ...7A, cancelado a 14/09/2015. A C... nunca titulou um alvará de entre os permitidos para exercício desta atividade.

4. Nenhuma das sociedades supra indicada é ou foi, no contexto infra, titular do alvará C.

5. O arguido AA foi gerente de direito de ambas as sociedades indicadas supra e era a pessoa que dirigia a sua atividade, celebrava contratos e dava ordens aos trabalhadores.

6. O arguido AA, em seu nome e no nome, no interesse e por conta das sociedades supra indicadas, designadamente a C..., determinou os seus colaboradores ao exercício das funções indicadas infra.

7. Esses colaboradores, agindo sob as instruções do arguido, embora formalmente se intitulassem assistentes operacionais ou rececionistas, por referência aos espaços infra indicados, tinham por função controlar a entrada e saída de pessoal, e efetuar rondas no espaço, bem como monitorizar os sistemas de videovigilância, de modo a prevenir a prática de crimes, bem como, controlar remotamente, nas instalações do ..., os alarmes de intrusão das lojas da B... infra indicadas.

8. No dia 24-04-2015, nas instalações do parque industrial ..., onde se encontram instalados diversas atividades industriais, comerciais e serviços, sito no Largo ..., ..., ..., cujo a A..., S.A. possui em regime de locação financeira, e onde se encontra a sede da D..., Unipessoal, Lda. e da C..., encontrava-se SS na portaria Sul, junto à entrada com cancela.

9. Efetuava o controlo de entradas, presenças e saídas de pessoas e viaturas, apontando os dados das viaturas numa folha que dispunha, de modo a impedir a entrada de pessoas não autorizadas.

10. Na portaria sul tinha ainda disponíveis dois ecrãs que passavam imagens de videovigilância de todo o parque, em tempo real, com vista a assegurar a segurança dos bens ali encontrados.

11. SS tinha contrato de trabalho com a C..., como rececionista.

12. Por seu turno, encontrava-se OO, na portaria Norte, que igualmente procedia, de dia e enquanto esta se não encerra, ao controlo de entradas, presenças e saídas de pessoas e viaturas, apontando os dados das viaturas, de modo a impedir a entrada de pessoas não autorizadas.

13. No interior da portaria sul estavam colocados vários aparelhos, como um monitor, um gravador e um telefone.

14. Na verdade, a D... contratou com a B..., S.A. a prestação de serviços de vigilância estática em seis lojas da B... espalhadas pelo país.

15. Em 03.02.2016, o monitor tinha registos de sinais de alarme, com o nome B..., encontrando-se no local um suporte papel com a identificação de várias lojas da B....

16. Em 03.02.2016, na mencionada portaria sul situavam-se os aparelhos recetores de sinais de alarme utilizados nas lojas da B..., designadamente aquelas que vão ser referidas infra.

17. Na loja da B... sita no Centro Comercial ..., ... usava-se sistema de videovigilância e, quando fechada ao público, um alarme de intrusão ligado à central de alarmes referida supra.

18. No dia 03-02-2016, no mesmo ..., encontrava-se BB na já referida portaria Sul, a fazer o controlo de entrada de pessoas e bens, a vigiar o CCTV e a rececionar alarmes de todas as lojas da B... a nível nacional.

19. Naquele local, para além do equipamento já citado, o qual se mantinha, como o sistema de videovigilância do parque e os aparelhos recetores de sinais de alarme utilizados nas lojas da B..., encontravam-se ainda documentos com registo de aberturas e fechos de lojas, relatório de ocorrências, ambos da B..., registo de entrada e saída de viaturas e controlo de acesso à plataforma STEF.

20. Na portaria Norte encontrava-se OO a efetuar o controlo de acessos a viaturas e pessoas, e levantamento da cancela.

21. No interior, encontravam-se documentos, como registo de entrada e saída de viaturas, horário de trabalho, registo de tempo de trabalho.

22. Tanto BB, quanto OO eram trabalhadores da C...

23. BB não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada.

24. No dia 03/02/2016, na loja da B... sita no ..., ..., o arguido CC, contratado pela C..., detinha uma raquete de deteção de metais.

25. Tinha por função operar os sistemas de videovigilância, efetuar revistas pessoais de prevenção.

26. CC não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada.

27. No dia 03/02/2016, na loja da B... sita no ..., Estrada ..., ..., ..., encontrava-se TT, titular do cartão de vigilante n.º ...66, uniformizado, a monitorizar um sistema de videovigilância, de modo a verificar se ocorriam ilícitos.

28. Aquele realizava rondas quando necessário.

29. No dia 03/02/2016, pelas 10h10m, na loja da B... do Centro Comercial ..., encontrava-se DD, a monitorizar um sistema CCTV, uniformizado.

30. Aquele realizou rondas pelo espaço, tendo ao dispor uma raquete detetora de metais, destinada a verificar a saída dos funcionários, de modo a evitar que transportassem objetos furtados.

31. DD não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada.

32. No dia 03/02/2016, na loja da B... sita em ..., encontrava-se GG, responsável por operar/visualizar as câmaras de videovigilância.

33. No que concerne à A..., S.A.: era EE o legal representante e também aquele que dirigia a sua atividade, celebrava contratos e manteve AA ao serviço no dia 03/02/2016, apesar de já ter sido o ... alvo de uma ação policial a 24/04/2015 que expôs as irregularidades descritas.

34. FF era o legal representante e dirigia a atividade da B..., S.A.

35. O arguido AA sabia que a prestação de serviços respeitantes à segurança privada, designadamente os de controlo da entrada e saída de pessoal, rondas no espaço, monitorização dos sistemas de videovigilância, de modo a prevenir a prática de crimes, bem como, controlo remoto dos alarmes de intrusão das lojas da B..., S.A., requeriam, das sociedades por si representadas, os necessários alvarás A e C, que não dispunha, como sabia.

36. Agiu de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito de prestar tais serviços sob a capa da prestação de serviços de assistentes operacionais e assistentes técnicos, que bem sabia ser falso.

37. Quiseram os arguidos BB, CC e DD exercer os serviços próprios da segurança privada, controlo da entrada e saída de pessoal, rondas no espaço, monitorização dos sistemas de videovigilância, de modo a prevenir a prática de crimes, bem como, controlo remoto dos alarmes de intrusão das lojas da B..., S.A., sem serem titulares de cartão profissional que atestasse a sua qualidade para as funções, como se determinaram a fazer no período supra indicado e como bem sabiam ser o caso.

38. Sabia o arguido AA que aqueles prestavam tais funções sem serem titulares de cartão profissional que atestasse a sua qualidade para as funções, tendo-o voluntariamente permitido.

39. Pelo menos depois do dia 24/04/2015, dia em que ocorreu ação policial da qual teve conhecimento, representou o arguido EE que o arguido AA lhe prestava um serviço, por via da sociedade C..., para o qual não detinha o necessário alvará.

40. Sabia que os serviços respeitantes à segurança privada, designadamente os de controlo da entrada e saída de pessoal e monitorização dos sistemas de videovigilância, de modo a prevenir a prática de crimes, requeria alvarás de que não dispunha AA e suas sociedades.

41. Conformou-se com tal situação e em representação, por conta e no interesse da sociedade A..., S.A.

42. Em tudo, agiram os arguidos de modo livre, deliberado e consciente, cientes de incorrerem em responsabilidade penal.


*

B) Mais se provou relativamente ao arguido AA

43. Ao nível profissional e depois de ter integrado a PSP (entre 1988 e 1999, onde desempenhou funções de Comandante entre outras), exerce advocacia desde o ano 2000, cuja licenciatura obteve em horário noturno na Universidade .... A inscrição na Ordem dos Advogados data de 13/12/2006. Em paralelo foi gerente e proprietário das empresas de segurança privada referidas nos presentes autos.

Em termos económicos, o arguido tem como recurso a aposentação da PSP pelo que recebe cerca de 1400€ mensais. Em situação de insolvência apresenta uma conjuntura económica deficitária, considerando as penhoras, nomeadamente da Pensão.

No plano pessoal, o arguido tem quatro filhos, um dos quais menor de idade. O filho mais velho reside com ele e o mais novo, de cerca de 14 anos, visita-o a cada três semanas.

Socialmente o arguido evidencia uma inserção adaptada.

44. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:

44.1. Por sentença transitada em julgado em 2015/08/17, o arguido foi condenado pela prática, em 2014/01/06, de um crime de violência doméstica, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova (processo ...).

44.2. Por sentença transitada em julgado em 2016/04/26, o arguido foi condenado pela prática, em 2014/03/03, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de180 dias de multa à razão diária de 12€. A pena foi declarada extinta (processo nº ...).

44.3. Por sentença transitada em julgado em 2017/12/21, o arguido foi condenado pela prática, em 2013/11/26, de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou coisa achada, na pena de 100 dias de multa à razão diária de 8€. A pena foi declarada extinta (processo nº ...).

44.4. Por sentença transitada em julgado em 2018/05/21, o arguido foi condenado pela prática, em 2014/09/09, de um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 6€ (processo nº ...).

44.5. Por sentença transitada em julgado em 2021/06/29, o arguido foi condenado pela prática, em 2012, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 140 dias de multa à razão diária de 6€. A pena foi declarada extinta (processo nº ...).


*

 (…)

F) Mais se provou relativamente à arguida A..., S.A.

50. Do seu certificado de registo criminal nada consta.

G) Mais se provou relativamente ao arguido EE

51. Apresenta um percurso escolar regular, tendo ingressado na Universidade ... no Porto, licenciando-se em economia.

À data dos factos, assim como no presente, EE exerce a profissão de empresário, assumindo funções de administrador de empresas no domínio da família, nas áreas do comércio, agricultura e imobiliária, nas quais inclui a empresa coarguida “A..., SA”.

Casou-se em 1990 e desta união nasceram três filhos, sendo um ainda menor. O núcleo familiar fixou residência na morada que consta nos autos desde 1996.

O arguido aufere um vencimento líquido de 10.000 euros, decorrente dos rendimentos que obtém de algumas das empresas que administra/gere, assim como do arrendamento de uma loja e da gestão de um empreendimento de turismo de habitação nos .... Estima um gasto médio mensal do agregado familiar de cerca de 4000 e 5000 euros, no qual inclui as despesas fixas da habitação e as despesas com os estabelecimentos de ensino.

São-lhe reconhecidas características pessoais e profissionais positivas, de empreendedor, empenhado e dedicado aos negócios, mas também dedicado à família, em particular no acompanhamento socioeducativo dos filhos.

52. Do seu certificado de registo criminal nada consta.

B. Factos não provados

Com interesse à decisão da causa nada mais resultou provado, designadamente:

a) no dia 29/04/2015, pelas 17h40m, na loja da B... sita no Centro Comercial ..., ..., estava presente TT, com farda da D..., o qual efetuava segurança ao espaço.

b) No dia 29/04/2015, pelas 18h20m, na loja da B... sita em ..., ..., estava presente GG, com farda da C..., o qual efetuava segurança ao espaço.

c) FF manteve o contrato com AA e suas sociedades, no dia 03/02/2016, apesar de saber que as suas lojas tinham sido alvo de uma ação policial no dia 29/04/2015 que expôs as irregularidades descritas.

d) Pelo menos depois do dia 24/04/2015, dia em que ocorreu ação policial da qual teve conhecimento, representou o arguido FF, que o arguido AA lhe prestava um serviço, por via da sociedade C..., para o qual não detinha os necessários alvarás.

e) Os serviços eram prestados pela empresa E... era só de portaria, que não haveria à necessidade de alvará.

f) O equipamento de videovigilância lá instalado estava inativo.

g) As instruções dadas aos funcionários eram apenas de porteiros/rececionistas.

i) Não havia rondas, e nem videovigilância, nem motorização das imagens. »

                                                        

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância :

(…)

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância :

«III. Aspeto Jurídico da Causa Enquadramento jurídico-penal

 Apurada a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.

         Do crime de segurança ilícita

         Sob a epígrafe Exercício ilícito da atividade de segurança privada dispõe o artigo 57.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio:

1 - Quem prestar serviços de segurança privada sem o necessário alvará, licença ou autorização é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Quem exercer funções de segurança privada não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

3 - Quem exercer funções de segurança privada de especialidade prevista na presente lei e para a qual não se encontra habilitado é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

4 - Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará, licença ou autorização, ou que as funções de segurança privada não são exercidas por titular de cartão profissional ou da especialidade.

         Sob a epígrafe Pessoal de vigilância dispõe o artigo 17.º de Lei n.º 34/2013, de 16 de maio:

1 - O pessoal de vigilância exerce a profissão de segurança privado regulada nos termos da presente lei.

2- Para efeitos do disposto na Lei n.º 9/2009, de 4 de março, alterada pela Lei n.º 41/2012, de 28 de agosto, a profissão de segurança privado é uma profissão regulamentada, sujeita à obtenção de título profissional e ao cumprimento dos demais requisitos previstos no artigo 22.º

3- A profissão de segurança privado compreende as seguintes especialidades:

a) Vigilante;

b) Segurança-porteiro;

c) Vigilante de proteção e acompanhamento pessoal;

d) Assistente de recinto desportivo;

e) Assistente de recinto de espetáculos;

f) Assistente de portos e aeroportos;

g) Vigilante de transporte de valores;

h) Fiscal de exploração de transportes públicos;

i) Operador de central de alarmes.

4- Para efeitos do disposto na presente lei, a função do operador de valores é equiparada a pessoal de vigilância, devendo preencher permanente e cumulativamente os requisitos previstos nas alíneas a) a d), f) e g) do n.º 1 do artigo 22.º

5- Sem prejuízo do disposto em legislação especial, os grupos profissionais ou profissões que exerçam ou compreendam as funções equivalentes às especialidades previstas no n.º 3, independentemente da sua designação ou categoria prevista em contrato coletivo de trabalho, ficam sujeitos ao regime estabelecido pela presente lei.


*

         Do bem jurídico

         À semelhança do que acontece no crime de usurpação de funções (p. e p. pelo artigo 358.º do Código Penal), cujo bem jurídico consiste na integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento em funções públicas ou em profissões de especial interesse público (cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, p. 441), no crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, pune-se a falsidade funcional consubstanciada na conduta de quem exerça uma função alheia, própria de quem possui determinadas qualidades, títulos, ou condições, aparentando ou não os possuindo. (cfr. Comentário das Leis Penais Extravagantes, -org. Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco-, volume 1, UCE, p. 235 - anotação de Miguel Carmo) apud Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2012, processo nº 604/08.3JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt (proferido ao abrigo do Dec. Lei 35/2004 de 21 de Fevereiro, alterado pela Lei 38/2008 de 8 de Agosto.

         Do tipo de ilícito objetivo

         Estamos perante um crime comum (“quem”).

         O tipo objetivo preenche-se com (1) a prestação de serviços de segurança privada (2) sem o necessário alvará, licença ou autorização (artigo 57.º, nº 1 da Lei n.º 34/2013, de 16/05) ou (3) não sendo titular de cartão profissional (artigo 57.º, nº 3, da Lei n.º 34/2013, de 16/05).


*

         O que são serviços de segurança privada? São os previstos no artigo 3.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio. Com efeito, sob a epigrafe Serviços de segurança privada dispõe o artigo 3.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (em vigor à data dos factos):

1- Os serviços de segurança privada referidos no n.º 3 do artigo 1.º compreendem:

a) A vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público;

b) A proteção pessoal, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças de segurança;

c) A exploração e a gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança;

d) O transporte, a guarda, o tratamento e a distribuição de fundos e valores e demais objetos que pelo seu valor económico possam requerer proteção especial, sem prejuízo das atividades próprias das instituições financeiras reguladas por norma especial;

e) O rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência nos aeroportos, nos portos e no interior de aeronaves e navios, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças e serviços de segurança;

f) A fiscalização de títulos de transporte, sob a supervisão da entidade pública competente ou da entidade titular de uma concessão de transporte público;

g) A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada previstos na presente lei.

2- A prestação dos serviços referidos no número anterior bem como os requisitos mínimos das instalações e meios materiais e humanos das entidades de segurança privada adequados ao exercício da atividade são regulados por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.

3- Excluem-se do âmbito previsto na alínea g) do n.º 1 os serviços que:

a) Sejam fornecidos por autoridades ou entidades públicas visando a prevenção criminal e a segurança de pessoas e bens;

b) Sejam prestados por entidades singulares ou coletivas relativamente a estudos e projetos visando outros riscos que não a prevenção da prática de crimes;

c) Sejam prestados por entidades singulares ou coletivas visando a segurança de sistemas de informação e dos dados armazenados por esses sistemas.


*

         Quais são os alvarás necessários?

         Depende do serviço de segurança prestado.

         No que a esta matéria diz respeito, sob a epígrafe Tipos de alvarás dispõe o artigo 14.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (na redação em vigor à data dos factos):

1 - A autorização para a prestação de serviços de segurança privada é titulada por alvará.

2 - De acordo com a classificação dos serviços prestados e os fins a que se destinam, o exercício da atividade de segurança privada compreende os seguintes tipos de alvarás:

a) Alvará A, que autoriza a prestação dos serviços previstos nas alíneas a), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 3.º;

b) Alvará B, que autoriza a prestação dos serviços previstos nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 3.º;

c) Alvará C, que autoriza a prestação dos serviços previstos nas alíneas c) e

g) do n.º 1 do artigo 3.º;

d) Alvará D, que autoriza a prestação dos serviços previstos nas alíneas d) e g) do n.º 1 do artigo 3.º

3- O alvará a que se refere a alínea c) do número anterior autoriza a empresa de segurança privada ao exercício das atividades de comércio, instalação, manutenção e assistência técnica de sistemas de segurança eletrónica de pessoas e bens,  designadamente  deteção de intrusão e roubo, controlo de  acessos, videovigilância,  centrais  de  receção  de  alarme  e  ou  outros  sistemas. 4 - O disposto no número anterior é extensível a equipamentos de extinção automática de incêndios, visando a integração de sistemas, sem prejuízo do cumprimento dos requisitos previstos em legislação especial.

           

         Ou seja, nos termos conjugados do art 14.º, nº 2, alínea a) e do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, o Alvará A autoriza a prestação dos serviços:

- A vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público (artigo 3.º, nº 1, alínea a), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio);

–  O rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência nos aeroportos, nos portos e no interior de aeronaves e navios, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças e serviços de segurança (artigo 3.º, nº 1, alínea e), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio);

–  A fiscalização de títulos de transporte, sob a supervisão da entidade pública competente ou da entidade titular de uma concessão de transporte público (artigo 3.º, nº 1, alínea f), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio);

–  A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada previstos na presente lei (artigo 3.º, nº 1, alínea g), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio).

           

       Nos termos conjugados do art 14.º, nº 2, alínea b) e do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, o Alvará B autoriza a prestação dos serviços:

- A proteção pessoal, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças de segurança (artigo 3.º, nº 1, alínea b), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio);

-  A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada previstos na presente lei (artigo 3.º, nº 1, alínea g), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio).

         Nos termos conjugados do art 14.º, nº 2, alínea c) e do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, o Alvará C autoriza a prestação dos serviços:

-  A exploração e a gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança (artigo 3.º, nº 1, alínea c), da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio);

-  A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada previstos na presente lei (artigo 3.º, nº 1, alínea g), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio).

         Nos termos conjugados do art 14.º, nº 2, alínea d) e do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, o Alvará D autoriza a prestação dos serviços:

- O transporte, a guarda, o tratamento e a distribuição de fundos e valores e demais objetos que pelo seu valor económico possam requerer proteção especial, sem prejuízo das atividades próprias das instituições financeiras reguladas por norma especial (artigo 3.º, nº 1, alínea d), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio);

–  A elaboração de estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada previstos na presente lei (artigo 3.º, nº 1, alínea g), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio).


*

         Em que consiste o cartão profissional?

         Sob a epígrafe Cartão profissional dispõe o artigo 27.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio: para o exercício das suas funções, as profissões reguladas de diretor de segurança e de segurança privado são titulares de cartão profissional, emitido pela Direção Nacional da PSP, válido pelo prazo de cinco anos e suscetível de renovação por iguais períodos de tempo. Acrescenta o nº 3, do mesmo normativo legal: A renovação do cartão profissional implica a frequência de um curso de atualização ou de um curso equivalente ministrado e reconhecido noutro Estado membro da União Europeia, bem como a verificação dos requisitos e incompatibilidades a que se refere o artigo 22.º.


*

         Sob a epígrafe Funções da profissão de segurança privado dispõe o artigo 18.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio:

1- O segurança privado exerce exclusivamente as funções do conteúdo funcional das especialidades para que se encontra autorizado e habilitado nos termos da presente lei.

2- O vigilante exerce exclusivamente as seguintes funções:

a) Vigiar e proteger pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, bem como prevenir a prática de crimes;

b) Controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público;

c) Prevenir a prática de crimes em relação ao objeto da sua proteção;

d) Executar serviços de resposta e intervenção relativamente a alarmes que se produzam em centrais de receção e monitorização de alarmes;

e) Realizar revistas pessoais de prevenção e segurança, quando autorizadas expressamente por despacho do membro do Governo responsável pela área da administração interna, em locais de acesso vedado ou condicionado ao púbico, sujeitos a medidas de segurança reforçada.

3 - O segurança-porteiro exerce exclusivamente as seguintes funções:

a) Vigiar e proteger pessoas e bens em estabelecimentos de restauração e bebidas com espaço de dança ou onde habitualmente se dance, obrigados a adotar sistemas de segurança nos termos de legislação especial;

b) Controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas dos estabelecimentos previstos na alínea anterior, com recurso aos meios previstos em legislação especial, visando detetar e impedir a introdução de objetos e substâncias proibidas ou suscetíveis de possibilitar atos de violência;

c) Prevenir a prática de crimes em relação ao objeto da sua proteção;

d) Orientar e prestar apoio aos utentes dos referidos espaços em situações de emergência, nomeadamente as que impliquem a evacuação do estabelecimento ou recinto.

(…)

10 - O operador de central de alarmes desempenha especificamente as funções de operação de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, efetuando o tratamento de alarmes, nomeadamente solicitando a intervenção das entidades adequadas em função do tipo de alarme.

11- O vigilante está habilitado a exercer as funções correspondentes à especialidade de operador de central de alarmes e o segurança-porteiro habilitado a exercer funções correspondentes às especialidades de vigilante e de operador de central de alarmes.


*

         Do tipo de ilícito subjetivo

        O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo.


*

        No presente caso resultou provado relativamente a BB, designadamente, o que consta dos factos nº 18, 22, 23 e 37.

        O controlo de entrada, presença e saída de pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público e bem assim ser operador de central de alarmes insere-se no conteúdo funcional da segurança privada, porquanto constitui uma função atribuída ao vigilante, tal como decorre do artigo 18.º, nº 2, alíneas b), d), nº 10 e 11 (o vigilante está habilitado a exercer as funções correspondentes à especialidade de operador de central de alarmes) da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

        Para o exercício das suas funções, as profissões reguladas de (…) segurança privado são titulares de cartão profissional, emitido pela Direção Nacional da PSP (artigo 27.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio). BB não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada, pelo que a sua conduta preenche o tipo legal de crime de Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (Quem exercer funções de segurança privada não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias).

         Preenche-se ainda o tipo de ilícito subjetivo (facto nº 37).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido BB pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.


*

         Resultou provado, relativamente a CC, o que consta dos factos nº 24, 25, 26 e 37.

         A realização de revistas pessoais insere-se no conteúdo funcional da segurança privada, porquanto constitui uma função atribuída ao vigilante, tal como decorre do artigo 18.º, nº 2, alínea e), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio. Para o exercício das suas funções, as profissões reguladas de (…) segurança privado são titulares de cartão profissional, emitido pela Direção Nacional da PSP (artigo 27.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio).

         CC não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada, pelo que a sua conduta preenche o tipo legal de crime de Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (Quem exercer funções de segurança privada não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias).

         Preenche-se ainda o tipo de ilícito subjetivo (facto nº 37).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido CC pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.


*

         Resultou provado, relativamente a DD, designadamente, o que consta dos factos nº 29, 30, 31 e 37.

         A realização de revistas pessoais insere-se no conteúdo funcional da segurança privada, porquanto constitui uma função atribuída ao vigilante, tal como decorre do artigo 18.º, nº 2, alínea e), e artigo 19.º, nº 2, alínea a) (uso de raquetes de deteção de metais por pessoal da vigilância - assistentes de recinto desportivo, no controlo de acesso aos recintos desportivos, bem como os assistentes de portos e aeroportos -, desde que devidamente autorizadas), ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

         Prevenir a prática de crimes em relação ao objeto da sua proteção insere-se também no conteúdo funcional da segurança privada, porquanto constitui uma função atribuída ao vigilante, tal como decorre do artigo 18.º, nº 2, alínea c), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

         Para o exercício das suas funções, as profissões reguladas de (…) segurança privado são titulares de cartão profissional, emitido pela Direção Nacional da PSP (artigo 27.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio). DD não é titular de cartão profissional para a atividade de segurança privada, pelo que a sua conduta preenche o tipo legal de crime de Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (Quem exercer funções de segurança privada não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias).

         Preenche-se ainda o tipo de ilícito subjetivo (facto nº 37).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido DD pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.


*

         Resultou provado, relativamente a A..., S.A. e EE, resultou provado designadamente, o que consta dos factos nº 8, 9, 10, 11, 12, 18, 22, 23, 33, 39, 40 e 41.

         O exercício do serviço na vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, carece de Alvará A - artigo 3.º, nº 1, alínea a), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

         As entidades titulares de alvará para o exercício deste serviço (vigilância de bens moveis e imóveis e controlo de entrada, presença e saída de pessoas) podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna - Artigo 31.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio.

         No presente caso, era a empresa C... que estava a prestar este serviço no ..., que a A..., S.A. possui em regime de locação financeira e da qual EE é legal representante e quem dirigia a sua atividade. A C... não é titular do alvará A e, pelo menos depois do dia 24/04/2015 (dia em que ocorreu ação policial da qual EE teve conhecimento), este representou que o arguido AA lhe prestava um serviço, por via da sociedade C..., para o qual não detinha o necessário alvará.

         Preenche-se ainda o tipo de ilícito subjetivo (factos nº 39, 40 e 41).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido EE e a arguida A..., S.A. pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará, licença ou autorização, ou que as funções de segurança privada não são exercidas por titular de cartão profissional ou da especialidade) e, no que à sociedade diz respeito, ainda nos termos do disposto no artigo 58.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (as pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos no artigo anterior).

         Como bem se escreveu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-06-2013 (processo nº 36/12.9TACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt): a responsabilidade criminal recai igualmente sobre a pessoa singular que decidiu da utilização destes serviços, isto é, da prestação da atividade de segurança privada por quem não era detentor do cartão profissional, bem como sobre a pessoa coletiva onde esta atividade se desenrola, ou seja, a titular do edifício ou local de acesso condicionado cuja atividade de segurança esteja a ser levada a cabo por pessoa não titular do respetivo cartão profissional.


*

         Resultou provado, relativamente a AA, designadamente o que consta dos factos nº 2, 3, 5, 6, 7, 8 a 11, 12 a 16, 18 a 23, 24 a 26, 29 a 31, 35, 36, 37 e 38.

         O exercício do serviço na vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, carece de Alvará A - art 14.º, nº 2, alínea a) e artigo 3.º, nº 1, alínea a), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio. As entidades titulares de alvará para o exercício deste serviço (vigilância de bens moveis e imóveis e controlo de entrada, presença e saída de pessoas) podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna - artigo 31.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio.

       Assim, para as funções exercidas carecia a C... de ser detentora de Alvará A.

         O exercício da gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança, carece de Alvará C – art. 14.º, nº 2, alínea c) e artigo 3.º, nº 1, alínea c), da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.

         A C... prestou estes serviços de segurança privada (vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas e gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância) sem os necessários alvarás A e C, sendo AA o gerente de direito e a pessoa que dirigia a sua atividade.

         Preenche-se ainda o tipo de ilícito subjetivo (factos nº 35 e 36).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido AA pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 1, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.


*

         Acresce que BB, CC e DD trabalhadores da C... exerceram funções de segurança privada (cfr. supra a propósito de cada um destes arguidos). AA era gerente de direito e a pessoa que dirigia a atividade da C... Sabia o arguido AA que aqueles prestavam tais funções sem serem titulares de cartão profissional que atestasse a sua qualidade para as funções, tendo-o voluntariamente permitido (facto nº 38).

         Pelo exposto, impõe-se condenar o arguido AA pela prática de um crime Exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, nº 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que (…) as funções de segurança privada não são exercidas por titular de cartão profissional ou da especialidade).


*

         Relativamente a B..., S.A. e FF resultou não provado que o arguido FF sabia que o arguido AA lhe prestava um serviço (por via da sociedade C...), para o qual não detinha os necessários alvarás.

         Não se preenche, assim, relativamente ao arguido FF (e à sociedade arguida por este representada, B..., S.A.) o tipo legal de crime.

         Pelo exposto, impõe-se absolver os arguidos B..., S.A. e FF da prática de um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, p. e p. pelo art. 57.º, n.º 4 e 58.º, e 60.º, da Lei n.º 34/2013, de 16/05.   »

d. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso :

(…)

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.

1. De saber se se mostra verificada invalidade processual relativa à constituição da pessoa colectiva “A..., S.A.” como arguida.

      De acordo com a supra enunciada ordenação, a primeira questão que cumpre apreciar é aquela suscitada pela recorrente “A..., S.A.”, e relacionada com a regularidade da sua constituição enquanto arguida nos presentes autos.

      Alega a recorrente que, sendo uma pessoa colectiva com a natureza de sociedade anónima, é composta por um Conselho de Administração, cujo presidente, à data dos factos, era LL, sendo vogais o também arguido EE e MM. Donde, argumenta, o legal representante da sociedade seria o seu presidente do CA, e, assim, a “A..., S.A.” deveria ser constituída arguida na pessoa do mesmo, e não do co–arguido EE – pelo que, quer a “A..., S.A.”, quer o seu vogal, EE, foram erroneamente constituídos arguidos.

Existiu, pois, uma irregularidade na constituição da “A..., S.A.” como arguida por não verificação do previsto nos arts. 57º e 58º do Cód. de Processo Penal, nos termos do art. 118º e 123° também do Cód. de Processo Penal, sendo consequentemente inválidos os actos processuais subsequentes.

      Vejamos.

A lei processual penal consagrou em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – cfr. nºs 1 e 2 do art. 118° do Cód. de Processo Penal.

Sucintamente se dirá que as nulidades se dividem por sua vez em dois grandes grupos :

– as nulidades insanáveis, que são aquelas previstas no art. 119° do Cód. de Processo Penal e as demais que como tal forem cominadas noutras disposições legais, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento e que a todo o tempo invalidam o acto em que foram praticadas e os actos subsequentes,

– e as nulidades dependentes de arguição (sanáveis), que são aquelas previstas no nº2 art. 120° do mesmo Cód. de Processo Penal ou as que forem cominadas noutras disposições legais, e que só operam quando arguidas no tempo e pela forma devida, conforme estipulado no nº3 dessa mesma disposição legal.

      Não se mostrando (designadamente por falta de devida arguição) sanada a nulidade em causa (cfr. art. 121º do Cód. de Processo Penal), e sendo, assim, a mesma processualmente eficaz, prevê o art. 122º/1 do Cód. de Processo Penal, que tal vício torna «inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar», especificando o nº2 da mesma disposição que «A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição».

      Por outra parte, não se configurando a incidência processual em causa enquanto nulidade (nem nos termos dos arts. 119º ou 120º do Cód. de Processo Penal, nem nos de qualquer outra disposição legal que impute tal específica cominação), sempre a mesma poderá ser reconduzível à categoria de irregularidade processual, nos termos do art. 118º/2 do Cód. de Processo Penal, e cujo regime vem regulado no art. 123º do mesmo código – resultando precisamente do nº1 deste último artigo que «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado».

      Ainda assim, note–se, sem prejuízo do disposto no nº2 do mesmo art. 123º do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Pode ordenar–se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado».

        In casu, e no que concerne à categorização do vício que aqui estaria em causa, defende a recorrente que estaríamos perante, precisamente, uma irregularidade concludente, isto é, reconduzível ao regime do agora referenciado art. 123º do Cód. de Processo Penal, devendo a (alegadamente) processualmente incorrecta constituição da sociedade “A..., S.A.” como arguida consubstanciar irregularidade que, afectando a validade de todos os actos processuais subsequentes, e na parte respeitante à recorrente, deveria ser declarada neste momento e ainda que nesta sede.

      Em boa verdade, diga–se, a mostrar–se configurada a situação jurídico–processual que vem propugnada pela recorrente, estaríamos antes, e desde logo, perante uma verdadeira nulidade insanável tal como prevenida na alínea c) do art. 119º do Cód. de Processo Penal, onde se comina com tal sanção «a ausência do arguido … nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».

      Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no seu estudo “A pessoa colectiva como arguida no processo penal” [[3]], a pág. 11, «o arguido [pessoa colectiva] é representado por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem. Se o arguido estiver no processo representado por quem não tenha poderes de representação deve considerar--se que se verifica a nulidade do art. 119º, al. c). Tratando-se de nulidade insanável – na terminologia da lei, embora errada – a consequência é que a irregularidade da representação não pode ser sanada nos termos em que o pode ser no processo civil, só ficando sanada com o trânsito em julgado».

No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do CPP à Luz da CRP e da CEDH – Volume I ” (5ª edição), pág. 204.

      Sucede, porém, que no presente caso não se verifica a invalidade configurada pela recorrente.

      É verdade que a recorrente “A..., S.A.”, enquanto pessoa colectiva, foi constituída arguida nos autos na pessoa (singular) do também arguido EE, vogal do respectivo conselho de administração.

      Ora, à data da aludida constituição da “A..., S.A.” como arguida – em Março de 2017, cfr. fl. 306 dos autos – não existia na lei processual penal regime específico no que tange à representação em processo–crime das pessoas colectivas, designadamente quando devessem assumir a qualidade de arguidas.

Assim, e por via da regra de integração lacunar prevista no art. 4º do Cód. de Processo Penal (que determina que «Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal»), e tal como indicado por Jorge dos Reis Bravo, em “Direito Penal de Entes Colectivos”, pág. 319, «A disposição-regra sobre representação de pessoas colectivas (logo, de sociedades) é a do art. 21.° [actualmente art. 25º] do CPCiv, onde se estipula, no seu n.º 1, que «… são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem».».

No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, no seu estudo acima citado a pág. 8, refere que «Não nos diz a lei processual penal como é que a pessoa colectiva ou entidade equiparada está no processo como arguida. Parece-nos que a solução é recorrer ao processo civil, como direito subsidiário. Ora, os arts. 21º, nº 1, e 22º do Código de Processo Civil (ex vi do art. 4º do CPP) dispõem que as pessoas colectivas devem ser representadas em juízo nos termos gerais legais ou estatutários, isto é:

(…) d) Sociedades anónimas: artigo 405º do Código das Sociedades Comerciais».

Posteriormente, a Lei 94/2021, de 21 de Dezembro (que aprovou medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal e leis conexas) estabeleceu um regime processual penal para as pessoas colectivas e entidades equiparadas.

Uma das alterações respeitou à representação dessas mesmas pessoas colectivas quando constituídas arguidas, estabelecendo a nova lei que tal representação compete a quem a pessoa colectiva designar e, na sua falta, por quem a lei designar – nº4 do art. 57º do Cód. de Processo Penal.

Por outro lado, estabelecia-se que em caso algum a pessoa colectiva ou entidade equiparada poderia ser representada pela pessoa singular que também tenha a qualidade de arguido relativamente aos factos que são objecto do processo – nº9 do art. 57º do Cód. de Processo Penal.

Como oportunamente a propósito alertava o Procurador Adão Carvalho, no seu artigo “A originalidade do regime de representação das sociedades comerciais no processo penal” [[4]], «Parece-nos uma anormalidade processual que a autoridade judiciária não possa, de per si, aferir quem é o representante da pessoa coletiva ou equiparada, com recurso aos instrumentos legais e estatutários ao dispor, de forma a que no momento em que exista suspeita fundada da prática de crime possa operar a sua constituição como arguida por comunicação ao seu representante e tenha, ao invés, que ficar dependente de designação da própria pessoa coletiva para o poder fazer.

Em suma, o legislador adotou um regime de representação das pessoas coletivas ou equiparadas que, em regra, não servirá para acautelar os interesses destas, mas que seguramente contribuirá, em muito, para manobras e delongas processuais.

Costuma dizer-se não dar ponto sem nó, eu aqui diria que foi dado um nó, mas com várias pontas soltas por esclarecer.»

Não foi, pois, com surpresa que, passados pouco mais de meia dúzia de meses, o legislador voltasse a intervir nesta sede, através agora da Lei 13/2022, de 1 de Agosto, que introduziu enfim a novíssima redacção do art, 57º do Cód. de Processo Penal, revogando aquele nº 9, e estabelecendo que, actualmente (e até ver…), nos termos do nº5 do art. 57º do Cód. de Processo Penal, «A pessoa coletiva é representada por quem legal ou estatutariamente a deva representar», aproximando–se enfim, tão simplesmente e apenas, do regime previsto o nº1 do art. 25º do Cód. de Processo Civil.

Destarte, e considerando a data do acto processual que aqui está agora em causa, a constituição da sociedade “A..., S.A.” como arguida deveria ser efectuada por quem a Lei, os estatutos ou o pacto social designassem – como, aliás, sucederá no regime processual actual.

Ora, sendo certo que, nos termos do disposto no art. 405º/2 do Cód. das Sociedades Comerciais, e no caso das sociedades cuja natureza jurídica seja a de sociedade anónima – como aqui sucede – «O conselho de administração tem exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade» (e não olvidando, de todo o modo, que nos termos do art. 409º/4 do mesmo diploma, «Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade»), certo é também que, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, a forma de obrigar da sociedade, nos termos da respectiva certidão permanente – cfr. fl. 490 dos autos – , mantém-se inalterada desde a sua constituição, a saber, vincula-se ou obriga–se a sociedade comercial com a “Assinatura de qualquer um dos administradores ou de mandatários com poderes bastantes para o efeito”.

Ou seja, e ao contrário de quanto vem propugnado, não seria necessária a constituição da “A..., S.A.” como arguida na pessoa do, à data, seu presidente do C.A., mostrando–se ela adequadamente representada para tal efeito pelo já então administrador (e actual presidente do mesmo C.A.) EE e nessa qualidade.

Foi, aliás, desde logo identificando–se como administrador da “A..., S.A.” e nessa qualidade que EE também outorgou o termo de constituição de arguida e o Termo de Identidade e Residência prestado por tal sociedade.

Em face do exposto, constata–se não se haver verificado qualquer invalidade processual no acto de constituição como arguida da sociedade “A..., S.A.”.

      Ademais se diga, por referência a quanto vem nesta parte também referenciado pela recorrente, que o ponto 33. da matéria de facto provada não carece de qualquer «correção técnica em virtude de a certidão invocada a fls. 490/495 indicar LL como presidente da Administração da arguida».

E assim sucede pelo simples motivo de que em tal ponto 33. não se consigna que fosse, à data, outra pessoa – nomeadamente EE – a ocupar tal posição societária específica, mas tão apenas ali se considera assente que «No que concerne à A..., S.A. era EE o legal representante e também aquele que dirigia a sua actividade».

Improcede, pois, esta primeira questão suscitada pela recorrente “A..., S.A.”.

2. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

         (…)

Considera–se, pois, que não merece qualquer censura a decisão recorrida, não se impondo, também nesta sede, qualquer alteração da matéria de facto provada.

3. De saber se pelo arguido AA se mostram preenchidos os pressupostos de ambos os tipos criminais pelos quais vem condenado.

     Situando–a embora no âmbito da impugnação da concreta medida da sanção penal que lhe vem aplicada, vem ainda o arguido/recorrente AA suscitar a questão da adequação da sua condenação por dois crimes de exercício ilícito de segurança privada, um previsto pelo nº1, e outro previsto pelo nº4, ambos do art. 57º da Lei 34/2013, de 16 de Maio.

      Assim, defende o arguido que tal significa que é condenado duas vezes pelo mesmo crime, como se cliente fosse dele mesmo, ao contratar esse mesmo serviço, como se de duas entidades se tratasse – isto é, é condenado duplamente, quer por ser representante da empresa C... e utilizar estes serviços, quer como “consumidor” desse mesmo serviço.

        

      Apreciando se dirá que não assiste razão ao recorrente.

      Recordando muito sucintamente, o art. 57º da aludida Lei 34/2013, de 16 de Maio, tipifica o (ali) designado crime de Exercício ilícito da actividade de segurança privada, estatuindo uma série de distintas, ainda que sobreponíveis, actuações típicas que o podem preencher.

        

Na sua versão originária, que estava em vigor à data dos factos dos presentes autos, aí se dispunha nos seguintes termos :

« 1 - Quem prestar serviços de segurança privada sem o necessário alvará, licença ou autorização é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Quem exercer funções de segurança privada não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

3 - Quem exercer funções de segurança privada de especialidade prevista na presente lei e para a qual não se encontra habilitado é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

4 - Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará, licença ou autorização, ou que as funções de segurança privada não são exercidas por titular de cartão profissional ou da especialidade. ».

      Entretanto, e por via das alterações introduzidas pela Lei 46/2019, de 8 de Julho, a disposição em causa passou a ter a seguinte redacção, que é aquela actualmente em vigor :

«1 - O exercício da atividade de segurança privada sem alvará, ou a adoção de medidas de autoproteção previstas nas alíneas a), b), d) e e) do n.º 1 do artigo 3.º sem a respetiva licença são punidos com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Quem exercer funções de segurança privado não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

3 - A pena prevista no número anterior é aplicável a quem exercer funções de segurança privado sem vínculo laboral a entidade devidamente habilitada ao exercício da atividade, ou quando o mesmo se encontre suspenso.

4 - A pena prevista no n.º 2 é aplicável a quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou que as funções de segurança privado são exercidas por quem não é titular de cartão profissional ou que o mesmo se encontra suspenso.

5 - Quem praticar atos previstos no n.º 1 do artigo 5.º é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

6 - Quem praticar atos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 5.º é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

7 - A pena prevista no número anterior é aplicável a quem realizar revistas de prevenção e segurança intrusivas em violação das condições previstas no artigo 19.º».

      Ou seja, e no essencial, a nova redacção consubstancia uma espécie de versão revista e aumentada do catálogo objectivo de actuações típicas agora previstas enquanto crime – ainda e sempre – de Exercício ilícito da actividade de segurança privada.

      Porém, e atalhando caminho, desde logo cumpre deixar claro que, naquilo que para aqui concretamente releva, a alteração em causa em nada alterou o regime jus–penal em causa, mantendo–se absolutamente inalterados quer os elementos e pressupostos típicos do crime em causa nas partes que aqui importa ponderar, quer as respectivas previsões sancionatórias.

      Donde, não se colocar aqui qualquer questão relacionada com a sucessão de leis no tempo, em conformidade com o imposto no art. 2º do Cód. Penal, por serem absolutamente idênticos – reitera–se, naquilo que aqui releva – os sucessivos regimes punitivos.

      Mostra–se, pois, isento de qualquer equívoco prosseguirmos com a referenciação que vem adoptada na Sentença recorrida.

        

      Temos, pois, que no presente caso, o arguido AA vem condenado, em concurso efectivo pela prática de dois crimes de Exercício ilícito da actividade de segurança privada, um deles previsto no nº1 do art. 57º da Lei 34/2013, e outro previsto no nº4 do mesmo artigo.

      Mas nisto não há, na verdade, qualquer duplicação condenatória nos termos materiais alegados pelo recorrente.

      Conforme resulta do nº1 do art. 30º do Cód. Penal, «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».

In casu, temos que resulta da matéria de facto provada que, por um lado, o arguido AA, através das suas empresas “D...” e “C...”, prestou serviços que devem caracterizar–se como de segurança privada (nos termos exaustivamente analisados em sede de Sentença recorrida, e para os quais se remete), sem que tais empresas fossem titulares dos Alvarás necessários para o efeito – o que desde logo consubstancia a prática dos actos típicos previstos no nº1 do art. 57º da Lei 34/2013.

Mas por outro lado, mais resulta provado que algumas das testemunhas trabalharam sob contrato de ambas as aludidas sociedades comerciais geridas pelo arguido AA, e sob a direcção deste, exercendo funções caracterizáveis tipicamente nos mesmos termos não sendo detentores de cartão de segurança privado ou tinham o mesmo inválido, nem, sendo titulares de cartão profissional que os habilitaria a tais funções – o que, por seu turno preenche os elementos típicos previstos no nº4 (em conjugação com o nº2) do mesmo artigo 57º, 

Ora, e como bem assinala o Ministério Público junto da primeira instância na sua resposta ao recurso, ao contrário do que argumenta o recorrente AA, não é apenas quem é consumidor do serviço de segurança privado exercido nos termos previstos na norma em crise que pode preencher os elementos típicos deste nº4, mas também aquele que contrata e tem ao seu serviço prestadores nesses termos, utilizando-os para prestar a terceiros o serviço de segurança privado em tais moldes.

Tal perspectiva, julga–se, torna clara a distinção entre as duas normas típicas criminais, e, assim, a segurança da relação de concurso efectivo que pode estabelecer–se entre ambas.

Na verdade, bastará pensar numa situação em que uma entidade preste serviços de segurança privada sem o necessário alvará, mas através de prestadores individuais (máxime empregados) titulares de cartão profissional que os habilite em si mesmos ao exercício de tal actividade – em tal caso, tal entidade apenas incorrerá na prática do crime tal como previsto no art. 57º/1 da Lei 34/2013 ;  e se, de contrário, for titular do alvará necessário, mas os prestadores/empregados a que recorre, não estiverem habilitados com cartão profissional, a mesma entidade apenas incorre no crime tal como tipificado no art. 57º/4 da Lei 34/2013.

Ou seja, assim como a falta de cartão profissional dos prestadores individuais a que a entidade em causa recorra não é elemento típico do crime previsto no nº1 do art. 57º, também a titularidade de adequado alvará por parte desta última não o é do crime tal como previsto no nº4 (e nº2) do mesmo artigo.

Porém, se ambas as circunstâncias se mostrarem típica e cumulativamente reunidas, não poderá deixar de considerar a entidade em causa inclusa na prática de ambas as actuações criminalmente relevantes, porque autónomas e distintas entre si na sua configuração típica.

É quanto aqui sucede com relação ao arguido AA, e da sua actuação enquanto titular das sociedades “D...” e “C...”.

Em suma, os termos da condenação do arguido AA não configuram qualquer duplicação de responsabilidade penal pelos mesmos factos, nem se consubstanciam em ser–lhe assacada uma dupla qualidade – de prestador e consumidor de serviços de segurança, privada –, mas sim configuram o preenchimento autónomo de duas actuações típicas diferentes e autónomas.

Não tem acolhimento, pois, a censura que a tal condenação vem dirigida pelo recorrente AA, assim improcedendo também este segmento do seu recurso.

4. De saber se a medida concreta da pena de única de prisão aplicada ao arguido AA é excessiva.

      Assente e estabilizada a adequação da qualificação jurídico–penal da apurada conduta fáctica do arguido AA, e nos precisos termos em que vem decidida pelo tribunal a quo, cumpre avançar para a sua pretensão de ver reduzida a medida concreta da pena única que lhe vem cominada.

      Assim, e além da alegação de que estaríamos perante um indevido concurso de crimes – questão já ultrapassada no ponto anterior –, vem ademais o arguido/recorrente considerar que a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão (suspensa na respectiva execução) não respeitou a finalidade de punição e os critérios legais de determinação da medida de pena.

Assim, alega, considerando as circunstâncias relativas à condenação do crime de que veio acusado, foram sobrevalorizados os antecedentes criminais do arguido, não sendo devidamente relevada a conduta quer anterior e posterior os factos, quer na audiência de julgamento, «numa total colaboração com o tribunal a quo».

Donde, conclui, deve a pena unitária em causa ter–se por excessiva e desproporcional, requerendo–se a sua revogação e «a aplicação da multa prevista no normativo».

      Apreciando da pretensão do recorrente nesta parte, e começando desde logo pelo derradeiro segmento agora mesmo transcrito da sua alegação, desde logo se diga não poder atender–se à pretensão assim fugazmente manifestada de cominação de pena de multa.

      Como de início se advertiu, o objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal de recurso circunscrever-se às questões aí suscitadas.

      Ora, no presente caso, e nesta parte, a alegação e invectiva do recorrente apenas se dirige contra a medida concreta da pena única de prisão que vem fixada, e não contra o exercício de escolha e determinação de cada uma das penas parcelares que, a montante, a compõem.

Donde, estando em causa o concurso entre duas penas de prisão, não pode, em resultado de qualquer reponderação do respectivo exercício cumulatório, ser agora deliberada a aplicação de uma pena única de multa, sendo que liminarmente o art. 77º/3 do Cód. Penal estatui que a diferente natureza das penas parcelares se mantém na pena única.

      Seja como for, e para que dúvidas não se suscitem, sempre se dirá que se considera isento de qualquer putativa censura o exercício de escolha da natureza das penas parcelares e de fixação das respectivas medidas concretas que vem efectuado perlo tribunal a quo, pelo que sempre se confirmaria integralmente o mesmo e o respectivo resultado.

      Vejamos, então, no que tange à sindicância da medida concreta da pena única que vem cominada – que é, reitera–se, a questão aqui colocada pelo recorrente.

Dispensa aturadas considerações nesta sede que o concurso de crimes (e penas) relevante para efeitos de cúmulo jurídico vem regulado no art. 77º do Cód. Penal, que no seu nº1 dispõe «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

      O sistema do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adoptado para evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa do agente criminoso, e que poderia decorrer de um sistema de acumulação material onde ocorresse a mera soma das penas em que o arguido tivesse sido condenado. Por isso que o sistema da pena conjunta implica uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, nomeadamente, através da combinação das penas parcelares que não perdem a natureza de fundamentos da pena do concurso.

No que tange ao exercício material conducente à determinação da punição única pelos crimes em concurso, o mesmo opera em primeiro lugar pela determinação das penas parcelares em que o arguido foi condenado.

Em segundo lugar, e de acordo com o determinado no nº2 do art. 77º do Cód. Penal, deverá, por um lado, ter–se como limite mínimo da pena única a aplicar, aquele correspondente à pena parcelar mais elevada de entre aquelas em concurso ; e deverá. por outro lado, proceder–se à soma de todas as aludidas penas parcelares, obtendo-se assim o limite máximo da moldura abstracta aplicável.

Finalmente, assim determinados os limites máximo e mínimo da moldura punitiva aplicável, cumprirá então fixar a medida concreta da pena única dentro dessa moldura penal.

Nesta fixação da medida concreta da pena conjunta, deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal – critérios que entre si se conjugam.

Assim, e em primeiro lugar, a determinação da medida da pena desde logo através dos critérios gerais de escolha e graduação da pena concreta, havendo assim a considerar em especial os parâmetros do art. 71º do Cód. Penal : essa determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que -não fazendo parte do tipo de crime- depuserem a favor ou contra o arguido.

Depois, a determinação da medida da pena nos casos de concurso obedecerá aos critérios especiais de determinação do art. 77º/1 do Cód. Penal, onde se dispõe que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A apreciação do conjunto dos factos fornecerá uma visão integrada de condutas praticadas pelo agente (imagem global do ilícito), permitindo verificar se entre os factos criminosos existe uma ligação ou conexão relevante. A ligação ou conexão relevante entre factos visa apurar se o agente pretendeu com determinado conjunto de factos executar um plano, ou se há uma gravidade na conduta, não detectável em cada crime individualmente, mas claramente perceptível na sua globalidade.

A avaliação da personalidade do agente visa revelar se, da apreciação do conjunto dos factos praticados pelo agente, se extrai um figurino geral de personalidade do agente do crime, em termos de determinar a tendência ou a propensão para a prática de um determinado tipo de crime ou para a ofensa de determinados bens jurídicos.

      Efectuando, enfim, o exercício de fixação da pena única dentro da unitária moldura penal aplicável no caso – mas sem desconsiderar quanto se disse no que tange à ponderação da janela delimitada pelos ditames da culpa e das exigências de prevenção –, haverá, pois, que, no caso, levar a cabo um exercício de compressão das penas parcelares em concurso – com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite o ponto de partida daquela moldura.

        

      Antes de prosseguir, uma nota intercalar para salientar que, também nesta sede, e como resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

Neste sentido, citem–se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013 (proc. 180/11.0GAVLP.P1)[[5]] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso», o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2017 (proc. 17/16.3PAAMD.L1-9)[[6]], ou o acórdão do S.T.J. de 18/05/2022 (proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1)[[7]], que consigna que «A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”».

      Prosseguindo, temos, portanto, que no presente caso, e de acordo com as regras acabadas de enunciar, a moldura penal a ter em conta na fixação da pena única tem por limite mínimo o de 2 anos de prisão (pena de prisão parcelar mais elevada daquelas em concurso), e como limite máximo o de 2 anos e 10 meses de prisão (soma das duas penas de prisão em concurso).

Pois bem, também nesta parte se julga que bem decidiu o tribunal a quo na fixação da pena única nos termos em que o fez, isto é, em 2 anos e 3 meses de prisão.

Assim, temos desde logo os factores que militam em favor e em desfavor do arguido, e que se mostram adequadamente explanados em sede de Sentença.

Cumpre tão só nesta parte, e por directo reporte à alegação recursória, consignar que, salvo o devido respeito, mal se compreender a referência a que o arguido terá tido uma postura de «total colaboração com o tribunal a quo», quando resulta do teor da Sentença recorrida que o arguido tão apenas admitiu alguns dos factos objectivos apurados nos autos, não assumindo de todo a sua responsabilidade na configuração ilícita e culposa das actuações detectadas.

Cumpre depois, e nesta sede em particular, realçar que os factos praticados pelo arguido e que integram a sua condenação pelos dois crimes aqui em causa, se encontram intimamente conexionados entre si, apresentando uma relação acentuada uniformidade temporal e resolutiva.

Não poderá olvidar–se, outrossim, também aqui, que o registo das várias condenações criminais sofridas pelo arguido antes dos factos, todas por crimes de alguma gravidade – mais se registando que, também antes dos factos dos autos, havia já praticado outros de similar natureza pelos quais foi objecto de procedimento criminal, no âmbito do qual veio, entretanto, a ser condenado, ainda que apenas depois da prática daqueles aqui em causa.

O que, tudo, evidencia uma personalidade marcada por características desvaliosas e que suscitam acentuadas cautelas no que respeita à ponderação das exigências de prevenção no caso, tanto mais se ponderarmos em que o arguido é uma pessoa com percurso profissional ligado às forças de segurança (tendo integrado a PSP entre 1988 e 1999, onde desempenhou funções de Comandante entre outras), isto é, com especiais conhecimentos e valências ligadas à actividade que aqui levou a cabo ilicitamente, o que não há–de ter deixado de influir na circunstância de haver sido gerente e proprietário de empresas de segurança privada referidas nos presentes autos.

      Aqui chegados, e tomando em conta os parâmetros conjugados dos arts. 40º, 71º e 77º do Cód. Penal – tendo, pois, especialmente em atenção a globalidade dos factos, avaliando a interconexão entre os crimes do concurso e quanto evidenciam os mesmos no que tange à personalidade do arguido –, julga–se que o exercício de fixação da pena única dentro da moldura legal penal supra assinalada (concretizada, aliás, num ponto situado em cerca de 1/3 da janela punitiva aplicável) se mostra ajustada e adequadamente efectuado pelo tribunal a quo, não merecendo censura.

      Decide–se assim confirmar a pena única (de 2 anos e 3 meses de prisão), que vem fixada ao arguido AA, improcedendo assim esta derradeira vertente do seu recurso.

5. De saber se as medidas concretas das penas de multa aplicadas aos arguidos EE e “A..., S.A.” são excessivas.

      Vêm, enfim, os arguidos EE e “A..., S.A.” dirigir a sua crítica contra os termos em que se mostram fixadas as penas de multa aplicadas a cada um, considerando, em qualquer dos casos, que a pena aplicada de 140 dias de multa (na moldura abstracta de 10 a 480 dias de multa) é desproporcional e excessiva.

      Na verdade, alegam, o comportamento que afinal aqui se lhes impunha era de maior diligência e acompanhamento dos serviços prestados pela “C...”, resultando as exigências da prevenção geral diminutas, até porque depois da acção inspectiva de 03/02/2016, a “A..., S.A.” suspendeu e cessou a prestação de serviços pela “C...” – e para isso bastou a constituição da primeira como arguida.

      Ademais, e no que em especial respeita ao arguido EE, sendo este primário, a fixação de 140 dias de multa à taxa diária de €100 (numa moldura abstracta de €5,00 a €500,00) não é razoável nem proporcional às suas condições sócio–económicas, existindo uma total falta de fundamentação concreta para esta pena aplicada.

      Em conclusão, propugna que, a serem condenados, deveriam sê–lo pelo montante mínimo quer nos dias de multa, quer no valor dia a fixar por cada dia de multa.

      Vejamos.

Assim, e recordando, foram os arguidos, aqui recorrentes, objecto de condenação nos seguintes termos concretos :

– o arguido EE, pela prática de um crime de Exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto pelo art. 57º/4 da Lei 34/2013, de 16 de maio – e punível com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa de 10 a 480 dias –, na pena de 140 dias de multa, e

– a arguida “A..., S.A.”, pela prática também de um crime de Exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto pelo mesmo art. 57º/4 da Lei 34/2013, em conjugação com o art. 58º da mesma Lei (que estipula que «As pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos no artigo anterior») – e punível com pena de multa a fixar entre 10 e 480 dias  –, na pena de 140 dias de multa.

No caso dos autos, a punibilidade criminal da arguida “A..., S.A.” deriva da actuação levada a cabo, em seu nome e representação, pelo arguido EE, a qual assume os contornos e a configuração que já ficaram definitivamente assentes nos autos também por via da presente decisão, e que correspondem, afinal, àqueles definidos em primeira instância.

Comecemos por apreciar quanto respeita à medida concreta das penas de multa aplicadas.

De acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.

A primeira dessas disposições, determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

No caso, e no que em particular respeita ao arguido EE, temos que na decisão recorrida o tribunal a quo optou pela alternativa da punição não privativa da liberdade, aplicando–lhe – nos termos que ali fundamenta – pena de multa.

É tema (o da concreta alternativa punitiva) que aqui não nos ocupa, estando apenas em causa a concreta graduação da medida concreta da pena de multa que vem aplicada.

Precisamente, estabelece por sua vez o art. 71º do Cód. Penal que a aludida determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.

Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar ; ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.

Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente

Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado art. 71.º do Código Penal, designadamente os susceptíveis de «contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar» – cfr. Acórdão do S.T.J. de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, ed. 2011, pág. 242).

Ora, na sentença recorrida mostram–se elencados os elementos com relevo na determinação da medida concreta das penas de multa aplicadas, e que não se devem considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição.

      Assim, ali consigna o tribunal a quo nos seguintes termos, e com relação a ambos os recorrentes :

« -  Atuaram com dolo direto (facto desfavorável);

- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é elevada (tendo sido alvo de fiscalização em 24-04-2015, mantinha os serviços em 03-02-2016),

- O arguido EE está integrado a nível familiar, social e profissional;

-  Não têm antecedentes criminais. ».

Pese embora o respectivo carácter próximo do telegráfico, tal elenco mostra–se objectivamente quase isento de censura.

E quase, porque desde logo se assinala que um dos parâmetros considerados pelo tribunal a quo não o foi adequadamente, e em conformidade com aquilo que resulta da matéria de facto provada – qual seja o que tem a ver com a caracterização da atitude subjectiva com que o arguido EE levou a cabo a sua actuação típica objectiva – com reflexo na concretização da punibilidade da arguida pessoa–colectiva.

Na verdade, nesta sede considera o tribunal a quo, como acaba de se recordar, que tal actuação foi levada a cabo com dolo directo ; porém, o que resulta da matéria de facto provada (e ora estabilizada), recorde–mo–lo também, é o seguinte – com sublinhados agora apostos :

39. Pelo menos depois do dia 24/04/2015, dia em que ocorreu ação policial da qual teve conhecimento, representou o arguido EE que o arguido AA lhe prestava um serviço, por via da sociedade C..., para o qual não detinha o necessário alvará.

40. Sabia que os serviços respeitantes à segurança privada, designadamente os de controlo da entrada e saída de pessoal e monitorização dos sistemas de videovigilância, de modo a prevenir a prática de crimes, requeria alvarás de que não dispunha AA e suas sociedades.

41. Conformou-se com tal situação e em representação, por conta e no interesse da sociedade A..., S.A.

Ora, sem grandes preocupações exegéticas se recorda que, nos termos do art. 14°/1 do Cód. Penal, «age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar» – assim se configurando a básica modalidade de dolo directo, que é o conhecimento e a vontade de realização da acção típica.

Consabidamente, porém, o dolo pode ser directo, necessário ou eventual. Neste último caso, prevê o nº3 do art. 14º do Cód. Penal que o agente prevê o facto como consequência possível da sua conduta e, mesmo assim, age tipicamente, assumindo volitivamente a sua conformação com a ocorrência daquela consequência. A vontade não se dirige aqui propriamente ao resultado, nem como fim nem como meio necessário, mas apenas ao acto inicial.

Pois bem, atentos os termos de quanto fica assente em sede de fundamentação de facto da Sentença recorrida, temos que aquilo que configura tal materialidade é uma actuação por parte do arguido EE – e, por via dele, da arguida “A..., S.A.” – cuja caracterização claramente conforma o preenchimento de uma situação de dolo eventual nos termos do art. 14º/3 do Cód. Penal.

Porém, e como se constata, o tribunal a quo vem, a jusante, a considerar, e como circunstância agravante da conduta para efeitos de concretização punitiva, ter existido da parte dos arguidos uma actuação com dolo directo, decidindo em conformidade com tal desadequada premissa.

Esta constatação, só por si, inevitavelmente determina que o juízo de graduação punitiva que vem efectuado deva ser reponderado, pois que os arguidos actuaram, não animados pela modalidade mais gravosa do dolo, mas sim e no contexto daquela precisamente menos acentuada, e situada logo acima de uma actuação descuidada por negligência, que não seria aqui tão pouco criminalmente relevante – pois que o tipo criminal aqui em causa apenas é susceptível de ser preenchido com uma actuação dolosa, sendo não obstante seguro que, como bem referencia a Sentença recorrida, «o tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo».

        

      No mais, crê–se que a avaliação e ponderação do tribunal a quo nesta parte se afigura adequada, tendo em conta os valores jurídico–penais aqui em causa, e as concretas exigências de prevenção geral e especial colocadas, sendo particularmente se realçar neste conspecto a natureza da actividade empresarial levada a cabo pela arguida “A..., S.A.” – de que o arguido EE é máximo representante –, quase inevitavelmente susceptível de determinar a contratação de serviços da natureza material daqueles que aqui estavam sendo ilegitimamente prestados.

Os factores de risco de reiteração criminosa não podem, pois, ser desconsiderados.

Não poderá perder–se de vista, por outro lado, não se mostrar demonstrado nos autos o valor do benefício (nomeadamente de natureza económica) – se algum – que a arguida “A..., S.A.” extraiu da prática dos factos, não havendo qualquer notícia de que haja prosseguido a mesma após a sua constituição como arguida no processo.

Finalmente, nenhum dos arguidos regista outras condenações criminais.

Face a todos estes factores, e sem prejuízo da devida reponderação acima aludida, julga–se não poder olvidar–se a preponderância das circunstâncias ligadas à gravidade dos factos e às exigências preventivas que se impõem no caso.

Em conformidade, de todo se crê adequada a propugnada redução de qualquer das penas de multa para o respectivo limite mínimo – tal seria uma reacção desajustada à salvaguarda daquelas finalidades, e traduzir–se–ia assim numa reacção institucional em absoluto inadequada.

      Concluindo, e efectuando, pelos motivos expostos, a reconfiguração do exercício de concretização punitiva relativo a ambos os arguidos, afigura–se ajustado, em face de todos os parâmetros assinalados, fixar em concreto a pena de multa a aplicar a cada um dos arguidos em 120 (cento e vinte) dias – nessa medida se revogando a decisão recorrida.

Procede, assim, ainda que parcialmente, esta parte do recurso dos arguidos EE e “A..., S.A.”.

Vejamos, enfim, quanto se refere ao quantitativo diário fixado para as penas concretas de multa em causa.

Como se disse, vem também os arguidos propugnar que, a serem condenados (como ora se constata deverem sê–lo), deverá ser «pelo montante mínimo [também] no valor dia a fixar por cada dia de multa».

A primeira e liminar nota que desde logo deve deixar–se consignada é a de que a questão assim suscitada apenas se coloca com relação à pena de multa aplicada ao arguido EE.

      Na verdade, e com relação à arguida “A..., S.A.”, o valor mínimo da quantia a fixar por cada dia de multa é o de €100,00, nos termos gerais previstos no art. 90º–B/5 do Cód. Penal, onde precisamente se define que no caso das arguidas pessoas–colectivas, «Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores ».

Donde, aquele (de €100, exactamente) valor diário da multa que vem in concretu fixado no caso da arguida “A..., S.A.”, porque corresponde precisamente àquele limiar mínimo, não é susceptível de qualquer redução, mostrando–se assim prejudicada a pretensão recursória nessa parte.

Analisemos, pois, quanto respeita à situação do arguido. EE.

        

         Nos termos do disposto no art. 47º/2 do Cód. Penal, e para as pessoas singulares, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00, «que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Ou seja, não são já critérios de graduação de ilicitude ou culpa que devem presidir na fixação do quantitativo diário da pena de multa.

É verdade ainda que a pena de multa deve traduzir-se num processo que vise o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, garantindo-se a validade e vigência da norma violada perante a comunidade, sendo, nesta perspectiva, correcto afirmar que a punição por tal via não deixará de representar para o arguido um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável na satisfação das suas próprias necessidades mais elementares e dos restantes elementos do seu agregado familiar.

No que em especial respeita ao quantitativo diário da multa, o mesmo deve ser graduado "em atenção às determinantes legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver" – cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português Anotado”, 15.ª ed., pág. 190.

In casu, e como já vimos, a decisão recorrida fixou a taxa diária da multa aplicada ao arguido EE em €100,00, o que, tendo em conta os 120 dias de multa cominados – isto é, tomando, entretanto, já em consideração aquela que é a pena que agora vai firmada –, se traduz num encargo de €12.000,00.

Pois bem, da sentença resulta provada a seguinte factualidade com relevo para a ponderação da capacidade financeira do arguido :

« 51.     (…) À data dos factos, assim como no presente, EE exerce a profissão de empresário, assumindo funções de administrador de empresas no domínio da família, nas áreas do comércio, agricultura e imobiliária, nas quais inclui a empresa co–arguida “A..., SA”.

Casou-se em 1990 e desta união nasceram três filhos, sendo um ainda menor. O núcleo familiar fixou residência na morada que consta nos autos [Rua ..., moradia ...4, Porto] desde 1996.

O arguido aufere um vencimento líquido de 10.000 euros, decorrente dos rendimentos que obtém de algumas das empresas que administra/gere, assim como do arrendamento de uma loja e da gestão de um empreendimento de turismo de habitação nos .... Estima um gasto médio mensal do agregado familiar de cerca de 4000 e 5000 euros, no qual inclui as despesas fixas da habitação e as despesas com os estabelecimentos de ensino.»

Ou seja, e de acordo com a matéria de facto provada – e só à mesma se pode atender nesta sede – é com o rendimento mensal do arguido, actualmente com 60 anos de idade, que o respectivo agregado faz face a todas as despesas familiares e quotidianas.

É certo que aquele rendimento se mostra suficiente para satisfazer sem dificuldades tais despesas, não se demonstrando ter o recorrente a seu cargo outras que não aquelas inerentes ao próprio sustento desse mesmo agregado – não obstante se assinalando ter a seu cargo designadamente ainda um filho menor de idade –, habitando ademais em casa própria. O que, tudo, indicia uma situação que não é de carência económica.

Todavia, perante o circunstancialismo que fica supra assinalado, notar–se–á que, à luz daquele que é o rendimento do arguido e ponderadas as suas, apesar de tudo, inevitáveis despesas, o valor total correspondente à multa aplicada – mesmo na consideração da alteração dos dias que lhe correspondem, como acima determinada –, consumiria (e excederia) a integralidade daquele seu rendimento mensal.

Sendo que, e por outro lado, também não se afigura equitativo que o quantitativo diário fixado seja igual ao da arguida “A..., S.A.”, sendo certo que foi o património desta pessoa colectiva aquele indevidamente beneficiado em termos imediatos pelos actos em causa no presente processo.

      É certo que, também neste segmento recursório, se rejeita em absoluto a propugnada redução do valor diário da multa para o respectivo limite mínimo, pois que, face a quanto se demonstra relativamente às capacidades financeiras do arguido, tal seria uma reacção totalmente desajustada, e traduzir–se–ia numa reacção institucional em absoluto irrisória e nos limites da ineficácia penal.

Contudo, e em face das circunstâncias acima assinaladas, julga–se efectivamente mais adequado, nos termos do disposto no art. 47º/2 do Cód. Penal, fixar o quantitativo diário da pena de multa aplicada no valor de €60,00 (sessenta euros), o que corresponderá a um valor total de €7.200,00 – o que não deixará de representar para o arguido um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável na satisfação das necessidades próprias e do respectivo agregado.

Merece, assim, parcial provimento este segmento do recurso interposto.


*


*

III. DECISÃO

Nestes termos, e em face a tudo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em :

1º, não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar integralmente quanto ao mesmo a decisão recorrida ;

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 (três) U.C.´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).

2º, conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido EE, e alterar a decisão recorrida, indo agora o mesmo condenado (pela prática de um crime Exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto e punido pelo art. 57º/2/4 da Lei 34/2013, de 16 de Maio), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de €60,00 (sessenta euros) – o que perfaz o montante global de €7.200,00 ;

Sem custas (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal).

3º, conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida “A..., S.A.”, e alterar a decisão recorrida, indo agora a mesma condenada (pela prática de um crime Exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto e punido pelos arts. 57º/2/4 e 58º da Lei 34/2013, de 16 de Maio), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de €100,00 (cem euros) – o que perfaz o montante global de €12.000,00 ;

Sem custas (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal).


*

Porto, 3 de Julho de 2024

Pedro Afonso Lucas

Castela Rio

Raúl Esteves


(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)

_______________________
[[1]] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[2]] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt  
[[3]] Disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/a_pessoa_colectiva_como_arguida_no_processo_penal.pdf 
[[4]] Disponível em https://smmp.pt/smmp-na-imprensa/a-originalidade-do-regime-de-representacao-das-sociedades-comerciais-no-processo-penal/ 
[[5]] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[6]] Relatado por Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf 
[[7]] Relatado por Ana Barata de Brito, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf