DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I - Tutelados na lei ordinária, os direitos de personalidade - nomeadamente ao nome e imagem e à reserva da intimidade da vida privada - e bem assim a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, têm igual respaldo constitucional no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais; e a defesa de uns e outros decorre de igual modo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
II - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem decidindo que a ingerência na liberdade de expressão, em que se inclui a liberdade de imprensa, deve ter carácter excepcional atenta a importância fulcral dessa liberdade numa sociedade democrática, levando a jurisprudência nacional a operar uma viragem no entendimento clássico do primado dos direitos de personalidade sobre a liberdade de expressão.
III - Estando-se em presença de direitos com igual garantia constitucional, em caso de conflito entre o direito de liberdade de informação e o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, deverá o mesmo ser resolvido de acordo com os princípios gerais e constitucionais tendo em conta o disposto no artº 18 nº 2 da CRPortuguesa e no artº 335º nº 1 do CCivil, convocando a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Texto Integral

Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
LCA, solteiro, maior, com domicílio ocasional na Rua …., em Lisboa,
intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra
AB, jornalista (1.ª ré),
JF, jornalista (2.ª ré),
SF, jornalista e director da T… e T..24 (3.º réu),
JS, jornalista e directora-adjunta da T… e T…24 (4.ª ré),
AP, jornalista e director-adjunto da T… e T…24 (5.º réu),
LS, jornalista e subdirector da T… e T…24 (6.º réu),
PP, jornalista e subdirector da T… e T…24 (7.º réu),
“T…, S.A”, pessoa colectiva nº … (8.ª ré), e
“MCD, S.A”, pessoa colectiva nº … (9.ª ré),
os 1º a 7º RR. com domicílio profissional e as 8ª e 9ª RR. com sede na Rua …., em Queluz de Baixo.
Alegou, em síntese, serem as 1ª e 2ª rés jornalistas e desenvolverem a sua actividade nos canais de televisão T… e T…24, tendo sido as autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida nesses canais denominada “O Segredo…”, a qual, previamente à sua transmissão, foi publicitada como de importância equiparada à do processo “Casa Pia” e referia-se a crianças alegadamente levadas de Portugal numa rede internacional de adopções ilegais levada a cabo pela Igreja …, revelando aspectos da vida privada do Autor sem que este tenha dado autorização ou consentimento para o efeito, chegando, inclusive, a informar o 3º réu que se opunha à referida transmissão por conter factos atentatórios da sua privacidade.
A exibição da reportagem decorreu entre os dias 11/12/2017 e 22/12/2017 e foi transmitida no serviço de programas T… e T…24 sendo constituída por 10 episódios em 6 dos quais o Autor é visado, divulgando os réus a sua vida privada pessoal e familiar, bem como a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, em contextos privados, assim como as circunstâncias em que foi acolhido num lar de crianças da Igreja… e da sua adopção, aí se afirmando que tal sucedeu contra a vontade da sua mãe biológica.
A história do Autor, contada nos episódios 1 a 6, contém entrevista à sua alegada mãe biológica (sob nome fictício) afirmando esta que o Autor e os seus irmãos lhe foram retirados, aí é mencionado o seu acolhimento no lar e as circunstâncias difíceis que vivenciou com a família biológica, bem como que teria sido escolhido por catálogo por bispos da Igreja … e sofrido maus tratos pelos seus pais adoptivos, nos termos que detalha no articulado e por referência a cada um dos períodos temporais de cada um desses episódios.
Refuta que o relato efectuado na reportagem corresponda à verdade, sendo apresentado como um processo de adopção à margem da lei, exibindo‑se a imagem do Autor enquanto criança e confundindo-se factos verdadeiros com falsos, quando apenas a si cabia a escolha da divulgação das circunstâncias da sua adopção, tendo as jornalistas procurado criar uma telenovela sensacionalista assente numa suposta rede ilegal de adopções.
Mais alega que em consequência da exibição da reportagem teve de reviver episódios da sua infância que procurou esquecer e que passaram a ser do conhecimento de milhares de pessoas, sendo abordado por desconhecidos e por fiéis da Igreja… que pretendiam falar sobre o tema e ter tido de dar explicações, tendo sentido angústia, dor, e humilhação, e necessitado de acompanhamento médico.
Considera que, ainda que alguns dos factos relatados na reportagem sejam de interesse público, poderiam os réus ter feito o relato sem expor o Autor, não o identificando nem apresentando a sua imagem enquanto criança ou adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros. Ao não o fazerem, e sendo, inclusive, falsos os factos relatados na reportagem, violaram a sua vida privada, sem que tivesse consentido ou autorizado a revelação de factos relativos à sua vida ou a divulgação da sua imagem, violando os réus, igualmente, a natureza secreta das informações referentes aos processos de adopção.
Quanto aos demais RR. demanda-os porquanto o 3º réu era o director do serviço de programas e responsável pela informação dos referidos canais, tendo aprovado a elaboração e execução dessa reportagem. Já os 4.º e 5.º réus, enquanto directores-adjuntos, e os 6.º e 7.º réus, enquanto subdirectores desses canais, foram acompanhando a elaboração da reportagem e a informação que as rés jornalistas iam recolhendo, tendo tomado conhecimento de que a reportagem em causa revelaria factos sobre a vida privada e íntima do Autor, sem que a tal se opusessem. A 8.ª ré é proprietária dos serviços de programas televisivos da T… e da T…24, enquanto a 9.ª ré é proprietária dos sites desses canais e do portal … onde estão alojadas as notícias e os vídeos referentes a essa reportagem, sendo a sua entidade gestora e tendo o poder para incluir e retirar os conteúdos que aí se encontram disponíveis.
Com tais fundamentos concluiu pedindo:
“a) a condenação solidária dos réus a pagarem ao autor, o montante de € 500.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b) a condenação da 8.ª e 9.ª rés a removerem de todos os sites de que sejam proprietários, designadamente http://www....pt/; http://www.t....pt/ , todos os conteúdos onde são relatados factos da vida privada do autor e/ou em que seja divulgada a sua imagem e identidade, em concreto, os episódios 1 a 6 da reportagem “O Segredo …”;
c) a condenação das 8.ª e 9.ª rés a absterem-se de difundir qualquer facto que diga respeito à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
d) condenação de todos os réus jornalistas e diretores, quer os diretores réus, quer aqueles que lhe vierem a suceder nas funções, a absterem-se de divulgar factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
e) condenação dos réus jornalistas a absterem-se de divulgarem factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
f) a proibição dos réus de difundirem, em qualquer suporte dos quais sejam proprietários ou colaboradores, (nomeadamente, na televisão, Internet ou imprensa escrita) factos da vida privada do autor, designadamente que digam respeito ao processo de adoção e à sua vida privada e familiar”.
Requereu ainda o Autor a apensação aos autos principais do procedimento cautelar previamente por si intentado.

Os 1ª, 2ª, 3º e 4ª réus, pessoas singulares, apresentaram contestação conjunta na qual pugnaram pela sua absolvição de todos os pedidos formulados.
Para tanto, defenderam não ter divulgado ou afirmado factos falsos na reportagem em causa nos autos, sendo incontestável a relevância jornalística do seu conteúdo e manifesto o interesse público, entendendo terem cumprido todas as regras jornalísticas e, por outro lado, que o comportamento público do Autor e da sua família adoptiva impõe decisão contrária às pretensões do Autor.
Sustentam, no mais, não terem os restantes réus pessoas singulares tido qualquer intervenção na preparação e exibição da reportagem e que a 4ª ré se limitou a apresentar um serviço noticioso, admitindo terem sido as 1.ª e 2.ª rés as jornalistas responsáveis pela investigação e o 3.º réu o director de informação que sabia e apoiou o trabalho destas.
No que se refere ao conteúdo da reportagem, na parte em que o Autor é visado, referiram ser o caso do Autor um daqueles em que ocorreram irregularidades e ilegalidades em adopções de crianças por membros da cúpula da Igreja …, através de um lar ilegal de acolhimento, e que os factos retratados na reportagem são factualmente correctos e o resultado de uma investigação jornalística em dedicação exclusiva que durou mais de sete meses e recorreu a múltiplas e diversificadas fontes de informação, verificadas e cruzadas, tendo procurado ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis na sua divulgação, incluindo o Autor, assinalando que o acesso aos processos de adopção lhes foi negado.
Defenderam que a identidade e imagem dos jovens adoptados apenas foi revelada na medida indispensável para a total compreensão dos factos, e ser proporcional à realidade ou ao que os próprios ou terceiros com a sua autorização já revelaram publicamente e que tem servido para promover a sua imagem e os seus fins. A este respeito referiram ter sido o próprio Autor ou pelo menos terceiros com o seu conhecimento e autorização, pelo menos tácita, que primeiramente revelaram publicamente a sua imagem e história de vida para servir os interesses pessoais e da organização da Igreja…, assumindo o Autor actualmente um papel de relevo nesta estrutura como pastor e por ser neto adoptivo do bispo EM e filho adoptivo da filha deste VF que, com o marido, o bispo JF, publicam a sua imagem e intimidade e fazem alusão em público ao processo de adopção do Autor e da sua irmã, contando, na medida dos seus interesses, a sua versão dos factos. Identificam, para tanto, um conjunto de publicações disponíveis na internet ou em redes sociais da iniciativa dos pais adoptivos do Autor, e igualmente pelo próprio nas redes sociais em que este divulga a sua imagem pessoal e as suas actividades ao serviço da igreja, não sendo, por isso, verdade não ter o Autor alguma vez consentido na divulgação de imagens e vídeos seus, sendo, aliás, a maior parte das imagens utilizadas na reportagem retiradas de publicações do próprio Autor. Acresce ter o Autor, antes do início da reportagem, feito um vídeo com a irmã, divulgado pela Igreja …, no qual revelam a sua imagem e identidade e tentam rebater os factos que estavam sob investigação, enviando esse vídeo aos órgãos de comunicação social portugueses e brasileiros, e que foi na sua quase totalidade exibido pela T….
Concluem, por isso, estar em causa uma figura pública, não podendo o Autor invocar o direito à privacidade e imagem e a limitação dos réus à liberdade de expressão, quando o Autor e a sua família tudo fizeram para que a sua história de vida e imagem alcançassem projecção mediática, para servir os seus interesses pessoais, profissionais e da instituição Igreja….
Finalmente, mencionam que o relatado nos diversos episódios corresponde à realidade, nomeadamente no que se refere à adopção do Autor ter sido ilegal e fraudulenta, com recurso a testas de ferro, implicado a separação do Autor dos seus irmãos, e ter este sofrido maus tratos pela sua pretensa família adoptiva, tendo motivado a instauração de um processo criminal; mais mencionando que foi dada a possibilidade ao Autor de exercer o contraditório e conceder uma entrevista, tendo-se este pronunciado sobre o objecto da reportagem.
Também os 5º, 6º e 7º réus, pessoas singulares, apresentaram contestação conjunta, na qual alegam não terem tido qualquer intervenção ou responsabilidade na elaboração ou transmissão da reportagem, tendo esta ficado restrita a um número limitado de pessoas, e que apenas tiveram conhecimento da reportagem com a sua transmissão ao público, pelo que não poderiam avaliar ou decidir o que quer que fosse a respeito da mesma. No mais, referem que, através de uma análise posterior, se aperceberam corresponder a reportagem um trabalho intenso e competente das jornalistas co‑rés, que visou divulgar informações verdadeiras com o objectivo de denunciar irregularidades dos processos de adopção, referindo-se ainda, e em termos idênticos aos das demais contestações, às diversas publicações em redes sociais feitas pelo Autor e pela sua dita família adoptiva que mencionam factos ligados à adopção e infância deste, pelo que não se justifica qualquer ofensa da sua imagem ou reserva da vida privada, nem a alegação de quaisquer danos. 
A 8ª ré, T…, apresentou contestação no mesmo sentido das defesas precedentes, na qual, além de negar ter sido feita equiparação ao processo “Casa Pia”, defendeu ter a reportagem correspondido a um trabalho de investigação longo e rigoroso, com observância de todas as regras aplicáveis à profissão de jornalista, sendo todo o conteúdo da reportagem jornalístico correspondente à realidade histórica e ter inegável interesse público por se referir a uma rede ilegal de adopções.
Também ela defendeu ter sido o Autor e a sua pretensa família adoptiva a expor a sua vida pessoal e a história da sua adopção, em diversos suportes divulgados antes da transmissão da reportagem, e ser do conhecimento público e da comunidade da Igreja… que o Autor exerce as funções de pastor e se assume como neto adoptivo do bispo EM e filho adoptivo de V e de JF, sendo os próprios a exporem factos relativos à imagem e intimidade do Autor, usando tal para a sua promoção pessoal e profissional e no contexto da actividade da Igreja…; fez ainda menção ao conteúdo de cada um dos episódios a que se refere a petição por confronto com os posts do blog da pretensa mãe adoptiva do Autor.
Defendeu ter actuado no âmbito da liberdade de expressão e de imprensa, sem que o Autor possa defender a tutela dos seus direitos por ter sido este e terceiros os primeiros a divulgar a sua imagem e história de vida, e que não se aplicam as restrições relativas ao segredo de justiça no confronto com o interesse público prosseguido pela liberdade de imprensa. 
Finalmente, a 9ª Ré MCD na sua contestação sustentou a sua total ausência de responsabilidade pelos factos em que assenta a acção por não ser proprietária dos conteúdos difundidos nas plataformas digitais, não podendo influenciar ou condicionar os conteúdos jornalísticos aí colocados, limitando-se a gerir e a desenvolver essas plataformas.
No mais, referiu-se à divulgação feita pelo Autor da sua imagem e história de vida, com fins profissionais e no seu interesse e de pessoas com ele relacionadas, e ser tal do conhecimento público na comunidade da Igreja …, não existindo, pois, danos a ressarcir e sempre devendo prevalecer a liberdade de imprensa.
Os autos seguiram a sua tramitação, nomeadamente com realização de audiência prévia, e após algumas vicissitudes foi a final proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu :
«a) condeno os 1.ª, 2.ª, 3.º e 8.ª réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, montante já actualizado à data da presente sentença;
b) condeno os 1.ª, 2.ª, 3.º, 8.ª e 9.ª réus a absterem-se [de] difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente relacionados com a seu processo de adopção, com a obrigação de removerem da reportagem denominada “O Segredo …” e dos respectivos sites onde possa estar disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação.
No mais, absolvo os 4.ª, 5.º, 6.º e 7.º réus dos pedidos contra si formulados.».

Inconformado com o montante indemnizatório que lhe foi arbitrado, veio o Autor interpor recurso pedindo a revogação da sentença quanto a esse aspecto e a sua substituição por acórdão que condene os RR. a pagarem-lhe € 400.000,00.
Também inconformados, os 1ª, 2ª, 3º, 8ª e 9ª RR. igualmente recorreram da sentença proferida.
Os 1ª, 2ª e 3º RR. em recurso conjunto, a 8ª e a 9ª RR., apresentando cada uma delas o respectivo recurso, mas em tudo semelhante, pedem a reapreciação da prova e sustentam a revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que os absolva totalmente dos pedidos.

Do seu recurso, o Autor extraiu as seguintes
CONCLUSÕES
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o qual decidiu julgar parcialmente procedente a ação instaurada pelo Autor, ora Recorrente, com a consequente condenação dos Réus, solidariamente, (a) no pagamento ao Autor da quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, montante já actualizado à data da presente sentença e a (b) a absterem-se difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente relacionados com a seu processo de adopção, com a obrigação de removerem da reportagem denominada “O Segredo …” e dos respectivos sites onde possa estar disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação.
2. O Tribunal a quo pecou na fixação do quantum indemnizatório em cujo o pagamento condenou os Réus, porquanto o mesmo é manifestamente insuficiente em face das circunstâncias do caso concreto e da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo na decisão proferida.
3. Assim, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, ao não aplicar justa e equitativamente os critérios para valoração dos danos de natureza não patrimonial aí definidos, fixando uma indemnização manifestamente injusta e insuficiente.
4. A condenação dos Réus no parco montante indemnizatório de € 30.000,00 (trinta mil euros), não só não assume qualquer efeito dissuasor da sua conduta ilícita, como, pelo contrário, acaba por chancelar e incentivar atuações idênticas, porquanto feita a ponderação económico-financeira entre as suas receitas e a indemnização em que ora vêm condenados, resultará economicamente mais vantajoso para os Réus continuarem a violar os direitos das vítimas lesadas, em face dos proveitos que obtêm por via dessa linha sensacionalista, jornalisticamente reprovável e ilícita.
5. A reportagem divulgou a história de vida do Autor e as circunstâncias em que o mesmo foi retirado à sua família biológica e colocado num Lar de crianças da Igreja …, associando-o a outras crianças em relação às quais também é apelidado o processo de adoção de ilegal, sendo a sua história e a dos seus irmãos biológicos contada nos episódios 1 a 6, com a sua imagem e o seu nome expostos, incluindo a menção ao seu nome e apelidos, e incluindo imagens do mesmo quer enquanto criança, quer em adulto, permitindo, assim, a sua identificação por terceiros e a associação a essas circunstâncias.
6. Entendeu o Tribunal a quo – e bem – não subsistirem dúvidas do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art. 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art. 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art. 80.º do CC.
7. Ficou sobejamente demonstrado que o 3.º Réu, enquanto diretor e responsável pela informação dos referidos canais televisivos, orientou e supervisionou a elaboração e execução da reportagem, a qual aprovou, e ainda que os Réus Diretor e Jornalistas AB e JF tinham conhecimento que os processos de adoção e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público, tendo‑lhes, inclusive, sido formalmente negada a consulta do processo de adoção do Autor.
8. Os Réus não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção, de acordo com o art. 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.
9. O Tribunal a quo concluiu ainda que os ditames e standards jornalísticos não foram cumpridos pelos Réus, porquanto a sua conduta consubstancia uma infração dos deveres a que se refere o Estatuto dos Jornalistas, com referência ao art. 14.º a respeito do dever do jornalista exercer a sua atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhe, designadamente, nos termos do n.º 1, als. a) e e), evitar o carácter sensacionalista da reportagem e quanto à obrigatoriedade de audição dos visados com interesses atendíveis (que, no caso, não se verificou) e, em especial os deveres de respeito da privacidade e da salvaguarda das imagens que se encontravam sujeitos, nos termos do n.º 2, als. d), f) e h) do referido Estatuto, reforçado pelas orientações de soft law que decorrem do Novo Código Deontológico dos Jornalistas.
10. Tampouco se verificam, em termos fácticos ou jurídicos, quaisquer circunstâncias que, nos termos do art. 335.º do CC, justificassem a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que nunca se poderia considerar que a matéria em causa na reportagem, visando factos da intimidade do Autor relativos à sua infância e ao seu processo de adoção, com inclusão de fotografias, em criança e em adulto, que permitem a sua identificação e associação aos factos gravosos relatados pela reportagem, se encontraria fora da salvaguarda da tutela dos mencionados direitos de personalidade.
11. Aliás, logrou provar-se que a reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe biológica do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.
12. Entendeu também o Tribunal a quo que, ainda que se considerasse que o Autor era uma “figura pública” ou que tivesse alguma notoriedade – o que não resultava da mera circunstância deste exercer as funções de pastor da Igreja … ou do facto de ser associado, em termos familiares, a pessoas que teriam essa qualidade – tal nunca permitiria que se invadisse esfera privada do Autor, não se podendo considerar, in casu, justificada a divulgação pela reportagem de factos tão íntimos da história pessoal do Autor ou a sua imagem pela circunstância deste ou os seus pretensos familiares serem eventualmente conhecidos ou constituírem pessoas públicas.
13. Concluiu – e bem – o Tribunal a quo que o facto da imagem do Autor se encontrar disponível nas redes sociais, não permite que esta seja usada para os fins que lhe foram dados e que, no limite, atenta a circunstância dos Réus pessoas singulares atuarem profissionalmente e das Rés pessoas coletivas serem sociedades, visaram a obtenção do lucro e por isso, se destinarem a exploração comercial.
14. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
15. A indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.
16. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.
17. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro”.
18. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias da adoção, de carácter secreto, (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.
19. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés T… e MCD (cfr. factos 56 a 66 da sentença recorrida).
20. Importa ainda salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímico-psicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de violência e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas (vide facto 59 da sentença recorrida).
21. A partir da transmissão da reportagem em apreço nestes autos, o Autor passou a ser visto como uma criança que foi raptada pela Igreja …, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada, o que, evidentemente, nunca desejou (vide facto 56 da sentença recorrida).
22. O Autor, na sequência da reportagem, foi identificado por desconhecidos, que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando por ter que dar explicações sobre o ocorrido (vide facto 57 da sentença recorrida).
23. O Autor foi ainda abordado por fiéis da Igreja … que o questionaram sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos (vide facto 58 da sentença recorrida).
24. O autor ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada (vide facto 60 da sentença recorrida).
25. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).
26. O que não sucedeu in casu, porquanto a indemnização fixada é, utilizando terminologia idêntica, miserável em face das circunstâncias do caso concreto.
27. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
28. A T… e a T… 24 foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
29. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
30. No conjunto desta série de reportagens e das respectivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
31. Em 2017, a semana em que a T… registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
32. A audiência do horário nobre mais do que duplicou, e o canal subiu da 11ª posição para a 1ª posição.
33. A T… ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.
34. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €438 mil euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da T… imediatamente após a exibição das 12 reportagens.
35. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da MCD, os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.
36. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.
37. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da T… como no YouTube da T…24.
38. Conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da T….
39. Ao que acresce o facto de a T… ser o primeiro canal de TV generalista com um milhão de seguidores no Facebook e a marca de televisão mais seguida na rede social Instagram.
40. A factualidade dada como provada na sentença recorrida não se coaduna com o diminuto montante indemnizatório fixado, o qual não representa, de modo algum, um montante compensatório adequado, proporcionado e justo a reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu e atendendo aos proveitos e notoriedade ganhos pelos Réus.
41. A indemnização fixada não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos Réus, porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita, suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de € 30.000,00 (trinta mil euros), por outro.
42. A condenação dos Réus neste quantum indemnizatório pelo Tribunal a quo, não só não assume um cariz punitivo ou dissuasor, como, ao invés, incentiva a perpetuação da conduta ilícita dos Réus, neste e em outros casos semelhantes, não cumprindo, assim, o Tribunal a quo, a função que deve assumir no seio de um Estado de Direito Democrático.
43. Pelo que deverá a douta decisão do Tribunal a quo ser substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, condene os Réus a pagar ao Autor a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos por força da atuação dos Réus, conforme factualidade provada na sentença recorrida, mantendo-se, no restante, o já decidido.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem a julgar o recurso interposto pelo Autor, ora Recorrente, como totalmente procedente, por provado, alterando-se a decisão recorrida nos termos peticionados, e condenando-se os Réus no pagamento de uma indemnização ao Autor no montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), sob pena de violação dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
Assim, farão Vossas Excelências, Venerandos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o que é de inteira JUSTIÇA.».

Por sua vez os 1ª, 2ª e 3º RR. terminaram as suas alegações de recurso com as seguintes
CONCLUSÕES
« A) Os recorrentes não podem conformar-se com a douta sentença sob recurso e entendem que a mesma julgou incorretamente a matéria de facto, não soube enquadrar devidamente a instrumentalização desta ação cível para servir os interesses e propósitos da Igreja …. e o reduzido interesse em agir do autor, fazendo uma errada interpretação da lei e da ponderação do conflito de direitos existente entre os direitos alegados pelo autor e os dos réus jornalistas aqui Recorrentes, que resultou numa quantia indemnizatória ilegal, injusta e desproporcional e numa decisão de remoção de um conteúdo editorial que é ilegítima e afronta de forma grave a liberdade de expressão e de informação
B) O Mmo. Juiz a quo, apesar de reconhecer nos factos provados e na motivação da decisão da matéria de facto da sentença que a Igreja … influenciou, apoiou e está profundamente ligada a esta ação, e que o autor e os seus alegados familiares adoptivos utilizavam em seu proveito pessoal e profissional, bem como em beneficio das atividade da Igreja…, da divulgação dessa versão da história do autor e da difusão da imagem do autor, tanto em criança como em adulto, sendo tal acessível através dos meios de comunicação, nacionais e internacionais, que a Igreja … dispõe e tem acesso. – facto 75 - foi incapaz de extrair dessa realidade qualquer consequência relevante para a decisão, quer no que tange ao interesse em agir do autor, quer, naturalmente, no elevadíssimo quantum indemnizatório concedido.
C) Ficou claro ao longo de todo o julgamento que esta ação, mais do que defender os interesse e direitos do autor, servia a necessidade da Igreja … de estabelecer uma narrativa sobre os polémicos processos de adoção patrocinados pelo Lar … e para justificar a atuação dos seus membros, designadamente da família do denominado Bispo EM.
D) Sendo uma peça na estratégia de constrangimento e condicionamento dos Recorrentes jornalistas, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos que possam dizer respeito à Igreja … ou aos seus líderes.
E) Estratégia que concretizaram por via da multiplicação de ações judiciais e dos seus elevados pedidos de indemnização e que não pode deixar de ter os devidos e necessários reflexos processuais e judiciais.
F) Este processo judicial é claramente uma ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against publc participacion) - ações judiciais estratégicas contra a participação pública – tendo sido desenhado e proposto com o principal objetivo de censurar, intimidar e silenciar os jornalistas Recorrentes e todos os demais que pretendessem investigar e divulgar noticias que não são do interesse da Igreja ….
G) Os processos judiciais abusivos contra a participação publica têm um impacto significativo na vida e exercício profissional dos jornalistas envolvidos, visando ter consequências na sua reputação e credibilidade, para além de esgotarem os seus recursos financeiros e os dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, perturbando seriamente o seu trabalho e a sua liberdade editorial.
H) O recurso a este tipo de processos judiciais está a aumentar radicalmente nos países da União Europeia, incluindo Portugal, e são cada vez mais utilizados numa tentativa de silenciar o debate publico e impedir a divulgação de informação relevante e de manifesto interesse publico e comunitário.
I) Tendo sido objeto da Recomendação EU 2020/758 da Comissão Europeia de 27 de abril de 2022, que não só reconhece a importância e impacto deste tipo de ações e a necessidade de proteger os jornalistas dos seus efeitos, como recomenda a adoção de várias medidas legais e processuais para as prevenir e combater.
J) Entendem os Recorrentes, que não só a presente ação preenche claramente os pressupostos elencados na referida Recomendação, como o quadro jurídico nacional prevê formas de combate eficazes contra a sua disseminação, designadamente o instituto do abuso de direito.
K) A Igreja … reagiu de imediato às reportagens referidas nos autos atacando os jornalistas e ameaçando-os com a instauração de inúmeros processos judiciais, replicando uma estratégia posta em prática pela instituição por diversas vezes no Brasil para condicionar os jornalistas e a comunicação social a não publicarem notícias que entendiam como desfavoráveis à instituição.
L) Foi aliás o próprio mandatário do autor, que também é mandatário da Igreja… em diversos outros processos judiciais contra os recorrentes, que em comunicado aos meios de comunicação social no dia 12 de dezembro de 2017 o anunciou e confirmou em declarações prestadas ao jornal Observador
M) Este anunciado conjunto de ações judiciais, das quais a presente é parte integrante, não tem como propósito primário defender o bom nome e consideração ou a imagem e intimidade dos cidadãos proponentes, mas apenas o propósito intimidar, constranger e condicionar o regular desempenho da atividade profissional dos jornalistas Recorrentes e o saudável exercício da sua liberdade de expressão e de opinião.
N) O Tribunal a quo, apesar de parcialmente ter verificado esta realidade e a instrumentalização do autor, reconhecendo a influência e apoio da Igreja … na ação e a falta de isenção e credibilidade das testemunhas por este apresentadas, foi incapaz de retirar desta manipulação do sistema judicial português qualquer consequência processual e legal.
O) O autor ao propor a presente ação, com os fundamentos apresentados, peticionando uma quantia absurda aos Recorrentes, agiu em claro abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334.º, do Código Civil, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e ou económico do direito que invoca, o que torna ilegítimo o seu exercício e paralisa a sua invocação.
P) O autor atuou fora do fim social e económico do direito a que se arroga, já que é notório que a ação que propôs não visa satisfazer em primeiro lugar um interesse próprio atendível, mas antes exercer um direito para benefício de uma terceira pessoa – no caso a Igreja … – que delineou uma estratégia de constrangimento e perseguição judicial contra os Recorrentes para os silenciar e punir pela sua atividade jornalística.
Q) Tendo em consideração a vasta documentação junta aos autos e o facto de a audiência de discussão e julgamento se encontrar documentada por gravação existe a possibilidade de reapreciação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto.
R) De acordo com os meios de prova disponíveis, é possível concluir que os factos identificados sobre os n.ºs 18, 55, 56, 57, 58, 59 e 60 da douta decisão devem ser corrigidos, quando não eliminados, já que não se encontram minimamente suportados pelo conjunto da prova junta ao processo, não decorrem de qualquer confissão ou contém ínsitas conclusões que não decorrem e/ou contrariam a prova produzida nos autos.
S) O Mmo. Juiz a quo, na fundamentação da decisão da matéria de facto, nada refere em específico sobre a matéria do facto 18, apenas genericamente referindo que essa matéria que resultou “por efeito da confissão” ou “aferível pela visualização da reportagem“.
T) Nem uma, nem outra justificação é adequada a fundamentar o facto provado 18.
U) A generalização constante de tal facto provado a todos os jovens adotados e à revelação da sua identidade e imagem no contexto da reportagem, não corresponde ao que se pode ver nas 10 reportagens exibidas e juntas aos autos, sendo notório que foram relatados casos em que a imagem e identidade dos adotados não foi revelado.
V) Acresce que, a contestação apresentada pelos agora Recorrentes nos autos também já referia, por curiosidade também no seu artigo 18.º, que na reportagem não foram identificadas todas as crianças cujos casos foram retratados (…) apenas revelando a imagem e identidade dos jovens adoptados nas circunstâncias noticiadas quando tal se revelava indispensável para a total compreensão dos factos, era proporcional face à realidade ou ao que os próprios ou terceiros com a sua autorização já revelaram publicamente sobre a sua história de vida e compatível com a utilização que os mesmos tem publicamente promovido da sua imagem e os seus fins”
W) Deve por isso o facto 18 ser retirado da matéria de fato dada como provada, pois não corresponde à prova constante dos autos, nem muito menos resulta de qualquer confissão dos Recorrentes na sua contestação.
X) Da mesma forma, o facto provado 55 contém matéria claramente conclusiva, opinativa e valorativa que, para além do mais, não resulta nem da prova documental junta aos autos, de nenhum depoimento testemunhal, nem de confissão.
Y) Para além do evidente e mesmo assumido caráter opinativo e subjetivo em que assenta a fundamentação deste facto, o que a torna claramente insuficiente e pouco crível, é patentemente conclusivo e valorativo, constituindo a sua apreciação, no caso concreto, uma matéria de apreciação de direito, decidir se no confronto de direitos entre o autor e os dos jornalistas, deveria ter sido reservada a identidade do autor.
Z) Deve, por isso, ser totalmente eliminado.
AA) Da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 56, 57, 58, 59 e 60, uma vez que a prova produzida em audiência é manifestamente frágil, insuficiente e contraditória sobre tais factos, não permitindo a extração de tais conclusões.
BB) as testemunhas apresentadas pelo autor não foram isentas e imparciais, porque se encontravam focadas e interessadas no desfecho da ação e na defesa dos interesses da Igreja…, à qual todos pertencem, tendo sido incoerentes e contraditórias entre si e, naturalmente, pouco criveis no seu conjunto.
CC) Os Recorrentes também não concordam com a atribuição de credibilidade às declarações do autor, porque sendo parte interessada no desfecho da ação, é manifestamente contraditório nas declarações que presta e surpreendente pouco emotivo e nada credível no que afirma ao longo do seu depoimento de parte.
DD) Sobre o conteúdo dos factos 56, 57 e 58, o autor refere que antes da reportagem não era conhecido (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:05:40 e seguintes).
EE) Posteriormente refere que atualmente não é reconhecido se andar na rua (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:06:03 e seguintes).
FF) Referindo, no entanto, que depois da reportagem é conhecido pelo público em geral (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:08:30 e seguintes).
GG) Terminando o autor por concluir e confirmar que no Brasil não é conhecido (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:37:00 e seguintes).
HH) E refere também que quando veio a Portugal depois da emissão da reportagem, também ninguém o reconheceu (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:26:10 e seguintes).
II) Destas afirmações, apenas se pode concluir que se em Portugal, onde foi emitida a reportagem, não reconheceram o autor, então é evidente que não o reconheceram no Brasil, onde a reportagem não foi sequer emitida.
JJ) Para prova dos factos de que o autor foi abordado por terceiros - facto 57 e 58 -, tendo sido obrigado a falar do assunto e a dar explicações, atendeu o tribunal a quo, segundo o vertido especificamente na motivação de facto, exclusivamente aos print´s de mensagens do Facebook do autor juntas aos autos, cuja autenticidade é livremente manipulável.
KK) A propósito do conteúdo das mensagens recebidas, o autor refere simplesmente: “foi uma surpresa”, (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:29:35 e seguintes) não demonstrando qualquer impacto de maior que tais mensagens tenham tido na sua esfera jurídica.
LL) Em face das observações do autor a propósito das mensagens, que nada referiu sobre o facto de ter dado quaisquer explicações a terceiros, apenas se pode concluir que os prints juntos aos autos não provam absolutamente nada, pelo que o tribunal a quo errou manifestamente ao considerar os factos n.º 57 e 58 como provados,
MM) Devendo, por isso, o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser eliminados da matéria de facto dada como provada.
NN) Os factos 59 e 60, em que o Mmo. Juiz a quo fixou que o autor acabou por reviver episódios da sua infância, sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada, tendo ficado consternado, desgostoso e frustrado, não se encontram sustentados em prova suficiente e credível.
OO) Os Recorrentes não podem concordar com a credibilidade atribuída à prova testemunhal nestes específicos factos provados, quando é o próprio o Mmo. Juiz a quo que refere expressamente que esta foi valorada com muitas reservas devido à sua estreita relação com os interesses da Igreja…. Por isso a prova constante dos autos não é suficiente para concluir como nos factos 59 e 60.
PP) Acresce que, o autor, nas declarações prestadas (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21), apresenta um discurso inconsistente e pouco emotivo, não demonstrando espontaneidade na indicação de lesões aos seus direitos, parecendo mesmo distante e desinteressado.
QQ) Exemplo desse distanciamento é o facto de o autor, ao referir-se ao impacto que as mensagens que recebeu nas suas contas nas redes sociais, mencionar apenas “isto mexeu comigo” (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:10:35).
RR) Quanto à testemunha JM, não obstante a mesma afirmar que é amiga do autor, e que, por isso, tinha conhecimento do impacto que a reportagem teve na sua vida (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 09:54 e as 12:43, concretamente o minuto 00:44:10 e seguintes), o autor, no seu depoimento de parte nega esta afirmação, ao referir que não se recorda bem dessa pessoa (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:22:12 e seguintes).
SS) Quanto às testemunhas ESS, MSFES e JB, afirmarem que o autor se sentiu angustiado, triste e abalado, com a emissão das reportagens não é suficiente para dar como provados os danos de natureza não patrimonial, se o próprio autor não é capaz de concretizar com emoção credível o impacto que tal reportagem teve na sua vida.
TT) O que nos conduz à impossibilidade de considerar estes factos – 56, 57, 58, 59 e 60 - como provados e, ao fazê-lo, errou o tribunal a quo, razão pela qual deverá o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
UU) Por outro lado, o Tribunal a quo efetuou uma errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos entre os direitos do autor e os das aqui recorrentes.
VV) Os Recorrentes, no caso concreto, agiram no âmbito do exercício da liberdade de expressão, prevista no art. 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, e não decorre dos autos, que tenham sido excedidos os limites que têm vindo a ser definidos para o exercício de tal liberdade. Até muito pelo contrário.
WW) A Liberdade de Imprensa está constitucionalmente consagrada como modalidade especial de liberdade de expressão - art. 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa - fazendo parte dos Direitos Fundamentais a que é aplicável o regime específico dos artigos 17.º e 18.º da C.R.P., sendo ainda tributária da liberdade de opinião e expressão constante da Declaração Universal dos Direitos do Homem, para a qual remete – art. 16.º n.º 2-, e constando também do art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos de Homem, em vigor em Portugal.
XX) O douto Tribunal a quo entendeu de forma diversa, mas fê-lo, adotando uma errada interpretação e fazendo uma errada aplicação dos preceitos constitucionais que está em claro desuso e minoria na doutrina e na jurisprudência, afirmando o primado do direito à privacidade sobre a liberdade de expressão e informação.
YY) Sucede que, ao contrário do que sustenta o Mmo. Juiz a quo, jurisprudência mais recente não sustenta, nem defende a tese de supremacia do direito à intimidade e vida privada como sendo prevalecente sobre a liberdade de expressão e informação.
ZZ) Pelo contrário, a jurisprudência nacional tem adotado e sedimentado consistentemente a jurisprudência do TEDH, mais liberal e permissiva do que a jurisprudência nacional, entendendo o TEDH que, a haver alguma hierarquia abstrata entre tais direitos, deve tender-se a dar prevalência à liberdade de expressão.
AAA) E, segundo o TEDH, pode haver interesse legítimo na partilha de informações, mesmo que impliquem alguma devassa da privacidade ou intimidade de alguém, relativas a questões de saúde pública, administração da justiça, cumprimento das obrigações fiscais, criminalidade, proteção ambiental ou desporto
BBB) Entre os direitos consagrados nos art.s 26.º e 37.º da CRP, direito à reserva da vida privada e a liberdade de expressão, não é possível estabelecer qualquer relação de hierarquia, pois, ambos se revestem de idêntica dignidade constitucional, a avaliar quer pela respetiva inserção sistemática, no capítulo da Lei Fundamental dedicado aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, quer pela sua submissão ao regime especial de proteção conferido pelo art. 18.º da CRP.
CCC) Compete ao julgador ponderar os valores e interesses envolvidos, avaliando a eventual medida da restrição, em face da necessidade prática de aplicar os dois direitos em conflito, definindo qual o que deverá ceder no caso concreto de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art.18.º, n.º 2, da CRP.
DDD) É o que dispõe o art. 335.º, do Código Civil, considerado como materialmente constitucional, que concede ao intérprete um critério para a resolução prática do conflito de direitos.
EEE) No caso em apreço, os Recorrentes, com a emissão das reportagens dos autos, pretenderam apenas e só cumprir a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse para o público português em geral.
FFF) Os factos relatados na reportagem sobre o processo de adoção do autor dizem respeito e são relevantes para a vida pública do mesmo, foram trazidos a público através dos blog´s e redes sociais dos membros da alegada família adotiva do autor e da Igreja … e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da Igreja ….
GGG) É do conhecimento da comunidade da Igreja … e de notório conhecimento público, que o pastor LCA, ou LCBF, é e assume-se como tal, neto adotivo do Bispo EM e filho adotivo de J e VF, sendo a sua vida já conhecida publicamente, sempre com o seu consentimento e até iniciativa.
HHH) Os factos dados como provados na sentença sob recurso, designadamente os atinentes ao comportamento publico do autor, da sua apelidada família adoptiva – Bispo EM, Bispo JF e VF - e da organização que todos representam e promovem, a Igreja …, impõem inclusivamente que se determine que não existe qualquer conflito de direito, já que foi o autor e os que apelida de família adotiva que primeiramente e de forma reiterada revelaram a sua vida intima e a imagem, para seu – de todos – beneficio pessoal e profissional e para servir os interesses da Igreja ….
III) Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que em sede de apreciação da concordância prática entre os direitos do autor e dos Recorrentes, se deve determinar a prevalência do direito de liberdade de expressão de que beneficiam todos os Recorrentes enquanto jornalistas, pois atuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir um conteúdo jornalístico, tendo-o feito de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo a informação e o esclarecimento da opinião pública num caso de evidente e manifesto interesse publico e jornalístico.
JJJ) O autor, pelo contrário, é que não só omitiu, no presente processo, factos essenciais para boa decisão da causa, como, ao contrário dos Recorrentes, pretende obrigar a que a única versão dos acontecimentos a ser difundida publicamente e pela comunicação social seja a sua, da sua propalada família adotiva e a da Igreja….
KKK) O autor não pode vir agora defender que está em causa o seu direito à privacidade, e que o mesmo exige a abstenção por parte dos Recorrentes do exercício da sua liberdade de expressão, uma vez que, conforme é facto já demonstrado na presente ação, é notório que utilizou ou permitiu que outros utilizassem publicamente a sua história de vida e imagem de forma a atingir a maior projeção mediática possível.
LLL) Sendo manifesto que o principal objetivo desta ação judicial não é a proteção e defesa dos interesses e direitos do autor, mas a defesa de interesses e estratégias de terceiros, designadamente da Igreja ….
MMM) Ao decidir como consta da douta decisão, o Mmo. Juiz a quo, violou o disposto nos art.s 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos de Homem e nos art.s 70.º e 335.º do Código Civil.
NNN) Tendo também efetuado uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 483.º, 487.º, 494.º e 496.º do Código Civil.
OOO) Encontrando-se a atuação dos ora Recorrentes enquadrada no exercício de um direito – o direito de informar – cujos limites, como vimos, não foram excedidos, não se pode preencher o pressuposto da ilicitude, conditio sine qua non da responsabilidade civil e consequente dever de indemnizar invocado pelo autor.
PPP) Está também totalmente ausente o requisito da culpa na produção de qualquer prejuízo ao autor na medida em que a culpa deve ser apreciada segundo o critério de um bom pai de família, nos termos do disposto no art. 487.º, n.º 2, do Código Civil.
QQQ) Nenhum facto dado como provado sustenta a decisão do douto Tribunal a quo, que entendeu que os Recorrentes agiram com culpa na divulgação das reportagens.
RRR) No nosso ordenamento jurídico, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
SSS) E só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei, conforme o n.º 2 do mesmo artigo legal.
TTT) Havia interesse público no conhecimento da matéria, pois estava em causa a atuação de várias entidades públicas, sobre quem recaia, entre outros, o dever de agir com imparcialidade e com observância do interesse público.
UUU) É patente a relevância social da matéria publicada e neste contexto, afigura-se como legítimo o exercício do direito à liberdade de expressão e informação, consagrado no art. 37.º, da Constituição da República Portuguesa.
VVV) Trata-se, pois, de uma clara situação, que pelo circunstancialismo revelado, determina que o direito à liberdade de expressão e informação prevaleça, neste caso, sobre o direito à privacidade e à vida privada.
WWW) Para além da ilicitude, para que surja a obrigação de indemnizar, é ainda necessária a culpa. E essa prova não foi feita.
XXX) Não sendo ilícita nem culposa a conduta dos Recorrentes afastada fica a responsabilidade civil extracontratual de todos, pois sem esses pressupostos inexiste obrigação de indemnizar.
YYY) Ainda que se verificasse o requisito da ilicitude ainda seria discutível o dever de indemnizar a título de danos não patrimoniais.
ZZZ) Não cremos que se possa concluir que o autor tenha sofrido danos da natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito, tendo em consideração tudo o que foi aqui referido e a motivação da presente ação, fortemente influenciada e apoiada pela Igreja … para beneficiar os seus interesses.
AAAA) Ter-se o autor sentido consternado, desgostoso ou frustrado, nada nos diz quanto à dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.
BBBB) Não sendo em qualquer caso de presumir, a partir do facto ilícito, quando ocorra, a verificação de danos por aquele ocasionados.
CCCC) Caso assim se não entenda, sem conceder, deve o montante da indemnização fixado na Sentença recorrida ser reduzido, atento o disposto no art. 494° do Código Civil, pois a quantia que o tribunal a quo entendeu considerar justa reparação – €. 30.000,00 - é manifestamente ilegal, absurda, excessiva e desproporcional, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil que deverá ser, em última instância, objeto de reapreciação.
DDDD) A condenação de inibição de divulgação de factos atinentes à vida privada do autor, com a obrigação de remoção da reportagem das referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação é manifestamente desproporcional, desadequado em função dos interesses em conflito e do interesse publico da reportagem, representando um acto de censura ilegítimo incompatível com o nosso regime constitucional e um retrocesso civilizacional inadmissível num estado de direito democrático.
EEEE) Ao decidir como consta da douta decisão, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, os artigos, 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil os artigos 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 335.º do Código Civil, devendo, por isso, ser proferida nova sentença que absolva integralmente os Réus,
POR TODAS ESTAS RAZÕES, E POR TODAS AS DEMAIS A QUE V. EXAS DARÃO O MUI DOUTO SUPRIMENTO, DEVERÁ A DECISÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO, SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA. JUSTIÇA.»

Já as a 8ª e a 9ª RR. extraíram iguais conclusões nos recursos por cada uma delas apresentados, à excepção do corpo da conclusão DD a que foi dada redacção ligeiramente diferente, mas com o mesmo sentido.
Assim, por razões de clareza e facilidade para a apreensão da exposição, reproduziremos apenas uma vez a síntese conclusiva dos seus recursos, apresentando, contudo, a diferente redacção da conclusão DD.
Dos recursos das 8ª e 9ª RR. foram, então, retiradas as seguintes
CONCLUSÕES
«A. Foram os Réus, incluindo a ora Recorrente T…, S.A., solidariamente condenados a pagar ao Autor uma quantia total de € 30.000,00.
B. Entende a ora Recorrente que o tribunal a quo procedeu a uma incorrecta análise dos factos e da prova produzida e efectuou uma extrapolada e errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos em causa que culminou na condenação dos Réus e no decretamento de uma indemnização num valor bastante elevado.
C. Os factos atinentes ao comportamento dos Réus, mas também os relativos ao comportamento do Autor, e a prova aqui devidamente salientada impõem nova apreciação pelo tribunal ad quem, e a conclusão de que a sentença recorrida se revela desadequada e desproporcional, na medida em que Réus actuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir uma reportagem (ao abrigo dos direitos constitucionais de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, consagrados nos artigos 36.º e 37.º da Constituição da República Portuguesa), e fizeram-no de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo o esclarecimento da opinião pública, pela difusão das duas principais versões dos acontecimentos em conflito.
D. O conteúdo da reportagem não possui qualquer carácter danoso, lesivo ou atentatório dos direitos do Autor, já que o tema central da reportagem nada tem que ver com o Autor, mas antes com a denúncia de uma rede de adopções irregulares.
E. As imagens do Autor foram utilizadas e transmitidas na estrita medida do necessário.
F. Os factos relatados na reportagem sobre a exposição de vida do Autor, foi feita pessoalmente pelo próprio e por familiares seus (a família M, particularmente a filha de EM, VF e o seu marido, o Bispo JF), com o seu pleno conhecimento e consentimento expresso ou tácito, utilizaram e divulgaram publicamente a sua imagem e intimidade, revelando a sua versão sobre o respectivo processo de adopção e supostas vivências familiares, muito antes da reportagem em causa ter sido emitida pela T…(cf. facebook, instagram, canais de youtube (p. ex. de VF), blog pessoal (p. ex. de CC e de VF), conforme factos provados n.º 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75.
G. Não pode por tudo isto defender-se, como erradamente fez o tribunal a quo, que o direito à privacidade e à imagem do Autor se encontram lesados, porquanto, conforme é facto já demonstrado nos autos e está patente na matéria de facto provada, o Autor e a sua pretensa família adoptiva – VF e JF – tudo fizeram para que a sua história de vida e imagem alcançassem projecção mediática, para servir os seus interesses pessoais, profissionais e os da instituição Igreja…, razão pela qual devem, por isso, ser os Réus totalmente absolvidos.
H. O tribunal a quo considerou que o Autor sofreu danos de natureza não patrimonial (cf. factos provados n.º 56 a 60), tendo a sua convicção por base as declarações do Autor e os depoimentos das testemunhas por si arroladas e a prova documental junta aos autos.
I. Por um lado, não pode a Recorrente concordar com a atribuição de credibilidade às declarações do Autor, porquanto, sendo parte interessada no desfecho da acção, é manifestamente contraditório nas declarações que presta e, igualmente, pouco emotivo e credível no que afirma.
J. O Autor contradiz-se e baralha-se nas suas declarações ao pronunciar-se sobre se é ou não é conhecido no Brasil, tendo concluído que no Brasil ninguém o conhece – o que não é verosímil nem consentâneo com a exposição pública que este tem no Brasil, conforme ficou provado na decisão final:
a. o Autor refere que antes da reportagem não era conhecido (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:05:40 e seguintes);
b. O Autor vem afirmar posteriormente que, hoje em dia, não é reconhecido se andar na rua (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:06:03 e seguintes);
c. O Autor já refere que depois da reportagem é conhecido pelo público em geral (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:08:30 e seguintes);
d. O Autor conclui e confirma que no Brasil não é conhecido (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:37:00 e seguintes).
K. Refere também o Autor que quando veio a Portugal, para ser ouvido em processo judicial, depois da emissão da reportagem, também ninguém o reconheceu (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:26:10 e seguintes).
L. Destas afirmações, apenas se pode concluir que se em Portugal, onde foi emitida a reportagem, não reconheceram o Autor, então é evidente que não o reconheceram no Brasil, onde a reportagem não foi sequer emitida!
M. Por outro lado, não pode a Recorrente concordar com a credibilidade atribuída à prova testemunhal, na medida em que o tribunal a quo refere expressamente que as mesmas foram valoradas sob reserva.
N. Não obstante se concordar que, efectivamente, as testemunhas apresentadas pelo Autor não foram isentas e imparciais, porque se encontram focadas e interessadas no desfecho da acção, tendo sido mesmo incoerentes e contraditórias entre si, o que é facto é que o tribunal a quo olvidou-se o de aplicar este entendimento quando concluiu que o Autor sofreu danos não patrimoniais com a exibição da reportagem, facto que é manifestamente incompatível e que contamina o desfecho da decisão.
O. Concretamente, entende a Recorrente que, da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 57, 58, 59 e 60, porque a prova produzida sobre os factos é manifestamente débil e está assente em conclusões (extrapoladas e erradamente) extraídas pelo tribunal a quo, com insuficiente suporte probatório.
P. Para prova dos factos de que o Autor foi abordado por terceiros, tendo sido obrigado a falar do assunto e a dar explicações, atendeu o tribunal a quo ao print de mensagens do Facebook juntas aos autos.
Q. Importa, em primeiro lugar, salientar que esses documentos são apenas isso: print de mensagens, cujos pretensos subscritores são meros assinantes que nem sequer se sabe se existem, e cuja data não foi possível apurar.
R. Estas mensagens, de pessoas não identificadas e cuja autenticidade é amplamente duvidosa, não são, nem podem ser, a prova de que o Autor teve de apresentar explicações sobre a sua vida privada a terceiros, até porque do conteúdo dessas mesmas mensagens, não se verifica qualquer resposta por parte do Autor.
S. Aliás, o próprio Autor refere que na sequência das mensagens recepcionadas apagou a sua conta do Instagram (não do Facebook!, como contrariamente se afirma), nada tendo mencionado sobre possíveis explicações que tenha dado a terceiros sobre a sua vida (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:09:45 e seguintes).
T. A propósito do conteúdo das mensagens recebidas, o Autor refere simplesmente: “foi uma surpresa”, (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:29:35 e seguintes) não demonstrando qualquer impacto de maior que tais mensagens tenham tido na sua esfera jurídica.
U. Assim, em face das observações do Autor a propósito das mensagens, que nada referiu sobre o facto de ter dado quaisquer explicações a terceiros, apenas se pode concluir que os prints juntos aos autos não provam absolutamente nada, pelo que o tribunal a quo errou manifestamente ao considerar os factos n.º 57 e 58 como provados, devendo, por isso, o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
V. Considerou o tribunal a quo que o Autor acabou por reviver episódios da sua infância, sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada, tendo ficado consternado, desgostoso e frustrado, para formação da sua convicção socorreu-se das declarações do Autor e dos depoimentos das testemunhas ESS, MSFES, JDM e JB (estas duas últimas com um conhecimento mais distante e indirecto).
W. Considera a Recorrente que a prova constante dos autos não é suficiente para concluir em tal sentido, sendo, inclusive manifestamente débil, desde logo, porque o Autor, nas declarações prestadas (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21), apresenta um discurso pouco fluído e emotivo, não demonstrando qualquer espontaneidade na indicação de eventuais lesões aos seus direitos, apenas respondendo às perguntas que são feitas parecendo, mesmo, distanciado.
X. Exemplo do que se afirma é o facto de o Autor, ao referir-se ao impacto que as mensagens que recebeu nas suas contas nas redes sociais, mencionar apenas “isto mexeu comigo” (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:10:35).
Y. Tendo, inclusive, o Autor esclarecido que nem sequer viu os episódios todos da reportagem (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente minuto 00:37:48).
Z. Mas mais, errou o tribunal a quo ao assentar a sua convicção no depoimento da testemunha JM, porquanto, não obstante a mesma afirmar que é amiga do Autor, e que, por isso, teria conhecimento do impacto que a reportagem teve na vida do Autor (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 09:54 e as 12:43, concretamente o minuto 00:44:10 e seguintes), este contradiz esta afirmação, ao referir que não se recorda bem dessa pessoa (cf. gravação de 29-10-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:27 e as 15:21, concretamente o minuto 00:22:12 e seguintes).
AA. Esta contradição é notória e coloca em causa toda a veracidade do depoimento prestado, não podendo o tribunal a quo sustentar a convicção da existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica do Autor em virtude de tal depoimento.
BB. Por fim, o facto de as testemunhas ESS, MSFES, e JB afirmarem que o Autor se sentiu muito angustiado, triste e abalado, com a emissão da reportagem não é suficiente para dar como provados os danos de natureza não patrimonial, se o próprio Autor não é capaz de concretizar com emoção credível o impacto que tal reportagem terá tido na sua vida!
CC. Entende a Recorrente, por isso, que o tribunal a quo extrapola as declarações do Autor e o depoimento das testemunhas por si indicadas ao considerar como provados os factos n.º 56 a 60 e ao concluir que o Autor sofreu danos não patrimoniais susceptíveis de serem indemnizados, constituindo tal conclusão em manifesto erro de julgamento que deve ser corrigido pelo tribunal ad quem.
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Redacção constante do recurso da 9ª R. MCD :
DD. Entende o tribunal a quo que os (alegados) danos que os Réus causaram ao Autor são indemnizáveis em 30.000 euros, no entanto, considera a Recorrente que a indemnização decretada é manifestamente ilegal porque, o tribunal a quo procedeu a uma incorrecta análise dos factos e a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil, incoerente, e até contraditória, porquanto: (…)
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DD. Considera a Recorrente que a indemnização decretada (30.000,00 euros) é manifestamente ilegal porque, conforme já tivemos oportunidade de referir e demonstrar, o tribunal a quo procedeu a uma incorrecta análise dos factos e a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil, incoerente, e até contraditória, porquanto:
a. emissão da reportagem e os conteúdos da mesma não violentaram os direitos do Autor, já que os jornalistas apenas pretendiam cumprir com a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse para o público português em geral;
b. nenhum jornalista captou a imagem do Autor, de propósito para o efeito, tendo a imagem do Autor sido utilizada na estrita medida do necessário;
c. os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio (pelo do Facebook) e dos blog’s pessoais da família e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da Igreja …(conforme factos provados n.º 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75);
d. é do conhecimento da comunidade da Igreja …e de notório conhecimento
público, que LA é filho adoptivo de V e J, neto adoptivo do Bispo EM;
e. O Autor presta declarações de forma distanciada, sendo, inclusive pouco credível e até incongruente;
f. O Autor refere que não é conhecido em Portugal, ou sequer no Brasil, não se entendendo, então, que impacto terá então a reportagem tido na sua esfera privada, já que nem sequer viu todos os episódios da reportagem ou que ninguém o reconheceu em Portugal ou no Brasil;
g. A prova documental em que o tribunal a quo se baseou para formar a  sua convicção não foi devidamente identificada e é altamente duvidosa;
h. As testemunhas apresentam depoimentos incompatíveis, não sendo, por isso, susceptíveis de criar qualquer certeza no julgador;
i. O tribunal a quo formula reservas quanto à isenção da prova testemunhal apresentada e extrapola conclusões em face de prova que não deve ser tida em consideração.
EE. Não estamos, com isto, a afirmar que os direitos de personalidade do Autor não são, em geral e abstracto, importantes e graves.
FF. Estamos simplesmente a afirmar que, no caso concreto, o tribunal a quo confundiu claramente o que pode ou não ser imputado aos Réus, desde logo o que o Autor afirma ter sentido, sem prejuízo do que já afirmámos sobre a prova produzida em declarações de parte.
GG. A ora Recorrente não pode concordar com posição do tribunal a quo ao condenar os Réus no pagamento de qualquer indemnização, muito menos a concreta indemnização decretada que é ilegal, excessiva e desproporcional, em virtude de o Autor não ser o visado na reportagem e de ter sido o próprio a divulgar a sua imagem e factos sobre a sua vida, na internet!
HH. A quantia que o tribunal a quo entendeu considerar justa reparação é, pois, manifestamente ilegal, absurda, excessiva e desproporcional, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil que deverá ser, em última instância, objecto de reapreciação.
II. Ao decidir como consta da douta decisão, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, os artigos, 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil os artigos 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 335.º do Código Civil, devendo, por isso, ser proferida nova sentença que absolva integralmente os Réus,
JJ. Incluindo a condenação de absterem-se de difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do Autor, com a obrigação de removerem da reportagem e dos respectivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do Autor que permitam a sua identificação, porquanto manifestamente desproporcional.
Por todo o supra exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo os Réus e ora Recorrente ser totalmente absolvidos, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

O Autor apresentou contra-alegações nas quais alinhou as seguintes
CONCLUSÕES
«1. No caso sub judice, cumpria ao Tribunal a quo decidir: i) se estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil por violação do direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada do autor; (ii) se existia alguma causa de justificação ou limitação voluntária do autor aos seus direitos de personalidade; (iii) qual o quantum indemnizatório a fixar, nomeadamente, por danos não patrimoniais; (iv) qual a medida da responsabilidade de cada um dos réus; (v) se devia haver alguma condenação relativamente à abstenção de comportamentos ou aplicação de outras sanções.
2. O que, adiante-se, o Tribunal a quo minuciosa e fundamentadamente fez (ainda que não se concorde com a indemnização fixada a final por este e que já foi objeto de recurso pelo aqui Recorrido).
3. No que concerne às alegações de recurso apresentadas pelos Réus, ora Recorrentes, estes alegam, grosso modo, que (i) a ação que dá origem aos presentes autos “servia a necessidade da Igreja …de estabelecer uma narrativa sobre os polémicos processos de adoção patrocinados pelo Lar … e para justificar a atuação dos seus membros, designadamente da família do denominado Bispo EM” (vide alegações de recurso dos RR. SF, AB e JF), (ii) face à prova junta aos autos se impunha uma decisão diferente sobre vários pontos da matéria de facto dada como provada, (iii) o Tribunal a quo efetuou uma errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos entre os direitos do Autor e os dos RR. e que (iv) o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo foi injusto e desproporcional.
4. Todavia, a sentença recorrida não merece qualquer censura nos pontos supra contestados (à exceção do quantum indemnizatório que se considera insuficiente e o qual já foi objeto de recurso autónomo pelo Autor) sendo, aliás, uma dupla vitória para a Justiça.
5. O Tribunal a quo conseguiu quebrar a linha de impunidade e desresponsabilização dos órgãos de comunicação social que atuam num total desrespeito pelos direitos das pessoas visadas nas suas reportagens, controlando toda a narrativa que veiculam, coartando aos aí visados qualquer possibilidade de defesa ou reposição da verdade.
6. A reportagem divulgou a história de vida do Autor e as circunstâncias em que o mesmo foi retirado à sua família biológica e colocado num Lar de crianças da Igreja …, associandoo a outras crianças em relação às quais também é apelidado o processo de adoção de ilegal, sendo a sua história e a dos seus irmãos biológicos contada nos episódios 1 a 6, com a sua imagem e o seu nome expostos, incluindo a menção ao seu nome e apelidos, e incluindo imagens do mesmo quer enquanto criança, quer em adulto, permitindo, assim, a sua identificação por terceiros e a associação a essas circunstâncias.
7. Concomitantemente, ficou também provado que o conteúdo da reportagem relatou factos que sugeriam ter o Autor sido retirado da sua mãe biológica e levado para o estrangeiro através de uma adoção ilegal, bem como outros acerca da situação social e familiar desfavorecida que justificou a sua retirada pela Segurança Social e ao comportamento ilícito da pessoa que o veio a adotar e do casal que hoje vê como seus pais adotivos, sendo certo que é mencionado o nome verdadeiro do Autor e exibida a sua imagem sem qualquer tipo de distorção, ao contrário do que sucede com outros intervenientes.
8. Os RR. não se coibiram de relatar as miseráveis condições de vida do Autor durante a sua infância, as dificuldades que passou com a família biológica, o facto de ter sido retirado pela Segurança Social por se encontrar numa casa sem condições de salubridade, sem eletricidade, enfestada por ratos e ter sido institucionalizado, no que os RR. apelidam de lar ilegal.
9. Os RR. expõem detalhes do processo de adoção do Autor (o qual, per se, é um processo de natureza secreta), divulgando a imagem em criança e em adulto do Autor, o seu nome verdadeiro, o nome pelo qual é conhecido, o meio em que se encontra e a profissão que exerce, tudo isto sem o consentimento do Autor, evidentemente.
10. Ficando, assim, o Autor, ora Recorrido, inevitavelmente associado, contra a sua vontade, a uma história profundamente negativa e traumática, história essa que – tal como contada pelos RR. não é sequer verdadeira – faz parte da esfera mais privada da intimidade do Autor.
11. Pelo que é indubitável que os RR. tiveram uma atuação absolutamente reprovável, reveladora de um total desrespeito pelas regras deontológicas que regem o jornalismo e, bem-assim pelos direitos de personalidade do Autor, que conscientemente escolheram vilipendiar.
12. No contexto da reportagem sub judice, os RR. entenderam proteger a identidade das “mães biológicas” e de outros intervenientes da reportagem, não revelando as suas identidades, mas, pelo contrário, decidiram não só expor como colocar um holofote sobre determinadas pessoas, entre as quais o Autor.
13. Bem sabendo que a sua reportagem poderia perfeitamente ter sido emitida sem revelar a imagem e nome do Autor e, bem-assim, sem informação abrangida por segredo (dada a natureza secreta de qualquer processo de promoção e proteção com vista à adoção e de adoção).
14. Aliás, nunca antes se tinha visto um atuação similar de um órgão de comunicação social – com a extensão e gravidade que o caso que dá origem aos presentes autos atingiu – nem em Portugal, nem em qualquer outra parte do mundo.
15. Razão pela qual a sentença recorrida assume um papel preponderante na punição dos órgãos de comunicação social nacionais, procurando ter um efeito dissuasor fundamental, de modo a evitar que os órgãos de comunicação social possam violar impunemente os direitos de personalidade de qualquer cidadão comum.
16. Os RR. vêm apregoar que são vítimas bullying jurídico e económico, incluindo a presente ação no que denominam de “estratégia institucional da Igreja …de constrangimento e condicionamento dos Recorrentes jornalistas, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos que lhe possam dizer respeito ou aos seus líderes”, mais afirmando que o presente processo judicial é “uma ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against public participation)”.
17. Porém, convenientemente, os RR. ignoram que foram os próprios que violaram cabalmente os seus deveres deontológicos, não só não assegurando o contraditório nem procurando esclarecer junto do aqui Autor a história que pretendiam relatar, como inclusive – em atuação nunca antes vista em Portugal – escancararam a história de vida do Autor, em prime time na televisão nacional e nos sítios da internet, relevando dados confidenciais de processos judiciais de natureza secreta, divulgando ad nauseam a imagem e nome do Autor, em adulto e em criança, como resulta amplamente provado da factualidade assente na sentença recorrida.
18. Pretendem os RR. ignorar que o Autor é uma pessoa singular, natural e juridicamente distinta da Igreja …ou qualquer outra, o qual é titular de direitos de personalidade legalmente tutelados que foram absolutamente vilipendiados pelos RR.
19. O Autor limitou-se a recorrer aos meios judiciais que tinha ao seu alcance para tentar conter os danos causados pela atuação dos RR., tendo apenas instaurado contra eles um procedimento cautelar com o intuito de impedir a divulgação massiva da sua imagem e da sua história de vida e, por conseguinte, a ação judicial que dá origem aos presentes autos e que tem apenso o mencionado procedimento cautelar.
20. Não se vislumbrando, assim, qualquer excesso de atuação judicial do Autor, nem tal se enquadrando em qualquer estratégia que não seja a de o Autor tentar proteger os seus direitos de personalidade e a esfera da sua vida privada.
21. Importa clarificar que as chamadas ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP) dizem respeito a ações manifestamente infundadas (o que, como é sobejamente evidente, não sucede in casu) destinadas a silenciar as pessoas que se pronunciam sobre questões de interesse público (o que também não sucede porquanto o Autor apenas pretendia que a sua imagem, nome e os detalhes privados e secretos da sua adoção fossem divulgados, o que não consubstancia, per se, um tema de interesse público).
22. Tampouco é verdade que esteja “extensamente” reconhecido nos factos provados que a Igreja …influenciou a presente ação, não tendo o facto 75 da sentença recorrida, onde se lê “O autor e os seus alegados familiares adoptivos utilizavam em seu proveito pessoal e profissional, bem como em benefício das actividades da Igreja …, da divulgação dessa versão da história do autor e da difusão da imagem do autor, tanto em criança como em adulto, sendo tal acessível através dos meios de comunicação, nacionais e internacionais, de que Igreja … dispõe e tem acesso”, qualquer impacto no interesse em agir do Autor, referindo-se inclusive a uma narrativa totalmente distinta da que foi divulgada pelos RR.
23. Ao contrário do que pretendem os RR. fazer crer, a única vítima aqui é o Autor que viu a esfera mais privada da sua vida manipulada e divulgada, nacional e internacionalmente, através da televisão e da internet, tudo para monetização e ganho próprio dos RR.
24. Os RR. não são vítimas de quaisquer instrumentalização da ação ou abuso de direito por parte do Autor, o qual se limitou a exercer legitimamente o seu direito de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos seus direitos de personalidade, como, inclusive, se encontra constitucionalmente previsto.
25. Entendem os Recorrentes que face à matéria de prova junta aos presentes autos se impõe uma decisão diferente sobre vários pontos da matéria de facto dada como provada, entre os quais os factos identificados sobre os n.ºs 18, 55, 56, 57, 58, 59 e 60.
26. O que não se concede, porquanto não tem qualquer fundamento e se afigura contrário à prova produzida nos presentes autos.
27. No que concerne o facto 18 da sentença recorrida, entendem os RR. SF, AB e JF que tal “não corresponde à prova constante dos autos, nem muito menos resulta de qualquer confissão dos Recorrentes na sua contestação”.
28. Porém, como bem entendeu o Tribunal a quo, tal facto foi aferível, desde logo, pela visualização da reportagem, onde surgem imagens em criança e em adulto de diversos jovens adotados, entre os quais o Autor, a sua irmã V e o seu irmão já falecido F, PDM e FC, tendo ficado também sobejamente demonstrado através da prova documental junta com a petição inicial como documentos 6 a 115.
29. O referido facto 18 é também corroborado pela prova testemunhal produzida nos autos, de que são exemplos os depoimentos da testemunha MFSES, prestado no dia 06.12.2021 (cf. gravação de 06.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 15:20:28 e as 15:48:25, concretamente entre os minutos 00:02:20 e 00:04:00) e da testemunha JB confirma a mesma realidade no seu depoimento prestado no dia 07.12.2021 (cf. gravação de 07.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:15:40 e as 11:57:44, concretamente entre os minutos 00:01:31 e 00:02:18).
30. Pelo que não pode proceder a alegação dos RR., porquanto o facto 18 dado como provado encontra fundamento suficiente na abundante prova produzida nos presentes autos, pelo que deverá manter-se inalterado.
31. Relativamente ao facto 55 da sentença recorrida, entendem os RR. SF, AB e JF que o mesmo “contém matéria claramente conclusiva, opinativa e valorativa que, para além do mais, não resulta nem da prova documental junta aos autos, de nenhum depoimento testemunhal, nem de confissão”.
32. Evidentemente tal resulta de uma valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida em sede de julgamento – como, aliás, lhe compete – estando o referido facto sustentado por diversos meios de prova, designadamente pela visualização da reportagem que dá origem aos presentes autos se pode constatar que os RR. optaram por não divulgar a imagem ou identidade das alegadas mães biológicas das crianças adotadas, tendo, ainda assim, emitido a reportagem e pela prova testemunhal produzida, entre a qual se destaca o depoimento da testemunha MFSES, prestado no dia 06.12.2021 (cf. gravação de 06.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 15:20:28 e as 15:48:25, concretamente entre os minutos 00:02:20 e seguintes) e o depoimento da testemunha JDM, prestado no dia 29.10.2021 (cf. gravação de 29.10.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 09:54:47 e as 12:43:26, concretamente entre os minutos 00:49:51 e 00:54:12 e entre os minutos 01:06:30 e 01:06:57).
33. Pelo que, também não merece o Tribunal a quo qualquer reparo na fixação do facto 55 na matéria de facto dada como provada, porquanto o mesmo se encontra amplamente fundado na prova documental e testemunhal produzidas nos autos e, bem-assim, nas regras de experiência comum que legitimamente permitiram ao Tribunal a quo extrair a factualidade aí vertida.
34. No que concerne ao facto 56 da sentença recorrida os RR. entendem que este não pode resultar provado “uma vez que a prova produzida em audiência é manifestamente frágil, insuficiente e contraditória”.
35. O que também não se pode entender, porquanto tal resulta, em primeiro lugar e indubitavelmente, da visualização dos episódios da reportagem sub judice e da análise da narrativa que aí é contada, acompanhada com a imagem e identificação do aqui Autor e ainda diretamente dos depoimentos das testemunhas que, globalmente, atestam esta factualidade, entre os quais o depoimento da testemunha JB prestado no dia 07.12.2021 (cf. gravação de 07.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:15:40 e as 11:57:44, concretamente entre os minutos 00:02:32 e 00:04:52) e o depoimento da testemunha JDM, prestado no dia 29.10.2021 (cf. gravação de 29.10.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 09:54:47 e as 12:43:26, concretamente entre os minutos 00:57:31 e 01:05:42).
36. Quanto aos factos 57, 58, 59 e 60 da sentença recorrida entendem os RR. que os mesmos não podem resultar provados porquanto, grosso modo, as testemunhas que baseiam a convicção do Tribunal a quo “não tinham contacto e proximidade suficiente com o Autor e conhecimento das circunstâncias em que o mesmo vivia ou sentia, para que se possam dar como provados os factos destacados.”
37. O que se afigura absolutamente falso e diretamente contraditório com os depoimentos das testemunhas ouvidas nos presentes autos, com as quais o Autor tinha, à data dos factos, contacto diário e quotidiano, como resulta dos depoimentos da testemunha MFSES, no seu depoimento prestado no dia 06.12.2021 (cf. gravação de 06.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 15:20:28 e as 15:48:25, concretamente entre os minutos 00:05:54 e 00:15:00) e da testemunha ESS, no seu depoimento prestado no dia 06.12.2021 (cf. gravação de 06.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 14:43:59 e as 15:10:04, concretamente entre os minutos 00:00:00 e 00:10:14).
38. Pretendem ainda os RR. descredibilizar os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor, alegando que os mesmos foram incoerentes e contraditórios entre si, o que não corresponde, de todo, à verdade, na medida em que os depoimentos das testemunhas demonstraram-se bastante consistentes e – ainda que usando as suas próprias palavras – todos atestaram que a reportagem transmitida pelos RR. havia passado uma história bastante negativa sobre a vida privada do Autor, ao mesmo tempo que divulgava ad nauseam a sua imagem e identidade sem autorização para tal, tendo abalado profundamente o Autor, fazendo-o reviver momentos traumáticos e sujeitando-o aos escrutínio e abordagem de terceiros que o questionaram.
39. Procuram também os RR. confundir este douto Tribunal com a manipulação das declarações do Autor, procurando criar confusão e dúvida, inclusive usando um trecho em que o Autor refere que viu alguns episódios para daí inferir que o Autor “nem sequer viu os episódios todos da reportagem”, esquecendo-se convenientemente de referir que a história do Autor só foi retratada em alguns episódios da reportagem e que é justamente por essa razão que o Autor, nas suas declarações, refere que viu alguns episódios, daí não se podendo inferir qualquer desinteresse como parecem os RR. pretender fazer crer.
40. Quanto às demais alegadas contradições ou expressões que os RR. vêm imputar às declarações prestadas pelo Autor, tais não merecem nenhum acolhimento porquanto as mesmas retratam um depoimento genuíno, não enfatizado ou dramatizado, revelador do constrangimento e ansiedade gerada pelo tema que subjaz aos presentes autos.
41. Pelo que, o facto de, no entender dos RR., o Autor “não concretizar”, com o detalhe que os RR. entendiam, o impacto que a reportagem teve na sua vida, não significa que a mesma não o tenha impactado e abalado, não só nos termos em que o próprio referiu, mas também que as testemunhas unanimemente corroboraram e ainda que resultam claramente das mais elementares regras de experiência comum, porquanto qualquer pessoa, perante uma reportagem daquele teor, se veria profundamente abalada.
42. Também no que concerne à isenção e imparcialidade dos testemunhos, importa salientar que o Tribunal a quo fez, como lhe competia, a sua apreciação ao abrigo dos princípios da livre apreciação da prova, imediação e oralidade, tendo exposto de forma clarividente, a sua convicção, conjugando e sopesando assertivamente toda a prova produzida, analisando-a criticamente, de acordo com as regras da experiência e da verosimilhança dos factos, em conjugação com a prova documental que enunciou.
43. Quanto à alegação de que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, que não se verificou nem a violação dos direitos do Autor e que não lhe foram causados danos de natureza não patrimonial, tal não pode proceder porquanto não apresenta qualquer sustentação legal ou fatual in casu.
44. Em primeiro lugar, cumpre ressalvar que da factualidade dada como provada na sentença recorrida, resulta indubitavelmente, entre outros, a gravidade do conteúdo de natureza privada e legalmente secreta (por se tratar de uma adoção) publicamente divulgado pelos RR., num total desrespeito pelos direitos de imagem e reserva da vida privada do Autor, assim como a exposição e o alcance da reportagem em apreço e, por conseguinte, os sérios danos que a atuação dos RR. causou ao Autor, amplamente demonstrados, para além dos depoimentos das testemunhas, pelo conteúdo dos comentários deixados na página de Facebook do Autor e que espelham bem a animosidade e inclemência própria da utilização das redes sociais.
45. De igual modo, resultou sobejamente demonstrada a dimensão, presença mediática e o poder económico dos Réus, assim como os proveitos financeiros que os Réus lograram gerar com a transmissão dos vários episódios da reportagem que deu origem aos presentes autos, onde expuseram indiscriminadamente a vida privada e a imagem do Autor, tal como consta dos factos dados como provados, sustentados na confissão dos Réus e no relatório de contas do grupo MC.
46. Face a tal factualidade, entendeu o Tribunal a quo – e bem – não subsistirem dúvidas do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art. 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art. 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art. 80.º do CC.
47. Bem esteve o Tribunal a quo ao concluir que se encontravam verificados os requisitos da ilicitude por força da violação dos mencionados direitos subjetivos, e também da culpa, nos termos e para os efeitos do art. 487.º do CC, porquanto as Rés, jornalistas e autoras responsáveis pela reportagem, sabiam que a reportagem incluía a referência ao nome verdadeiro e continha imagens do Autor, e mesmo assim decidiram exibi-la nos termos em que o fizeram, em contraste com o tratamento dado a outros intervenientes na reportagem, designadamente, a mãe biológica do Autor que surgiu com um nome fictício e sem que a sua imagem fosse exibida.
48. Os RR. não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção, de acordo com o art. 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.
49. Concluiu igualmente o Tribunal a quo que os ditames e standards jornalísticos não foram cumpridos pelos RR., porquanto a sua conduta consubstancia uma infração dos deveres a que se refere o Estatuto dos Jornalistas, com referência ao art. 14.º a respeito do dever do jornalista exercer a sua atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhe, designadamente, nos termos do n.º 1, als. a) e e), evitar o carácter sensacionalista da reportagem e quanto à obrigatoriedade de audição dos visados com interesses atendíveis (que, no caso, não se verificou) e, em especial os deveres de respeito da privacidade e da salvaguarda das imagens que se encontravam sujeitos, nos termos do n.º 2, als. d), f) e h) do referido Estatuto, reforçado pelas orientações de soft law que decorrem do Novo Código Deontológico dos Jornalistas.
50. Não se verificam, em termos fácticos ou jurídicos, quaisquer circunstâncias que, nos termos do art. 335.º do CC, justificassem a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que nunca se poderia considerar que a matéria em causa na reportagem, visando factos da intimidade do Autor relativos à sua infância e ao seu processo de adoção, com inclusão de fotografias, em criança e em adulto, que permitem a sua identificação e associação aos factos gravosos relatados pela reportagem, se encontraria fora da salvaguarda da tutela dos mencionados direitos de personalidade.
51. Aliás, logrou provar-se que a reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe biológica do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.
52. Os RR. não atuaram pois, com a contenção exigível pelo correto exercício do direito de liberdade de imprensa.
53. Como tal, o Tribunal a quo entendeu que a utilização da imagem e dos factos relativos à vida privada do Autor não era, de todo, necessária à compreensão do conteúdo da reportagem, nem proporcional ao fim relevante que a esta presidiu que foi a denúncia de uma alegada rede de adoções ilegal e com relações à Igreja …, pois que, sendo este o enfoque e objeto principal da reportagem, não era necessária a exploração, inclusive da forma como foi exibida, da intimidade e da imagem do Autor que, no fundo, não seria mais do que uma das alegadas vítimas do relato feito na reportagem.
54. Entendeu também o Tribunal a quo que, ainda que se considerasse que o Autor era uma “figura pública” ou que tivesse alguma notoriedade – o que não resultava da mera circunstância deste exercer as funções de pastor da Igreja … ou do facto de ser associado, em termos familiares, a pessoas que teriam essa qualidade – tal nunca permitiria que se invadisse a esfera privada do Autor, não se podendo considerar, in casu, justificada a divulgação pela reportagem de factos tão íntimos da história pessoal do Autor ou a sua imagem pela circunstância deste ou os seus pretensos familiares serem eventualmente conhecidos ou constituírem pessoas públicas.
55. Concomitantemente, concluiu – e bem – o Tribunal a quo que o facto da imagem do Autor se encontrar disponível nas redes sociais, não permite que esta seja usada para os fins que lhe foram dados e que, no limite, atenta a circunstância dos Réus pessoas singulares atuarem profissionalmente e das Rés pessoas coletivas serem sociedades, visaram a obtenção do lucro e por isso, se destinarem a exploração comercial.
56. Termos em que, a utilização da imagem do Autor retirada de contextos em que este intervém no âmbito da sua atividade profissional, ainda que de forma pública enquanto pastor da Igreja …, não autorizava que essa mesma imagem fosse utilizada para um fim totalmente distinto e que não era previsível ou querido pelo Autor, como seja o retratar da sua vida de infância e o seu processo de adoção.
57. No mais, também decidiu o Tribunal a quo que o argumento das imagens estarem disponíveis na internet, nomeadamente, em redes sociais como o Facebook em que o próprio divulga a sua imagem pessoal presente e passada sem limitar a sua visualização a terceiros que peçam para aí aceder, não permite concluir que tal constitui uma qualquer forma autorização ou de limitação voluntária dos direitos de personalidade do Autor nos termos do art. 81.º do CC ou que tal dispensa o consentimento do Autor, nos termos do art. 79.º, n.º 2, do CC.
58. Ora, a convicção do Tribunal a quo encontra-se devidamente fundada e a aplicação e interpretação que faz da lei é sustentada pelos entendimentos jurisprudenciais e doutrinárias, designadamente socorrendo-se do critério analítico auxiliar fornecido pela “teoria das esferas”, sendo a qual é forçoso concluir que a matéria em causa na reportagem, e concretamente aquela que é retratada a respeito do processo de adoção do Autor e respetivos condicionalismos, prévios e ulteriores, se encontra no âmago da intimidade da sua personalidade.
59. Por tudo quanto antecede, em termos de colisão de direitos, nos termos do artigo 335.º do CC, nunca se poderia mostrar justificada a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, podendo, através da anonimização das referências ao nome do Autor e à ocultação da sua imagem, e mesmo subtraindo certos factos da vida íntima do Autor, ser exibida e transmitida a reportagem, assim se alcançando uma equilibrada e efetiva concordância prática dos direitos em conflito.
60. Face ao supra exposto, dúvidas não podem restar que os direitos do Autor à imagem e reserva da intimidade da vida privada foram violados, que tal lhe causou danos de natureza não patrimonial como dado como provado pelo Tribunal a quo e amplamente sustentado na prova produzida, tampouco se verificando qualquer erro na interpretação e aplicação da Lei.
61. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
62. A indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.
63. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.
64. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro.
65. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias da adoção, de carácter secreto, (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.
66. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés T… e MCD (cfr. factos 56 a 66 da sentença recorrida).
67. Importa ainda salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímicopsicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de violência e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas (vide facto 59 da sentença recorrida).
68. A partir da transmissão da reportagem em apreço nestes autos, o Autor passou a ser visto como uma criança que foi raptada pela Igreja …, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada, o que, evidentemente, nunca desejou (vide facto 56 da sentença recorrida).
69. O Autor, na sequência da reportagem, foi identificado por desconhecidos, que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando por ter que dar explicações sobre o ocorrido (vide facto 57 da sentença recorrida).
70. O Autor foi ainda abordado por fiéis da Igreja … que o questionaram sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos (vide facto 58 da sentença recorrida).
71. O autor ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada (vide facto 60 da sentença recorrida).
72. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).
73. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
74. A T.. e a T… 24 foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
75. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
76. No conjunto desta série de reportagens e das respectivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
77. Em 2017, a semana em que a T.. registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
78. A audiência do horário nobre mais do que duplicou, e o canal subiu da 11ª posição para a 1ª posição.
79. A T… ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.
80. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €438 mil euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da T… imediatamente após a exibição das 12 reportagens.
81. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da MCD, os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.
82. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.
83. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da T… como no YouTube da T…24.
84. Conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da T….
85. Ao que acresce o facto de a T… ser o primeiro canal de TV generalista com um milhão de seguidores no Facebook e a marca de televisão mais seguida na rede social Instagram.
86. A factualidade dada como provada na sentença recorrida não se coaduna com o diminuto montante indemnizatório fixado, o qual não representa, de modo algum, um montante compensatório adequado, proporcionado e justo a reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu e atendendo aos proveitos e notoriedade ganhos pelos Réus.
87. Pelo que, não só a indemnização fixada não se afigura “excessiva e desproporcional”, como é, pelo contrário, insuficiente para reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu.
88. Mais, não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos RR., porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita, suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de € 30.000,00 (trinta mil euros), por outro.
89. Pior, a condenação dos Réus neste quantum indemnizatório pelo Tribunal a quo, não só não assume um cariz punitivo ou dissuasor, como, ao invés, incentiva a perpetuação da conduta ilícita dos Réus, neste e em outros casos semelhantes, não cumprindo, assim, o Tribunal a quo, a função que deve assumir no seio de um Estado de Direito Democrático.
90. Termos em que, também não deve proceder a alegação dos RR. quanto à fixação do montante indemnizatório, devendo, inclusive, ser o mesmo fixado em valor superior nos termos peticionados no recurso autónomo intentado em momento anterior pelo Autor, aqui Recorrido.
91. Por último, atendendo às repercussões que a reportagem sub judice teve na vida do Autor, é por demais proporcional (e necessária) a condenação na inibição de divulgação de factos atinentes à vida privada do Autor, assim como à constituição da obrigação de remoção das referências ao nome e imagem do Autor que permitam a sua identificação no âmbito da reportagem.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso de apelação interposto pelos Recorrentes, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida (sem prejuízo da apreciação do recurso interposto pelo Autor em momento anterior referente ao quantum indemnizatório).
Assim, farão Vossas Excelências, Venerandos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o que é de inteira JUSTIÇA.»
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Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
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É sabido que nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC),
Não obstante, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 119)
Por outro lado, dentre as questões que lhe caiba conhecer, o Tribunal apenas apreciará aquelas cujo conhecimento não fique prejudicado por outras precedentemente conhecidas, o que importa que as questões suscitadas pelos Recorrentes sejam apreciadas de acordo com a sua ordem de precedência lógica

Assim, as questões a decidir consistem em saber:
- se deve ser alterada a matéria de facto (recursos dos RR.)
- se deve ser revogada a decisão de mérito, absolvendo-se os RR. dos pedidos (recursos dos RR.),
e, dependendo da resposta à anterior questão
- se a indemnização arbitrada ao Autor é excessiva (recursos dos RR.) ou, ao invés, deve ser superior à que foi fixada na sentença recorrida (recurso do A.)

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
Factos provados
«1. A 1.ª ré AB e a 2.ª ré JF são jornalistas e desenvolveram a sua actividade profissional nos canais de televisão T… e T…24.
2. A 1.ª e a 2.ª rés são as jornalistas autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida na T… e T…4, denominada “O Segredo …”.
3. O 3.º réu SF foi o director das áreas de informação da T… e da T…24, sendo, na altura dos factos, o responsável pela informação dos referidos canais.
4. Enquanto director, o 3.º réu era o responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões transmitidas nos canais de televisão T… e T…24.
5. O 3.º réu aprovou a elaboração e execução de uma grande reportagem sob o tema “O Segredo …”.
6. O 3.º réu, enquanto director da T… e T…24, teve conhecimento prévio da sua existência e conteúdo da reportagem, tendo acompanhado o processo de investigação liderado pelas jornalistas.
7. O 3.º réu sabia que na reportagem se tratariam temas que implicavam o relato de situações relativas à vida e processo de adopção de crianças, incluindo do autor LCA.
8. A 4.ª ré foi a apresentadora de um serviço noticioso “Jornal das 8” em que era feita a apresentação da reportagem.
9. A 8.ª ré T… S.A. é um operador televisivo com autorização para o exercício da actividade de televisão através dos serviços de programas T… e T…24.
10. A 9.ª ré MCD, S.A. é proprietária dos sites da T… e da T…24 e do portal … onde estão alojadas as notícias e vídeos referentes à reportagem denominada “O Segredo …”, sendo a sua entidade gestora e responsável pela conservação de dados dos utilizadores do site, não tendo, contudo, responsabilidade ou influência quanto aos respectivos conteúdos.
11. Na semana que antecedeu a transmissão da reportagem objeto dos autos, a T… e a T…24 anunciavam num vídeo promocional, que iriam transmitir uma reportagem de grande importância e relevo.
12. No Domingo, dia 10-12-2017, na véspera da transmissão do primeiro episódio, a T… e a T…24 tiveram em estúdio as 1.ª e 2.ª rés jornalistas que foram explicar o conteúdo que seria revelado no decurso das semanas seguintes.
13. O 3.º réu recebeu um comunicado do autor, por meio de vídeo, informando-o que se opunha a que a referida reportagem fosse transmitida e que a mesma continha factos que este considerava atentatórios da sua privacidade.
14. Pese embora tenha tomado conhecimento do conteúdo da referida comunicação, o 3.º réu autorizou que a reportagem fosse transmitida na T… e na T…24 ao longo de duas semanas.
15. No dia 11-12-2017, foi iniciada a transmissão no serviço de programas T… e T…24 da reportagem denominada “O Segredo …”, a qual foi transmitida até ao dia 22-12- 2017.
16. A reportagem é constituída, inicialmente, por 10 episódios e tem por objecto a divulgação de uma alegada rede de adoções ilegais de crianças levada a cabo pela Igreja ….
17. Ao longo desses 10 episódios são relatadas as alegadas circunstâncias em que decorreram vários processos de adopção que são apelidados de ilegais.
18. Na reportagem são divulgadas a identidade dos menores adotados, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adoptantes e as circunstâncias de vida das crianças adoptadas.
19. O autor LCA foi uma das crianças visadas na reportagem como tendo sido objecto de uma dessas adopções.
20. Na reportagem, o autor é identificado pelo nome L e pelos apelidos que foi utilizando, associando ainda a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto.
21. Na reportagem refere-se a história familiar do autor, sendo, para o efeito, transmitidas imagens fotográficas e vídeos deste, sem que lhe tivesse sido pedida qualquer autorização.
22. Na reportagem é divulgado que o autor foi retirado da sua mãe biológica e colocado num lar de crianças da Igreja ….
23. É feita uma entrevista à mãe biológica do autor, que vem afirmar que lhe foram tirados os filhos contra a sua vontade, surgindo esta aí referida pelo nome “Maria” por forma a ocultar a sua identidade.
24. Na reportagem é divulgado que o autor foi retirado da sua mãe pela Segurança Social da Amadora e entregue num lar de crianças da Igreja ….
25. Em concreto, no dia 11-12-2017, foi transmitido o episódio 1 da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
Narradora: “Um lar ilegal, onde era possível a pastores e bispos da Igreja …, escolherem as crianças que queriam adotar. Um lar ilegal onde a segurança social e até tribunais portugueses chegaram a institucionalizar crianças retiradas aos pais, como atestam estes documentos. Um lar ilegal a quem as mães desesperadas confiaram os seus filhos ainda pequenos, e de onde foram levados.”
Maria – Mãe biológica das crianças: “E agora porquê? Porque é que me fizeram isto? Porque é que me prometeram ajuda e mos tiraram estes anos todos? Porquê?
Narradora – “20 anos depois, Maria vê pela primeira vez, o rosto dos seus filhos já maiores de idade.”
Maria – Mãe biológica das crianças: “A minha V é linda.”
“AN” – Baby-sitter das crianças: “Eu disse-lhe, eles são lindos.”
Narradora: “V tinha três anos e meio, L, dois, e F era um bebé de apenas nove meses quando chegaram ao lar da Igreja ….”
Maria – Mãe biológica das crianças: “Eles disseram que me iam ajudar a ter condições para os voltar a ter, percebe? E eu acreditei que sim, porque a única coisa que eu precisava na altura era de uma creche qualquer. Para eu poder trabalhar e eles estarem em segurança, era só isso que eu precisava, mais nada.”
Narradora: “A promessa de ajuda tornou-se amarga, a família vivia com dificuldades numa casa mesmo ao lado da Igreja ….”
Maria – Mãe biológica das crianças: “Ao lado da nossa casa, havia uma Igreja … portanto ninguém me tira da cabeça que há muitas coincidências aqui.”
Narradora: “Um dia, alguém denunciou o facto de as crianças ficarem sozinhas enquanto a mãe ia trabalhar, e terão sido retiradas pela segurança social da Amadora, para o lar da Igreja ….” (…)
Maria – Mãe biológica das crianças: “Eu não tinha feito mal nenhum, eu não estava a entregar os meus filhos a ninguém, eu pedi às assistentes sociais “ajudem-me, metam-nos numa creche porque eu tenho trabalho, ajudem-me, é só o que eu preciso para eles ficarem em segurança. E não, e não, e não, e não, e sempre me foi recusada essa ajuda. E quando ela me disse que eles iriam para esse lar, e onde eu os iria ver, todos os fins-de-semana até a situação ser reavaliada, que quando as coisas entrassem nos eixos eles iriam para mim ao fim de semana, e ia ser um processo gradual, até virem depois todos para junto de mim outra vez. E eu acreditei, eu acreditei que me iam ajudar e a única coisa que eles fizeram foi destruir a minha vida e a deles pelos vistos.”
Narradora: “Chegaram ao lar em setembro de 1995, e a mãe biológica só conseguiu vê-los no mês seguinte. Depois, e apesar de lá ir, nunca mais lhes pôs a vista em cima. Os lindos irmãos, chamaram a atenção do próprio bispo EM, líder máximo da Igreja …, quando visitou este centro de acolhimento naquela altura.”
“AN” – Baby-sitter das crianças: “Eles os três saem, são escolhidos pelo líder da Igreja para levar para a filha dele, que era a V e o JF.”
26. Ao longo do episódio, a reportagem relata as condições de vida do autor durante a sua infância, as dificuldades que passou com a família biológica, o facto de ter sido retirado pela Segurança Social e ter sido colocado numa instituição, assim como os motivos e a forma como tal sucedeu.
27. No decorrer deste primeiro episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor, da sua irmã e do seu irmão, já falecido, ainda menores, imagens que foram transmitidas sem o seu consentimento ou conhecimento prévio, de forma explícita, sem pixelização, nomeadamente nos minutos 1:42 a 1:46; 1:55 a 1:58; 2:25 a 2:30; 8:11 a 8:17; 8:45 a 9:10; 9:20 a 9:25; 20:58; 21:02; 21:16; 22:00; 22:02 a 22:10; 23: 06 a 23:12; 23:35; 23:52 a 23:56.
28. São ainda difundidas imagens recentes do autor já maior de idade, tornando possível reconhecê-lo nos dias de hoje em qualquer local público tanto em Portugal como no estrangeiro, nomeadamente nos minutos 20:30 a 20:35; 20:40 a 20:45; 20:49 a 20:55.
29. No dia 12-12-2017, foi transmitido o episódio 2 da reportagem, no qual continua a ser feita referência aos factos da infância do autor e dos irmãos.
30. Nesse episódio, alega-se que o autor foi roubado à mãe biológica e escolhido por catálogo por Bispos da Igreja … no âmbito de um esquema fraudulento e organizado para a sua adoção ilegal.
31. No início do referido episódio é afirmado que o autor foi levado de um lar ilegal da Igreja … para ser entregue na América à filha do Bispo M, podendo visualizar-se:
- “um lar de onde foram levados os três irmãos para serem entregues na américa, à filha do Bispo M que não podia ter filhos” e ainda “Isto foi um roubo, foi roubar crianças”.
32. Após, é transmitida a ideia de que o autor foi escolhido, por sugestão do Bispo M, pela sua filha, VF e pelo marido, Bispo JF, e adotado de forma totalmente ilegal, e para tal sustentar é apresentada uma testemunha anónima apelidada de “AN”, descrita como ex-funcionária do Lar e Babysitter que afirma:
“AN”: Recordo-me do EM ir visitar o lar porque ainda não conhecia o lar, e tá o L e a V, e as crianças lá quando apareciam pessoas estranhas ou diferentes, que não eram de lá porque eramos só nós os funcionários, agarravam-se a essas pessoas. Hum… e o EM vira-se para a E e diz “Olha, aqui estão umas crianças boas para o J e para a V” e a E começou-se a rir e disse “É mesmo, ele até é parecido com o J.” Hum… e então ele dizia “é mesmo” e então começaram ali a brincar com as crianças, prontos. Aquela coisa de tentarem conhecer a criança, vá, digamos assim.”
Jornalista: Na altura quando ouviu esta conversa, não houve nada que lhe parecesse estranho?
“AN”: Não, não, não, não me pareceu estranho porque é assim, sabia que a filha e o genro não podiam ter filhos. O que é que a gente achou? Que os pais tinham dado a criança para adoção e daí partirem para a adoção.
33. É ainda apresentado o testemunho de APF, ex-Bispo da Igreja …que afirma:
“Adoptaram em Portugal e aproveitaram-se do facto de a instituição ela ter acesso ao lar das crianças. Essas crianças foram adoptadas do lar e não seguiram os trâmites, se fizer investigação vai ver que não seguiram os trâmites que deveriam seguir”.
34. Os relatos sustentando tal tese, somam-se ao longo deste segundo episódio.
“AN”: São escolhidos pelo líder da Igreja, para levar para a filha deles, que era a V e o JF. Daí começou o passe do L a V e o Baby como nós lhe chamávamos a serem adoptados.
Narrador: Longe do radar está também este processo de retirada de V, L e F do lar de …, o primeiro local onde a Igreja … abriu um centro de acolhimento de crianças. O lar, onde a filha do bispo escolheu os meninos que queria adoptar.
SA: Não é admissível na nossa lei, já não era admissível na lei de 93, que houvesse uma escolha da criança por um pretenso candidato. Não era assim que os processos começavam.
Narrador: Mas foi assim que tudo começou. O Bispo M regressa à Califórnia, já com as fotografias dos irmãos para a filha aprovar a escolha. Vinte anos mais tarde, no blog onde conta a história da sua vida, revive o preciso momento em que se depara com uma imagem de V.
Narrador: Na altura estas crianças não estavam libertas para a adopção, mas confirmada a escolha era necessário que ficassem rapidamente disponíveis. Para isso era importante construir a tese do desinteresse dos pais biológicos.
“A”: Naquela altura era-nos dito que os pais não podiam assinar o livro da recepção, ou seja o livro que nós tínhamos para os pais assinarem como iam visitar os meninos.
Mãe/“Maria”: Eu cheguei a perguntar por esse livro.
“AN”: E era-lhe negado porque não tínhamos ordem para dar esse livro, principalmente a vocês. Daí começou o passe do L a V e o baby como nós lhe chamávamos, a serem adoptados.
Narrador: Em poucos meses estava montada a história que iria abrir caminho para uma adopção irregular, tirando os filhos a uma mãe em Portugal para os dar à filha do Bispo, na América.
“AN”: Isto foi um roubo, foi roubar crianças, não foi mais nada. Não foi adopção, adopção é uma coisa que um pai permite ou não há um pai, não há uma mãe, não existe.
35. Na reportagem a divulgação destes factos surge associada à exposição de inúmeras imagens do autor quando era criança, da sua irmã V e também do seu irmão já falecido, sem qualquer pixelização, conforme exibição expressa nos minutos 0:80; 0:24;0:26, 1:12, 1:35, 1:47; 4:43, 4:46, 4:48, 4:52; 5:00; 5:18, 6:49, 6:50, 8:20 a 8:32, 11:20; 11:23; 11:25; 11:26; 11:34; 13:00; 13:39; 13:40; 13:46; 14:55; 15:12; 16:24, 20:49; 21:19; 21:23; 22:37; 22:47.
36. No dia 13-12-2017, foi transmitido o episódio 3 da reportagem, no qual continua a ser feita referência aos factos da infância do autor e dos irmãos, bem como imagens fotográficas e vídeos do mesmo, desde a sua infância até à actualidade.
37. Tal sucede, nomeadamente, nos minutos: 00:00:24; 00:01:15 a 00:01:39; 00:04:48 a 00:05:08; 00:12:28 a 00:12:35; 00:14:05 a 00:14:17; 00:15:05 a 00:15:10; 00:15:50 a 00:15:25; 00:16:14 a 00:16:20.
38. Neste episódio, o relato é feito, entre outros, por “RR”, uma antiga criança do lar da Igreja …, por “Maria”, a mãe biológica do autor e por “AN”, a babysitter e funcionária do lar da Igreja ….
39. Neste terceiro episódio refere-se a alegada impossibilidade da filha do Bispo EM adotar em Portugal e ao facto de a secretária pessoal deste, AA, ter avançado com o processo de adoção dos três irmãos – L, ora autor, V e F –, sem que tenha sido ouvida a mãe biológica.
40. É, ainda, divulgado o alegado processo de adoção do autor, bem como a separação deste e da sua irmã V, do seu irmão F, terminando com alegados maus tratos dos “pais adotivos”, Vi e JF, para com o autor.
41. Na reportagem refere-se que legalmente a mãe adotiva do autor é AA e não VF, apesar do autor utilizar publicamente o nome LCBF fazendo-se passar por filho desta e do marido, o Bispo JF.
42. Nos minutos 00:00:39 a 00:02:39; 00:04:09 a 00:06:25 deste episódio pode visualizar-se:
“Narradora: AA é Portuguesa, e foi durante muito anos a secretária de confiança do bispo EM, foi ela que serviu de testa de ferro no plano de adoção dos três irmãos, V, L e F. As crianças foram retiradas aos pais biológicos sem que a mãe tenha sido ouvida por um Tribunal.
“Maria”: Nunca fomos ouvidos, não houve um juiz que dissesse, a minha senhora foi negligente, a minha senhora é negligente”.
“Jornalista: Quem levou as crianças para fora do país?
“PP”: Sim, que estava a secretariar o bispo e que levou elas para os Estados Unidos
Narradora: O novo plano terá passado por uma espécie de reserva destas crianças, usando a secretária do bispo como testa de ferro
“AN”: Como havia esta funcionária, como havia esta possibilidade de poder, então ela, foi ela que o fez, foi ela que os levou
Jornalista: E os miúdos quando chegam aos Estados Unidos vão para casa de quem?
“AN”: Vão para casa do EM
Narradora: NM, advogada do lar, que recusou dar uma entrevista à T…, também adotou umas gémeas neste centro que acolhimento, foi ela quem pediu ao tribunal uma guarda dos irmãos para a A. O plano era a secretária do bispo ficar com a guarda das crianças até que V completasse a idade legal para os adotar. A T… teve acesso a uma gravação em que a própria confessa todo este esquema”.
43. Por sua vez, nos minutos 00:06:25 a 00:10:53: deste episódio pode visualizar-se:
“Narradora: Esta é a história secreta, protegida por acordos de confidencialidade entre as partes, confidenciais são também os processos de adoção a que a T… não pôde ter acesso. Certo é que estas crianças saíram de Portugal pela mão de A. Foram entregues nos Estados Unidos à filha do bispo M como se de encomendas se tratasse. A T… foi à procura das respostas legais que poderão explicar este esquema irregular.
(…)
Narradora: Um processo que foi feito completamente ao contrário. Neste lar usava-se e abusava-se do antigo artigo 19.º da organização tutelar de menores. Legalmente, era A secretária de EM que tinha a guarda dos irmãos, no culto a filha do bispo e o marido, contam outra versão JF: A gente decidiu de comum acordo, ao invés de trazermos filhos a este Mundo, adotar e a gente adotou a V e o L que não nos arrependemos.
Narradora: Mentira! V e L nunca foram legalmente adotados por V e JF, tal como comprovam estes documentos a que a T… teve acesso. A adoção só aconteceu oito anos depois de saírem do lar e a mãe adotiva das crianças é AA, a secretária do Bispo. “AN” foi a funcionária do Lar escolhida para acompanhar os três irmãos nos Estados Unidos, este é o passaporte da baby sitter. Partiu em Setembro, vestida de missionária, com um terço ao pescoço, emitido o visto a 16 de Setembro, entra por Nova Iorque um dia depois. Segue para a Califórnia e recebe as crianças um dia mais tarde. Viveu mais de dois anos na casa do líder máximo da Igreja …”.
44. De seguida, o referido episódio relata a separação do autor e da sua irmã V, do seu irmão F, nomeadamente, nos minutos 00:12:27 a 00:19:45, nos quais pode visualizar-se:
“Narradora: No final de 1996, os três irmãos, VL, LC e FM, terão partido em avião privado para o estrangeiro.
Antiga funcionária do lar:as crianças saem e ela sai, ou sai logo ou sai antes que é para ir
Jornalista: mas vai ali no mesmo mês?
Antiga funcionária do lar: Sim! Foi na mesma altura
Jornalista: Quando (…) saiu, as crianças saíram todas
Antiga funcionária do lar: Sim! Também saíram
Narradora: Se os três irmãos saíram na mesma altura que a baby sitter do lar, então terão saído em Setembro de 1996, altura em que AN sai para ir para os Estado Unidos. Como já vimos, o visto e o carimbo do seu passaporte comprovam a data de entrada na América, mais a baby sitter garante que as crianças chegaram a casa do bispo M nos Estados Unidos, poucos dias depois de ela la estar
(…)
Narradora: Como se não bastasse a filha do bispo decide que só quer duas das crianças e os irmãos são separados. Contrariando as ordens do tribunal, que obrigava a que os três irmãos ficassem juntos a viver em Portugal, F é levado para o Brasil e entregue a outro Bispo
“AN”: Quando chegamos à América eles não querem três, só querem dois, no caso a V e o L
“Maria”: E o L
“AN”: O F seria, seria não, foi, dado a um outro bispo”
(…)
“AN”: Eles mantem-se separados, eles começam a fazer esta vá, lavagem cerebral à V, que não é irmão, não é irmão, eu sou tua mãe, a…, e ela dizia que não, que pronto que tinha a mãe e o pai, porque a V tinha memórias, porque tinha, uma menina com cinco anos tinha
Narradora: No seu blog pessoal, Vi não fala nem uma palavra sobre o bebé F, nem sobre a separação dos irmãos, dá sempre a entender que existiam apenas dois, L e V
“AN”: A V achou gira a V porque era parecida com o J, e porque o L também, e tinham cabelo negro, então ficaram eles os dois com ele, e o outro bispo com o F
45. De seguida, são alegados maus tratos ao autor por parte dos supostos pais adotivos, V e o Bispo J, nomeadamente, nos minutos 00:19:45 a 00:22:19, onde pode visualizar‑se:
“Narradora: longe do tribunal português, na casa do Bispo M nos Estados Unidos, para onde nunca deveriam ter ido, as crianças começam a ser maltratadas.
AN”: e o L fazia xixi na cama
“Maria”: sim, sim…
AN”: a…. e eu como baby sitter deles, era eu que os, que lhes dava banho, era eu quem os vestia, era eu que fazia a cama deles, era eu que os tratava. E há um dia em que o L faz xixi na cama e eu tiro a roupa da cama, e levo para lavar, dou banho ao L, visto o L, até que ela me apanha com a roupa da cama na mão e pergunta o que é que tinha acontecido… e eu falei que o menino tinha feito xixi na cama. Ela ficou possuída, de tal maneira que ela chega à cozinha pega um tacho da cozinha e dá com ele no rabo do L. Aquilo para mim foi a revolta total.
“Maria”: Foi para isto que tiraram os meus filhos (interroga)
AN”: E eu disse que não, não era aquilo, a uma dada altura nós vimos a Portugal ao tribunal, que o tribunal nos chama para vir, e eu fico em casa da A com os meninos, porque temos de ficar ali, e eu dali disse à A que já não queria mais voltar para casa do EM
Narrador: Amanhã os maus tratos às crianças
AA: O bispo J, chegava a casa todo os dias, à meia-noite. O menino já estava a dormir, era uma, era, pegava no cinto e batia no menino
Narrador: Os problemas no casamento da filha do bispo e a rejeição dos irmãos
“RR”: Quando eles iam voltar ficámos todos pasmados, porque é que se devolvia duas crianças que eram tão queridas e tão bonitas e tão amorosas
Narrador: As mentiras, os documentos falsificados, e uma adoção forçada”.
46. No dia 14-12-2017, foi transmitido o episódio 4 da reportagem, no qual, nomeadamente, nos minutos 00:11:26 a 00: 12:51, pode visualizar-se:
“(…) Narradora: Como é que tudo isto foi possível? Qual foi o papel de instituições como a Segurança Social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Tribunal de Família? A T… teve acesso a documentos que fazem parte do processo secreto de adoção. Há um relatório de cariz social assinado pela advogada do lar, NM, onde se afirma que os irmãos viviam com outros toxicodependentes para alem dos pais e que os menores eram seropositivos. Preto no branco, pode ler-se. Excerto de texto: “De referir que os menores quando deram entrada no lar eram seropositivos, situação esta que posteriormente se veio a alterar, tendo negativado”.
FR (Médico Hepatologista): Negativar é impossível. Não há remissões espontâneas da SIDA. Não há testes que possam ser positivos e negativos, a não ser testes que sejam falsos ou falsamente positivos.
Jornalista: Sendo as crianças seropositivas, a mãe teria de ser seropositiva?
FR (Médico Hepatologista): Não há outra forma, como é óbvio. Se mãe é seropositiva, aí é difícil a gente dizer que as crianças não tiveram o vírus, mas não é possível.
Jornalista: Mas a mãe é dadora de sangue…
FR (Médico Hepatologista): Se a mãe é dadora de sangue, a mãe nunca foi seropositiva. (…)”
47. De seguida, no mesmo episódio, é feita referência ao autor, após ser adotado, ter sido levado para os EUA onde sofreu maus tratos por parte da filha do bispo M, V, e por parte do bispo J, divulgando, para o efeito, é divulgada uma conferência telefónica tida com a secretária do bispo M, onde a mesma relata alegados episódios de violência vividos pelo Autor, nomeadamente nos minutos 00:18:04 a 00:18:48, onde pode visualizar-se:
“(…) Narradora: Nos Estados Unidos, a babysitter de V e L assiste impotente a episódios de maus tratos.
Chamada telefónica com AA (Antiga secretaria do bispo M)
AA: Ela uma vez chama-me…A, vem cá…e eu fui lá na casa dela. O rabo da V todo negro, inchado… Tivemos de pôr o rabinho dela na água quente e tudo.
Interlocutor: Quem tinha batido na menina?
AA: A V… a V com o sapato. O bispo J chegava a casa todos os dias à meia-noite, o menino já estava dormir…Pegava no cinto e batia no menino. Porque a V fazia-lhe as queixas. Ele chegava, e com o menino a dormir…pumba! (…)”
48. No decorrer deste episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor, ainda menor, identificando-o expressamente ainda menor sem o seu consentimento, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos 00:00:08 a 00:00:11; 00:00:30 a 00:00:36; 00:00:39; 00:08:56 a 00:09:05; 00:10:16; 00:12:32; 00:17:20 a 00:18:02; 00:20:17 a 00:20:25; 00:22:06; 00:24:37 a 00:24:50; 00:25:00 a 00:25:29.
49. No dia 15-12-2017, foi transmitido o episódio 5 da reportagem, no qual, é narrada a separação do autor e da sua irmã V, em relação ao seu irmão F, e os alegados maus tratos a que o autor era sujeito, fazendo menção à alegada rejeição, por este, da filha do Bispo M, V, nomeadamente, no minuto 00:00:00 a 00:01:34, pode visualizar-se:
“Narrador – Três irmãos, separados, maltratados.
AA – O bispo J chegava a casa todos os dias, à meia-noite, o menino já estava a dormir, era uma… era… pegava no cinto e batia no menino.
Narrador – Rejeitados pela filha do Bispo M.”
50. Na reportagem, é divulgada a ideia de que o sonho do autor era ser jogador de futebol, mas que por manipulação do Bispo EM, seu “avô adoptivo”, seguiu o caminho da Igreja.
51. No referido episódio, acrescenta-se, ainda, que o autor apenas regressou para junto de V e J, porque foi comprado e manipulado pelo seu avô adotivo, EM, nomeadamente, nos minutos 00:12:03 a 00:13:56 e 00:17:00 a 00:19:00, onde pode visualizar-se:
“AA – O L só foi porque prometeram que iam fazer pra ele… o sonho dele era ser um jogador de futebol famoso. “Eu vou ser um jogador de futebol famoso”… Estás muito enganado filho. Metes-te com essa gente tu vais ver, eles vão-te meter é dentro da igreja.
AN – Eles foram manipuladas, vá, comprados, digamos, pelo EM novamente. Eles hoje, eles encontram-se juntamente com a V e o J.
Entrevistadora – Estão a viver com eles.
AN – Estão a viver com eles porque foram… comprados. O dinheiro compra tudo.”
(…)
Narradora – Em 2014, L regressa e em menos de um mês foi batizado pelo homem que um dia o terá rejeitado.
JF – Eu te batizo em nome do pai, em nome do filho, em nome do Espírito Santo para remissão dos pecados. Em nome de Jesus, que o seu nome seja escrito no livro da vida, pois nas suas mãos eu entrego o meu filho L. Respire fundo L. You’re a new person from this moment on. Congratulations. You are, you are.
Narradora – Em tempo recorde, LA torna-se no pastor LBF, nome que legalmente não existe”.
52. No decorrer deste episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor sem o seu consentimento ou conhecimento prévio, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos 00:00:05 a 00:08; 00:04:57 a 00:05:05; 00:05:18 a 00:05:20; 00:09:59 a 00:10:52.
53. No dia 18-12-2017, foi transmitido o episódio 6 da reportagem, no qual, são narrados factos referentes à vida do autor, como seja a sua relação com os irmãos biológicos e o seu processo de adopção.
54. No decorrer deste episódio são, igualmente, divulgadas várias imagens do autor sem o seu consentimento, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos 00:01:26; 00:03:08; 00:09:50 a 00:09:54; 00:13:59; 00:14:04.
55. Os Réus poderiam ter feito a reportagem sem incluir imagens do autor enquanto criança ou enquanto adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros.
56. A partir da transmissão da reportagem, o autor ficou associado como uma criança que foi raptada pela Igreja …, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada.
57. O autor, na sequência da reportagem, foi identificado por desconhecidos, que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando por ter que dar explicações sobre o ocorrido.
58. O autor foi ainda abordado por fiéis da Igreja …que o questionam sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos.
59. Por conta da reportagem, o autor acabou por reviver episódios da sua infância e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas.
60. O autor ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada.
61. A reportagem foi vista por milhares de pessoas, só o primeiro episódio foi visto por 1 milhão e 715 mil pessoas.
62. A média de audiência para todos os episódios da série foi de 1 milhão e 430 mil espectadores.
63. A subida de audiência tem impacto no incremento da popularidade da T… e nas suas receitas de publicidade.
64. A 8.ª ré no que respeita ao exercício do ano de 2016, obteve rendimentos totais de cerca de € 142.291.940,00.
65. A investigação jornalística que deu origem à reportagem durou cerca de 7 meses, com dedicação exclusiva de alguns jornalistas, tendo recorrido a múltiplas e diversificadas fontes de informação, quer pessoais e documentais, que foram, pelo menos em parte, verificadas e cruzadas.
66. A 1.ª e 2.ª rés jornalistas nunca consultaram o processo de adopção do autor, por o respectivo acesso lhe ter sido negado pelo tribunal.
67. O autor, actualmente, utiliza na sua vida, nomeadamente, profissional o nome de L ou LCBF, e é pastor da Igreja … onde exerce as funções de ministro do respectivo culto.
68. O autor e a respectiva imagem são associados a VF e a JF, sendo conhecido, pelo menos na comunidade da Igreja …, como “filho adoptivo” destes, e como “neto adoptivo” do líder e fundador da Igreja …EM, assumindo-se o autor como tal.
69. VF, filha de EM, no seu blog pessoal, que se encontrava ligado ao site da Igreja …, no período compreendido entre Dezembro e 2015 e Abril de 2016, sob a forma de episódios, e com o título “…”, relata uma versão da história de vida do autor, e da sua irmã V, com referências à infância, ao processo de adopção e à vida adulta do autor, acompanhada de diversas imagens deste, em criança e em adulto, num estilo de “crónicas de vida”, em termos que não correspondem à verdade dos factos de vida do autor.
70. JF, bispo da Igreja …, na sua comunicação pública, alude à qualidade de “pai adoptivo” do autor, e fez igualmente uso da história de vida privada e da imagem do autor.
71. No blog pessoal de JF, com ligação ao site da Igreja … e com referência período entre o final do ano de 2014 e ao longo do ano de 2015, eram divulgados diversos eventos da Igreja …, nos quais o autor surgia como participante ao lado do seu “pai adoptivo”, quer em Portugal, quer no estrangeiro, assumindo até a qualidade de orador perante plateias de fiéis.
72. Num desses eventos, realizado em 14-03-2015, tendo em vista a divulgação do livro “…” da autoria de EM, o autor surge, entre outras, numa fotografia divulgada nesse blog, exibindo esse livro, na companhia dos “pais adoptivos”.
73. O autor tinha conhecimento da divulgação pelos seus alegados familiares adoptivos da versão que estes apresentavam da sua infância e processo de adopção, e de que esta não correspondia à verdade, e nada fez para se opor a essa divulgação.
74. O autor, antes da exibição da reportagem, mantinha contas em redes sociais, como o facebook, e no youtube, nas quais divulgava a sua imagem pessoal e as suas actividades ao serviço da Igreja ….
75. O autor e os seus alegados familiares adoptivos utilizavam em seu proveito pessoal e profissional, bem como em benefício das actividades da Igreja …, da divulgação dessa versão da história do autor e da difusão da imagem do autor, tanto em criança como em adulto, sendo tal acessível através dos meios de comunicação, nacionais e internacionais, de que Igreja …dispõe e tem acesso.
76. Parte das imagens do autor, quer fotográficas, quer videográficas, utilizadas na reportagem foram retiradas das publicações do próprio autor, dos seus alegados familiares adoptivos ou da Igreja ….
77. O autor e a sua irmã V, no vídeo publicado no youtube no dia em que ia começar a ser emitida a reportagem e no qual declararam rebater a versão da reportagem e que proibiam a divulgação do seu nome e imagem, exibiram a sua imagem e identidade, tendo enviado esse vídeo a órgãos de comunicação social portugueses e brasileiros.
78. Tal vídeo foi gravado no seguimento da Equipa …, por email de 07-12-2017, ter solicitado, dias antes da transmissão do episódio 1, a responsáveis da Igreja … os contactos de 6 membros da Igreja … a fim de serem contactados a propósito da reportagem a emitir, aí se incluindo o autor, a sua irmã V, os seus “pais adoptivos” V e JF e o bispo EM, tendo, no dia seguinte, colocado diversas questões sobre os processos de adopção.
79. A mesma Equipa …, por email de 11-12-2017, dirigido ao mandatário e representante do autor, solicitou que o autor concedesse uma entrevista à T….
80. A 8.ª ré, nos seus serviços noticiosos da T…, transmitiu, em parte, esse vídeo do youtube.
81. Antes da transmissão da reportagem, a 1.ª ré apresentou uma participação, em 14-11-1997, junto da PGR relativamente a ter, na sequência de um trabalho de investigação apurado factos relacionados com o “desaparecimento de umas crianças portuguesas que terão sido vítimas de uma rede internacional de adopções” relativamente às crianças que identificou, e que tinham estado no Lar …, e nas quais se incluía o autor.
82. No teor dessa participação é feita referência às mães garantiam nunca terem sido ouvidas, ou notificadas em qualquer processo de adopção ou qualquer outro tipo de processo a respeito dos seus filhos.
83. Tal participação deu origem ao processo de inquérito n.º …LSB, que correu termos na … secção do DIAP de Lisboa, no qual, após a realização de diversas diligências, foi proferido, em 14-05-2019, despacho de arquivamento no que se refere aos factos de natureza criminal relacionados, nomeadamente, com a adopção do autor, em virtude de eventuais responsabilidades criminais se encontrarem prescritas.
84. No âmbito desse inquérito foi realizada uma perícia às assinaturas da mãe biológica do autor aposta num aviso de recepção de 15-02-2000 e num requerimento apresentado no processo de confiança judicial n.º …, tendo o Laboratório de Polícia Científica concluído, em 29-06-2018, como muitíssimo provável que a escrita suspeita seja da mãe biológica do autor.
85. Foi requerida abertura de instrução, a qual correu termos, sob o mesmo número de processo, junto do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, tendo em 19-11-2020, sido proferida decisão a concluir pela prescrição do procedimento criminal com os mesmos fundamentos.
86. O autor nasceu em …, tendo como pais LM e AMCT.
87. Em 27-09-1993, o Centro Regional da Segurança Social de Lisboa remeteu para o Tribunal de Família e Menores de Lisboa informação intitulada “Crianças Abandonadas”, dando conta que numa casa sita na … se encontravam crianças abandonadas e fechadas em casa, tendo tal dado origem, em relação ao autor, ao processo tutelar n.º ….
88. Constam do referido processo referências às diversas diligências feitas desde a sua instauração, inclusive com a participação dos pais biológicos do autor, e ter o autor, em 04-08-1995, na companhia do seu irmão F…, e acompanhados pelo Centro Regional da Segurança Social, dado entrada na “instituição …”, onde já se encontrava a sua irmã V.
89. No seguimento de promoção do Ministério Público nesse sentido e da realização de diligências efectuadas tendo em vista aferir das condições da instituição que não tinha celebrado acordo de cooperação com a segurança social, em 23-02-1996, foi proferida decisão judicial no sentido de confiar provisoriamente o autor, e os seus dois irmãos, ao abrigo do art. 19.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aos cuidados e protecção do Centro Regional da Segurança Social de Lisboa, embora acolhidos no Lar …, onde os pais os poderiam visitar sempre que quisessem, de acordo com as regras impostas pelo centro regional e pela instituição.
90. Em 21-02-1997 (não será 1996, como consta do despacho de arquivamento), o Lar … juntou exposição através da qual deu contra que: (i) os menores nunca haviam sido visitados pelos pais; (ii) ocorreu dois casais estrangeiros se terem interessado pela adopção dos menores, sendo que as respectivas candidaturas foram porém indeferidas; (iii) entretanto, AA apareceu como pessoa interessada na adopção dos menores, razão pela qual a mesma se inscrevera como candidata a tal.
91. Após a realização de diligências instrutórias, em 03-04-1997, foi proferida decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 19.º, 25.º e 42.º da OTM, no sentido de confiar o autor, e os irmãos V e F, a AA, com direito de visitas por parte dos pais, a acordar com a protectora, podendo esta viajar com aqueles para o estrangeiro.
92. Em 08-10-1998 deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, requerimento apresentado pela Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relativo a processo de confiança judicial do autor e dos dois irmãos, que deu origem ao processo n.º ….
93. Juntamente com esse requerimento foi apresentado em anexo documento intitulado “Relatório”, com o carimbo do Lar …, elaborado pela advogada NM, que foi arrolada como testemunha.
94. Em 26-04-2000, tomaram-se declarações a AA, em que esta referiu a situação em que os menores se encontravam consigo, a viver e frequentar escolas nos Estados Unidos da América, e que era sua intenção adoptar os menores.
95. Após a realização de diversas diligências, por decisão de 19-07-2001 foi decidido judicialmente manter a confiança dos menores a AA.
96. Em 20-12-2001, junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, AA instaurou processo de adopção relativamente ao autor e aos seus dois irmãos.
97. Foi apensado ao processo de adopção o processo de Confiança Judicial n.º ….
98. No âmbito do processo de adopção foram realizadas inúmeras diligências com respeito aos factos a que se refere a reportagem, até que, por sentença de 02-06-2004, foi proferida decisão a julgar procedente o pedido de adopção do autor e dos irmãos por AA, designadamente, com fundamento nestes se encontrarem integrados no agregado familiar desta que os tratava como seus filhos biológicos.
99. Apesar de o autor ter sido confiado pelas autoridades a AA, este destinava-se a viver com VF e com JF, tendo, pelo menos, na fase anterior ao decretamento da adopção, servido esta de “testa de ferro” no processo de entrega da guarda e confiança judicial.
100. A fotografia do autor quando se encontrava no Lar relacionado com a Igreja …foi mostrada a V e JF que se interessaram pela sua adopção e da sua irmã V, com a concordância e apoio do bispo EM, sem que antes tivessem qualquer relação com o autor.
101. Foi criada perante as entidades e autoridades portuguesas competentes a aparência de estarem reunidas as condições legais de uma adopção do autor em favor de AA, quando o propósito era que o autor fosse tratado como filho de V e JF.
102. Em concretização desse propósito, o autor viveu durante cerca de três anos nos Estados Unidos da América com V e JF como se fosse seu filho, tendo posteriormente, por alturas do ano 2000, e no seguimento de dificuldades de relacionamento entre todos, ido viver, com a sua irmã V, com a mãe adoptiva AA.
103. Após alguns anos, por alturas de 2014, o autor reaproximou-se de V e JF, e passou a apresentar-se como se fosse seu filho adoptivo.»
Factos não provados
«A. No vídeo promocional da reportagem é referido que o respectivo conteúdo e importância se equiparavam ao do processo “Casa Pia”, tendo o 3.º réu decidido dar destaque à reportagem fazendo essa equiparação.
B. A 4.ª ré JS e o 5.º réu, na altura directores-adjuntos, e o 6.º réu LS e o 7.º réu PP, na altura subdiretores, da T… e da T…24, foram acompanhando a elaboração da reportagem e a informação que as 1.ª e 2.ª rés, jornalistas, iam recolhendo, tendo tomado conhecimento de que a reportagem em causa revelaria factos sobre a vida privada e íntima do autor.
C. É totalmente falso que o autor, enquanto esteve com VF e com o Bispo JF, sofreu quaisquer maus tratos, e que, pelo contrário, sempre foi bem acolhido, tratado com o carinho e o amor que uma criança merece, assim como o continua a ser nos dias de hoje.
D. O autor por causa da reportagem teve mesmo de iniciar tratamento médico.
E. A investigação jornalística que deu origem à reportagem procurou ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis na sua divulgação.
F. Os factos relatados na reportagem a respeito da vida e infância do autor são todos factualmente correctos e correspondem à realidade histórica.
G. O processo de adopção do autor e dos seus irmãos beneficiou de relatórios com informações falsas sobre os seus progenitores biológicos e foi‑lhes negado o direito de visitá-los no lar da Igreja …, por forma a facilitar a sua desvinculação familiar e posterior adopção pela filha do bispo EM.».

B) DE DIREITO
Da alteração da decisão sobre a matéria de facto
É sabido ser ónus imposto ao Recorrente a apresentação de alegações, nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo as conclusões que delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem (cfr. artº 635º nº 4 CPC), equivalendo as mesmas, como já dito, ao pedido.
Por outro lado, é igualmente sabido que o artº 640º CPC impõe ao Recorrente ónus próprios quando impugne a decisão da matéria de facto.
De acordo com o estipulado no seu nº 1 als. a), b) e c), quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o Recorrente, sob pena de rejeição, obrigatoriamente especificar na motivação da alegação os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2 al. a) do citado artº 640º).
Já quanto às conclusões, atenta a sua essência sintética mas tendo em conta as suas funções delimitadora e definidora do âmbito do recurso, delas deve obrigatoriamente constar a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, não sendo forçoso que delas conste a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações, nem a decisão alternativa pretendida (cfr. Acórdão do STJ de 12/07/2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e Acórdão Uniformizador nº 12/2023, de 17/10/2023 (proc. 8344/17.6T8STB.E1‑A.S1) publicado no Diário da República I série, de 14/11/2023).
Importa ainda referir que a garantia do duplo grau de jurisdição no que concerne à matéria de facto não subverte o princípio da liberdade de julgamento, segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, certo, porém, que esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, pois encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção (cfr. artº 607º CPC).
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto - sempre em resultado de a prova produzida, os factos tidos como assentes ou documento superveniente imporem decisão diversa (cfr. artº 662º nº 1 CPC) - não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
As Recorrentes “T…” e “MCD” propugnam que os factos provados 56, 57, 58, 59 e 60 devem ser considerados não provados.
Já os 1º, 2º e 3º RR., além de também defenderem que aqueles factos devem ser considerados não provados, entendem ainda que o facto 18 deve ser retirado da matéria de facto provada, permitindo a motivação do seu recurso e a conclusão R) percepcionar que propugnam a sua total eliminação ou, em alternativa, a sua correcção; e entendem ainda que também o facto provado 55 deve ser eliminado da matéria de facto por respeitar a matéria conclusiva.
Observando as respectivas alegações de recurso, constata-se que todos os Recorrentes satisfizeram suficientemente os ónus de impugnação acima enunciados, impostos pelo artº 640º CPC.
Vejamos então.
O facto provado 18 é do seguinte teor: “18. Na reportagem são divulgadas a identidade dos menores adotados, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adoptantes e as circunstâncias de vida das crianças adoptadas.”
Dissecada a fundamentação da decisão de facto, é possível constatar que o facto 18 não foi objecto de especificação autónoma, o que, apesar de não respeitar uma técnica rigorosa, não merece especial reparo uma vez que se trata de facto lateral à causa de pedir, surgindo o mesmo na sequência de factos que assentam que “16. A reportagem é constituída, inicialmente, por 10 episódios e tem por objecto a divulgação de uma alegada rede de adoções ilegais de crianças levada a cabo pela Igreja …“ e que ”17. Ao longo desses 10 episódios são relatadas as alegadas circunstâncias em que decorreram vários processos de adopção que são apelidados de ilegais.”; tratando-se de um conjunto de factos contextualizadores do conteúdo da reportagem.
A sua motivação mostra‑se, assim, contida na apreciação geral e mais genérica, embora detalhada, apresentada no início da fundamentação acerca da matéria de facto versando sobre as características e conteúdo da reportagem, ali se dizendo “A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou, antes de mais, na confissão por parte dos réus de grande parte da factualidade alegada pelo autor no seu articulado inicial, sendo certo que, não tendo estes impugnado de forma especificada a matéria de facto alegada pelo autor (não satisfazendo, pois, este ónus que sobre si recaía, nos termos do disposto no art. 574.º do CPC), não colocaram em causa grande parte dos factos alegados na acção, nem tal foi contrariado pela sua defesa, pelo que constituiu tal meio probatório elemento decisivo na formação da convicção do tribunal.
Sem prejuízo do relevo da confissão judicial, grande parte da factualidade alegada nos articulados ficou, em qualquer caso, demonstrada pela prova documental que foi apresentada pelas partes com os seus articulados, complementada pela prova apresentada no decurso da instrução cuja junção foi admitida.
De entre a prova documental, foram, antes de mais, valoradas as “reproduções mecânicas” (cfr. art. 368.º do CC) correspondentes aos registos vídeo contendo a reportagem denominada “O Segredo …”, no caso os 10 episódios iniciais exibidos em dois dos canais da ré, em Dezembro de 2017…”
E, em correspondência com essas considerações iniciais, mostra-se ainda motivada, mais adiante, nos seguintes termos: ”No que se refere aos vídeos e programas promocionais, datas e número de episódios da reportagem, e a esta referir-se ao tema da rede internacional de adopções ilegais, no Lar relacionado com a Igreja …, incluindo o processo de adopção do autor e suas alegadas circunstâncias (cfr. factos provados n.º 11 a 12 e 15 a 54) [sublinhado nosso], resultou tal igualmente assente nos autos por efeito de confissão (…), sendo o conteúdo dos episódios 1 a 6, em causa nos autos, aferível pela visualização da reportagem.”.
Por conseguinte, tal como os 1ª, 2ª e 3ª RR. apontam no seu recurso, o facto 18 resultou provado “por efeito da confissão” e por ser “aferível pela visualização da reportagem.”
Salvo o devido respeito, o facto nos termos em que ficou estabelecido não resulta de confissão desde logo porque o mesmo resulta contraditado pelos ora Recorrentes no artº 19º da sua contestação, no qual invocaram “(…) como exemplo da preservação de identidade e imagem, na décima reportagem de Segredo … exibida a 22 de Dezembro de 2017, apesar da gravidade do apurado e relatado, foi decidido proteger a imagem e identidade da adoptada e adoptantes, entre outros fundamentos, pela relativa reserva com que os próprios têm encarrado a sua vida pessoal e resguardado a respectiva imagem, cfr. doc. 10.”.
Acresce que reportando-se o facto 18 à reportagem como um todo (como decorre do mesmo associadamente aos que o antecedem), na verdade nela foram relatados casos em que a imagem e identidade dos adoptados não foram revelados.
Por conseguinte, assistindo razão aos apelantes e tendo eles defendido, em alternativa, a correcção ou eliminação do facto (cfr. conclusão R), por forma a não desvirtuar o contexto da decisão da matéria de facto, enquanto peça una que se quer harmoniosa, altera-se o facto 18, que passa a ter a seguinte redacção:
“18. Na reportagem, quanto a alguns dos menores adotados, são divulgadas a identidade, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adoptantes e as circunstâncias de vida dessas crianças.”.
Defendem ainda os 1º, 2º e 3º RR. a eliminação do facto provado 55 da matéria de facto por respeitar a matéria conclusiva.
O facto em causa reza assim : “55. Os Réus poderiam ter feito a reportagem sem incluir imagens do autor enquanto criança ou enquanto adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros.”.
A seu respeito dizem os Apelantes nas suas conclusões que :
“X) (…) o facto provado 55 contém matéria claramente conclusiva, opinativa e valorativa que, para além do mais, não resulta nem da prova documental junta aos autos, de nenhum depoimento testemunhal, nem de confissão.
Y) Para além do evidente e mesmo assumido caráter opinativo e subjetivo em que assenta a fundamentação deste facto, o que a torna claramente insuficiente e pouco crível, é patentemente conclusivo e valorativo, constituindo a sua apreciação, no caso concreto, uma matéria de apreciação de direito, decidir se no confronto de direitos entre o autor e os dos jornalistas, deveria ter sido reservada a identidade do autor.
Z) Deve, por isso, ser totalmente eliminado.”
Na verdade, o ponto 55 da matéria de facto provada apresenta-se como uma afirmação conclusiva correspondendo, como se alcança da motivação da decisão de facto, ao resultado de um labor dedutivo o qual, porém, tem o seu domínio próprio na análise jurídica do caso, porquanto o juízo que aquele ponto 55 encerra contém em si mesmo a resposta a uma vertente significativa da causa de pedir formulada na acção.
Procede, assim, este segmento recursório e, em consequência, elimina‑se da matéria de facto o ponto 55.
Entendem todos os Recorrentes que os factos provados 56, 57, 58, 59 e 60 devem ser considerados não provados.
O facto 56 apresenta-se nos seguintes termos:” 56. A partir da transmissão da reportagem, o autor ficou associado como uma criança que foi raptada pela Igreja …, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada.”.
Quanto ao conjunto daqueles factos, os 1º, 2º e 3º RR. referem na sua síntese conclusiva que “a prova produzida em audiência é manifestamente frágil, insuficiente e contraditória sobre tais factos, não permitindo a extração de tais conclusões” (cfr. conclusão AA), “as testemunhas apresentadas pelo autor não foram isentas e imparciais (…) tendo sido incoerentes e contraditórias entre si e, naturalmente, pouco criveis no seu conjunto” (cfr. conclusão BB), “não concordam com a atribuição de credibilidade às declarações do autor, porque sendo parte interessada no desfecho da ação, é manifestamente contraditório nas declarações que presta e surpreendente pouco emotivo e nada credível no que afirma ao longo do seu depoimento de parte” (cfr. conclusão CC).
Já as 8ª e 9ª RR. também quanto ao conjunto daqueles factos se insurgem relativamente à “atribuição de credibilidade às declarações do Autor, porquanto, sendo parte interessada no desfecho da acção, é manifestamente contraditório nas declarações que presta e, igualmente, pouco emotivo e credível no que afirma” (conclusão I) e não concordam “com a credibilidade atribuída à prova testemunhal, na medida em que o tribunal a quo refere expressamente que as mesmas foram valoradas sob reserva (conclusão M) e “as testemunhas apresentadas pelo Autor não foram isentas e imparciais” (conclusão N).
No entanto, transcorridas as motivações dos recursos e as respectivas conclusões constata-se que no tocante ao facto 56 nada de concreto apresentam em que fundem a sua discordância, apenas o fazendo quanto aos factos 57, 58, 59 e 60.
E, na verdade, não se vê como o pudessem fazer uma vez que dos 6 episódios da reportagem que versam sobre a situação do Autor ressalta a imagem que ficou factualmente vertida no facto 56.
Acresce, o que não é despiciendo, que tratando-se de facto expressamente alegado pelo Autor no artº 133º da petição, ele, na realidade, não resultou impugnado em nenhuma das contestações apresentadas, na medida em que os RR. não contrariaram que com a transmissão da reportagem o Autor tenha ficado associado como uma criança raptada pela Igreja …, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada, apenas refutaram o facto em causa argumentando com a verdade de tudo o que foi transmitido na reportagem e com a falta de necessidade de protecção da imagem e identidade do autor ou de autorização para a sua utilização, por este e elementos da família que tem por ser a sua família adoptiva terem primeiramente divulgado toda a sua história de vida e a sua imagem, sendo ele uma figura já conhecida do público em geral (cfr. todas as contestações e sumariado, em especial, nos artºs 113º e 114º da contestação da T…, artºs 54º e 55º da contestação da AP, LS e PP, artºs 50º e 51º da contestação da MCD, artºs 57º, 58º  62º, 63º e 65º da contestação dos RR. AB, JF, SF e JS).
Improcede, pois, este segmento recursivo.

Os factos 57 e 58, que se mostram conexionados, são do seguinte teor:
“57. O autor, na sequência da reportagem, foi identificado por desconhecidos, que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando por ter que dar explicações sobre o ocorrido.
58. O autor foi ainda abordado por fiéis da Igreja … que o questionam sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos.”
Relativamente a estes factos defendem os 1º, 2º e 3ª RR. que “atendeu o tribunal a quo (…) exclusivamente aos print´s de mensagens do Facebook do autor juntas aos autos, cuja autenticidade é livremente manipulável” (cfr. conclusão JJ), que “o autor [nas suas declarações de parte] não demonstra qualquer impacto de maior que tais mensagens tenham tido na sua esfera jurídica” (cfr. conclusão KK) e que “Em face das observações do autor a propósito das mensagens, que nada referiu sobre o facto de ter dado quaisquer explicações a terceiros, apenas se pode concluir que os prints juntos aos autos não provam absolutamente nada” (cfr. conclusão LL), assinalando na motivação do seu recurso que “Estas alegadas mensagens de pessoas não identificadas e cuja autenticidade é, pelo menos, duvidosa, não podem ser, pela sua fragilidade e insuficiência, a comprovação e evidência de que o autor teve de apresentar explicações sobre a sua vida privada a terceiros, até porque da análise do conteúdo dessas mesmas mensagens juntas aos autos, não se encontra qualquer resposta ou explicação que tenha sido feita pelo autor”.
E as 8ª e 9ª RR. referem nos pontos 50 e 52 das suas alegações e nas correspondentes conclusões P a R que “P. Para prova dos factos de que o Autor foi abordado por terceiros, tendo sido obrigado a falar do assunto e a dar explicações, atendeu o tribunal a quo ao print de mensagens do Facebook juntas aos autos”, “Q. Importa, em primeiro lugar, salientar que esses documentos são apenas isso: print de mensagens, cujos pretensos subscritores são meros assinantes que nem sequer se sabe se existem, e cuja data não foi possível apurar” e “R. Estas mensagens, de pessoas não identificadas e cuja autenticidade é amplamente duvidosa, não são, nem podem ser, a prova de que o Autor teve de apresentar explicações sobre a sua vida privada a terceiros, até porque do conteúdo dessas mesmas mensagens, não se verifica qualquer resposta por parte do Autor”.
Ora, a argumentação agora apresentada pelos RR. no sentido de debelar a fiabilidade e capacidade probatória das mensagens de facebook não pode nesta sede de recurso ser acolhida, sendo nesta fase processual inconsequente porquanto, tratando-se de documentos juntos aos autos pelo A. com o seu requerimento de 19/11/2018, refª 13556775 / 30745539, para prova dos precisos factos ora em causa (alegados nos artºs 135 a 144º da petição), tais documentos não foram objecto de qualquer impugnação por nenhum dos RR..
De outra banda, não é exacto que o Tribunal a quo para a resposta a tais factos tenha formado a sua convicção exclusivamente nesses documentos.
Muito embora na decisão sobre a matéria de facto tenha sido feita uma abordagem analítica conjunta quanto aos factos 56 a 60, num esforço de dissecação sobre o que respeita ao núcleo composto apenas pelos factos 57 e 58 pode extrair-se da sentença que para a formação da convicção do Sr. Juiz a seu respeito foi ponderado que “No que se refere à matéria dos danos não patrimoniais causados ao autor por efeito da reportagem, e não obstante a prova destes tenha resultado essencialmente do depoimento das testemunhas e das declarações do próprio, valorou o tribunal os documentos que foram apresentados a esse respeito, nomeadamente, os diversos comentários deixados na página de facebook do autor, parte dos quais negativos ou mesmo ofensivos, feitos no seguimento da transmissão da reportagem, cujos prints foram juntos em sede de requerimento probatório apresentado apos a realização da audiência prévia.”.
Portanto, além desses documentos, o Tribunal valorou ainda o depoimento das testemunhas e as declarações do Autor, mais se referindo na motivação da decisão de facto que “A título complementar, foi ainda ouvido (por videoconferência) o autor em declarações de parte, o qual se referiu, essencialmente, às consequências na sua vida da exibição da reportagem, indo ao encontro e confirmando os depoimentos das testemunhas por si arroladas“, não merecendo, assim, qualquer reparo – diversamente do apontado por todos os Recorrentes – a consideração dada às declarações do próprio, a despeito do seu óbvio e natural interesse na lide, uma vez que as suas declarações encontram apoio noutros meios probatórios conferindo-lhes credibilidade e consistência.
 Menciona-se ainda na decisão incidente sobre os factos em causa que “para dar como provada esta matéria, que se reconduz à existência de danos não patrimoniais e à sua causalidade com a reportagem, atendeu o tribunal, antes de mais, a todo o contexto e gravidade dos factos relatados na reportagem, ao conteúdo dos comentários deixados na página do autor do facebook, e que espelham bem a animosidade e inclemência própria da utilização das redes sociais, e o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor.
Neste ponto, e apesar das reservas acima assinaladas a respeito da isenção e distanciamento destes depoimentos, por se mostrar conforme às regras de experiência e circunstâncias gravosas da situação, entendeu o tribunal ter ficado suficientemente demonstrado
(…)
Assim, referiram-se às circunstâncias em que o autor tomou conhecimento da reportagem as testemunhas ESS, pastor da Igreja … que acompanhava e dava formação ao autor, e MSFES, sua mulher que dava apoio a ambos, e na companhia de quem o autor trabalhava como pastor auxiliar em São Paulo, no Brasil, à época da transmissão da reportagem, tendo estes tido conhecimento directo da perturbação que tal originou no estado de espírito e actividades do autor. Descreveram, nesse sentido, as testemunhas a tristeza e revolta sentida pelo autor pelo conteúdo da reportagem e como tal afectou a sua estrutura psicológica (…) e determinou que o seu trabalho fosse adaptado, nomeadamente, por pessoas da igreja, e não só, o abordarem com questões, admitindo, em todo o caso, que a imagem do autor já aparecia nos blogs dos seus supostos pais adoptivos”. (sublinhados nossos).
Deste modo se vê que além das mensagens de facebook - que pela animosidade e até violência que revelam inevitavelmente solicitam o visado a dar resposta, como decorre das regras da experiência e da normalidade - fundou-se o Tribunal a quo também no depoimento de duas testemunhas que pela proximidade que à época dos factos tinham com o Autor tiveram conhecimento directo das abordagens feitas ao Autor por pessoas da igreja e não só, portanto, também por estranhos.
E as reservas inicialmente apontadas à generalidade dos depoimentos não afectam a credibilidade dessas testemunhas, ESS e MSFES, quanto a esses factos que se colocam no plano do foro pessoal do Autor.
É que às reservas destacadas na exposição inicial, com a menção inconcretizada de que a “prova testemunhal (…) foi valorada pelo tribunal, na maior parte dos casos, com reservas” e a que “Para tal, militou a circunstância de parte das testemunhas não terem demonstrado isenção nem distância em relação aos factos em causa nos autos”, segue‑se uma concretização em que nenhuma alusão é directamente feita às testemunhas ESS e MSFES, apenas se referindo a JDM, JB e NM, sendo que quanto a esta última o seu depoimento, como na decisão consignado, foi totalmente desconsiderado, donde ressalta que os restantes depoimentos, a despeito de algumas reservas, foram relevados.
E o que se verifica é que quanto às testemunhas arroladas pelo Autor não especificamente indicadas no segmento da motivação a que nos vimos reportando, as reservas apontadas resultam de as mesmas terem relação com a Igreja …, circunstância esta que claramente não afecta a credibilidade dos depoimentos de ESS e MSFES no tocante aos factos em causa que respeitam apenas ao foro pessoal do Autor, e que o Tribunal a quo valorou por serem conformes às regras de experiência e coerentes com as circunstâncias gravosas da situação, atenta ainda a proximidade que à época tinham com o Autor.
A análise efectuada pelo Tribunal a quo em fundamento da sua decisão sobre os factos ora em apreço não merece, pois, qualquer crítica, e os meios probatórios de que se socorreu e o percurso lógico do seu exame acerca deles não ficam afectados pelo excerto das declarações de parte do Autor de que os Recorrentes lançam mão atenta a generalidade, quase universalidade, do enfoque das perguntas que originam, e naturalmente delimitam, as respostas do Autor a que os RR. aludem.
Improcede, assim, este aspecto dos recursos.

Os factos 59 e 60, também eles objecto de impugnação por parte de todos os Recorrentes, respeitam a um mesmo núcleo factual e são do seguinte teor:
“59. Por conta da reportagem, o autor acabou por reviver episódios da sua infância e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas.
60. O autor ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada.”.
A respeito destes factos todos os Recorrentes discordam da credibilidade atribuída à prova testemunhal quando o próprio Tribunal a quo expressamente referiu a sua valoração com reservas; nas suas declarações de parte o Autor apresenta um discurso inconsistente e pouco emotivo, não demonstrando espontaneidade, parecendo mesmo distante e desinteressado, sendo disso exemplo que, ao referir-se ao impacto das mensagens que recebeu, tenha mencionado apenas “isto mexeu comigo”; quanto à testemunha JM, não obstante afirmar ser amiga do Autor, este nas suas declarações afirma que não se recorda bem dessa pessoa; e quanto às afirmações das testemunhas ESS, MSFES e JB, as mesmas são insuficientes para dar como provados estes factos por o próprio Autor não ser capaz de concretizar com emoção credível o impacto que a reportagem teve na sua vida; assinalando ainda as 8ª e 9ª RR. que o Autor nem viu todos os episódios da reportagem (posições sintetizadas nas conclusões OO a SS do recurso dos 1º, 2º e 3º RR. e nas conclusões V a BB dos recursos das 8ª e 9ª RR.).
No tocante aos factos ora em causa, e mais uma vez num esforço de dissecação sobre o que respeita ao núcleo composto apenas pelos factos 59 e 60, uma vez que foi feita abordagem analítica conjunta quanto aos factos 56 a 60, verifica-se que quanto aos depoimentos de JDM e JB, que os Recorrentes reputam de insuficientes para sustentar a prova daqueles factos, os mesmos não foram especialmente relevados, pois na decisão sobre a matéria de facto diz-se a seu respeito que “Ainda quanto a esta matéria referiram-se as testemunhas JDM e JB mas com base num conhecimento mais distante ou indirecto destes efeitos, por contactarem com o autor pelo telefone ou já no contexto da presente acção”.
Relevantes foram, sim, outros elementos de prova. O Tribunal a quo teve em conta “No que se refere à matéria dos danos não patrimoniais causados ao autor por efeito da reportagem (…) a prova destes tenha resultado essencialmente do depoimento das testemunhas e das declarações do próprio (…)
A título complementar, foi ainda ouvido (por videoconferência) o autor em declarações de parte, o qual se referiu, essencialmente, às consequências na sua vida da exibição da reportagem, indo ao encontro e confirmando os depoimentos das testemunhas por si arroladas.
(…)
Não teve, em todo o caso, naturalmente e até pelas circunstâncias e oposição à exibição da reportagem, manifestado distanciamento ou isenção em relação aos factos em causa nos autos e que estão na base da propositura da acção. O tribunal deu, assim, como provado apenas o que foi possível apurar com o grau de certeza necessário em processo civil (…)
Os referidos meios de prova, designadamente no que se refere aos meios de prova sem valor legal tarifado, foram valorados de acordo com o princípio da livre apreciação do tribunal, tendo também em atenção as regras de experiência nos termos que se concretizam infra (…)
Assim, e em concreto, de forma sintética e que não prejudica o acima consignado (…) para dar como provada esta matéria [reportando-se ao conjunto dos factos 56 a 60], que se reconduz à existência de danos não patrimoniais e à sua causalidade com a reportagem, atendeu o tribunal, antes de mais, a todo o contexto e gravidade dos factos relatados na reportagem, ao conteúdo dos comentários deixados na página do autor do facebook, e que espelham bem a animosidade e inclemência própria da utilização das redes sociais, e o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor.
Neste ponto, e apesar das reservas acima assinaladas a respeito da isenção e distanciamento destes depoimentos, por se mostrar conforme às regras de experiência e circunstâncias gravosas da situação, entendeu o tribunal ter ficado suficientemente demonstrado que tal deu origem a que o autor se sentisse exposto e violentado na sua vida privada, não podendo tal deixar de ter efeitos no seu bem estar, até pelo efeito mediático que a reportagem teve e que chegou, inclusive, ao Brasil onde na altura vivia, atenta a notoriedade da Igreja … e dos seus líderes nesse país.
Assim, referiram-se às circunstâncias em que o autor tomou conhecimento da reportagem as testemunhas ESS, pastor da Igreja …que acompanhava e dava formação ao autor, e MSFES, sua mulher que dava apoio a ambos, e na companhia de quem o autor trabalhava como pastor auxiliar em São Paulo, no Brasil, à época da transmissão da reportagem, tendo estes tido conhecimento directo da perturbação que tal originou no estado de espírito e actividades do autor. Descreveram, nesse sentido, as testemunhas a tristeza e revolta sentida pelo autor pelo conteúdo da reportagem e como tal afectou a sua estrutura psicológica (ainda que não tenha ficado provado ter tido necessidade de tratamento médico, cfr. facto não provado D) e determinou que o seu trabalho fosse adaptado, nomeadamente, por pessoas da igreja, e não só, o abordarem com questões (…)”
Quanto à credibilidade dada às testemunhas ESS e MSFES é aqui válida a análise acima feita, não se denotando razões para as desacreditar relativamente aos factos ora em apreciação que respeitam ao foro pessoal do Autor e que Tribunal a quo valorou por ponderar serem conformes às regras de experiência e coerentes com as circunstâncias gravosas da situação, atenta ainda a proximidade que à época tinham com o Autor, valoração que se nos afigura correcta.
E quanto às declarações de parte do Autor – acerca das quais, quanto a este núcleo factual, se diz na decisão “referiu-se o autor nas suas declarações de parte aos efeitos da transmissão da reportagem na sua vida pessoal e profissional, em termos verosímeis, afirmando que a reportagem “mexeu” com ele e denotando acentuada revolta pelo modo como era apresentada a sua história e a relação com quem considera os seus “pais adoptivos” – porque as mesmas vão ao encontro do relatado por aquelas testemunhas e têm também acolhimento nas regras da experiência, encontram assim arrimo noutros meios probatórios, o que lhes outorga credibilidade e congruência, ficando desse modo, quanto a este núcleo factual, dissipada a falta de imparcialidade que no geral foi notada, não existindo razão sustentada para não serem atendidas quando, ademais, a narrativa apresentada pelo Autor (ouvidas as suas declarações) é vívida na expressão do sofrimento, mágoa, revolta, perante a narrativa que a reportagem apresenta da sua história de vida, sendo a expressão “isto mexeu comigo” plena de significado e não menorizante como os Recorrentes sugerem, certo também que o que pode ser interpretado como algum distanciamento - como os Recorrentes interpretaram - mais não será do que uma íntima vontade de resguardar os padecimentos sentidos, além de que a inquirição por meios telemáticos remotos, como foi o caso, potencia a aparência de distanciamento porque afecta a dinâmica da comunicação.
Mais se menciona na decisão que “Ora, com base nestes elementos de prova, e uma vez que na reportagem se fazem referências ao percurso de vida do autor, exibindo imagens da sua infância, na companhia dos irmãos, em que surge a própria mãe biológica com quem não tinha contacto a relatar o seu passado, e são referidos factos graves relativos aos processos de confiança e adopção, e mesmo quanto a supostos maus tratos do autor perpetrados por quem considera como seus pais adoptivos, não pôde o tribunal deixar de concluir que tais circunstâncias são aptas e conformes a causar no autor tristeza e revolta nos termos que foram dados como provados.”, o que encerra uma avaliação conforme as regras da experiência e da normalidade da vida, que não merece qualquer censura.
Improcede, pois, também este aspecto dos recursos.

Aqui chegados, e na procedência apenas parcial da impugnação da matéria de facto apresentada pelos 1º, 2º e 3º RR., a factualidade a considerar é a acima elencada fixada pela 1ª instância, com excepção do facto 55, que foi eliminado, e do facto 18, que passa a ter a redacção acima alterada e que agora se recorda :
“18. Na reportagem, quanto a alguns dos menores adotados, são divulgadas a identidade, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adoptantes e as circunstâncias de vida dessas crianças.”.
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Da decisão de mérito e do direito à indemnização
Por facilidade de exposição comecemos por atentar na alegada instrumentalização da presente acção pela Igreja …e no abuso de direito do Autor, invocados na apelação dos 1º, 2º e 3º RR..
Trata-se de invocação de duas figuras destinadas ao afastamento da pretensão do A., pelo que revestem a natureza de excepção (cfr. artº 342º nº 2 CCivil).
E tendo essa natureza, sendo relevantes para a posição jurídico‑processual dos RR., deveriam ter sido por eles alegadas na contestação, articulado no qual se concentra toda a defesa (cfr. artº 573º nº 1 CPC) e no qual o R. deve expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente (cfr. artº 572º als. b) e c) do CPC / sublinhado nosso), pois apenas mediante a correspondente alegação e invocação no articulado próprio, com respeito pelas regras concernentes à invocação de matéria exceptiva, poderiam os factos relativos a essas excepções integrar a instrução da causa e sobre eles recair pronúncia do Tribunal a quo na sentença, ao analisar a prova e ao definir os factos que em face da prova produzida considerasse provados e não provados (cfr. artº 607º nº 4 CPC), porquanto o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou fundamentadores das excepções oportunamente alegados pelas partes, como decorre do artº 5º CPC.
Ora, analisada a contestação dos 1º, 2º e 3º RR. dela não consta a alegação de factos vocacionados para a demonstração daquelas excepções, as quais ali não constam e, tão pouco, especificadamente separadas.
Portanto, estamos em presença de duas questões jurídicas que os RR., no momento processual próprio, não introduziram na discussão não as subordinando, pois, à apreciação e julgamento do Tribunal de 1ª instância.
Ora, este Tribunal não pode conhecer de questões que não tenham sido anteriormente colocadas à apreciação do Tribunal a quo porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas sobre questões subordinadas ao julgamento em 1º grau (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 119).
Assim, na impossibilidade de apreciação de tais questões, improcede o recurso dos 1º, 2º e 3º RR. neste aspecto.
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Analisemos agora o fundo da questão.
Com a presente acção pretende o Autor ser indemnizado pela alegada ofensa dos seus direitos à imagem e à reserva da intimidade da sua vida privada, que entende terem sido violados pelo conteúdo de reportagem televisiva, de vários episódios, realizada e divulgada pelos Recorrentes.
Trata-se de direitos que integram os direitos de personalidade cuja tutela civilista se mostra consagrada nos artºs 70º e seguintes do CCivil, aí se estabelecendo a protecção de todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, ao seu bom nome, à imagem e reputação.
Importam ao caso os artºs 79º e 80º CCivil, que tutelam o direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.
 Dispõe o artº 79º que “O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela (…)” (nº 1) excepcionando a exigência deste consentimento quando “assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente” (nº 2).
Por sua vez, o artº 80º consagra que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem” (nº 1) sendo a extensão dessa reserva “definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas” (nº 2).
A Constituição da República Portuguesa (doravante CRPortuguesa) confere protecção à dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado, tendo estes direitos de personalidade assento constitucional no Capítulo I - que dispõe sobre Direitos, Liberdades e Garantias pessoais - do Título II - que versa sobre os Direitos, Liberdades e Garantias - da Parte I - subordinada à epigrafe Direitos e Deveres Fundamentais - concretamente, no que ao caso importa, no artº 26º estabelecendo que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” (nº 1); preceito que é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (cfr. artº 18º nº 1 da CRPortuguesa).
A defesa destes direitos decorre ainda da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em harmonia com a qual devem ser interpretados e integrados os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais (cfr. artº 16º nº 2 CRPortuguesa), estipulando o seu artº 12º que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação.
Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem acolhe este princípio no seu artº 8º, estipulando o respeito pela vida privada (incluindo a identidade e imagem) e familiar, domicílio e correspondência; convenção essa que, ratificada e publicada, constitui direito interno aplicável directamente no nosso ordenamento jurídico (cfr. artº 8º da CRPortuguesa).
Os direitos ora em causa são desde logo direitos subjectivos privados, porque da titularidade do individuo, direitos gerais, porque todos os sujeitos deles gozam, absolutos, porque se impõem ao respeito de todos os outros, e incindem sobre os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade do individuo, porque têm por objecto as manifestações interiores da pessoa humana visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos (cfr. neste sentido Ac do STJ de 30/05/2019, proc. 336/18.4T8OER.L1.S1 e Capelo de Sousa, “A Constituição e os Direitos de Personalidade”, Estudos sobre a Constituição, Vol. 2, pág. 93).
Os direitos de personalidade configuram concretizações do primordial direito de livre desenvolvimento da personalidade de cada um e da liberdade de acção individual, tratando-se de direitos que apenas se realizam plenamente em relação, porém, sem restrições ou constrangimentos, designadamente sem intromissões de estranhos na relação eleita, daí que apenas por via do consentimento do respectivo titular eles possam ser limitados e desde que essa limitação voluntária não seja contrária aos princípios de ordem pública, sob pena de nulidade.
Descendo ao concreto, “Em particular, o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, regulado no artigo 80.º do CC, visa resguardar os factos respeitantes à vida pessoal e familiar dos sujeitos, impedir que eles sejam objecto de informação ou de conhecimento público. Neste contexto, qualquer forma de publicidade é, por si só, lesiva, i.e., mesmo quando os factos não sejam susceptíveis de apreciação desfavorável pelos outros.
Quanto ao direito à imagem, regulado no artigo 79.º do CC, ele é normalmente considerado mera concretização do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Por força dele, o retrato de uma pessoa não pode, em regra, ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio a não ser que ela dê o seu consentimento. Existe, porém, um limite à divulgação da imagem, que importa (portanto, um limite ao alcance deste consentimento): quando disso advenha prejuízo para a honra, a reputação ou o simples decoro.
O carácter inalienável e irrenunciável dos direitos de personalidade não impede, de facto, a sua limitação através do consentimento do lesado, admitindo-se, no artigo 81.º do CC, com carácter geral, a limitação voluntária dos direitos de personalidade. Podem, assim, as pessoas renunciar ou restringir os seus direitos de personalidade por via do consentimento, ficando com isso impedidas de invocar, depois, a ilicitude das lesões respectivas…”, mas “esta possibilidade de limitação voluntária dos direitos de personalidade tem, ela própria, limites. (…) o consentimento deve ser conforme à ordem pública. É a própria lei que o prevê, determinando, quer, no artigo 81.º, n.º 1, do CC, que a limitação voluntária destes direitos é nula quando seja contrária aos princípios da ordem pública, quer, no artigo 280.º, n.º 2, do CC, que o negócio-jurídico que seja contrário à ordem pública é nulo. (…) o direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e os outros direitos de personalidade são concretizações da dignidade da pessoa humana. A dignidade humana é um valor intangível e indisponível de todas as pessoas – é, justamente, um daqueles “valores injuntivos do ordenamento”. Assim, se são admissíveis, por princípio, restrições aos direitos de personalidade, já não o são aquelas que atinjam / toquem o limite da dignidade da pessoa humana, por violarem o princípio da ordem pública.” (citado Ac. do STJ de 30/05/2019 // sublinhado nosso).
Concomitantemente, também têm consagração constitucional no campo dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, nos artºs 37º e 38º, a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social; estando o direito à liberdade de expressão – compreendendo os direitos a informar, a informar-se e a ser informado – também estabelecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr. seu artº 19º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. seu artº 10º nº 1).
A liberdade de imprensa, como é pacífico, constitui um dos elementos essenciais da liberdade de expressão - estando, como visto, erigido na nossa Constituição a direito fundamental - incumbindo à imprensa a difusão de informações de interesse público, como reverso do direito do público a receber informação, poder conhecer e formar o seu juízo e opinião.
O exercício destas liberdades, que são direitos, implica, contudo, deveres e responsabilidades. Efectivamente, o artº 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que toda a pessoa tem a protecção da lei contra intromissões ou ataques na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, na sua honra e reputação; o artº 37º nº 4 da CRPortuguesa prevê que “A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”; e, por seu turno, o artº 10º nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê que o seu exercício pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
Na nossa ordem interna, conforme resulta do Estatuto do Jornalista aprovado pela Lei nº 01/99, de 01/01 (na redacção que lhe foi dada pela Lei 64/2007 de 06/11, e objecto da Declaração de Rectificação nº 114/2007), o direito de informação não está sujeito a impedimentos ou discriminações, nem subordinado a qualquer forma de censura, estando garantida a liberdade de expressão e de criação (cfr. artºs 6º e 7º), mas está, naturalmente, sujeito a deveres que decorrem e são próprios da responsabilidade inerente ao respectivo exercício.
Acerca dos deveres dispõe o artº 14 do Estatuto do Jornalista, do qual destacamos que constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional (nº 1 corpo), competindo-lhes, designadamente, informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião (nº 1 al. a), preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas (nº 2 al. h).
Por seu turno, o Código Deontológico dos Jornalistas (que sofreu alterações em 2017 aprovadas no 4º Congresso dos Jornalistas) refere entre os deveres essenciais a observar no exercício da actividade: “8. (…) O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de actos que a lei qualifica como crime. (…). 10. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos, excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas”.
Pelo artº 1 da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei nº 02/99 de 13/01 (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 78/2015, de 29/07), encontra-se garantida a liberdade de imprensa nos termos da Constituição e da Lei, daí decorrendo a garantia da imprensa escrita e da decorrente de emissões televisivas, conforme, aliás, resulta da Lei de Televisão (Lei nº 27/2007 de 30/07, e no que ao caso importa na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 78/20015 de 29/07), a exercer com responsabilidade e tendo como únicos limites “...os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática” (cfr. artº 3 da Lei de Imprensa), idêntica limitação prevendo a Lei de Televisão cujo artº 27º nº 1, sob a epígrafe “Limites à liberdade de programação”, estabelecia à data dos factos, como continua a estabelecer, que a programação dos serviços de programas televisivos deve respeitar a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, pág 575, “do nº 3 do artigo 37º da CRP se pode concluir que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, cuja infracção pode conduzir a punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (cfr. art. 26º); a injúria e a difamação ou o incitamento ou instigação ao crime (que não se deve confundir com a defesa da descriminalização de certos factos) não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação”.
Perante este enquadramento dos direitos em confronto, a nossa jurisprudência foi firmando o primado dos direitos de personalidade sobre a liberdade de expressão, de que há inúmeros exemplos de Acórdãos dos Tribunais Superiores.
Contudo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) vem decidindo que a ingerência na liberdade de expressão deve ter carácter excepcional atenta a importância fulcral dessa liberdade numa sociedade democrática (entendimento que conduziu já a algumas condenações de Portugal pelo TEDH, por violação do artº 10º da CEDH), em consequência do que a jurisprudência nacional tem vindo a operar uma viragem com fundamento no relevo, na dignidade e na dimensão da liberdade de expressão, do que são  exemplos os Acórdãos do STJ de 28/06/2012, 08/05/2013, 21/10/2014 e 19/04/2016, onde se constata a influência do paradigma jurisprudencial do TEDH.
Deste modo, como se sustentou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013 (processo 1755/08 in dgsi), «Na medida em que se confrontem direitos constitucionalmente tutelados, não é possível estabelecer‑se, em abstrato, qualquer relação de prevalência ou de hierarquia entre eles, nomeadamente os acolhidos pelas referidas normas e princípios consagrados na Lei Fundamental.
Ambos se perfilam no mesmo patamar, portadores da mesma dignidade constitucional, a todos vinculam, são de aplicabilidade direta e apenas susceptíveis de restrições impostas por lei ou por outras normas ou princípios constitucionais, protetores de um "bem constitucionalmente valioso", com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (art. 18º CRP).
São, de resto, esses princípios que hão de presidir à possibilidade de conciliação entre direitos fundamentais que se apresentem como incompatíveis.
Têm de aceitar-se, então, «restrições implícitas, derivadas, também elas, da necessidade de salvaguardar "outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos" (art. 18º-2 cit.; cf. Jorge Miranda – Rui Medeiros, "Constituição Portuguesa Anotada, I, 160-162).
Ainda conforme estes Autores, não sendo admitidos, para direito de livre expressão, nenhum tipo e nenhuma forma de censura, tal não significa, como também já se deixou dito, que a liberdade de expressão não esteja sujeita «a concordância prática com outros direitos, designadamente com os direitos pessoais (artigos 25º, nº 1 e 26º), e estabelecendo a lei garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias (artigo 26º, nº 2)» (ob. cit., 430).”»
É particularmente expressivo o Acórdão do STJ de 07/02/2008 (proc. 07B4403 in dgsi) que, citando Acórdão de 29/11/2005 em que o TEDH condenou o Estado Português, nos dá conta dos princípios fundamentais que decorrem da jurisprudência desse Tribunal Europeu relativa ao artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
É a seguinte a citação: «Sob reserva do n.º 2, esta [a liberdade de expressão] é válida não só para as “informações” ou “ideias” recebidas livremente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que contradizem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há sociedade democrática. Tal como estabelece o artigo 10.º, o exercício desta liberdade está sujeito a formalidades, condições, restrições e sanções que todavia devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente.”
(…)
“Estes princípios revestem uma importância particular para a imprensa. Se esta não deve ultrapassar os limites fixados em vista, em particular, da “protecção e reputação de outrem”, incumbe-lhe no entanto comunicar informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre os outros temas de interesse geral. A garantia que o artigo 10.º oferece aos jornalistas no que respeita às contas que prestam sobre as questões de interesse geral é subordinada à condição que os interessados agem de boa fé de forma a fornecer informações exactas e dignas de crédito no respeito da deontologia jornalística... a mesma regra deve aplicar-se às outras pessoas que se empenham no debate público, tendo o Tribunal reconhecido que “a liberdade jornalística compreende também os possível recurso a uma determinada dose de exagero, mesmo de provocação.”
“Uma ingerência [no direito à liberdade de expressão] é contrária à Convenção quando não respeita as exigências previstas no n.º2 do artigo 10.º. É, pois, necessário determinar se estava prevista na lei, se visava um ou vários interesses legítimos referidos neste número e se era “necessária numa sociedade democrática”.
“A verificação do carácter “necessário numa sociedade democrática” da ingerência litigiosa impõe ao Tribunal averiguar se esta correspondia a uma “necessidade social imperiosa”, se esta era proporcional aos fins legítimos prosseguidos e se os fundamentos apresentados pelas autoridades nacionais para a justificarem são pertinentes e suficientes…Para determinar se existe tal necessidade e que medidas devem ser adoptadas para lhe dar resposta, as autoridades nacionais gozam de uma certa margem de apreciação. Porém esta não é ilimitada mas anda a par com um controlo europeu exercido pelo Tribunal, que deve decidir em última instância se uma restrição se concilia com a liberdade de expressão tal como decorre do artigo 10.º.»
Concluindo de seguida o Exmo Relator que «Desta posição do TEDH, parece-nos resultar uma imposição no modo de pensar. Não se justifica que se pense, logo à partida, sobre se determinada peça jornalística ofende alguém. Deverá, antes, partir-se da liberdade de que gozam o ou os respectivos autores. Só, depois, se deve indagar se se justifica – atentos os critérios referenciais acabados de referir, com inclusão duma margem de apreciação própria por parte dos órgãos internos de cada um dos Estados signatários da Convenção - a ingerência restritiva no campo dessa mesma liberdade e a consequente ida para as sanções legais.
Isto não significa, todavia – a nosso ver – que não assumam intensa relevância os casos em que se justifica tal ingerência restritiva. Basta ler-se esse n.º2 do artigo 10.º e ponderar-se o que ele contém em termos de valores essenciais ao ser humano. Devendo ainda ponderar-se que o TEDH – depois de aludir às informações exactas e dignas de crédito e à deontologia jornalística - reconhece e respeita a existência de uma margem de liberdade de apreciação a cada Estado. Dentro da qual hão-de caber para o caso português - ainda que em interpretação que tenha em conta o que se referiu – as estatuições internas sobre o direito ao bom nome e reputação, mormente as interessantes no domínio do Direito Penal, o artigo 484.º do Código Civil e, bem assim, além do mais que ao caso couber, o constante do Estatuto dos Jornalistas.»
Portanto, em vista da tutela legal e constitucional conferida aos direitos de personalidade ora em causa e bem assim às liberdades de informação e de imprensa, e em atenção às limitações legal e constitucionalmente consentidas a estas últimas que acima deixámos expressas, tratando-se esta de uma liberdade responsável que não deve ultrapassar certos limites designadamente em atenção à protecção daqueles direitos da pessoa, que, contudo, podem sofrer compressão perante a liberdade de expressão e de imprensa quanto à comunicação de informações e ideias sobre questões ou temas de interesse geral numa sociedade plural e democrática, as informações e ideias a comunicar pela imprensa e que o público tem o direito e interesse de receber  devem obedecer aos deveres e responsabilidades que acima assinalámos e cingir-se ao fim para que a liberdade de informação é concedida e não prosseguir outros fins, nomeadamente de satisfação da mera curiosidade e sensacionalismo quando aborda a vida privada das pessoas.
Estando-se em presença de direitos constitucionalmente garantidos, em
caso de conflito entre o direito de liberdade de informação e o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, deverá o mesmo ser resolvido de acordo com os princípios gerais e constitucionais tendo em conta o disposto no artº 18 nº 2 da CRPortuguesa, nos termos do qual, recordamos, «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos», e ainda o disposto no artº 335º nº 1 do CCivil segundo o qual o conflito entre direitos iguais ou da mesma espécie resolve-se pela cedência de todos, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes; preceitos cuja aplicação convoca o princípio da proporcionalidade.
Voltando a Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob.cit., págs. 392 e 393), este princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
No caso concreto, constando dos vários episódios da reportagem a divulgação de factos integradores de um alegado esquema de adopções ilegais, levadas a cabo por uma Igreja de razoável dimensão e expressão públicas nela identificada (cfr. factos 16 e 17), são estes factos, pela sua gravidade, a serem verídicos, de inegável interesse público e merecedores de divulgação, como, aliás, o Autor aceita.
Sendo tais factos, relativos ao alegado esquema de adopções ilegais, merecedores de divulgação, o que está em causa neste recurso é a forma como foi feita essa divulgação, em especial nos episódios da reportagem que versaram a situação do Autor.
A matéria de facto provada revela que o Autor LCA foi uma das crianças visadas na reportagem como tendo sido objecto de uma dessas adopções, sendo na reportagem o mesmo identificado pelo nome L e pelos apelidos que foi utilizando, associando ainda explicitamente a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, em vários passos dos episódios 1º a 6º, sendo na reportagem referida a história familiar do Autor, desde que na infância foi retirado à família biológica e colocado num Lar da Igreja …, sendo transmitidas imagens fotográficas e vídeos do Autor em várias fases da vida até ao presente (cfr. factos 19, 20, 21, 22, 24, 27, 28, 35, 36, 37, 48, 52 e 54).
Por outro lado, nessa mesma reportagem apenas quanto a alguns dos menores adoptados é divulgada a identidade, a sua imagem, em crianças e em adultos, a identidade dos adoptantes e circunstâncias de vida (cfr. facto 18, com a redacção acima alterada); a reportagem inclui entrevista à mãe biológica do autor referindo-a pelo nome “Maria” e com imagem encoberta por forma a ocultar a sua identidade (cfr. facto 23), e uma testemunha anónima apelidada de “AN” (cfr. facto 32).
A matéria de facto demonstra ainda que a reportagem revela os aspectos relativos à “adopção de facto” do Autor por VF e JF viabilizada pela adopção legal do Autor por AA (cfr. factos 25, 26, 30 a 34, e em especial 39 a 44, 46 e 53), afirmando-se mesmo no episódio 4 da reportagem que “A T.. teve acesso a documentos que fazem parte do processo secreto de adoção” (cfr. facto 46), acesso que - muito embora se desconheça como foi obtido, já que o acesso das 1ª e 2ª Rés ao processo de adopção do Autor lhes foi negado pelo Tribunal (cfr. facto 66) - terá efectivamente acontecido porque na reportagem são narrados factos respeitantes a tal processo; adopção esta a que se reportam os factos 86 a 98.
Ora, tendo efectivamente decorrido processo de adopção plena do Autor por AA decretada por Tribunal português, esse processo é secreto.
Com efeito, já nos termos do disposto no artº 169º do DL nº 314/78 de 27/10, “Quando o adoptando tiver sido declarado abandonado ou confiado a um estabelecimento público ou particular de assistência e o adoptante se opuser a que a sua identidade seja revelada aos pais naturais, o processo de adopção é secreto, podendo ser unicamente mostrado ao adoptante ou ao adoptado, maior ou emancipado”, constituindo “a violação do segredo do processo de adopção (…) crime de desobediência.”
Nas diversas alterações a este diploma legal, foi-se reforçando o carácter secreto do processo de adopção, instituindo-se actualmente no artº 4 da Lei 143/2015 de 08/09 que “1- A fase judicial e os demais procedimentos administrativos e judiciais que integram o processo de adoção, incluindo os seus preliminares, têm carácter secreto.
2- O processo de adoção, incluindo os seus preliminares, pode ser consultado pelo adotado depois de atingida a maioridade.
3- Por motivos ponderosos e nas condições e com os limites a fixar na decisão, pode o tribunal, a requerimento de quem prove interesse legítimo, ouvido o Ministério Público, se não for o requerente, autorizar a consulta dos processos referidos no n.º 1 e a extração de certidões. (…)
5- A violação do segredo dos processos referidos no n.º 1 e a utilização de certidões para fim diverso do expressamente autorizado constituem crime a que corresponde pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.”
Posto isto, a divulgação pública, através da dita reportagem, de elementos relativos ao processo de adopção legal do A., com a identificação deste e da adoptante AA, não se encontra legitimada.
Por outro lado, no tocante ao direito à identidade/imagem e nome, a divulgação da história de vida do Autor e dos factos apresentados na reportagem era possível com o mesmo conteúdo informativo sem que essa narrativa trágica fosse associada à exposição explicita do nome e imagem do Autor desde a infância até ao presente.
Se ao Autor fosse atribuído um nome fictício e a sua imagem desfocada não ficaria desvirtuada a informação veiculada, cujo interesse púbico na divulgação recai sobre a narrativa do esquema das adopções ilegais por e com a intervenção de membros da Igreja …, e não no conhecimento da concreta identidade e imagem das crianças visadas, que sempre seriam vítimas dessa situação e por isso merecedoras de maior protecção; e a circunstância de o Autor ter sido acolhido no seio de uma família com relevo na Igreja … não diminui o direito à tutela dos seus direitos pessoais.
A evidência de que a ocultação da identidade (nome e imagem) não desvirtua a divulgação plena da informação - isto é, que não era necessária a exposição da pessoa do Autor (através do nome e imagem) para a compreensão da mensagem, como os Recorrentes defendem - ressalta da circunstância de na mesmíssima reportagem os Recorrentes terem omitido a identidade e imagem da mãe biológica do Autor (cfr. facto 23), de uma testemunha anónima que apelidaram de “Ana” (cfr. facto 32), e de nela ter sido relatada a situação de menores quanto aos quais não foi divulgada a identidade nem a imagem, nem a identidade dos adoptantes, nem as circunstâncias de vida (cfr. decorre do facto 18, com a redacção acima alterada).
E o Autor expressamente se opôs à transmissão da reportagem com fundamento em que a mesma continha factos que ele considerava atentatórios da sua privacidade (cfr. facto 13), e as suas publicações nas redes sociais não se podem considerar um consentimento tácito do Autor como parecem sugerir os Recorrentes, desde logo porque nos termos do disposto no artº 81º do CCivil os direitos de personalidade só podem ser limitados por acto voluntário do próprio titular (excepto se contrariar os princípios da ordem pública).
O consentimento exigido pelo artº 79º nº 1 CCivil, enquadrado pelo artº 81º do mesmo código, tem de ser expresso, sendo apenas excluída a sua necessidade nos casos em que a notoriedade do visado, o cargo que desempenhe, exigências de justiça ou polícia, finalidades científicas, didácticas ou culturais, o justifique, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente (cfr. artº 79º nº 2 CCivil).
Os Recorrentes, no sentido de beneficiarem da exclusão prevista neste normativo, invocam que o Autor é uma figura pública por exercer as funções de pastor da Igreja … e por ser associado, em termos familiares, ao líder da Igreja o seu putativo avô adoptivo EM, e à filha e genro deste, pretensos pais adoptivos do Autor.
Ora, a qualidade de figura pública tem de respeitar ao titular dos direitos visados, sendo por isso irrelevante a relação pessoal/familiar do Autor com EM e com a filha e genro deste.
E o Autor, pela circunstância de ser pastor da Igreja … não é uma figura pública, com notoriedade, como, aliás, resulta da própria posição defendida pelos Recorrentes a propósito da impugnação dos factos 56 a 60.
Figura pública será uma pessoa que se encontra numa posição em que, pelo seu protagonismo social, está focada a atenção pública.
A circunstância de o Autor ser pastor da Igreja… torná-lo-á certamente conhecido na sua comunidade religiosa, como o pároco é conhecido na sua paróquia, e isso não faz dele uma figura pública.
Por isso, não tendo havido consentimento do Autor, antes expressa oposição, não se verificando a exclusão invocada pelos Recorrentes, e sendo viável, sem desvirtuamento do conteúdo informativo, preservar o nome e a imagem do Autor, desde a infância até à idade adulta, o seu direito à identidade/imagem e nome deveria ter sido respeitado pelos RR..
Assim, houve uma violação injustificada, porque não proporcional, do direito ao nome e imagem do Autor.
Já no que toca à reserva da vida privada há que ter em conta que, nos termos do disposto no artº 80º nº 2 CCivil, a extensão dessa reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
Ora, no caso não pode deixar de se ter presente que a situação da adopção de facto do Autor envolve personalidades destacadas da Igreja …, concretamente o líder EM, a filha e o genro deste, pelo que, atento o foco informativo da reportagem – divulgação de uma alegada rede de adopções ilegais levada a cabo pela Igreja … (cfr. facto 16) – era de notório interesse público revelar o envolvimento directo dessas personalidades numa concreta adopção.
Dando-se a conhecer a actuação pessoal de EM, da filha e do genro numa concreta adopção, inevitavelmente a ela ficaria associado o Autor uma vez que quer ele quer a sua pretensa família adoptiva vêm divulgando em redes sociais a relação familiar adoptiva entre eles, sendo o A. conhecido, pelo menos na comunidade da Igreja …, como “filho adoptivo” de VF e de JF e como “neto adoptivo” do líder e fundador da Igreja …, EM (cfr. artºs 68 a 72 e 75). Mas, concomitantemente, nada nos autos, concretamente na prova, permite afirmar que essa relação familiar era conhecida fora da comunidade da Igreja …, pelo que apenas a divulgação explicita do nome e imagem do Autor permite essa associação pelo publico em geral, por um universo incontável de potenciais espectadores da reportagem no momento da sua transmissão televisiva e posteriormente através do acesso aos sites e portal onde ficou disponível (cfr. facto 10)
De outra banda, a divulgação pelo Autor e pela sua família adoptiva da sua história de vida e da sua adopção retrata um contexto diferente e adocicado da adopção e vivências do Autor e não a narrativa trágica dada a conhecer na reportagem quanto à sua mãe biológica e à sua infância, e que constituem factos objectivamente traumáticos se aferidos face ao padrão do homem médio colocado na posição do Autor.
E o direito à reserva da vida privada encerra no seu conteúdo o controlo de informação sobre a vida privada, abarcando o direito de impedir o acesso ou a captação de informações relativas à vida privada, quer o direito de obstar à divulgação ou à colocação em circulação dessas mesmas informações (cfr. Catarina Santos Botelho, Comentário ao CC – Parte Geral, UCE, págs. 199 e 200), cabendo ao titular do direito controlar, decidir, a informação relativa ao núcleo reservado da sua vida privada que pode ser divulgada, quando e em que termos. Se se vulgarizou o uso de redes sociais para difusão de mensagens, fotografias e aspectos da vida privada, essa divulgação não deixa de ser resultado do controlo do titular do direito de personalidade sobre o modo e forma de divulgação daquela que quer apresentar como vida (mais ou menos) privada, e tal não significa uma autorização implícita para que esses conteúdos sejam reproduzidos e usados noutras sedes e com outros fins, sejam publicitários, comerciais, divulgação de notícias, etc.
Neste conspecto, considerando que o direito a informar, como decorre do enquadramento legal acima exposto, tem de ser exercido com responsabilidade e com respeito pela dignidade da pessoa humana, ponderando o equilíbrio entre os direitos conflituantes em presença, temos de considerar que a natureza do caso legitima uma restrição do direito à reserva da vida privada do Autor no que concerne às condições da sua adopção de facto por VF e JF e à intervenção pessoal de EM nesse processo, mas que deveria ter sido preservada a reserva da vida privada do Autor quanto às suas circunstâncias de vida na infância junto da família biológica que levaram à sua retirada pela Segurança Social, à sua relação com os irmãos biológicos, aos maus tratos sofridos e à sua condição de saúde (ainda que infundada), porquanto se trata de aspectos dum núcleo basilar de privacidade por ele não divulgados e a cuja  divulgação expressamente se opôs (cfr. facto 13) e que não se revelam essenciais ao conteúdo informativo da reportagem.
“A informação jornalística deve procurar causar o menor mal possível, pelo que quando se ultrapassam os limites da necessidade informativa (…) a conduta é ilegítima” (cfr. Prof. Beleza dos Santos, in RU, Ano 92°, págs. 165 e ss.)
Portanto, sendo no caso concreto legítima uma compressão do direito do Autor à reserva da vida privada, a intromissão que nela se verificou pelo conteúdo da reportagem excede o âmbito da afectação legítima, não sendo inteiramente proporcional ao interesse público à informação.
Aqui chegados, temos, pois, por reconhecidos os direitos do Autor à não exposição do seu nome e da sua imagem e ter ocorrido um excesso de intromissão, portanto indevida na extensão com que ocorreu, no direito do Autor à reserva da sua vida privada.
Esses direitos – tutelados pelos artºs 26º da CRPortuguesa, 79º nº 1 e 80º nº 1 do CCivil, 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 8º Convenção Europeia dos Direitos do Homem – resultaram violados pelos Recorrentes – por infracção dos deveres impostos pelo artº 14º nº 1 al. a) e nº 2 al. h) do Estatuto dos Jornalistas (reforçado pelo Código Deontológico dos Jornalistas, designadamente os seus nºs 8 e 10) e pelos artºs 3º da Lei de Imprensa e 27º da Lei da Televisão – podendo e devendo ter actuado com respeito por aqueles direitos e em cumprimento destes normativos legais, produzindo-se, por conseguinte os efeitos imediatos decorrentes da consumação da violação, que se traduzem na reparação do dano, o qual, neste domínio, emana da própria violação do direito, porque essa violação encerra o sacrifício do direito de personalidade atingido e nisso se traduz o dano. A que acrescerão os que ressaltam dos factos 56 a 60 da matéria de facto.

Quanto antecede revela ter sido pelos Recorrentes infligido um sacrifício a direitos de personalidade do Autor e esse sacrifício representa em si e por si dano não patrimonial indemnizável; por outro lado, os factos 56 a 60 revelam igualmente danos não patrimoniais causados pela conduta voluntária e ilícita dos RR. - porque livre e conscientemente actuaram em desrespeito de normas que lhes impunham conduta diversa - e que são merecedores da tutela do Direito porque excedem, em muito, os inconvenientes a que os cidadãos sempre estão sujeitos na vida em comunidade.
A indemnização devida por tais danos há-se ser fixada de acordo com juízos de equidade e atendendo aos critérios do artº 494º do CCivil, mandados aplicar pelo artº 496º nº 4 do mesmo Código.
Os factos provados e a análise que acima fizemos denotam gravidade quanto à violação dos direitos do Autor ao nome e imagem e ainda quanto à reserva do conteúdo, de natureza privada e legalmente secreta, da sua efectiva adopção, e revelam ainda ter sido excedida a compressão legítima do direito à reserva da vida privada do Autor.
A reportagem divulgou a história de vida do Autor e as circunstâncias em que o mesmo foi retirado à sua família biológica e colocado num Lar de crianças da Igreja …, associando-o a um processo de adopção ilegal, sendo a sua história e a dos seus irmãos biológicos contada ao longo de 6 episódios, mencionando o nome verdadeiro do Autor e exibindo a sua imagem sem qualquer distorção, incluindo imagens do mesmo em criança e em adulto, permitindo a sua identificação por terceiros e a associação a essas trágicas circunstâncias.
O conteúdo da reportagem relatou factos acerca da situação social e familiar desfavorecida que justificou a retirada do Autor da família biológica pela Segurança Social e ao comportamento ilícito da pessoa que o veio a adoptar e do casal que hoje vê como seus pais adoptivos.
O relato da descrição da vida de infância do Autor, das circunstâncias em que este foi retirado da família biológica, da falta de contactos com os progenitores por imposição de terceiros, da sua alegada condição de seropositivo de HIV depois negativado, da sua relação com os irmãos biológicos, da referência às circunstâncias penosas de afastamento de um dos irmãos que acabou por falecer, e de maus tratos que lhe teriam sido infligidos pelas pessoas que hoje considera seus pais adoptivos, tudo isto associado à exibição de múltiplas imagens do Autor, em criança e em adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros associando-o como uma criança que foi raptada pela Igreja…, roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada, configuram-se como danos de uma gravidade intensa, pelo sofrimento indelével que acarretam.
E o Autor chegou mesmo a ser identificado por desconhecidos que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando o mesmo por ter que dar explicações sobre o ocorrido, além de ter sido também abordado por fiéis da Igreja… que o questionam sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos, o que, obviamente, potencia o sofrimento vivenciado pela exposição da sua história de vida e que se renova em cada situação em que vislumbre esse tipo de abordagem por parte de terceiros.
Devido à reportagem, o Autor acabou por reviver episódios da sua infância e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas; ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada. Sentimentos que o acompanharão perante a incerteza de quantas pessoas tiveram e terão conhecimento de aspectos da sua vida que deveriam ter sido resguardados.
Estamos efectivamente perante danos de grande expressão e significado, até por terem potencial de sofrimento recorrente.
A produção desses danos ao Autor surge injustificada porque, como vimos, era possível aos RR. cumprir o desiderato informativo sem violentarem o direito ao nome e imagem do Autor e sem extravasarem o limite justificável de intromissão na sua vida privada, confinado esse limite às condições da adopção de facto do Autor por VF e JF e à intervenção pessoal de EM nesse processo.
De outra banda, não podemos desvalorizar que o Autor e a sua família adoptiva fizeram divulgação em redes sociais da sua história de vida e da sua adopção - embora, é certo, apresentando uma feição diferente da apresentada na reportagem dos RR. - e de que parte das imagens do Autor, fotográficas e videográficas, utilizadas na reportagem foram retiradas das publicações do próprio e dos seus alegados familiares adoptivos ou da Igreja … (cfr. facto 76); circunstâncias que atenuam a culpabilidade dos RR., porém, sem perder de vista a obtenção de proventos muito expressivos e benefícios de actividade como se verifica dos factos 61 a 64, sendo certo que os RR. pessoas singulares colhem benefícios profissionais pela notoriedade que adquirem com a sua participação em trabalhos com o nível de audiências que esta reportagem alcançou.
Deste modo, em vista dos critérios a que manda atender o artº 494º, ex vi artº 496º nº 4 CCivil, os direitos em confronto e as particularidades do caso – vastamente dilucidadas acima – temos de concluir que a indemnização arbitrada se revela excessiva como defendido pelos RR., sendo adequada a indemnização de € 15.000,00; e assim, neste aspecto, parcialmente procedentes os recursos dos RR. e improcedente a apelação do Autor.

III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar:
- parcialmente procedente a apelação (conjunta) dos 1º, 2º e 3º RR. no que respeita à impugnação da matéria de facto, concretamente no que tange aos factos 18 e 55 dos factos provados,
- parcialmente procedentes as apelações dos 1º, 2º e 3º RR., da 8ª R. e da 9ª R. quanto à indemnização arbitrada ao Autor,
- improcedente a apelação do Autor (que versava apenas sobre o montante indemnizatório).
Desse modo, revoga-se a decisão da 1ª instância no concernente à indemnização arbitrada ao Autor, que agora se fixa em € 15.000,00 (actualizada à presente data), quanto ao demais mantendo-se a sentença de 1ª instância.
Custas:
- do recurso dos 1º, 2º e 3º RR. na proporção de 50% para estes e de 50% para o Autor,
- do recurso da 8ª R. na proporção de 50% para esta e de 50% para o Autor,
- do recurso da 9ª R. na proporção de 50% para esta e de 50% para o Autor, e
- do recurso do A. inteiramente a seu cargo.
Notifique.

Lisboa, 11/07/2024
Amélia Puna Loupo
Maria Carlos Calheiros
Carla Mendes