PER
HOMOLOGAÇÃO
AVALIAÇÃO DA EMPRESA
LIQUIDAÇÃO DA EMPRESA
Sumário

1.–Proferindo o tribunal sentença homologatória do plano aprovado e alegando as apelantes que se impunha a não homologação porquanto o plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os Credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação, deve o juiz apreciar da verificação desse fundamento à luz do art. 216.º, n.º1, alínea a) do CIRE e ainda do art. 17.º-F, nºs 7 e 8 do CIRE, este na redação introduzida pela Lei 9/2022 de 11-01, mormente os seus nºs 7 e 8 .

2.–Com a Lei 9/2022 a ratio do regime legal, na sua essência, mantém-se, mas acentuou-se o grau de escrutínio do Juiz, que deve aplicar, com as necessárias adaptações, nomeadamente, o referido art. 216.º, “aferindo” – é essa a terminologia da lei – da verificação dos vários elementos enunciados no número 7 do art. 17.º-F.

3.–Como resulta do número 8 do art. 17.º-F, na redação da LN, o legislador introduziu ainda a possibilidade do juiz, previamente à prolação da decisão de homologação/recusa, determinar “a avaliação da empresa, por um perito”, não devendo o juiz deixar de determinar a produção desse tipo de prova sempre que (i) se verifiquem os pressupostos de natureza formal assinalados, a saber, que se verifique existir algum credor “discordante”, que tenha formulado pedido de não homologação, fundamentando esse pedido na circunstância da sua situação ao abrigo do plano ser menos favorável que seria num cenário de liquidação da empresa e (ii) materialmente, a mesma se revele necessária e imprescindível para o juiz formar, conscienciosamente, a sua convicção quanto ao valor da empresa e, consequentemente, proferir decisão, fundamentada, de homologação/não homologação do plano aprovado.

4.–Para um estado de incerteza quanto ao valor da empresa, elemento fundamental para concluir, num juízo de prognose, se a situação dos credores discordantes ao abrigo do plano é ou não “menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa” (art. 17.º - F, n.º 8, alínea a), o legislador apontou a solução legal que é a que consta do referido preceito, que atribui ao juiz o poder (poder/dever) de determinar “a avaliação da empresa”.

Texto Integral

Acórdão os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I.–RELATÓRIO


1.–A requerente VH – Gestão Imobiliária, Lda. (apelada), (…)veio, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), intentar o presente processo especial de revitalização (PER), em 04-08-2023 [[1]].
Alegou, em síntese, estar em situação económica difícil, mas que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, e juntou a documentação a que aludem os artigos 17.º-A e seguintes do dito Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

2.–Foi nomeado o Administrador Judicial Provisório (AJP), por despacho de 16-08-2023 (Dr. JM) [[2]], que juntou a lista provisória de créditos, em 08-09-2023, aí apresentando a seguinte lista de credores:

NOME
Garantido
Comum
Subordinado Sob Condição
TOTAL
%
1 ALEGRES ENIGMAS, LDA. N R
1 500 000,00
1 500 000,00
13,19
2 AT - AUT.TRIBUTÁRIA - ESTADO - MºPº R 28 333,80
995,47
29 329,27
0,26
3 BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA R
760 872,74
760 872,74
6,69
4 JB R
4 387 838,62
4 387 838,62
38,57
5 MB R
3 854 613,76
3 854 613,76
33,89
6 SOCONSFERMA - SOC CONSTRUÇÕES R
473 434,96
473 434,96
4,16
7 UNIFIRME R
369 245,59
369 245,59
3,25
TOTAIS
28 333,80 2 343 676,02 8 242 452,38
760 872,74
11 375 334,94 100,00
R - Credor Reclamante
N R - Credor NÃO Reclamante

Sobre essa lista incidiram impugnações tendo sido proferida decisão sumária em 20-10-2023, que julgou parcialmente procedentes as impugnações e, consequentemente:
a)-Reconheceu a totalidade do crédito da apelante Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) no montante de 760.872,74 € como crédito comum e efetivo; 
b)-Reconheceu o crédito de JB no valor de € 3 053 476,58; 
c)-Reconheceu o crédito de MB no valor de € 2 520 251,72; 
d)-Reconheceu o crédito da sociedade Unifirme – Gestão Imobiliária, Lda., no valor de € 369 245,59, como crédito comum e efetivo.
Os autos aguardaram o decurso do prazo das negociações (cfr. artigo 17.ºD, n.º 7, do CIRE), que se prorrogou por mais um mês. 

3.–Após a apresentação da versão final I do plano de recuperação, junta em 11 de dezembro de 2023 e datada de 2 de dezembro de 2023, foram também apresentados requerimentos com vista à não homologação desse plano, em 14 [[3]] e 19 [[4]] de dezembro de 2023, com junção de documentos [[5]].
Em 25-12- 2023 o AJP procedeu ao depósito da versão final II do plano de recuperação, datada de 22 de dezembro de 2023 [[6]].

4.–As credora Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) e Soconsferma – Sociedade de Construções, S.A. (apelantes), votaram contra e por requerimentos respetivamente, de 10-01-2024 [[7]] e de 15-01-2024 [[8]], requereram a não homologação do plano.
A Fazenda Nacional expressou voto favorável.

5.–Foi exercido o correspondente contraditório conforme resulta das peças processuais/ requerimentos datados de 10, 15 e 17 de janeiro de 2024.

6.–Em 17 de janeiro de 2024, foi junto o documento de apuramento com a votação dessa nova versão do plano (ata de 16 de janeiro de 2024, pelas 11h00), bem como cópias dos votos emitidos pelos credores participantes nas negociações.

7.–Concluídas as negociações, procedeu-se à votação nos termos que se seguem:
- Num universo total de 3 132 885 votos (= 100 %, excluídos os votos dos sócios-gerentes, por corresponderem a créditos subordinados);
- Foram recebidos 1 898 576 votos favoráveis ou a favor (= 60,60 %);
- Foram recebidos 1 234 309 votos desfavoráveis ou contra (= 39,40 %);
- Não houve abstenções [[9]].

8.–Em cumprimento do disposto no artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, o senhor Administrador Judicial Provisório manifestou nos autos o entendimento de que o plano de revitalização é viável e deverá ser homologado [[10]].

O AJP emitiu parecer sobre a proposta de recuperação, com o seguinte teor:
“VH-GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA., (…) apresentou-se a um Processo Especial de Revitalização, cujos autos correm termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 3, com o processo Nº 18714/23.5T8LSB. 
No âmbito do mencionado processo, foi elaborada lista de credores, composta por sete credores, num total de créditos de € 8.706.610,86. 
Decorreram os prazos previstos para as negociações com os credores e em tempo foi apresentado o respetivo Plano de Revitalização. 
Para efeitos de votação do Plano, não foram tidos em consideração os votos de dois credores, sócios gerentes, aos quais foi reconhecido créditos no valor de € 5.573.728,30, qualificados como créditos subordinados, o que representavam mais de 50% da totalidade dos créditos. 
Todos os credores manifestaram a sua posição, remetendo o seu voto ao administrador da insolvência. 
Foram obtidos votos favoráveis que correspondem a 60,60 % e votos contra que representam 39,40%, pelo que se considerou o Plano aprovado.
O Plano de Revitalização tem como principal objetivo apresentar uma proposta de reestruturação do passivo financeiro, ajustando às condições à realidade da devedora para assegurar a manutenção e a sua viabilidade. 
A pandemia de 2020/21 provocado pelo SARS COV 2, coronavírus Covid-19 teve impacto na economia, atrasando o desenvolvimento de muitos sectores da atividade a que a devedora também não escapou. 
Verificou-se que com uma atividade pouco expressiva e uma situação financeira debilitada, a empresa apresentou capitais próprios positivos (€ 2.566.655,43 a 30/07/2023). 
Entendemos que o Plano de Revitalização apresentado e aprovado pela maioria dos credores, oferece perspetivas razoáveis de garantir a viabilidade de manutenção da devedora e evitar a sua insolvência, cenário que não é desejável para devedora e para a maioria dos credores. 
O Plano permite que a devedora possa continuar a desenvolver a sua atividade e não encerrála, liquidando-a, para que os credores possam receber o seu crédito antecipadamente. 
A devedora encontra-se a reclassificar, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um dos seus ativos (terreno em Lisboa, junto à Praça de Espanha) o qual virá a ter um valor muito superior ao atual. 
Obtendo a requalificação que pretende, desenvolve um projeto turístico, sua construção e comercialização, nomeadamente a venda de um bloco de apartamentos e a exploração de um conjunto de alojamento turísticos, assegurando a viabilidade económica e financeira.
Este projeto irá aumentar a atividade da empresa, a de empresas parceiras e gerar direta e indiretamente postos de trabalho.
Parece-nos que a proposta é exequível e os mapas financeiros apresentam variações que estão explicados pelo plano e que não deturpam os resultados previstos.
Assim, entendemos que o Plano de Revitalização da Revitalizanda VH – Gestão Imobiliária, Lda., é viável e deverá ser homologado”.

9.–Em 15-02-2024 foi proferida decisão, com o seguinte segmento dispositivo:
“Em face do acima exposto, o Tribunal homologa, por sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-F, n.ºs 5 e 7, do CIRE, a versão final II do plano de recuperação, apresentada em 25 de dezembro de 2023 e datada de 22 de dezembro de 2023, em relação à Devedora/Requerente VH – Gestão Imobiliária, Lda., com vista à revitalização desta sociedade comercial.
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (cfr. artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE).
Custas a cargo da Requerente, com taxa de justiça reduzida a um quarto (cfr. artigos 17.º-F, n.º 12, e 302.º n.º 1, ambos do CIRE), sendo o valor tributário da ação equivalente ao da alçada da Relação (= € 30 000,00), nos termos do disposto no artigo 301.º do CIRE.
Registe, notifique e publicite, nos termos do disposto nos artigos 37.º e 38.º (aplicáveis por remissão do artigo 17.º-F, n.º 11, segmento final), todos do CIRE.
 Em relação à remuneração, reiteramos que, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Estatuto dos Administradores Judiciais, o senhor Administrador Judicial Provisório nomeado nos autos tem direito à remuneração fixa no valor de € 2 000,00, remuneração a pagar nos termos previstos no artigo 17.º-C, n.º 6, do CIRE (cfr. último parágrafo do despacho de 16 de agosto de 2023); sem prejuízo da fixação ulterior da sua remuneração variável – a realizar na senda de proposta a remeter, oportunamente, pelo senhor Administrador Judicial Provisório (cfr., entre outros, Ac. TRG de 25.05.2023, relatado por JD e com texto disponível em www.dgsi.pt)”.
 
10.–Não se conformando, apelaram o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) e a Soconsferma -Sociedade de Costruções , SA.

11.–O Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) apresenta as seguintes conclusões:
a.- Antes de mais, evidencie-se que se encontra suspensa a ação executiva movida pelo Recorrente contra a Recorrida que corre termos na Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 6, sob o n.º 1872/22.3T8LSB e cujo objeto são os créditos reclamados no presente PER.

I.DO PASSIVO DA DEVEDORA
b.- No âmbito do presente PER, foram reconhecidos pelo Exmo. Administrador Judicial Provisório quanto aos Credores Sócios da sociedade Devedora e a UNIFIRME - GESTÃO IMOBILIÁRIA, S.A. (empresa gerida pela filha dos sócios da Devedora), respetivamente, os montantes de € 4.387.838,62, € 3.854.613,76 e € 369.245,59.
c.- Ora, os mencionados Credores, aquando da apresentação das suas Reclamações de Créditos não indicaram a proveniência de tais créditos, nem a data de vencimento, nem tampouco discriminaram os montantes que correspondem a capital e a juros, ou sequer a taxa de juros moratórios aplicável, não tendo juntado qualquer título, para o efeito.
d.-Acresce que, apesar de os Sócios da Devedora indicarem “suprimentos conferidos à sociedade pelo menos desde Junho de 2009”, no âmbito do PER que correu termos na Comarca de Lisboa Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2 sob o nº 18837/17.0T8LSB não reclamaram quaisquer créditos.
e.-Resulta, pois, evidenciado que a inclusão dos referidos créditos mais não representou que uma intencional hiperbolização do passivo da sociedade, numa tentativa da Devedora de se eximir às suas responsabilidades perante os seus reais credores, que não têm intervenção e interesses diretos na gestão da referida sociedade, ao contrário do que sucede com os créditos reclamados pelos sócios.
f.-Não podendo o douto tribunal ad quem, ignorar que os referidos credores têm um papel crucial na composição do atual passivo da Devedora (de 8.002.973,90 €), que, na realidade, legitimou a apresentação da Recorrida ao PER, perfazendo tais créditos (5.573.128,00 €) 69,64 % do passivo.

II.DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
g.-Ora, a Recorrida apresentou o presente PER por enfrentar dificuldade para cumprir pontualmente as suas obrigações por ter falta de liquidez.
h.-Nesta senda, propôs no plano apresentado, quanto aos créditos comuns, onde se inclui o crédito do ora Recorrente, que fosse concedida uma carência de amortização de capital de 18 meses (1 ano e meio) um perdão de dívida de 2/3 da dívida integral (66,67% do total).
i.-Resultando, desde logo, evidente da informação apresentada pela própria Recorrida que a empresa tem condições para reembolsar na íntegra os seus credores, ainda que não disponha atualmente da liquidez necessária para tal.
j.-Não se revelando minimamente aceitável que tal circunstância por si só determine uma concessão de um perdão de 2/3 da dívida integral - especialmente se a Devedora estiver na disposição de honrar os restantes créditos que não os subordinados – que, repita-se, representam 69,64 % do atual passivo da Devedora.
k.-A este propósito sempre se dirá que a função do PER é a de permitir que a empresa se recupere, sem que tal implique necessariamente que os credores fiquem desprotegidos e sofram prejuízos evitáveis, sendo que, para tal, bastaria a elaboração de um plano de pagamentos a médio prazo que contemplasse a totalidade da dívida e não apenas 1/3 da mesma.
l.-Não podendo a Devedora alicerçar-se na (alta ou baixa) probabilidade de procedência dos Embargos de Executado que apresentou no âmbito da ação executiva com o n.º 1872/22.3T8LSB para justificar a concessão do perdão exacerbado de dívida que pretende.
m.-Aliás, talvez por existir alguma (bastante) probabilidade de o Recorrente ver a sua pretensão atendida, é que a Recorrida achou por bem apresentar-se prontamente ao PER, e apresentar um plano de pagamentos clamorosamente desproporcionado.

III.DO PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO DA RECORRIDA
n.- Conforme informações contabilísticas remetidas, a Devedora tem um Ativo Total superior a 8,5 milhões de euros (8.599.649,28€ segundo as contas finais de 2022), fazendo parte dele os imóveis que de seguida se identificam: 
i.- Fração autónoma sita em Armação de Pêra, designada pela letra “L” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …; 
ii.- 1/2000 da Fração autónoma, designada pelas letras “ABE” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …;
iii.- 1/9 da Fração autónoma, designada pela letra “V” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º …;
iv.- 1/89 da Fração autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …; 
v.- Fração autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …; 
vi.- Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …;
e  vii.- Prédio rústico sito na Rua …, n.ºs ..6 e 2.., composto de Lote de terreno com 4528 M2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº…da Freguesia São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º … da freguesia de Avenidas Novas.

o.- Merecendo especial destaque o prédio rústico sito na Rua …, n.º ..6 e 2.., o qual, de acordo com a contabilidade da Devedora, tem como valor 8.091.4443,32€.
p.- Isto porque, contrariamente à fundamentação exposta pelo Tribunal a quo, que entendeu que o valor real do imóvel poderá ser inferior ao computado naquelas contas finais de 2022,  atento o sentido e alcance da informação camarária com o número INF/../---/---/---/CML/.., ainda que o valor de mercado possa não ser exatamente o constante da contabilidade da Devedora, o que não se concede, sempre se dirá que seria pelo menos suficiente para saldar as dívidas que perfazem 30,36% por cento do passivo, isto é, excluindo os créditos subordinados (dos próprios sócios).
q.- Referiu ainda o Tribunal a quo que a liquidação no âmbito de um processo de insolvência, apesar de conhecer natureza urgente, poderá demorar anos.
r.- Sucede que, com o devido respeito, o cenário moroso da liquidação insolvencial, mesmo com preços inferiores aos resultantes da pura lógica de mercado, afigura-se mesmo assim preferível ao cenário em que os credores são forçados a aceitar um perdão de 66,6 % do seu crédito, quando a Devedora tem claramente uma situação contabilística e financeira positiva.
s.- Mais, já em 2007 foi atribuído ao imóvel um o valor nunca inferior a 6.685.160,00 €, atento o mútuo com hipoteca celebrado com o Banco CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, C.R.L em que foi o referido imóvel dado em garantia.
t.-Pelo que, atualmente, face à especulação imobiliária em Portugal, o que consubstancia facto notório, certamente não terá valor inferior, pese embora os “circunstancialismos camarários” supra mencionados. 
u.-Veja-se para o efeito o relatório de avaliação solicitado e junto aos autos pela Credora SOCONSFERMA – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, S.A que atribui ao imóvel o valor de mercado de, pelo menos, 9.168.000,00€.
v.-Simplesmente, afigura-se conveniente para a Devedora manter o capital corporizado nos seus imóveis, ao invés de o transformar em liquidez, e assim conseguir um plano que contempla um perdão de dívidas e um período de carência e de pagamento a prestações absolutamente desproporcional e mais não representa que um enriquecimento injustificado da Devedora à custa dos Credores. 
Mais,
w.- A Devedora não tem quaisquer encargos com trabalhadores, inexistindo qualquer razão plausível para que esta se mantenha a laborar nos termos exatamente propostos – o que não implicará, necessariamente a sua extinção, contrariamente ao que foi interpretado pelo Tribunal a quo.
x.- Sendo que o objetivo do Processo Especial de Revitalização passa por conceder à empresa uma oportunidade de permanecer em atividade, numa lógica de acautelar os seus interesses, bem como os dos credores, mas, principalmente, os das pessoas que dela dependem, v.g. os trabalhadores.
y.- Não se verificando tal circunstância no presente caso, não se afigura justificado o grau de tutela dos interesses da empresa, conferido pelo plano de recuperação homologado.

IV.DA TUTELA DOS CREDORES
z.- Resulta de todo o exposto supra que o Plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os Credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação, o que consubstancia uma situação típica de abuso do direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil), pois que a Devedora é detentora de um direito – i.e. a possibilidade recorrer ao PER -  porém, exercita-o fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante – i.e. recorreu ao PER por forma a furtar-se ao cumprimento das obrigações assumidas para com os seus credores quando sabe que tem capacidade económica para tal. 
aa.- Na verdade, se a real intenção da Devedora passasse pelo cumprimento das obrigações que assumiu, ainda que propusesse algum perdão de juros moratórios e pagamentos fracionados, nunca constaria do plano de recuperação um perdão de mais de metade das dívidas e um pagamento de apenas 1/3 da dívida em cinco anos.
Por fim,
bb.- Reitera-se que a homologação do plano proposto mais não é que uma pura premiação da conduta irresponsável e fraudulenta da Devedora em detrimento dos Credores que, de boa-fé, negociaram com aquela e que igualmente merecem tutela do direito. 
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE QUE DECLARE A NÃO HOMOLOGAÇÃO DA VERSÃO FINAL DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APRESENTADO PELA RECORRIDA.
ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!”
 
13.–Soconsferma -Sociedade de Costruções, SA. apresenta as seguintes conclusões:
A. De acordo com a Lista Provisória de Credores publicada a 08.09.2023, o crédito da Credora, ora Recorrente, foi reconhecido pelo montante de EUR 473.434,96 (quatrocentos e setenta e três mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), e de natureza comum.
B.Depositada a 25.12.2023 a Versão Final do Plano de, sob a Ref.ª Citius 37946204, a ora Recorrente votou contra aquela versão final do Plano e, consequentemente, requereu a não homologação do Plano de Recuperação, conforme requerimentos respetivamente apresentados a 15.01.2024 sob as Ref.as Citius 38160753 e 38160754.
C.Não obstante, o Plano foi considerado aprovado, com os votos favoráveis de 60,60% e 39,40% contra, tendo, por Sentença de 15.02.2024, sido o mesmo homologado.
D.No âmbito da Sentença proferida, o Tribunal a quo concluiu ser de homologar o Plano apresentado, com vista à revitalização da Devedora.
E.Contudo, olvidou o Tribunal a quo que os credores comuns são forçados a perdoar 2/3 do valor dos seus créditos, para além de verem muito dilatados no tempo os respetivos pagamentos. E isto quando a Devedora tem património imobiliário que, se alienado, permitiria pagar 100% daqueles créditos.
F. É que conforme resulta dos autos, a Devedora é detentora de um ativo total superior a 8 milhões e meio de euros (EUR 8.599.649,28, conforme contas finais do ano de 2022);

G.O ativo da Devedora é constituído essencialmente por património imobiliário, fazendo parte do respetivo acervo os seguintes imóveis:
Fração autónoma sita em Armação de Pêra, designada pela letra “L” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …;
1/2000 da Fração autónoma, designada pelas letras “ABE” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …;
1/9 da Fração autónoma, designada pela letra “V” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º …;
1/89 da Fração autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …;
Fração autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …;
Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …; e
Prédio rústico sito na Rua …, n.os ..6 e 2.., composto de Lote de terreno com 4528 M2 descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº… da Freguesia São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º …da freguesia de Avenidas Novas.
H. Na Sentença recorrida veio o Tribunal a quo indicar que o património que constitui o ativo da Devedora – reitera-se, essencialmente imobiliário – poderá não corresponder ao valor que consta das contas finais do exercício de 2022;
I. O que estende expressamente ao Prédio Rústico sito na Rua …, n.os ..6 e 2.., composto por lote de terreno com 4528m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da freguesia da cidade de Lisboa (adiante Prédio de Campolide);
J.Concretizando que, pese embora aquele Prédio de Campolide esteja contabilizado em EUR 8.091.443,32 (oito milhões, noventa e um mil quatrocentos e quarenta e três euros e trinta e dois cêntimos), o seu valor real poderá ser inferior ao computado nas referidas contas do exercício de 2022.
K.Salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo ao fazer este tipo de considerações. Com efeito, não só é a própria Devedora quem identifica que o seu património totaliza mais que 8 milhões de euros;
L.Como resulta da Avaliação datada de dezembro de 2023, junta pela Credora, ora Recorrente requerimento com a Ref.ª 47463155, de 19.12.2023, que o imóvel tem como valor de mercado, pelo menos, EUR 9.168.000,00.
M.Avaliação daquele Prédio de Campolide que, sublinhe-se, ocorreu em dezembro de 2023, o que significa que está em causa uma avaliação atual – pelo menos mais atual que as próprias contas apresentadas pela Devedora.
N. Em consonância com o anteriormente referido, e ainda que o valor de venda do Prédio de Campolide possa ficar aquém do valor de avaliação – o que não se crê como provável face à avaliação de dezembro de 2023 junta ao requerimento da Recorrente a que acima se fez referência – sempre aquele seria (mais que) suficiente para reembolsar na íntegra os Credores Comuns da Devedora.
O. Sendo evidente que a Devedora, aqui Recorrida, pretende, intencionalmente, e à custa dos Credores, manter o capital corporizado nos imóveis supra identificados, ao invés de o alienar, de modo a ter liquidez para saldar as suas dívidas;
P.Bastaria, pois, à Devedora alienar parte dos imóveis de que é proprietária para obter a liquidez necessária ao pagamento integral dos créditos reclamados, sem com isso prejudicar os Credores, como vem proposto no Plano de Recuperação na versão Homologada pela Sentença de que ora se recorre.
Q.Ora, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, aplicável por força do n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE: "1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas”.
R.À luz do disposto no citado normativo legal, conjugado com a factualidade que se deverá considerar como demonstrada, não há dúvidas de que a situação da aqui Credora, Recorrente, sem a homologação do Plano de Recuperação é-lhe mais favorável do que a situação que existe com a homologação daquele Plano.
S.Isto porque, sem a homologação daquele Plano, a Devedora poderá proceder à alienação do Prédio de Campolide – recorde-se: aquele cujo valor, à data de dezembro de 2023, se situa acima dos 9 milhões de euros – e com o produto da venda satisfazer a totalidade dos créditos reclamados nos presentes autos e correspondentes aos créditos comuns.
T.Até porque, ainda que se cogitasse que aquele Prédio de Campolide – e nota-se que apenas se dedica atenção a tal imóvel, sem prejuízo de os demais poderem igualmente ser alienados e o seu produto ser aplicado ao pagamento dos credores – fosse vendido “apenas” por 2 milhões, ainda assim esse valor permitiria pagar a totalidade do crédito garantido (de EUR 28.333,80) da Autoridade Tributária e sobejavam EUR 1.971.666,20;
U.Valor, aquele, que serviria para pagar imediatamente 63,51% dos créditos comuns!
V.Este facto compara – desfavoravelmente à aqui Credora e Recorrente – com o Plano de Recuperação homologado, nos termos do qual a aqui Credora, Recorrente, apenas receberá 1/3 do seu crédito, após uma carência de 18 meses e ao longo de 60 meses!
W.É indubitável, como tal, que a situação da Recorrente ao abrigo do Plano de Recuperação é previsivelmente (é esta a expressão do legislador) menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano;
X.Pois que com grande probabilidade o ativo imobiliário da Devedora, se alienado a terceiros – aqui se incluindo o Prédio de Campolide e os demais bens imóveis de que a Devedora é proprietária – permitirá pagar à aqui Credora e Recorrente, e aos demais credores garantido e comuns, mais do que 1/3 dos seus créditos.
Y.Razões pelas quais, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, aplicável por força do n.º 3 do artigo 17.ºF do mesmo diploma legal, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua pela não homologação do Plano de Recuperação da Devedora.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a inerente (e consequente), revogação da decisão recorrida, devendo esta ser substituída por outra decisão que declare a não homologação da Versão Final do Plano de Recuperação da Devedora aqui Recorrida 
Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!”.

14.–A devedora apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1.A Recorrida VH – Gestão Imobiliária, Lda intentou, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o processo especial de recuperação (PER) por, apesar de estar em situação económica difícil e enfrentar dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez, reunir, ainda assim, as condições económicas para a sua recuperação.
2.A Recorrida, não se encontra, como não se encontrava, em situação de insolvência, conforme atestam os rácios e indicadores de natureza económica e financeira: autonomia financeira, ativo total líquido, capitais próprios, EBITDA, passivo financeiro e a ausência de encargos financeiros (juros), conforme atestado por toda a documentação financeira e contabilística junta aos autos.
3.Apresentava e apresenta uma posição financeira fragilizada, com um desempenho pouco expressivo, com dificuldades de liquidez, porém, viável em termos económicos e financeiros.
4.Pretendem os recorrentes, com o douto recurso interposto que a sentença homologatória, da versão final do plano de recuperação apresentado pela Recorrida, proferida e, muito bem, pelo Tribunal a quo seja revogada e substituída por outra que declare a não homologação do plano de recuperação apresentado.
5.Antes de mais, importa referir, pela sua importância e essencialidade que todos os argumentos esgrimidos nos recursos apresentados, mais não são do que a repetição pura e simples dos argumentos já utilizados pelos recorrentes  nas impugnações deduzidas à relação de créditos e a que a recorrida respondeu no momento processual próprio.
6.Argumentos que foram devida e corretamente apreciados pelo Tribunal a quo na sentença proferida e sob sindicância, não merecendo esta, no entender da recorrida qualquer reparo e/ou censura.
7.Pelo que afirma-se, desde já, que os recursos interpostos mais não constituem do que um mero exercício dilatório, despropositado e destituído de qualquer fundamento legal.
8.No que respeita ao passivo da recorrida, importa referir que todos os créditos reclamados estão corretos, tendo sido reconhecidos pelo Exmo. Administrador Judicial Provisório, apesar dos esforços desesperados dos recorrentes para que tal não acontecesse, quando impugnaram os créditos reclamados de forma abstrata e especulativa, sem qualquer conteúdo ou concretização, como aliás o continuam a fazer, agora em sede de recurso após o correto julgamento do Tribunal a quo.
9.Os créditos reclamados estão devidamente contabilizados pela recorrida, como resulta, inequivocamente do balanço e dos outros elementos contabilísticos apresentados pela recorrida e também do balancete referente ao ano de 2023 igualmente disponibilizado pela recorrida, documentos que, sublinha-se, nunca foram impugnados pelos recorrentes, créditos que existem, estão corretos e são devidos, como assim o entenderam e bem não só o Exmo. Administrador Judicial Provisório, quando os considerou definitivamente reconhecidos, como o Tribunal a quo na sentença proferida quando julga corretamente prejudicado todo o processado anterior à apresentação da versão final do plano de recuperação pela recorrida.
10.Como bem referem os recorrentes nas suas alegações, porque assim o estabelece o legislador, o processo especial de revitalização previsto no CIRE destina-se a permitir que qualquer devedor, comprovadamente em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, possa entabular negociações com os respetivos credores de molde a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização económica, facultando-lhe a possibilidade de se manter ativo no giro comercial.
11.Ora, in casu, a recorrida encontra-se comprovadamente em situação económica difícil é suscetível de recuperação, e dispõe de todas as condições para continuar a laborar e manter-se no giro comercial.
12.Daí o legitimo recurso ao PER, no âmbito do qual, e após a conclusão das negociações com todos os credores, onde se incluem naturalmente os aqui recorrentes e, mais uma vez, no momento processual próprio, apresentou o seu plano de recuperação, que é, sublinha-se o único plano possível e que permitirá cumprir as suas obrigações, sem pôr em causa a sua própria recuperação.
13.A recorrida que tem apenas e só a mais séria intenção de cumprir as suas obrigações, sem prejuízo de querer igualmente continuar o caminho da sua própria recuperação.
Por outro lado, e, ao contrário do alegado pelos recorrentes a recorrida em momento algum pretende defraudar os seus credores ou sequer atingir a sua recuperação à custa deles, muito pelo contrário.
14.A recorrida está, como é sabido sujeita ao princípio do tratamento igualitário dos credores, pelo que não pode propor condições de pagamento para um credor diferentes daquelas que propõe para os outros.
15.A devedora tem apenas e só a mais séria intenção de cumprir as suas obrigações.
16.Mas está por um lado, sujeita ao princípio do tratamento igualitário dos credores, pelo que não pode propor condições de pagamento para um credor, diferentes daquelas que propõe para os outros.
17.Por outro lado, a devedora não pode mais uma vez garantir na presente data, que num prazo de pagamento mais curto do que o proposto, consiga obter a liquidez necessária ao pagamento dos créditos reclamados.
18.Por fim, não é de somenos relembrar que o Processo Especial de Revitalização, vulgo PER
“É um processo judicial de caráter urgente que tem como objetivo implementar negociações entre a empresa e os seus credores de modo a que se consiga aprovar um plano de recuperação que permita promover a revitalização da empresa, com o objetivo de que esta possa continuar a desenvolver a sua atividade.” destaque nosso. Por outras palavras o objetivo e principal propósito de um PER, é obter um plano de recuperação que vise, como a própria palavra deixa antever, recuperar a empresa.
Permitir que a Requerente possa continuar a desenvolver a sua atividade,
E não desmembra-la, liquidando-a, de forma a que os credores possam receber o seu crédito antecipadamente.
19.Por outro lado, a recorrida não pode mais uma vez garantir na presente data que, no prazo de 6 a 10 meses proposto pelos credores recorrentes, conseguiria obter a liquidez necessária ao pagamento dos créditos reclamados, daí os termos do plano de recuperação proposto.
20.Um plano de recuperação com condições diferentes daquelas que constam do plano apresentado, como sempre pretenderam os recorrentes, não poderia ser garantido pela recorrida.
21.Refira-se ainda que a atuação dos recorrentes baseia-se em tendências necrófagas, em nada condicentes quer com a natureza deste processo, que se repete visa revitalizar a Requerente, nem com o estado económico da recorrida.
Acreditando a recorrida na exequibilidade e solidez do plano de recuperação apresentado.
22.O plano de recuperação proposto, foi, como resulta dos autos, aprovado por uma maioria de 60,60% dos créditos reconhecidos, maioria expressiva e que permite concluir que os credores quiseram inequivocamente permitir à recorrida a sua integral recuperação, pese embora a votação desfavorável de 39,40% dos créditos reconhecidos, que foram os credores impugnantes e agora recorrentes.
23.Já no que se refere ao património imobiliário da recorrida, refira-se, por corresponder inteiramente à verdade, que nas contas finais de 2022, a recorrida apresentava um ativo total superior a 8,5 milhões de euros, constituído por 4 imóveis e direitos constituídos sobre outros 3 imóveis.
24.Todavia, o valor dos imóveis inscrito nas contas finais do activo de 2022 corresponde ao valor de aquisição, mais benfeitorias e reparações efetuadas.
25.No que respeita concretamente ao imóvel, a que corresponde o prédio rústico composto por lote de terreno com 4528m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º 47 da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 10 da freguesia de Avenidas Novas, não obstante situarse no coração da cidade de Lisboa e estar contabilizado por 8.091.443,32€, o seu valor real é muito inferior ao contabilizado.
26.Na verdade, atento o teor da informação n.º INF/../---/---/---/CML/.. proferida em 24/09/2021, junta aos presentes autos como Doc. n.º 1 do requerimento com a referência citius 47462806, a capacidade de edificação é exígua por causa da ampliação do corredor verde de Monsanto prevista no Corredor Ecológico de Ligação do Parque Eduardo VII-Monsanto.
27.Apesar da realidade descrita, a recorrida ainda não se conformou e em 25/05/2023 apresentou novo Pedido de informação Prévia – PIP junto da Câmara Municipal de Lisboa para obras de edificação, cópia junta aos presentes autos como Doc. n.º 2 do requerimento com a referência citius 47462806.
28.Deste modo não se alcança como pode o recorrente retirar as conclusões que retira duma avaliação particular de 2012 – desatualizada, que juntou aos autos e que não reflete em nada a situação socioeconómica que nos encontramos a viver -, e apesar de ter total e absoluto conhecimento dos pareceres oficiais e notificações da Câmara Municipal de Lisboa, que contradizem a própria versão do recorrente.
29.Pelas razões aduzidas, não se alcança ainda como pôde o perito avaliador chegar às conclusões vertidas na avaliação junta, salvo se os elementos supra referidos lhe tiverem sido ocultados, sendo certo que o perito avaliador no próprio relatório afirma ter tido por base um relatório avaliação elaborado em 2012 no âmbito do processo judicial n.º 25002/12.0YYLSB.
30.Na avaliação efetuada, caso o imóvel tivesse um índice de edificabilidade expectável ou aprovado de 1,20 e o uso fosse habitacional, o valor de mercado seria, eventualmente, pelo menos de €9.168.000,00, o que manifestamente e in casu, não sucede, como se refere supra.
31.No entanto, caso o recorrente esteja tão seguro, como parece resultar das suas alegações  do valor de mercado atual do imóvel e queira adquiri-lo, a recorrida está, como sempre esteve disponível para lho alienar diretamente e, assim, liquidar os créditos reclamados.
32.É assim pertinente a recorrida reafirmar, atentos os argumentos já referidos que não se trata, como nunca se tratou duma questão de conveniência manter o capital corporizado, ao invés do afirmado pelos recorrentes, mas antes, uma questão de prudência, pois como se afirma supra, o valor real dos imóveis é muito inferior aos valores inscritos nas contas finais de 2022.
33. É verdade que a devedora não tem atualmente encargos com trabalhadores o que por si só não significa que não se deva manter a laborar nos temos propostos, pois o seu objeto social, que é a gestão e promoção imobiliária, gera ainda que indiretamente postos de trabalho, o que acontecerá naturalmente logo que a recuperação da recorrida seja alcançada.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento aos recursos e mantida a sentença recorrida.
Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!”
 
Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO

Releva a seguinte factualidade, que se dá como assente, por acordo das partes e atentos os documentos juntos aos autos [[11]], bem como as vicissitudes processuais que os autos documentam e que também relevam para a decisão [[12]]:
1.–A devedora tem como objeto social a gestão e promoção imobiliária através de, designadamente aquisição de imóveis para revenda, elaboração de projetos imobiliários, construção e arrendamento de imóveis e o exercício de outras atividades acessórias e afins.
2.–Tem o Capital social de 5.000,00€, distribuído por duas quotas, uma no valor de 3.000,00€ pertencente ao sócio JB (casado com MB) e outra com o valor de 2.000,00€ pertencente ao sócio JC (casado com AC).
A gerência é exercida por MB [[13]].
3.–A devedora, não tem atualmente encargos com trabalhadores contratados.
4.–Do ativo da devedora fazem parte os seguintes imóveis:
i.- Fração autónoma sita em Armação de Pêra, designada pela letra “L” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …; 
ii.- 1/2000 da Fração autónoma, designada pelas letras “ABE” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …; 
iii.- 1/9 da Fração autónoma, designada pela letra “V” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º …;
iv.- 1/89 da Fração autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …; 
v.- Fração autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …;
vi.- Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º …;  
vii. Prédio rústico sito na Rua …, n.ºs ..6 e 2.., composto de Lote de terreno com 4528 M2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº… da Freguesia São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º … da freguesia de Avenidas Novas.
5.–A devedora apresenta nas contas finais do exercício de 2022 um ativo total superior a 8,5 milhões de euros, composto pelos referidos imóveis e direitos.
6.–Na contabilidade da devedora o referido prédio rústico sito na Rua …, n.º 246 e 256, foi registado como tendo um valor de 8.091.443,32€.
7.–Com referência a esse imóvel, a Câmara Municipal de Lisboa (Gabinete do ... RV) emitiu a informação com o número INF/../---/---/---/CML/.., em 24-09-2021, indicando que a sua capacidade de edificação é débil em virtude da ampliação do corredor verde de Monsanto prevista no Corredor Ecológico de Ligação do Parque Eduardo VII – Monsanto.
8.–Apesar disso a devedora apresentou, em 25-05-2023, novo Pedido de Informação Prévia – PIP junto da Câmara Municipal de Lisboa, para obras de edificação indicando, nomeadamente, relativamente àquele prédio, que se situa “no coração da cidade de Lisboa”, que:
“O novo edifício submete-se às condicionantes no local, as físicas e as determinadas pelos planos aplicáveis, sem conflituar ou prejudicar qualquer dos edifícios ou vizinhos existentes na envolvente próxima. 
O conjunto edificado proposto articula-se com a circulação viária e pedonal existente, criando estacionamento público condicionado e privado de resposta à capitação resultante da nova área edificada. Cria novos espaços verdes de recreio de utilização coletiva e outros espaços públicos de acesso condicionado, no prolongamento natural do Jardim da Amnistia Internacional.
Pensa-se que a proposta contribui para resolver harmoniosamente um terreno expectante, respeitando os legítimos interesses dos proprietários. A proposta desenhada procura uma integração na volumetria e conformação urbana deste tecido da cidade, oferecendo um alçado desenhado para a Avenida Calouste Gulbenkian, encerrando a imagem de baldio indeterminado que hoje se oferece a este eixo viário significante”.
9.–O plano de recuperação prevê a regularização dos créditos comuns como segue:
“Carência de amortização de capital de 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização, procedendo [a Devedora] ao pagamento de 1/3 (33,33%) do valor integral da dívida, nos 60 meses seguintes à conclusão do período de carência, resultando assim um perdão de dívida de 2/3, ou seja, 66,64% da dívida integral.
Este perdão de dívida, resulta das propostas analisadas em reuniões preparatórias, ficando como fator comum que não existia perdão de juros vencidos, mas sim um corte da dívida uniforme a todos os credores comuns, uniformizando, assim, os credores, independentemente da sua durabilidade.
Isenção das compensações, despesas e custas eventualmente solicitadas, bem como juros remuneratórios ou indemnizatórios associados a este crédito.
Possibilidade de liquidação antecipada sem encargos”.

III.–FUNDAMENTOS DE DIREITO

1.–Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas sociedades credoras apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
Ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se, no caso, se impunha a recusa de homologação do Plano aprovado, com fundamento no disposto no art. 216.º, nº1, alínea a) e 17.º- F, nºs 7 e 8 do CIRE, na redação conferida pela Lei. n.º 9/2022 de 11-01, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.

3.–Na sentença recorrida analisaram-se os fundamentos que as sociedades apelantes já haviam avançado nos requerimentos em que peticionaram a não homologação do plano [[14]] sendo que os recursos apresentados retomam essencialmente essa argumentação, repetindo-a, afigurando-se-nos que a fundamentação expressa nas alegações das duas apelantes é, em larga medida, coincidente, com a particularidade que a apelante Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. convoca ainda o instituto do abuso de direito, matéria a que adiante aludiremos [[15]].
Como ressalta das alegações de recurso, grosso modo, as apelantes insurgem-se aludindo ao valor do património imobiliário da devedora que, insistem, é avultado, com base no valor do terreno sito em Campolide,  contabilisticamente de 8.091.443, 32€, segundo avaliação solicitada e junta aos autos pela apelante Soconsferma-Sociedade de Construções SA, com um valor de mercado de pelo menos 9.168.000,00€ e, em todo o caso, nunca inferior a 6.685.160,00€, valor atribuído ao imóvel dado em garantia para assegurar o pagamento de um mútuo com hipoteca celebrado com uma outra entidade bancária [[16]].

Alegam, então, que o valor do ativo versus o valor do passivo, se liquidado, seria pelo menos suficiente para saldar as dívidas dos credores comuns que perfazem 30,36% do passivo (excluindo, pois, os créditos subordinados, dos dois sócios da devedora) e concluem:
- A apelante Soconsferma-Sociedade de Construções SA que “[é] indubitável, como tal, que a situação da Recorrente ao abrigo do Plano de Recuperação é previsivelmente (é esta a expressão do legislador) menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano”;/ “[p]ois que com grande probabilidade o ativo imobiliário da Devedora, se alienado a terceiros – aqui se incluindo o Prédio de Campolide e os demais bens imóveis de que a Devedora é proprietária – permitirá pagar à aqui Credora e Recorrente, e aos demais credores garantido e comuns, mais do que 1/3 dos seus créditos”;/[r]azões pelas quais, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, aplicável por força do n.º 3 do artigo 17.ºF do mesmo diploma legal, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua pela não homologação do Plano de Recuperação da Devedora” (conclusões W, X e Y);
-A apelante Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., que a devedora pretende, à custa dos credores, manter o capital corporizado nos imóveis aludidos ao invés de os alienar de modo a ter liquidez para saldar a dívida, “representando o plano apresentado uma alternativa mais prejudicial para os credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação, o que consubstanciam uma típica situação de abuso de direito” (conclusão z).
Contrapõe a devedora apelada, em síntese que, apresentando uma posição financeira fragilizada – com falta de liquidez, mas não em situação de insolvência –, quanto ao valor do imóvel em causa “o seu valor real é muito inferior ao contabilizado” (conclusões 23ª a 30ª). 

Vejamos.

Dispõe o art. 17.º-F, sob a epígrafe “[c]onclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa”, na parte que ora releva:
“(…) 7- Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.ºe 216.º, e aferindo:
a)-Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5;
b)-Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;
c)-Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;
d)-Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;
e)-Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;
f)-Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;
g)-Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.

8O juiz pode determinar a avaliação da empresa, por um perito, se for pedida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante, com algum dos seguintes fundamentos:

a) A situação dos credores ao abrigo do plano é menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa; ou
b)-Desrespeito das regras de aprovação previstas nas subalíneas iii) e iv) da alínea a) do n.º 5.

9–Caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto nos n.os 3 a 9 do artigo 17.º-G.
10– Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência” (sublinhado nosso).
A redação do preceito, na parte assinalada, foi introduzida pela referida Lei 9/2022 e, pese embora se mantenha a determinação de aplicação em sede de PER e com as devidas adaptações, do art. 216.º, entre outros, o certo é que o legislador introduziu agora uma regulação própria, especificando alguns parâmetros de avaliação pelos quais o juiz se deve pautar quando tenha que proferir decisão no sentido de homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação. Ainda assim, ressalta da LN que o legislador procedeu à transposição de regras que constam do citado art. 216.º, ainda que com uma formulação de texto não inteiramente coincidente.

Assim, o fundamento da recusa de homologação do plano a solicitação dos interessados, à luz do regime anterior, reconduzia-se às hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do número 1 do art. 216º, impondo o legislador ao requerente o ónus de demonstrar, “em termos plausíveis”, a verificação do condicionalismo aí indicado, isto é, que:
a)-A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b)-O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.
Tratava-se de uma apreciação casuística, a fazer com base num juízo de prognose, pondo em confronto, no caso da alínea a), a situação que para o credor resulta da execução do plano de pagamento aprovado, nos termos que resultam do mesmo – nomeadamente quanto a valores e prazos de pagamento – e aquela situação em que previsivelmente se encontraria em caso de prosseguimento do processo sem qualquer acordo, sendo que se trata de uma demonstração com base num critério de verosimilhança, de plausibilidade [[17]], como expressamente mencionado no preceito.
Afigura-se-nos que a ratio do regime legal, na sua essência, se mantém [[18]], mas acentuou-se o grau de escrutínio do Juiz que deve, com as necessárias adaptações, aplicar as regras previstas no título ix (em especial o disposto nos arts. 194.º a 197.º 198.º, n.º 1, e nos arts. 200.º a 202.º, 215.º e 216.º) “aferindo” – é essa a terminologia da lei – da verificação dos vários elementos enunciados no número 7 do art. 17.º-F; sendo que, agora, como resulta do número 8 do artigo, o legislador, introduziu a possibilidade do juiz, previamente à prolação da decisão de homologação/recusa, determinar “a avaliação da empresa, por um perito”, desde que se verifiquem os requisitos assinalados, a saber, no que ora interessa, que se verifique existir algum credor “discordante”, que tenha formulado pedido de não homologação, fundamentando esse pedido na circunstância da sua situação ao abrigo do plano ser menos favorável que seria num cenário de liquidação da empresa.

Trata-se de alteração muito relevante, que vem dar resposta a dificuldades que inúmeras vezes se colocavam nos processos quando os intervenientes processuais se confrontavam com raciocínios de cariz eminentemente técnico quanto ao valor da empresa devedora sendo que, evidentemente, esse elemento de facto é particularmente relevante na ponderação do cenário de liquidação, sabendo-se, como se sabe, que a aferição do valor de mercado da empresa pressupõe um conjunto de elementos de análise muito variado e pode ser feita à luz de vários métodos de avaliação.

O legislador passou a permitir, expressamente, a realização de prova pericial nas hipóteses assinaladas, concedendo essa prerrogativa  ao juiz, não podendo o juiz deixar de determinar a produção desse tipo de prova, mormente escudando-se na natureza urgente do processo, sempre que (i) se verifiquem os pressupostos de natureza formal supra assinalados e (ii) materialmente, a mesma se revele necessária e imprescindível para o juiz formar, conscienciosamente, a sua convicção quanto ao valor da empresa e, consequentemente, proferir decisão, fundamentada, de homologação/não homologação do plano aprovado.
No caso, verifica-se o condicionalismo legal exigido porquanto, como decorre do exposto, as credoras apelantes apresentaram, oportunamente, pedido de não homologação do plano e fizeram-no invocando que a situação dos credores ao abrigo do plano é menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, com a alienação do prédio aludido.
E também se nos afigura justificar-se a realização da perícia aludida, em face da discrepância de valores que os intervenientes apontam, podendo claramente acrescentar-se que o indicado imóvel é, seguramente, o ativo mais importante da empresa devedora, pelo que assume particular importância avaliar do seu valor de mercado para aferir sobre o valor da empresa num cenário hipotético de liquidação.

Ora, a este propósito, impressiona e causa perplexidade a formulação discursiva da decisão quando o tribunal refere como segue:
“No caso em apreço, corresponde à realidade que a Devedora apresenta nas contas finais do exercício de 2022 um ativo total superior a 8,5 milhões de euros, composto por quatro imóveis e direitos constituídos sobre outros três imóveis. Trata-se dos bens e dos direitos elencados no artigo 7.º do requerimento de 10 de janeiro de 2024 e que encontram suporte documental nos elementos juntos a 14 de dezembro de 2023 (pela credora BBVA, outras tantas certidões prediais).
Contudo, o valor dos imóveis inscrito nas contas finais do ativo do ano de 2022 corresponderá ao valor de aquisição, acrescido de benfeitorias e reparações efetuadas.
No respeitante ao imóvel a que corresponde o prédio rústico composto por lote de terreno com 4528 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número … da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da freguesia de Avenidas Novas, pese embora se situe no âmago da cidade de Lisboa e estar contabilizado por € 8 091 443,32, o seu valor real poderá ser inferior ao computado naquelas contas finais de 2022.
Com efeito, atento o sentido e alcance da informação camarária com o número INF/../---/---/---/CML/.. (do Gabinete do ... RV, CML), proferida em 24 de setembro de 2021, junta aos presentes autos como documento n.º 1 do requerimento de 19 de dezembro de 2023 (vindo da Devedora), a sua capacidade de edificação é débil em virtude da ampliação do corredor verde de Monsanto prevista no Corredor Ecológico de Ligação do Parque Eduardo VII – Monsanto (apesar da realidade descrita, a Devedora, em 25 de maio de 2023, apresentou novo Pedido de Informação Prévia – PIP junto da Câmara Municipal de Lisboa, para obras de edificação, correspondente ao documento n.º 2 oferecido com o mesmo requerimento).

Do espólio documental que a Devedora apresentou nos presentes autos, em 19 de dezembro de 2023, parece intuir-se, com alguma segurança, que não configura uma “questão de conveniência” a mesma manter o capital corporizado, ao invés de puramente convertido em liquidez pecuniária, mas antes de um procedimento avisado, porquanto, como atrás se enfatizou, o valor real dos imóveis em causa, em especial do bem que fica situado em Lisboa (o “prédio rústico” acima identificado), poderá ser, atualmente, muito inferior aos montantes inscritos nas contas finais do exercício de 2022. 
É verdade que a Devedora não tem atualmente encargos com trabalhadores contratados, o que, por si só, não significa que não se deva manter a laborar nos termos propostos, na medida em que o seu objeto social, que é a gestão e promoção imobiliárias, fomenta (ainda que indiretamente) a existência de postos de trabalho.
E não se afirme que o plano de recuperação representa uma alternativa pior para os credores do que a liquidação em sede de processo de insolvência, porquanto o valor real dos imóveis e direitos pertença da Devedora poderá ser, como se disse, inferior aos montantes inscritos nas contas finais de 2022 – assim não se podendo assegurar que o eventual produto da liquidação seja suficiente para um pleno ressarcimento dos credores” (destaques nossos).

O discurso suscita, por um lado, um problema de natureza lexical perante a escolha do verbo (poder) que, gramaticalmente, ou do ponto de vista linguístico, indica uma modalidade epistémica, ligada ao domínio da incerteza e da probabilidade; e, por outro, a utilização do tempo verbal (futuro do indicativo), que remete para um evento posterior de verificação incerta.

Mesmo que se concorde com outras afirmações vertidas na decisão [[19]], o que resulta da fundamentação exposta pela 1ª instância é que o tribunal não logrou ultrapassar o estádio da dúvida quanto ao valor do referido imóvel e como tal, da empresa, com o que este TRL concorda porquanto os elementos existentes no processo, apontando em sentidos diferentes, não permitem fundar, com o mínimo de consistência, qualquer decisão quanto a esse valor, mas o certo é que, contabilisticamente, o valor indicado pela empresa foi o apontado, isto é, superior a 8 milhões de euros.

Em suma, discorda-se da conclusão a que chegou a primeira instância, no sentido de que “as Credoras dissidentes não demonstraram, em termos plausíveis, a integração do artigo 216.º, n.º 1, al) a do CIRE” e que “[p]elo contrário prevalece (designadamente) a previsão do artigo 17.º-F, n.º 7, al. e), primeira parte, do CIRE, que afasta o cenário de liquidação da empresa”, conclusão que, nesta fase, temos por prematura, sendo certo, igualmente, que também não há base de sustentação para afirmação contrária, no sentido pretendido pelas apelantes que, nessa medida, também não logram obter integral satisfação da sua pretensão recursiva.

Para um estado de incerteza quanto ao valor da empresa, elemento fundamental para concluir, num juízo de prognose, se a situação dos credores discordantes ao abrigo do plano é ou não “menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa” (art. 17.º - F, n.º 8, alínea a), o legislador apontou a solução legal que é a que consta do referido preceito, que atribui ao juiz o poder (poder/dever) de determinar “a avaliação da empresa”.

Assim sendo, afigura-se-nos ser prematura a decisão, impondo-se a sua anulação em ordem a que o tribunal realize a diligência apontada e, efetuada a mesma e cumprido o contraditório, dando aos intervenientes processuais a oportunidade de se pronunciarem, profira, então, sentença.
           
3.–A apontada solução também pode contribuir para carrear para o processo elementos relevantes para a resolução de outra questão suscitada – mas que não incumbe, por ora, apreciar – ponderando o conteúdo do plano apresentado, que traduz uma situação em que a devedora mantém integralmente o seu ativo – com os inerentes poderes de uso, fruição e disposição [[20]] – mas, por via do presente processo e não olvidando que é já o segundo PER que apresenta, obtém a redução do seu passivo, quanto aos credores comuns, em 2/3 [[21]] estabelecendo ainda um prazo para o seu pagamento, grosso modo, seis anos e meio (entre o período de carência e o termo final fixado para o pagamento). A ponderação equilibrada entre o interesse da empresa e o interesse dos credores joga-se também no domínio da proporcionalidade e não tanto, afigura-se-nos, do âmbito do abuso de direito, instituto que a apelante Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., convoca.

Nesse contexto poderá estar em causa aferir se o plano aprovado, na estipulação das medidas de reestruturação com incidência no passivo aí previstas, é conforme ao princípio da proporcionalidade, com assento constitucional, enquanto princípio estruturante do Estado de Direito Democrático, ínsito no artigo 2.º da Constituição, e limite à restrição direitos, liberdade e garantias e direitos fundamentais de natureza análoga (artigos 17.º e 18.º, n.º 2, da Constituição), ponderando sucessivamente os seus três patamares ou testes:
a)-adequação: o ato deve ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos;
b)-necessidade: o ato deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos;
c)-proporcionalidade em sentido estrito: deve haver uma proporção adequada entre os meios utilizados e o fim desejado, uma justa medida [[22]] [[23].
Esta aferição impõe-se com particular acuidade considerando a natureza jurídica complexa do plano de insolvência, com um forte pendor negocial, envolvendo devedor e credores e, por outro lado, o quadro normativo estabelecido pelo legislador, que não conformou em termos rígidos o conteúdo do plano, nomeadamente quanto às providências com incidência no passivo, porquanto no art.196.º, nº1, se prevê a possibilidade de “perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros” (alínea a) sem aposição de limites balizadores, deixando, pois, a fixação da justa medida ao critério dos interessados intervenientes no processo negocial, mediante a interação estabelecida entre o devedor que apresenta o plano e os credores que exercem a sindicância deste, pelo voto, tendo como pano de fundo a finalidade do PER, em que também se equaciona o interesse público associado à manutenção de empresas em funcionamento [[24]]; ou seja, o legislador, não quis fazer essa delimitação, abstendo-se de intervir na fixação dos valores envolvidos nas medidas com incidência no passivo do devedor.

O que a apelante coloca em causa é, parece-nos, fundamentalmente, aquela última exigência, na medida em que, considerando a credora que a finalidade do plano apresentado não prossegue a recuperação da empresa, mas outra finalidade, nomeadamente, a libertação do passivo à custa da devedora [[25]] seria claro que a restrição ao seu direito de propriedade, com garantia constitucional (art. 62.º da CRP) [[26]], operada pelo perdão do passivo, ainda para mais se for fixada uma percentagem muito significativa, não encontraria justificação, sendo outrossim merecedora de censura à luz do princípio da proporcionalidade, salientando-se que a invocação de violação dos princípios da boa-fé por parte da devedora, consubstancia uma alegação instrumental da afirmação da violação do princípio da proporcionalidade.

Em todo o caso, a recusa de homologação fundamentada na constatação de que a instauração do PER pelo devedor se reconduz apenas a um expediente processual para este lograr obter a extinção das dívidas, pelo perdão de uma percentagem muito significativa do seu passivo, à custa dos credores e sem que a empresa tenha qualquer viabilidade real de subsistência, consubstanciando uma utilização ilegítima e fraudulenta de um mecanismo que o legislador estabeleceu para proteção das empresas,  tem de suportar-se num juízo de evidência, em factos que manifestamente o demonstrem: essa é a intensidade do escrutínio que o juiz pode/deve exercer.

Assim sendo, também nesse contexto, pode ter interesse a realização da diligência aludida, ainda que, obviamente, a mesma deva ser feita não em função do que se expôs, mas ponderando, exclusivamente, o condicionalismo legal supra referido.
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes os recursos apresentados e, anulando a sentença recorrida, decide-se que o tribunal de 1ª instância deve determinar a realização de avaliação da empresa devedora, por um perito, nos termos do art. 17.º- F, n.º 8, alínea a) do CIRE e, efetuada a mesma e cumprido o contraditório, só então deve ser proferida sentença incidindo sobre o plano aprovado, homologando/não homologando tal plano.
Custas pelas apelantes e pela devedora, na proporção de 1/3 para as apelantes e 2/3 para a devedora (art. 525.º, n.º 1 do CPC)
Notifique.


Lisboa, 11-07-2024


Isabel Fonseca
Manuela Espadaneira Lopes
Pedro Henrique Brigthon



[1]Com a credora Alegres Enigmas Lda.
[2]O mesmo AJP que já havia sido nomeado anteriormente, noutro PER intentado pela sociedade, conforme AP. 116/20170830 (início de funções) e de AP. 160/20180913 (cessação de funções).
[3]Pela apelante Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal), peticionando a não homologação do plano – a menos que sejam introduzidas as alterações que sugere – concluindo que o “plano representa uma alternativa muito pior para os Credores do que a que se verificaria em caso de insolvência, com a consequente liquidação da sociedade” (art. 14.º).  
[4]Pela apelante Soconsferma – Sociedade de Construções, S.A. (apelantes), peticionando a não homologação do plano – a menos que sejam introduzidas as alterações que sugere – alegando, em síntese, que solicitou uma avaliação ao prédio sito em Campolide resultando da mesma que “tendo por base um índice de edificabilidade 1,20, terá como valor de mercado pelo menos 9.168.000,00€, conforme Relatório de Avaliação” que junta (art. 8.º) e que o “plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os Credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação (art. 13.º).  
[5]Documentos estes que, como mencionado na sentença, foram tidos em consideração pelo tribunal.
[6]Que o tribunal indicou valer “termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 2, segmento final, do CIRE”.
Será sempre a esta versão que este TRL se reportará, quando não se fizer qualquer outra menção.
[7]Mantendo a apelante Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) o que já havia referido anteriormente, nomeadamente que o “plano representa uma alternativa muito pior para os Credores do que a que se verificaria em caso de insolvência, com a consequente liquidação da sociedade (cfr. al. a do art. 216.º do CIRE” (art. 14.º). 
[8]Mantendo a apelante Soconsferma – Sociedade de Construções, S.A. (apelantes) o que já havia referido anteriormente, nomeadamente que o “plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os Credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação (art. 17.º), “pelo que, e nos termos previstos no art. 16.º n.º 1 alínea a) do CIRE, não poderá a Credora Reclamante, pelos motivos supra explanados, aceitar o Plano de Recuperação (…) “ (art. 18.º). 
[9]Não foram tidos em consideração os votos de dois credores (sócios).
O tribunal considerou na sentença como segue, sendo que as apelantes não discutem essa valoração:
“Assim, foram obtidos votos favoráveis que correspondem a mais de metade dos créditos reconhecidos, pelo que a versão final II do plano de recuperação reuniu a maioria prevista no artigo 17.º-F, n.º 4, do CIRE – considerando-se o referido plano aprovado (conforme decorre do resultado da votação junto ao processo em 17 de janeiro de 2024, para o qual remetemos, aqui se dando como necessariamente integrado; veja-se, em especial, o quadro-resumo de votação, que é bem elucidativo do acabado de se referir).  
[10]Parecer que na sentença se considerou tempestivo, “em face de anterior pedido de prorrogação do prazo, devidamente justificado”.
[11]Nomeadamente:
Certidão da CRC junta com o requerimento inicial;
Documentos 1 e 2 juntos pela devedora com o requerimento de 19-12-2023;
Certidões prediais juntas com o requerimento de 14-12-2023, com referência aos bens e direitos elencados no requerimento de 10-01-2024 (art. 7.º).
[12]Assinala-se que o tribunal recorrido proferiu a “sentença de homologação” sem proceder à autonomização que o legislador pretendeu quando fixou a estrutura da sentença que decorre do art. 607.º do CPC (aplicável ex vi do disposto no art. 17.º, n.º1), a que igualmente devem seguir, com as devidas adaptações, as decisões/despachos distinguindo o legislador e autonomizando entre o que habitualmente se designa de relatório (número 2), os fundamentos de facto e respetiva motivação (números 3 e 4) e, seguidamente, a fundamentação de direito (2ª parte do número 3). Sem prejuízo, o Juiz atendeu em parte a esta factualidade, como resulta do teor da sentença recorrida, apesar de não a ter autonomizado, como se impunha, sendo que até cuidou de indicar os documentos e requerimentos pertinentes a essa aferição, sendo a análise inteiramente percetível, tanto assim que as apelantes nem sequer deduziram qualquer questão a esse propósito.
[13]JM foi gerente (deliberação de 2000.05.08) estando registada a cessação de funções por renúncia ocorrida em 2 de abril de 2009 (Ap. 8/20090415).
[14]Assim, lê-se na decisão: 
“A Credora Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. (Sucursal em Portugal) veio esgrimir, em suma, que a Devedora não tem quaisquer encargos com trabalhadores, inexistindo qualquer razão plausível para que esta se mantenha a laborar nos termos propostos. O ativo da empresa sobrepõe-se claramente ao passivo existente (em face dos imóveis e direitos elencados no artigo 7.º do seu requerimento de 10 de janeiro de 2024). Para possibilitar a integral liquidação das dívidas existentes, bastaria à Devedora vender os imóveis de que é proprietária, obtendo toda a liquidez que, de momento, não dispõe, ao invés de prejudicar os seus credores como propõe no plano apresentado (versão II).
Na verdade, resulta evidente que o mencionado plano representa uma alternativa muito pior para os credores do que aquela que se verificaria em caso de insolvência, com a consequente liquidação da sociedade Devedora (cfr. artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE), o que se traduz numa situação típica de abuso do direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil). Recorreu ao PER (exercício de direito), mas só na mira de se furtar às suas obrigações.
Se a Devedora tivesse reais intenções de cumprir com as suas obrigações, ainda que propusesse algum perdão de juros moratórios e pagamentos fracionados, tendo consciência da sua situação económica positiva, nunca constaria do plano de recuperação um perdão de mais de metade das dívidas e um pagamento de apenas um terço da dívida em cinco anos. A homologação do plano proposto mais não seria do que a premiação da conduta irresponsável e fraudulenta da Devedora em detrimento dos credores que, de boa-fé, negoceiam com aquela e que igualmente merecem a tutela do direito. Assim, não pode a Credora concordar com um perdão de dois terços da totalidade da dívida, tal como não concorda com o prazo de pagamento em 60 meses (cinco anos), por tal ser manifestamente abusivo, desproporcional e injustificado, tendo em linha de conta a situação económica da Devedora.
Daí que se imponha, na sua ótica, a recusa da homologação da nova versão do plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 216.º do CIRE – concluiu.
Por seu lado, a Credora Soconsferma – Sociedade de Construções, S.A., concluindo da mesma forma (não homologação do plano de recuperação ou plano de revitalização), gizou e alinhou os argumentos que se seguem:
- Em primeiro lugar, e conforme resulta dos elementos juntos aos autos e, bem assim, do requerimento inicial, a Devedora encontra-se com dificuldade em cumprir pontualmente as suas obrigações perante os credores por falta de liquidez; não foi apresentada justificação para a concessão de um perdão de dois terços da dívida a pagar aos credores, tanto mais que, atento o património da Devedora, a liquidez poderá ser facilmente convertível;
- Em segundo lugar, a Devedora é detentora de um ativo total superior a 8,5 milhões de euros (= € 8 599 649,28, conforme contas finais do ano de 2022); do ativo da Devedora fazem parte os imóveis identificados por aquela entidade bancária (imóveis e direitos elencados no artigo 7.º do seu requerimento de 10 de janeiro de 2024), de que merece especial destaque o prédio rústico situado na rua …., n.ºs 246 e 256, o qual, de acordo com a contabilidade da Devedora, tem como valor € 8 091 443,32, o que leva a crer que valerá muito mais no mercado imobiliário;
- Em terceiro lugar, e em concreto quanto àquele prédio rústico sito na rua …, a Credora solicitou a elaboração de uma avaliação quanto ao seu valor, dessa avaliação resultando que o referido imóvel, tendo por base o índice de edificabilidade de 1,20, terá como valor de mercado, pelo menos, € 9 168 000,00 (conforme documento n.º 1 que juntou ao processo); da análise efetuada ao referido património resulta claro que a Devedora, intencionalmente e à custa dos credores, pretende manter o capital corporizado nos imóveis identificados, ao invés de os alienar, de modo a possuir liquidez para saldar as suas dívidas; bastaria à Devedora alienar parte dos imóveis de que é proprietária para obter a liquidez necessária ao pagamento integral dos créditos reclamados, sem com isso prejudicar os credores, como vem proposto desproporcionalmente no plano agora sob escrutínio;
- Em quarto lugar, e à luz do que anteriormente se referiu, o plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os credores comuns do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação, nos termos e segundo o estatuído no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE; principalmente, pelo montante de perdão de dívida proposto, período de carência e período de duração do pagamento do seu crédito”.
Novamente, trata-se de matéria que devia constar do relatório, mas que não foi, nesses termos articulada pelo tribunal”.
[15]Anote-se a referência ao disposto no art. 216.º do CIRE, feita no início do corpo das alegações de recurso, quando, sob a epígrafe “II. INTRODUÇÃO”, a apelante alega como segue:
“Do mesmo modo, após depósito da versão final do plano de recuperação, apresentada em 25 de dezembro de 2023 o Recorrente apresentou em 10 de Janeiro de 2024 o seu voto contra e o requerimento com a ref.ª 38113531 com vista à não homologação do plano, nos termos do disposto do artigo 216.º ex vi do nº3 do artigo 17.º-F, ambos do CIRE”.
Também se lê no corpo das alegações (e nas conclusões) que:
À luz do que anteriormente se referiu é evidente que o Plano apresentado representa uma alternativa mais prejudicial para os Credores do que a posição que estes teriam num cenário de liquidação.
O que se traduz, efetivamente, numa situação típica de abuso do direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil), pois que a Devedora é detentora de um direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica – i.e. a possibilidade recorrer ao PER nos termos dos artigos 17.º-A e seguintes do CIRE -  porém, exercita-o fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante – i.e. recorreu ao PER por forma a furtar-se ao cumprimento das obrigações assumidas para com os seus credores quando sabe que tem capacidade económica para tal. 
Se a Devedora tivesse reais intenções de cumprir com as suas obrigações, ainda que propusesse algum perdão de juros moratórios e pagamentos fracionados, tendo consciência da sua situação económica positiva, nunca constaria do plano de recuperação um perdão de mais de metade das dívidas e um pagamento de apenas 1/3 da dívida em cinco anos! 
Reitera-se que a homologação do plano proposto mais não é que uma pura premiação da conduta irresponsável e fraudulenta da Devedora em detrimento dos Credores que, de boa-fé, negociaram com aquela e que igualmente merecem tutela do direito. 
Principalmente pelo montante de perdão de dívida proposto, período de carência e período de duração do pagamento do seu crédito (e do dos demais credores comuns).
 Da unificação de todo o exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a não homologação da versão final do plano de recuperação apresentado pela Recorrida, por conter uma solução manifestamente desproporcional e prejudicial aos credores comuns onde se inclui o Recorrente” (sublinhado nosso).
[16]Com base na circunstância de tal imóvel ter sido dado “como garantia no âmbito de, pelo menos, dois mútuos com o Banco CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, C.R.L., sendo que um deles foi no valor de 6.685.160,00 € cfr.  AP. 26 de 2007/07/12 da respetiva certidão permanente (junta como doc. 7 ao Requerimento apresentado pelo Recorrente em 14 de Dezembro de 2023.). 
 E, como é de conhecimento geral, os bancos no âmbito da concessão de crédito procedem a uma avaliação criteriosa e rigorosa dos imóveis dados em garantia.
 Pelo que, no caso concreto, evidencia-se que já em 2007 o valor atribuído ao referido imóvel nunca seria inferior aos 6.685.160,00 € mutuados” (alegações da apelante entidade bancária).   
[17]Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda:
“(…) [A] prova da eventualidade referida na al. a) pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo.
Quanto aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Quanto ao devedor, sócios, associados e membros, trata-se de avaliar eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património.
Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil. Será o que sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento – ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano” (CIRE Anotado, 2015, Lisboa: Quid Juris, p. 787).
[18]Não se justificando, nesta fase, análise exaustiva sobre o tipo de formulação de texto utilizada (pela positiva/negativa): agora, aferir se a situação dos credores ao abrigo do plano “é mais favorável do que seria” (n.º 7, alínea c, do artigo) e a situação dos credores ao abrigo do plano “é menos favorável do que seria” (n.º 8, alínea a, do artigo) versus a indicação que consta do art. 216.º, em que se trata de saber, segundo alegação do credor se a sua situação ao abrigo do plano “é previsivelmente menos favorável do que a que interviria (…)”.  
[19]Nomeadamente na parte em que o tribunal refere:
“Até porque, em tese, todos sabemos que a liquidação de património no quadro insolvencial também está longe de atingir os valores e preços que se conseguiriam almejar numa pura lógica de mercado – sendo certo que a urgência que preside ao processo de insolvência, na mira da satisfação célere dos interesses do conjunto dos credores, acaba por sacrificar o resultado hipotético na compra e venda imobiliária livremente negociada e sem a pressão da liquidação premente (ou “para ontem”)”.
[20]Desconhecendo-se, com o mínimo rigor, o seu valor, pode seguramente afirmar-se que pelo menos o prédio em causa terá um valor significativo, ponderando a sua localização e área, no contexto do mercado imobiliário atual, sem prejuízo desse valor depender fortemente da sua capacidade edificativa e nessa medida a devedora apresentou à CML novo pedido de informação prévia em 25-05-2023.  
[21]O valor dos créditos subordinados, dos dois sócios (e que não foram considerados para efeitos de votação) atingem um valor significativo, representativo de mais de 50% da totalidade dos créditos, como refere o AI e resulta da lista apresentada.
[22]Sobre estes “subprincípios constitutivos”, vide Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª edição, pp. 269-270.
[23]Cfr., sobre o “princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou o terceiro elemento da proporcionalidade”, Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes, 2011. Coimbra: Coimbra Editora, pp.178-186.   
[24]Cfr. a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, para assinalar os objetivos visados pelo legislador ao instituir o PER:
“O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação. (…)
As alterações que se propõem ao artigo 1.º visam, por um lado, sublinhar que a recuperação dos devedores é, sempre que possível, primacial face à sua liquidação, desde que, obviamente, tal não prejudique a satisfação tão completa quanto possível dos credores do devedor insolvente, designadamente a administração fiscal e a segurança social.
Com base nesta filosofia, passa a designar-se plano de recuperação o plano de insolvência destinado à recuperação de devedor declarado insolvente, para que seja facilmente destrinçado dos planos de insolvência que tenham por finalidade a liquidação do património do devedor declarado insolvente, assim se afastando o estigma que advém da associação à insolvência, mesmo quando o devedor se encontra em recuperação, mantendo-se activo no tecido económico (artigo 192.º, n.º 3).
Na mesma linha, é criado o processo especial de revitalização (artigos 17.º-A a 17.º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n.º 2 do artigo 1.º, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dividas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.
O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”.
[25]Afirmando, no corpo das alegações, insiste-se, que:
“Da análise efetuada ao referido património resulta claro que a Devedora, intencionalmente, e à custa dos Credores, pretende manter o capital corporizado nos imóveis supra identificados, ao invés de o alienar, de modo a ter liquidez para saldar as suas dívidas”.
E, nas conclusões:
“v. Simplesmente, afigura-se conveniente para a Devedora manter o capital corporizado nos seus imóveis, ao invés de o transformar em liquidez, e assim conseguir um plano que contempla um perdão de dívidas e um período de carência e de pagamento a prestações absolutamente desproporcional e mais não representa que um enriquecimento injustificado da Devedora à custa dos Credores”. 
[26]“Contudo, na aferição de uma possível “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo” emerge um espaço amplo de intervenção jurisdicional, marcada e definitivamente reguladora.
Neste contexto assume especial fulgor a proteção do direito de propriedade, entendido em sentido amplo, enquanto direito fundamental, e não restritivamente no sentido civilista, de direito real privado. Obviamente neste conceito de propriedade sobre bens pretendemos aludir aos direitos de crédito dos interessados visados negativamente pelo plano de reestruturação, desprotegidos por imposição daqueles que, dos créditos, detém a maioria” (José Igreja Matos, Poderes do juiz no processo especial de revitalização, Divergindo de edipianas inevitabilidades, in IV Congresso de Direito da Insolvência, 2017, Coimbra: Almedina, pp. 306-307).