CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIM NÃO HABITACIONAL
DURAÇÃO
PRAZO
NULIDADE
INTERPRETAÇÃO
Sumário

«1. A qualificação do contrato de arrendamento para comércio ou indústria (na expressão do NRAU, para fins não habitacionais) como de duração limitada ou ilimitada depende da sua interpretação, nos termos do disposto nos artigos 236 e ss. do Código Civil, uma vez que nada se apurou quanto à vontade das partes contratantes, não permitindo as expressões contidas no Documento Complementar – “sociedade por este a constituir” ou “futuramente”- concluir num sentido ou no outro.
2. A partir do momento em que o prazo é um elemento próprio da essência do contrato de arrendamento – e também do de duração ilimitada - quando as partes expressamente nada refiram a respeito da pretendida duração limitada deste, e estipulem prazo para o mesmo diferente do de cinco anos, não poderá sustentar-se estar em causa contrato de duração limitada, pois que nessas circunstâncias não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se desse modo.
3. O estabelecimento de um prazo de um ano mostra-se incompatível com o regime de duração efectiva e não permite afirmar a existência da inequivocidade exigida pelos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU.
4. Ainda que se considerasse terem as partes fixado um prazo de duração efetiva do contrato, de um ano – entendimento que não perfilhamos – esta cláusula seria nula, por violação de norma imperativa (artigos 294 do Código Civil e 98/2 ex vi do artigo 117/2 do RAU), determinando que o contrato tivesse sido celebrado sem duração, sendo um contrato vinculístico, de duração indeterminada.

Texto Integral

Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
“A…., Ldª”, com o NIPC …. e sede na Rua…, Lisboa, intentou, junto do Balcão Nacional de Arrendamento, procedimento especial de despejo contra “B…., Ldª”, com o NIPC …., com sede na Rua …., Lisboa, pedindo o seu despejo do imóvel sito na morada da Requerida.
Para tanto, alegou, como fundamento do despejo, a “cessação por oposição à renovação pelo senhorio”.
Juntou cópia do contrato de arrendamento e da comunicação à Requerida da oposição à renovação do contrato.
A Requerida apresentou oposição, defendendo-se desde logo por excepção, alegando a ineptidão do requerimento de despejo, na medida em que neste não consta expresso o fundamento do despejo, nem é formulado qualquer pedido. De todo o modo, prossegue a sua defesa afirmando que admite que a Requerente pretende obter o despejo do locado por lhe ter dirigido comunicação dando conta de que o contrato de arrendamento não se renovaria, cessando em 03.02.2023, o que de todo o modo não poderá proceder na medida em que o contrato foi feito pelo prazo de um ano, renovável por períodos sucessivos de um ano, pelo que não tem duração limitada. Assim, e não tendo havido transição para o NRAU, não tinha a Requerente a faculdade de se opor à renovação. De todo o modo, e caso assim não se considere, sempre alega que tendo a comunicação de oposição à renovação a data de 03.02.2023 como data de produção de efeitos, e tendo o contrato renovado em 01.01.2023, só em 31.12.2023 poderia tal comunicação relevar.
 Notificada a Autora para, nos termos do n.º 3, in fine, do artigo 15º-H do NRAU, para responder à matéria de excepção, propugnou a mesma pela não procedência da excepção de ineptidão, mais não seja nos termos do artigo 186º, n.º 3, do Código de Processo Civil. No mais, entende ao invés que a referência no contrato do prazo de um ano constitui uma declaração inequívoca de que as partes pretenderam celebrar um contrato de duração limitada, sendo que o facto de estar previsto que o mesmo seria renovável por iguais e sucessivos períodos em nada obsta a tal entendimento, pelo contrário, apenas demonstra que as partes pretenderam: a) fixar um prazo para o contrato; e, b) permitir que o mesmo se renovasse até que qualquer uma das partes, se opusesse a tal, pelo que a oposição é válida. Ademais, refere que mesmo que se entenda que os efeitos do contrato retroagem a 01.01.2000 (como defendido pela Requerida) apesar deste ter sido celebrado a 04.02.2000, afirma que a data de 03.02.2023 que consta da comunicação de oposição à renovação, se trata de um erro de escrita, cuja correcção requerer, sendo que a data que a senhoria pretendia indicar era a de 31.12.2022, já que a carta de comunicação da oposição data de 01.06.2022.
Entretanto foi proferido despacho entendendo não ser necessária a produção de prova, notificando as partes para alegarem por escrito, o que fizeram, concluindo como nos articulados.
Foi prolatada sentença, na qual foi proferido despacho saneador tabelar, julgada improcedente a excepção de ineptidão do requerimento de despejo e, a final, julgada improcedente a ação, sendo este o segmento decisório, que se transcreve:
“5. DISPOSITIVO.
Pelo exposto, julgo improcedente o presente procedimento especial de despejo e, consequentemente:
5.1. Declaro que a oposição à renovação do contrato efectuada pela Requerente em 01.06.2022 não produziu quaisquer efeitos, mantendo-se válido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes relativo à Rua …  Lisboa; e,
5.2. Condeno a Requerente …., LIMITADA no pagamento integral das custas processuais.
* Registe-se e notifique-se.
Oportunamente, comunique-se ao BAS (cfr. artigo 16º da Portaria n.º 49/2024, de 15 de Fevereiro)”.
*
Inconformada com esta sentença, a autora interpôs recurso de apelação, que termina com as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo decidiu julgar a ação improcedente por entender que o contrato de arrendamento para fim não habitacional aqui em causa não deve ser qualificado como um contrato de duração limitada, mas sim como um contrato indeterminado.
B) Não pode a A. concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo na medida em que o que resulta do contrato de arrendamento aqui em causa é que a vontade das partes ao celebrar o mesmo foi a de se vincularem a um contrato de duração limitada e não a de se vincularem a um contrato indeterminado.
C) Motivo pelo qual o Tribunal a quo errou na interpretação que fez das declarações das partes contidas e vertidas no contrato celebrado, e consequentemente, errou na qualificação atribuída ao contrato aqui em causa como sendo um contrato de duração ilimitada, violando, assim, a sentença recorrida o disposto nos Arts. 236.º a 238.º do CC.
D) À data da celebração do contrato de arrendamento aqui em causa (04.02.2000), o regime legal em vigor a essa data, permitia a celebração de contratos por prazo determinado, no que se referia aos contratos de arrendamento para comércio e indústria, como resultava do disposto nos Arts. 117.º e 118.º, ambos do RAU (vigente à data).
E) Não exigindo a lei que o contrato referisse que expressamente se tratava de um contrato de duração limitada, bastando-se, para assim o qualificar, com a menção expressa, em cláusula do contrato, do prazo de vigência do mesmo.
F) Ora, no contrato de arrendamento aqui em apreço, foi cumprida a legalidade acima referida, já que, do contrato consta de forma expressa e inequívoca a estipulação de um prazo de vigência inicial do contrato – quer na escritura pública que formalizou o contrato, quer no documento complementar que faz parte integrante da mesma, bem como consta de forma expressa e inequívoca que a duração das renovações será igual ao prazo de vigência inicial do contrato.
G) Sendo certo que, nenhuma outra menção era necessária ou legalmente exigível para que o contrato celebrado pudesse ser qualificado como contrato de duração limitada.
H) Pelo que, se essa cláusula consta do contrato, se a mesma está redigida de forma clara e inequívoca, não pode o interprete simplesmente escamotear tal facto concluindo que tal não é o bastante para concluir que as partes, efetivamente, pretendiam, celebrar um contrato de arrendamento de duração limitada.
I) O Tribunal a quo afastou o elemento literal do contrato – estipulação expressa do prazo de vigência inicial e renovações – referindo que, as mais das vezes, estes contratos são elaborados com base em minutas, das quais já consta esta menção do prazo inicial de vigência, e como tal, tal menção expressa no clausulado do contrato não demonstra de forma inequívoca que a vontade das partes era a de celebrarem um contrato de arrendamento de duração limitada.
J) Porém, o contrato de arrendamento aqui em causa não foi celebrado com recurso a qualquer “minuta” não elaborada pelas partes, mas sim por escritura pública, tendo, inclusive sido elaborado pelas partes um documento complementar a tal escritura.
K) Assim, não se tratou de uma minuta semipreenchida na qual as partes se limitaram a completar com os dados concretos do contrato que queriam celebrar.
Trata-se de um documento cujo teor foi debatido pelas partes, transmitido ao notário e elaborado de acordo com a vontade expressa das mesmas.
L) As partes não preencheram uma cláusula com a indicação do prazo inicial de vigência porque esta já estava aposta na minuta do contrato. As partes expressamente transmitiram ao notário que pretendiam que a duração inicial do contrato tivesse a duração de um ano e que o mesmo fosse renovável por iguais períodos.
M) E este pormenor, da forma como o contrato foi formalizado – por escritura pública com um documento complementar e não através de uma minuta pré-preenchida – faz toda a diferença na interpretação do que foi a vontade das partes no momento da celebração do contrato aqui em causa.
N) Face ao exposto, errou o Tribunal a quo ao defender uma interpretação da vontade das partes que contraria o elemento literal vertido no contrato (a expressa fixação de um prazo), violando assim o disposto no Art. 238.º, n.º 1 do CC o qual estabelece que: “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.”
O) Defende o Tribunal a quo que o facto de o contrato prever que a posição de arrendatário pode ser ocupada por “(…) empresa por este a constituir (…)”, resulta que a vontade das partes era a de, desde logo, celebrar um contrato com vigência superior a um ano.
P) Não pode proceder esse entendimento do Tribunal a quo, já que a referida empresa a constituir foi constituída a 14.04.2000 (ponto 2 dos factos provados), ou seja, meros dois meses após a celebração do contrato de arrendamento.
Q) Donde, o simples facto de o contrato de arrendamento prever que a posição de arrendatário poderia ser transmitida a uma empresa a constituir pelo arrendatário original não demonstra, de forma alguma, que a vontade real das partes era a de celebrar um contrato por um período superior a um ano.
R) Entendeu, ainda, o Tribunal a quo “(…) que as finalidades admitidas para o espaço, enunciadas na Cláusula 4ª do Documento Complementar pressupõem sempre uma duração longa (…)”, o que, diga-se, por si só, em nada obsta a que o arrendamento fosse de duração limitada com um prazo inicial de um ano.
S) O facto de as finalidades admitidas para o espaço poderem pressupor uma duração longa não afasta de forma inequívoca a vontade de celebrar um contrato de duração determinada, tanto mais que a possibilidade de renovação foi, desde logo, prevista no contrato.
T) Só existiria incompatibilidade entre esta estipulação na Cláusula Quarta da Documento Complementar e a celebração de um contrato de duração limitada Página 11 de 12 se as partes tivessem previsto que o contrato não era passível de renovação. O que não foi o caso.
U) Em suma, do disposto na Cláusula Quarta do Documento Complementar não resulta que a vontade das partes fosse a de celebrar um contrato de duração indeterminada.
V) Mesmo argumento serve para demonstrar que o disposto nas Cláusulas Sexta e Nona do Documento Complementar não obstam a que a vontade real das partes fosse a de celebrar um contrato de duração determinada, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo.
W) Pois, admitindo o contrato renovações, como era o caso, nada impedia que as partes estipulassem regras no contrato celebrado para a eventualidade de tais renovações (uma ou mais) ocorrerem.
X) Motivo pelo qual, o facto de se estipular que o arrendatário poderia fazer obras no locado, ou que, em virtude de tais obras, poderia encerrar o locado, em dada obsta a que o contrato existente se tratasse de um contrato de duração determinada.
Y) Estas cláusulas não demonstram que as partes queriam celebrar um contrato por tempo indeterminado. Demonstra apenas que, sendo o contrato de duração determinada, mas prevendo o mesmo a possibilidade de renovação, as partes quiserem acautelar ocorrências futuras e assim evitar conflitos, caso o contrato se prolongasse no tempo em resultado das renovações.
Z) Face ao exposto, é forçoso concluir que os argumentos expostos pelo Tribunal a quo, porque facilmente rebatíveis, não são de molde a permitir afastar a literalidade da cláusula de estipulação de prazo no contrato aqui em causa, e não podem servir como fundamento para se entender que a vontade das partes foi a de celebrar um contrato de duração indeterminada.
AA) Pelo que, errou o Tribunal a quo ao decidir que “(…) não podemos retirar da cláusula aposta pelas partes no contrato – de que o contrato seria celebrado por um ano – a estipulação inequívoca exigida na lei, de que as partes quiseram celebrar um contrato de duração determinada (…)”.
BB) O contrato de duração ilimitada pressupõe uma maior restrição nas regras para colocar termo ao contrato e foi isso que nenhum dos contratantes quis no caso em apreço. Apesar de as partes poderem ter previsto cláusulas que, aparentemente, demonstram que as mesmas queriam que o contrato perdurasse no tempo, o que não se pode esquecer é que do contrato não resulta que nenhuma das partes quisesse ficar vinculada ao contrato por tempo indefinido sujeita a regras mais rígidas no que se refere à cessação do mesmo.
CC) E o Tribunal a quo apenas olhou para as cláusulas contratuais na vertente da duração do contrato e não na vertente, igualmente relevante para determinação da vontade das partes, das regras relativas à cessação do contrato. Ora, as partes quiseram um contrato de duração limitada para anão estrem sujeitas a regras apertadas de desvinculação. E esse aspeto nem sequer foi ponderado pelo Tribunal a quo.
DD) Relativamente ao último argumento esgrimido pelo Tribunal a qual diga-se que, se o Tribunal a quo entendeu que a menção, no contrato, de que seria renovável até ser denunciado por alguma das partes indiciaria que se trata de um contrato com prazo indeterminado, então teria de concluir que a ausência dessa menção no contrato em apreço leva a concluir que se trata de um contrato de duração limitada, “(…) pois que nestes, (…), o senhorio podia denunciar livremente o contrato, não estando sujeito aos substanciais limites que a lei prevê para os contratos de duração ilimitada. Por conseguinte, se a vontade das partes fosse a de celebrar um contrato de duração limitada, não haveria que salvaguardar a denúncia do mesmo nos termos da lei, por ela ser livre (…) (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.11.2022, acessível em www.dgsi.pt, e profusamente citado na sentença recorrida).
EE) Não tendo as partes salvaguardado a denúncia do contrato, então, seguindo o entendimento espelhado no aresto acima referido, tal indicaria que a vontade das partes seria a de celebrar um contrato de duração determinada.
 FF) Errou, pois o Tribunal a quo no entendimento defendido na sentença recorrida, pois face a todo o exposto e às circunstâncias acima explicitadas, é inequívoco que as partes quiseram vincular-se através de um contrato de duração limitada.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso, e, em consequência, ser a sentença recorrida substituída por outra que julgue procedente o procedimento especial de despejo intentado pela A. e declare a oposição à renovação do contrato válida e decrete o despejo imediato do locado, como peticionado pela A..
*
A requerida apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente, embora não conteste a matéria de facto dada como provada, com a qual concorda plenamente, não se conforma com a decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou improcedente a sua pretensão.
2. Considera a Recorrente ser erróneo o entendimento vertido na mui douta sentença recorrida de que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais em causa nos autos foi efectivamente e em conformidade com o efectivamente pretendido pelas partes sido celebrado por tempo indeterminado.
3. Entendimento que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, está sobeja e profusamente justificado pela interpretação sistemática de todo o conteúdo do contrato, vertido na escritura pública e no documento complementar à mesma.
4. Do qual resulta clara e evidente a vontade das partes de celebrarem um contrato por tempo indeterminado.
5. E, portanto, muito bem decidiu ao Tribunal a quo ao dar como improcedente a pretensão que a Recorrente formulou no seu requerimento inicial.
6. Mas acresce que, se a sentença recorrida viesse a ser reformada por este Distinto Tribunal que desse como procedente a presente apelação, o que por mero exercício de raciocínio se concebe, haveria lugar á aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 665.º do Código de Processo Civil.
7. E, por via disso, teria que ser reconhecido o vicio de que padeceria a comunicação da Recorrente de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
8. Porquanto, renovando-se o contrato anualmente a 1 de Janeiro de cada ano, a comunicação de que o contrato cessaria em 3 de fevereiro de 2023, não poderia relevar e produzir quaisquer efeitos.
9. Pois, nessa data, estaria em curso o período de vigência do contrato compreendido entre 1 de janeiro de 2023 e 31 de dezembro de 2023.
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Excelências, deve o recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Questão a decidir
Como resulta do disposto nos artigos 5, 635/3 e 639/1 e 3 do CPC (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente.
Deste modo no caso concreto a questão a apreciar consiste em saber se o contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre a recorrente e a recorrida deve ser qualificado como tendo sido celebrado por tempo indeterminado ou por tempo determinado.
III – Fundamentação de Facto.
A recorrente não impugnou a matéria de facto fixada na 1.ª instância e por isso tem-se por assente o seguinte quadro factual, constante da sentença recorrida:
“4. FUNDAMENTAÇÃO.
4.1. DE FACTO.
Ante o acordo das partes (cfr. artigo 574º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil) e os documentos juntos aos autos, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1) Por escritura pública, cujo teor aqui se dá por integrante reproduzido, datada de 04.02.20o0, os legais representantes da A… (Primeiros Outorgantes) e C… (Segundo Outorgante) declararam os Primeiros (…) Que a sociedade sua representada é dona e legítima possuidora do prédio urbano situado na Rua …, tornejando para a Rua …. (antiga Rua Particular), freguesia de …, em Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
Que dão de arrendamento, ao segundo outorgante parte do rés do chão e da zona onde actualmente estão as máquinas do ar condicionado, correspondente a trezentos e noventa e quatro vírgula trinta e três metros quadrados, identificado pela letra “A”, na planta anexo, a tracejado, que se arquiva, com entrada pela Rua …., em Lisboa e que tem de largura quinze vírgula setenta e cinco a contar da face interior da fachada, desta última e de comprimento vinte e cinco vírgula zero três metros, a contar da face interior da fachada da Rua …, em Lisboa. (…)
Que este arrendamento é feito pelo prazo de um ano, renovável por períodos sucessivos de um ano, e teve o seu início em um Janeiro de dois mil. O local arrendado destina-se exclusivamente à actividade de comércio e indústria.
Pela ocupação do local arrendado é devida a renda de quatro milhões quinhentos e dezasseis mil e cinquenta e seis escudos, sendo a renda mensal no primeiro ano de trezentos e setenta e seis mil trezentos e trinta e oito escudos, e vence-se no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
(…) Declarou o segundo outorgante: Que aceita este arrendamento. (…).
2) Em Documento Complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quadro do Código de Notariado (…), cujo teor aqui se dá por integrante reproduzido, anexo à Escritura referida em 1), as partes declararam que:
(…) 2ª Que dá de arrendamento ao segundo outorgante ou sociedade por este a constituir ou que detenha e este, por sua vez, promete aceitar, parte do rés-do-chão e da zona onde actualmente está o ar condicionado, correspondente a 394,33 (trezentos e noventa e quatro metros e trinta e três centímetros quadrados), identificado pela letra “A” na planta anexa (área tracejada) com entrada pela Rua…., Lisboa e que tem de largura 15,75 (quinze metros e setenta e cinco centímetros) a contar da face interior da fachada desta última e de comprimento 25,03 (vinte e cinco metros e três centímetros a contar da face interior da fachada da Rua …., Lisboa.
3ª O presente Contrato de Arrendamento é feito pelo prazo de um ano e tem o seu início em 1 de Janeiro de 2000 e é sucessivamente renovado por iguais e sucessivos períodos.
4ª A parte do rés-do-chão arrendado, destina-se a subaluguer total ou parcial, subdividindo ou não em vários espaços, agora ou futuramente, de acordo com as janelas existentes nas fachadas, para o exercício das seguintes actividades:
Um – Hoteleiras e similares, bares, salas de dança, discotecas, restaurantes, espectáculos lúdicos, divertimentos e outras actividades conexas.
Dois – Lojas, salas de escritórios, comércio, indústria, serviços e profissões liberais. (…)
6ª Um – O inquilino fica desde já autorizado, para agora ou sempre que achar necessário no futuro, efectuar obras de adaptação necessárias às actividades a que o espaço arrendado se destinar: a
) Demolições:
1 – De todas as paredes e também de todas as paredes mestras que o segundo outorgante considere necessário.
2 – Das escadas que dão acesso ao primeiro andar e do mezzanine, actualmente existentes.
3 – Das actuais instalações sanitárias do público. 4 – Outras demolições não especificadas.
b) Construções:
1 – De todas as paredes necessárias.
2 – De instalações sanitárias para o público.
3 – De uma galeria (mezzanine), com área total parcial ou total, dotada de armazéns, instalações sanitárias e outras.
4 – Outras construções não especificadas.
c) Alterações:
1 -Das fachadas e janelas do prédio que dão para a Rua …. e Rua …..
Transformação das janelas em portas.
2 – Abertura nas fachadas de portas de emergência ou outras que sejam necessárias.
3 – Se no futuro, eventualmente, verificar-se a mudança de ramos de actividade para lojas ou escritórios, fica desde já autorizado a fazê-lo e também transformar a totalidade das janelas em portas e/ou montras das fachadas do edifício, para funcionar como espaços independentes e autónomos.
d) Instalações:
1 – De infra-estruturas técnicas, eléctricas, sanitárias ou outras que o segundo outorgante achar por conveniente e necessárias.
2 – No telhado do edifício de antenas parabólicas ou outras.
3 – De um posto de transformação de energia eléctrica.
4 – De um elevador para serventia do primeiro andar.
e) Revestimentos:
1- Aplicação de qualquer tipo de revestimentos interiores que o segundo outorgante desejar colocar, destinadas a insonorização e decoração, tais como construção de paredes duplas, tectos falsos e outras.
f) Obras Genéricas:
1 – As necessárias para adaptar o espaço arrendado a novas tecnologias e decorações.
2 – De adaptação eventualmente necessárias, no caso de mudança de ramo de actividade, desde que não colidam, sob qualquer forma, com os pilares e vigas metras do edifício.
3 – Todas aquelas que futuramente sejam necessárias, para subdividir total ou parcialmente o local arrendado em lojas ou escritórios.
4 – As de alteração, reparação, conservação, instalação de equipamentos, revestimentos, demolições, construções e decorações, bem como, todas as obras de infra-estruturas técnicas, eléctricas, sanitárias ou outras, desde que não colidam, sob qualquer forma com os piares e vigas mestras do edifício.
Dois – Todas as obras ficarão a fazer parte integrante do edifício e, em caso de cessação do contrato de arrendamento, não haverá direito a qualquer indemnização ou compensação ao arrendatário.
7ª A sublocação total ou parcial para o exercício do ramo de comércio, indústria, serviços e profissões liberais previstos na quarta cláusula do presente contrato, fica desde já autorizada, sem limite constante dos artigos mil e sessenta e dois do Código Civil e 66, alínea g) do Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro.
(…) 9ª Para efeitos de quaisquer obras de alterações ou remodelações presentes ou futuras, o arrendatário ou firma por este a constituir poderá manter o espaço agora arrendado, encerrado por períodos de tempo superiores a um ano.
10ª Se eventualmente o segundo outorgante, C…., resolver transferir o presente contrato de arrendamento para firma que constitua ou detenha, bastará para o efeito, comunicar tal facto à primeira outorgante, por carta registada com aviso de recepção.
3) Em 14.04.2000, por escritura pública, C…. constituiu a sociedade comercial …., Lda., com o NIPC …, com sede no locado, do que deu conhecimento à Requerente, passando a assumir a posição de arrendatária do locado.
4) Em 02.12.2013, através de documento escrito, denominado “Contrato de Trespasse”, a …, Lda. (Primeira Contraente) e a …., Lda. (Segunda Contraente), cujo teor aqui se dá por integrante reproduzido, declararam:
(…) Considerando:
A. Que a Primeira Outorgante é dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial instalado no prédio urbano sito na Rua ….,  em Lisboa, o qual é composto por todos os elementos corpóreos e incorpóreos que se encontram listados no Anexo I ao Contrato Promessa de trespasse celebrado em 26 de Março de 2013 e respectivo Aditamento datado de 30 de Agosto de 2013 (adiante CP), adiante designado por Estabelecimento Comercial;
B. Que o estabelecimento comercial se localiza no imóvel sito na sua identificada morada e que a Primeira Contraente detém um contrato de arrendamento do mesmo imóvel, o qual também faz parte integrante do Estabelecimento Comercial. (…) É livremente celebrado e reduzido a escrito o presente contrato de trespasse que se rege pelo disposto nas seguintes cláusulas:
 Primeira (Objecto)
1.1. Pelo presente contrato, a Primeira Contraente trespassa a favor da Segunda Contraente, livre de quaisquer ónus ou encargos, à excepção da renda devida, o Estabelecimento Comercial.
5) A Requerente remeteu à Requerida para a morada do locado, carta, com aviso de recepção, datada de 01.06.2022, que esta última recebeu em 27.06.2022, com o seguinte teor:
(…) Assunto: Comunicação de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento para Fim Não Habitacional celebrado a 04.02.2000 (Locado: Rua …., Lisboa)
Exmos. Senhores,
Vimos por este meio comunicar a V/Exas., a nossa oposição à renovação do contrato de arrendamento para fim não habitacional referente ao locado identificado, nos termos do disposto no n.º 1, alínea b) do Art. 1097.º do Código Civil, por remissão do disposto no Art. 1110.º, n.º 1, do mesmo diploma.
A presente comunicação produzirá os seus efeitos no próximo dia 3 de fevereiro de 2023, cessando o arrendamento nessa mesma data. Assim, deverão V/ Exas., na data indicada, entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens, devolvendo as chaves do mesmo”.
*
IV. Fundamentação de Direito
A noção de locação consta expressamente do artigo 1022 do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
O contrato de arrendamento dos autos foi celebrado em 4 de fevereiro de 2000, em plena vigência do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de outubro, na redação introduzida pelo DL nº 257/95, de 30 de setembro.
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei 6/2006, de 27.02, revogou o RAU, salvo nas matérias a que aludem os artigos 26º a 28º do NRAU (nº 1 do artº 60º do NRAU) e veio estabelecer que o novo regime se aplica às relações contratuais constituídas que subsistam à data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias (artº 59º, nº 1 do NRAU).
Decorre da cláusula 1ª do contrato que se está perante arrendamento urbano para “actividade de comércio e indústria” (artºs. 3º e 110º do RAU), a que equivale no NRAU (Lei 6/2006, de 27/2) a fim não habitacional (artº 1067º, nº 1 do Código Civil).
Na cláusula 1ª estipularam as partes que “o arrendamento é feito pelo prazo de um ano, renovável por períodos sucessivos de um ano, e teve o seu início em um Janeiro de dois mil”.
Estabelecia o artigo 117 do RAU, sob a epígrafe “estipulação de prazo de duração efetiva” que:
“1. As partes podem convencionar um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respetiva cláusula seja inequivocamente prevista no texto do contrato, assinado pelas partes.
2 - Aos contratos para comércio ou indústria de duração limitada, celebrados nos termos do número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime dos artigos 98.º a 101.º, salvo o disposto no artigo seguinte.”
E o artigo 98.º, sob a epígrafe “estipulação de prazo efetivo” estabelecia que:
“1 - As partes podem estipular um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respetiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a cinco anos. (…)”.
“O presente artigo e os seguintes vieram permitir, também, para o futuro, a celebração de contratos de arrendamento urbano de duração limitada para comércio ou indústria, com prazo mínimo de cinco anos e sem prazo balizado para a renovação (…).
Os contratos de duração limitada para habitação estão previstos nos artºs 98º a 101º; agora regulamentam-se os contratos de duração limitada para comércio ou indústria. Tal como naqueles é necessário que as partes estipulem em cláusulas a inserir no texto escrito do contrato, que o pretendem celebrar no regime de duração limitada, indicando o prazo de duração efetiva, que, como se disse, não poderá ser inferior a cinco anos.” (Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, pág. 458, em anotação ao artº 117º do RAU).
O artigo 100 do RAU, com a epígrafe “renovação automática, denúncia e revogação” dispunha que:
“1 - Os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes. (…)”.
Da conjugação dos dispositivos citados resulta inequivocamente que, pretendendo os contratantes estipular um prazo de duração limitada, este não pode ser inferior a cinco anos. Trata-se de norma imperativa.
A qualificação do contrato como de duração limitada ou ilimitada depende da sua interpretação, nos termos do disposto nos artigos 236 e ss. do Código Civil, uma vez que nada se apurou quanto à vontade das partes contratantes, não permitindo as expressões contidas no Documento Complementar – “sociedade por este a constituir ou “futuramente”- concluir num sentido ou no outro.
De harmonia com o estabelecido no artigo 236 do Código Civil, a declaração negocial vale com um sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, não olvidando ainda que tal declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, prevalecendo o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações (artºs 237º e 238º, nº 1 do C.C.).
A única cláusula onde se estipula um prazo é aquela que fixa um ano, renovável por iguais períodos (cláusula 1ª).
A cláusula 1ª estipula o prazo do contrato, enquanto elemento necessário secundário (artº 8º, nº 2, al. g) do RAU), mas não de estipulação de duração limitada (artº 98º do NRAU), pois que nenhuma referência lhe é feita. (Neste sentido, v. entre outros, Ac. do S.T.J. de 02/10/2014, relator Serra Batista, processo 319/04.1TCSNT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Se as partes quisessem fixar um prazo de duração efetiva, ter-se-iam expressado de modo diferente. Esta é a interpretação, ao abrigo do disposto nos artigos 236 a 238 do Código Civil, única consentânea com o texto e sua conjugação, nada tendo resultado quanto à vontade das partes em sentido diverso.
É pacífico, na jurisprudência, que a cláusula de duração efetiva a que alude o n.º 1 do citado artigo 98 tem que ser inequívoca, não obstante a lei não exigir que as partes adotem a designação legal de contrato de duração limitada ou efectiva (vd. jurisprudência citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/03/2011, processo n.º 4498/06.5TVLSB.L1-2, e Acordão do STJ de 10 de janeiro de 2023, relator Manuel Capelo, processo 2857/19.2T8OER.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Reproduzimos, a este respeito, o Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de junho de 2017, disponível em www.dgsi.pt, onde se lê: “A mera fixação de um prazo não é suficiente para se concluir pela existência de uma cláusula inequívoca de duração efetiva do arrendamento, porquanto, nos termos do art. 8.º, n.º 2, al. g) do R.A.U., o contrato de arrendamento deve mencionar o prazo, sob pena de prevalecer o prazo supletivo previsto no art. 10.º do referido diploma, sendo a duração do prazo fixado, de um ano, a regra nos arrendamentos vinculísticos (sem duração limitada), aliada ao facto da prorrogação automática por sucessivos iguais períodos enquanto não denunciado nos termos da lei.
Conforme se refere no citado Acórdão do tribunal da Relação de Guimarães de 04/06/2013, reportando-se aos contratos de duração limitada, «[n]estes, salvo a formalidade da notificação judicial avulsa e antecedência de um ano, o senhorio pode denunciar livremente o contrato, não estando sujeito aos substanciais limites que a lei prevê para os contratos de duração ilimitada. Por conseguinte, se a vontade das partes fosse a de celebrar um arrendamento de duração limitada não haveria que salvaguardar a denúncia nos termos da lei, por ela ser livre.»
Conclui-se, assim, não ser possível, à luz da teoria da impressão do destinatário, inferir pela existência de uma inequívoca cláusula de duração efectiva do arrendamento, pelo que haverá que qualificar o contrato de arrendamento em causa como um contrato vinculístico (sem duração limitada).
Ao arrendamento vinculístico corresponde, no atual regime, a modalidade dos “contratos de duração indeterminada”, prevista no art. 1099.º e segs. (vd. Maria Olinda Garcia, Arrendamento para comércio. Aplicação da Lei no tempo. Oposição à renovação e denúncia do contrato, pág. 5, disponível em www.dgsi.pt.
 Na jurisprudência, vejam-se os Acórdãos da Relação do Porto de 13/07/2011, proc. 50/11.1TBVLC.P1 e de 14/05/2012, proc. 70/11.6TBSJP-A.P1, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, de acordo com o regime previsto para os contratos de duração indeterminada, o locador apenas poderá extinguir o contrato por ato de vontade unilateral mediante denúncia, prevista no art. 1101.º e segs. Já não o poderá fazer por meio de dedução de oposição à renovação, prevista apenas para os contratos com prazo certo, anteriormente designados por contratos de duração limitada, de acordo com o disposto nos arts. 1097.º e 1098.º, ambos do Código Civil.
Assim, passando o contrato em causa nos autos a reger-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, não poderia a senhoria extinguir o contrato mediante oposição à sua renovação, mas apenas e tão só mediante a denúncia do contrato, uma vez verificados os requisitos previstos no art. 1101.º e segs., razão pela qual se afigura assistir razão à Ré na oposição por si deduzida, não podendo a comunicação de oposição à renovação do contrato efectuada pela autora produzir qualquer efeito”.
Exige a lei que no texto do contrato deve ser inequivocamente prevista a cláusula respeitante à convenção das partes sobre o prazo para a duração efetiva.
No contrato dos autos não existe tal cláusula.
A estipulação do prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, é o procedimento normal nos contratos de duração indeterminada, os quais implicam a renovação automática e ilimitada do vínculo contratual.
Estamos, pois, perante um contrato de duração indeterminada ou ilimitada.
Ora a partir do momento em que o prazo é um elemento próprio da essência do contrato de arrendamento – e também do de duração ilimitada - quando as partes expressamente nada refiram a respeito da pretendida duração limitada deste, e estipulem prazo para o mesmo diferente do de cinco anos, não poderá sustentar-se estar em causa contrato de duração limitada, pois que nessas circunstâncias não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se desse modo.
O estabelecimento de um prazo de um ano mostra-se incompatível com o regime de duração efectiva e não permite afirmar a existência da inequivocidade exigida pelos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU.” (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 03/03/2011, in www.dgsi.pt).
Ainda que se considerasse terem as partes fixado um prazo de duração efetiva do contrato, de um ano – entendimento que não perfilhamos – esta cláusula seria nula, por violação de norma imperativa (artºs. 294º do CC e 98º, nº 2 ex vi do artº 117º, nº 2 do RAU), determinando que o contrato tivesse sido celebrado sem duração, sendo um contrato vinculístico, de duração indeterminada. (neste sentido, Acordão da Relação do Porto de 10/12/2019 e Acordão da Relação de Guimarães de 11/07/2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
A senhoria e a arrendatária não estabeleceram no contrato qualquer regime específico para a denúncia/oposição à renovação.
Estando em causa um contrato de duração ilimitada ou indeterminada não está sujeito ao regime de oposição à renovação, cujo âmbito de aplicação se restringe aos contratos celebrados com prazo certo de duração (artº 26º, nº 3 do NRAU).
Assim, a carta enviada pela senhoria à arrendatária datada de 1 de junho de 2022, que esta recebeu em 27 de junho de 2022,  onde se comunica a oposição à renovação do contrato, é ilegal, não produzindo os efeitos visados enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, ex vi do artº 1110º, nº 1 do Código Civil. (neste sentido, Ac. Relação de Guimarães de 26/11/2020, in www.dgsi.pt).
Assim, a decisão recorrida não merece reparo.
Improcede o recurso interposto.

V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Escrito e revisto pela Relatora.
Lisboa,11 de julho de 2024
Maria Teresa Lopes Catrola

Maria do Céu Silva
Marília Fontes