CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I - O caso julgado é qualidade de imutabilidade da decisão judicial logo que não seja susceptível de recurso ou de reclamação (cfr. art. 628º do C.P.Civil de 2013), e traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação de decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário, sendo certo que o caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal (ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão) e que só as decisões susceptíveis de trânsito em julgado é que podem adquirir o valor de caso julgado.
II - A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia: por um lado, um efeito negativo que se exprime numa proibição de repetição, visando obstar a que as questões alcançadas por uma decisão coberta pelo caso julgado se possam voltar a suscitar entre as mesmas partes numa acção futura, dimensão esta que encontra correspondência legal na excepção dilatória do caso julgado [cfr. art. 577º/i) do C.P.Civil de 2013]; e, por outro lado, um efeito positivo que se exprime numa proibição de contradição, conduzindo a que solução compreendida no caso julgado se torne vinculativa no quadro de outros casos a serem decididos no mesmo ou em outros tribunais, dimensão esta que tem correspondência na autoridade do caso julgado.
III - A excepção dilatória do caso julgado respeita à “identidade entre relações jurídicas”, enquanto a autoridade do caso julgado respeita à “existência de relações - já não de identidade jurídica - mas de prejudicialidade entre objectos processuais”.
IV - Para se determinar se há ou não repetição da acção deve atender-se à directriz substancial traçada no nº2 do supra citado art. 580º do C.P.Civil de 2013, onde se estipula que tem “por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior”, mas também ao critério formal assente na tríplice identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir consagrado no art. 581º/1 do C.P.Civil de 2013 (“Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”)Cfr. Ac. STJ 25/06/2020, Juiz Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira, proc. nº5243/18.8T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj..
V - A identidade subjectiva prende-se com a posição das partes na relação jurídica material controvertida que é objecto do processo e não com a posição processual que nele ocupam, pelo que aquela afere-se pela identidade de litigantes titulares na relação jurídica material controvertida ajuizada.
VI – A identidade de pedidos ocorre quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito pretendido, mas não sendo de exigir uma integral sobreposição das pretensões materiais deduzidas.
VII - A identidade de causa de pedir para efeitos da excepção dilatória do caso julgado depende da análise comparativa do conjunto de factos principais (núcleo fáctico essencial) que, a provarem-se, podem preencher o âmbito de previsão de uma concreta norma jurídica: caso se verifique uma sobreposição e coincidência do substrato factual concreto, principal e essencial de ambas as acções (isto é, que não seja alegado uma único facto principal distinto), então estamos perante uma identidade de causa de pedir, não constituindo factores de afastamento desta identidade a diferença que radica apenas na alteração da qualificação jurídica desse substracto factual que fundamenta a pretensão, e/ou numa qualquer alteração ou ampliação factual que não incide nem afecta o núcleo fáctico essencial em que se alicerça a causa de pedir, e/ou na invocação de matéria de facto que tem uma natureza instrumental e/ou complementar/concretizadora dos factos essenciais.
VIII - O exercício concreto do direito de acção ou de defesa está limitado pelo dever de litigar (actuar processualmente) de boa-fé expressamente consagrado no art. 8º do C.P.Civil de 2013. Este dever de boa-fé processual representa também um corolário do princípio do dever de cooperação consagrado no art. 7º/1 do C.P.Civil de 2013.
IX - O instituto da litigância de má fé visa precisamente sancionar e combater a «má conduta processual» das partes aquando do exercício do direito de acção e/ou de defesa, designadamente, toda e qualquer conduta processual que represente uma violação do dever geral de boa-fé e/ou do dever de cooperação, sendo que, em simultâneo, se assegura a boa administração da justiça, o respeito pelo Tribunal, e a credibilidade da atividade jurisdicional.
X - A actuação prevista nesta alínea a) do nº2 do art. 542º do C.P.Civil de 2013, quando é adpotada sob a forma de negligência grave, aproxima-sedo tipo de conduta processual que Alberto dos Reis distinguia e qualificava como «lide temerária»: a parte embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro ou culpa grave, ajuizando a acção com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão (ou a sua defesa, acrescentamos nós). Quando tal actuação é adoptada sob a forma dolosa, aproxima-se, a nosso ver, do tipo de conduta processual que Alberto dos Reis distinguia e qualificava como «lide dolosa»: a parte, apesar de estar ciente de que não tinha razão, litigou e deduziu pretensão (ou defesa) conscientemente infundada.
XI - Em termos gerais, e sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto, entendemos que a negligência grave consiste numa imprudência indesculpável e intolerável, completamente destituída daquele mínimo de diligência e cuidado que teria permitido ao agente facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, o que se revela manifesta aos olhos de qualquer um.
XII - Ao intentar a presente acção contra o Réu A., com base nos mesmos fundamentos e no mesmo pedido que já havia deduzido em acção anterior que havia sido julgada improcedente (em razão do Autor não ter logrado provado os factos que permitiam considerar preenchidos todos os requisitos da responsabilidade extracontratual) por sentença transitada em julgado, quando lhe era exigível que respeitasse o efeito processual decorrente do caso julgado material formada na acção anterior, o Autor deduziu contra o Réu A. uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, encontrando-se preenchida a conduta de litigância de má-fé prevista na alínea a) do nº2 do art. 542º.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães[1]

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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

AA intentou contra BB e contra CC, pedindo que «seja o primeiro Réu, ou o segundo Réu, ou ambos os Réus, condenado/os a indemnizar o Autor de todos os danos sofridos em consequência deste acidente, (em valor a liquidar no decurso da presente ação), indemnização acrescida dos devidos juros legais, até efetivo e integral pagamento».
Alegou, essencialmente, que: «no dia 21/12/2016, o Autor conduzia na Rua ..., freguesia ... e concelho ..., no sentido .../..., o seu veículo de matrícula ..-..-IB, que utilizava diariamente para visitar os seus clientes e as obras que realizava no exercício da sua profissão de eletricista, quando subitamente resvalou uma pedra de grandes dimensões do prédio rústico situado na margem direita da via de trânsito em que circulava, não tendo sido possível evitar o choque, o que causou danos na frente do veículo; a pedra desprendeu-se do muro do prédio rústico que entende pertencer ao primeiro Réu, mas que, dado o local do desprendimento se situar junto à confrontação do prédio do primeiro Réu com o prédio (bouça) do segundo Réu, situado a sul dele, admite a possibilidade de o prédio de cujo muro a pedra se desprendeu pertencer ao segundo Réu; o primeiro Réu, ou o segundo Réu, não cuidavam de manter firmes as pedras de grandes dimensões que constituem o muro de divisão; o valor dos danos do veículo será apurado em perícia a realizar; o veículo também era usado para o transporte de materiais de e para as obras; em consequência da sua imobilização, o Autor viu-se forçado a adquirir um novo veículo; em consequência da sua prolongada imobilização, o seu veículo sofreu uma desvalorização comercial não inferior a €3.000,00; com o não uso do veículo, o Autor vem sofrendo um prejuízo diário não inferior a €75,00; com a obtenção da certidão da Participação do Acidente de Viação na G.N.R., teve de dispor da quantia de €75,00; o Autor não logrou fazer a prova / demonstração dos factos acima narrados, na ação de processo comum n.º 4138/17.... que correu termos no Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., proposta apenas contra o aqui primeiro Réu».
Por requerimento datado de 29/09/2021 (ref. citius «12009026»), o Autor veio desistir da instância relativamente ao Réu CC, desistência que foi homologada por sentença proferida em 13/12/2021.
Por requerimento datado de 30/09/2021 (ref. citius «12014920»), o Autor requer a intervenção principal provocada, para figurar na ação como segunda Ré de DD, alegando, no essencial, que: a chamada é a proprietária do prédio (bouça) que confina pelo lado sul com o prédio (bouça) do primeiro réu, pelo que o interesse desta segunda ré é igual ao interesse do primeiro réu, pelo que a intervenção desta segunda ré é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; por mero lapso o autor indicou como segundo réu (litisconsorte do primeiro réu) outra pessoa que não a verdadeira proprietária do prédio (bouça) que confronta com o prédio (bouça) do primeiro réu, razão porque a ora chamada não foi demandada inicialmente».
O Réu BB contestou, pedindo que «a procedência da excepção invocada, a total improcedência da acção e pela condenação do A. como litigante de má-fé».
Defendeu, essencialmente, que: «correu termos no Juiz ... deste Juízo Local Cível de ... o proc.nº 4138/17...., em que há coincidência de sujeitos processuais, uma vez que A. e o aqui R. são os mesmos, em que o pedido é o mesmo, em que a situação ali controvertida é exactamente a mesma, e que terminou com Sentença já transitada de absolvição do R. dos pedidos; ocorre a excepção do caso julgado e, mesmo que se considere não estarem reunidos os pressupostos daquela excepção, sempre ocorrerá autoridade de caso julgado; a decisão sobre a matéria de facto proferida no mencionado processo, nem sequer permite afirmar que ocorreu um acidente,  como o A. bem sabe;  impugna que tenha havido qualquer acidente de viação, e que tenha havido da sua parte qualquer acção ou omissão geradora de responsabilidade, e impugna os danos invocados pelo A.; a presente acção e a forma como o A. encenou o seu suposto direito configuram um uso reiterado, claramente indevido e anormal do processo, e um deplorável e abusivo exercício do Direito, tal é a falta de verdade e de sustentação da posição e da pretensão do A.».
Por despacho proferido em 13/12/2021, foi determinada a notificação do Autor para se pronunciar quanto à excepção do caso julgado e ao incidente de litigância de má fé.
Em 27/12/2021 (ref. citius «12398863»), o Autor veio pronunciar-se no sentido de que «não se verifica o caso julgado bem como a litigância que lhe vem assacada», alegando, no essencial, que: «nada ignorou relativamente à ação que anteriormente correu no Tribunal tendo por objeto o mesmo acidente; estão narrados e invocados na presente ação factos novos, que condicionam a responsabilização pelo acidente ocorrido; a sentença que julgou a ação anterior teve por fundamento não ter o Autor praticado no processo anterior os atos / factos necessários para conseguir demonstrar nomeadamente que a pedra em questão proviesse do prédio do Réu e que os danos trazidos ao processo tenham tido como causa direta e necessária o embate nessa mesma pedra; na presente ação estão alegados factos que concernem à existência de condições agora deduzidas pelo Autor para legitimar a sua pretensão para a qual solicita tutela judiciária, pelo que interessa e se justifica a presente ação em que o Autor se propõe fazer prova dos indicados factos que conforme está dito na Sentença anterior são condição para a procedência da ação».
Na data de 01/02/2022, foi proferida decisão que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada de DD deduzido pelo Autor.
Em 18/02/2022 (ref. citius «12641014»), o Autor veio interpor recurso de apelação relativamente à referida decisão de 01/02/2022, o qual veio a ser admitido por despacho proferido em 06/05/2022, no qual mais se determinou que o recurso «sobe em separado, e tem efeito devolutivo», tendo sido constituído o respectivo apenso (apenso A).
Na data de 17/03/2022, realizou-se a audiência prévia, na qual esteve presente o mandatário do Autor, constando da respectiva acta (para além do mais):
“(…) e porquanto o Tribunal entende ser possível o conhecimento do mérito da causa, nos
termos do disposto na alínea b) do n.º 1, do artigo 591.º do Código de Processo Civil, facultou-se às partes a discussão de facto e de direito.
Pela Mmª Juiz de Direito foi dada a palavra aos Ilustres Mandatários, que se pronunciaram, reforçando as posições já assumidas nos articulados.
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Em seguida, a Mma. Juiz de Direito proferiu o seguinte:
DESPACHO
Conclua os autos, a fim de ser proferida decisão. (…)”.
Na data de 06/05/2022, foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte decisório:
“Por tudo o exposto, o Tribunal:
a) Julga verificada a exceção de caso julgado e, por consequência, abstém-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu BB da instância.
b) Condena o autor AA como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor do réu, cuja quantificação se relega para momento posterior à audição das partes.
Custas pelo autor.
Notifique, sendo o autor para comprovar nos autos a sua situação económica e o réu para concretizar as despesas a que a má fé processual deu causa, incluindo os honorários do mandatário, nos termos do disposto no artigo 543.º, n.º 3, do CPC.”.
No apenso A, na data de 30/06/2022, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor relativamente à decisão (de 01/02/2022) de indeferimento do incidente de intervenção principal provocada de DD.
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1.2. Do Recurso do Autor

Inconformado com o despacho saneador-sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, pedindo “a procedência do recurso, declarando-se o Despacho Saneador – Sentença sub judice EXTEMPORÂNEO e PARCIAL, e declarando-se que não se verifica a exceção de caso julgado e revogando-se o Despacho Saneador – Sentença sub judice, e bem assim que o Autor não agiu com má-fé processual”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações (reproduzem-se aqui apenas as conclusões aperfeiçoadas na sequência do despacho proferido nesta Relação):

“A) Correu termos a ação de processo comum n.º 4138/17.... no Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., que teve como sujeitos processuais o aqui Autor, AA, e o Réu, BB.
B) Esta primeira ação foi julgada improcedente.
C) Considerando que o muro donde se desprendeu a pedra causadora dos danos se situa na extrema de dois prédios rústicos confinantes e visando essencialmente responsabilizar o verdadeiro proprietário do muro donde se desprendeu a pedra causadora dos danos, o Autor propôs a presente ação contra ambos os proprietários.
D) Não se verifica assim na presente ação, relativamente à ação anterior, a identidade de sujeitos processuais, pois, embora o Autor seja o mesmo na ação anterior e na presente ação, na presente ação em vez de um, como na primeira ação, há agora dois Réus, pelo que se deve entender que são diferentes os sujeitos processuais (demandados).
E) O Autor propôs assim a presente ação indicando uma causa de pedir substancialmente diferente da causa de pedir da primeira ação.
F) Nesta nova ação o Autor aplicou / exerceu o preceituado no artigo 621º do CPC.
G) Também não é idêntica a causa de pedir por via da conjugação concreta da factualidade alegada.
H) Consequentemente são também diferentes os pedidos.
I) Sabendo bem que existia o requerimento para intervenção principal provocada da segunda Ré, e que tal intervenção estava pendente de Recurso.
J) Além de extemporâneo, afigura-se ao ora recorrente que o Despacho Saneador - Sentença sub judice foi também parcial.
K) Nova ação esta em que o Autor aplicou / exerceu o preceituado no artigo 621º do CPC.
L) Foi tudo alegado, com toda a lealdade e boa-fé, denunciando o Autor expressamente a existência dessa ação anterior.
M) O Autor, nesta nova ação não alterou, em lado algum, a verdade dos factos (!) – tão-só persegue a realização de Justiça pretendendo a imputação dos factos ao verdadeiro e real proprietário do muro de onde se desprendeu a pedra causadora dos danos
N) Por isso alegou o constante nomeadamente nos artigos 3, 4 e 12 da presente petição inicial.
O) O Autor não pretende, com a presente ação alcançar uma Decisão injusta – pelo contrário, pretende, isso sim, que seja feita Justiça.
P) Foi violado o disposto no artigo 628º do CPC. Foi violado o disposto no artigo 6º - C do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Foi violado o disposto no artigo 621º do CPC. Foi violado o disposto no artigo 582º do CPC”.
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O Réu BB contra-alegou, concluindo pela «total improcedência do recurso insustentado e dilatoriamente apresentado pelo recorrente».  
*
O recurso foi admitido pelo Tribunal de 1ª Instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, não tendo sido objecto de alteração neste Tribunal da Relação.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenha sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[2] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[3]).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelo Autor, são três as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:

1) se o despacho saneador sentença foi proferido “extemporaneamente”;
2) se se verifica a excepção dilatória do caso julgado;
3) e se Autor actou como litigante de má fé.
* * *
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões a apreciar, revelam os factos discriminados no «I-Relatório» que antecede e os factos que o Tribunal a quo considerou como provados n despacho saneador-sentença ora impugnado, e que foram os seguintes:

1. Correu termos no presente Juízo o processo n.º4138/17.... intentado por AA contra BB, no qual o autor formulou o seguinte pedido:
“NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL DEVE A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, SENDO O RÉU CONSIDERADO RESPONSÁVEL PELO ACIDENTE DE VIAÇAO SOFRIDO PELO AUTOR E EM CONSEQUÊNCIA DEVE SER O RÉU CONDENADO:
1) A pagar ao aqui Autor a reparação do veículo, orçamentada no valor de € 1735,67;
2) A pagar a quantia diária de 57,20€ desde o acidente até efectiva reparação do veículo, em
montante global cuja liquidação se relega para execução de sentença, e que atualmente ascende a € 10296,00;
3) A pagar ao aqui, Autor a desvalorização do veículo no montante de 1000,00€ (mil euros);
4) A pagar ao autor a quantia de € 75,00 relativo à taxa de certidão da participação de acidente;
5) A pagar ao Autor juros vincendos das referidas indemnizações à taxa legal anual, a contar da data da citação e até efectivo e integral pagamento;
6) A pagar custas legais e condigna procuradoria.”
2. Para fundamentar tal pedido alegou o autor, em sede de petição inicial:
“1. No passado dia ../../2016, cerca das 15 horas e 30 minutos, na Rua ..., freguesia ..., concelho ...,
2. ocorreu um acidente de viação da forma que adiante de descreverá e no qual foi interveniente o seguinte veículo automóvel: Um veículo ligeiro de mercadorias, ..., matrícula ..-..-IB, propriedade e conduzido pelo aqui aqui autor, AA, conforme participação policial do acidente de viação nº...57/2016 do Posto Territorial ..., que se junta como documento nº1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
I O ACIDENTE:
3. O acidente ocorreu numa via de trânsito com piso betuminoso,
4. No dia, hora e local acima melhor mencionados, no artigo 1º desta P.I., conduzia o aqui Autor o veículo matricula ..-..-IB, na direcção ..., isto atento o seu sentido de marcha,
5. a uma velocidade moderada, já que calculada entre 40 a 50 Km/h,
6. rigorosamente dentro da sua via de trânsito direita, bem junto à berma, e
7. perfeitamente atento às condições da via e demais trânsito, com a atenção e prudência devidas e com a observância das demais regras estradais.
8. Quando, ao passar junto do terreno, propriedade do réu, o autor é, surpreendido por uma pedra de dimensões consideráveis proveniente da referida propriedade e que cai na faixa de rodagem.
9. O Autor não conseguiu evitar o embate, apesar de conduzir dentro dos limites de velocidade previstos para o local e com a atenção necessária, pois nada o fazia prever tal queda de pedra, imprevista, brusca, e súbita.
10. Pelo que embateu na pedra, tendo-a arrastado e provocando danos na parte frontal e lateral esquerda do veículo, e ainda danos na roda e jante.
11. Na sequência do impacto, o veículo do autor derramou óleo na via, tudo conforme participação de acidente de viação, (cfr doc 1).
12. Em virtude do acidente o veículo do autor ficou imobilizado conforme demonstram os registos fotográficos que aqui se juntam como documentos nºs 2 a 7, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

II- DA CULPA E DA RESPONSABILIDADE:
13. Como se constata, o acidente descrito, é unicamente imputável ao comportamento culposo do réu, que não mantém a sua propriedade em condições de segurança e devidamente vedada para que dela não caiam quaisquer elementos para a via pública.
14. Tanto é, que inicialmente o Réu assumiu a culpa e relegou a sua responsabilidade para a
respectiva seguradora, (cfr se constata pela carta da companhia de seguros que ora se junta
como doc.8).
15. O autor não teve qualquer responsabilidade ou culpa no acidente em causa, não podendo ser o mesmo imputável a causa maior estranha ao funcionamento de veículos nem a terceiros.
16. O Réu bem sabia que as pedras poderiam deslizar e tombar para a via pública e provocar danos a terceiros.
17. Tal como efectivamente sucedeu!
18. Violou assim os deveres de cuidado e conservação dos seus bens que lhe são impostos pela
ordem pública.
19. Com o seu comportamento, que não cuidou de segurar terras/limpar o seu terreno que fica numa quota superior à quota da estrada, o réu provocou danos na esfera patrimonial do aqui autor.
20. Sabia o Réu que não vedando nem removendo objectos suspensos da berma da sua propriedade, existia a possibilidade daqueles se soltarem e caírem na via pública.
21. Contudo, nada fez para evitar o que sabia estar eminente.
22. Assim, o réu é o único responsável civil pelo acidente e, consequentemente pelos danos derivados do acidente em causa nos autos, nos termos do disposto no artigo 483º do C.C.
23. Com efeito, dispõe o referido preceito legal que, “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger os interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
24. Tem assim o Autor, o direito de exigir o pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofrido e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.

III- OS DANOS E NEXO DE CAUSALIDADE:
III.1- DANOS PATRIMONIAIS:
25. Como consequência directa e necessária do acidente dos presentes autos, resultaram sérios danos no veículo automóvel propriedade do Autor, matrícula ..-..-IB, nomeadamente em toda a sua parte frontal, parte lateral esquerda, roda, jante dianteira esquerda e lateral direito, com inutilização nomeadamente:
a) Para-choques frente;
b) Grelha radiador
c) Carter
d) Farolim, de mínimos
e) Farolim Pisca
f) Óleo Normal
g) Mão-de-obra de chapeiro
h) Mão-de-obra de pintura
i) Mão-de-obra de mecânica
26. Como melhor consta do orçamento de reparação Nº ...01 efectuado pela firma EMP01..., Lda em 10/01/2017, o qual se junta e que aqui se tem por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. n.º 9).
27. e cuja reparação orça em €1735,67 (MIL SETECENTOS E TRINTA E CINCO EUROS E SESSENTA E SETE CÊNTIMOS) e na qual já se inclui a taxa legal de IVA.
28. Tal orçamento de reparação engloba peças novas, trabalhos de bate chapas, chapeiro, mecânica e pintura, quantia essa que o Autor terá efectivamente de despender na reparação do seu veículo matrícula ..-..-IB, e que desde já se peticiona ao Réu.
29. A reparação do veículo propriedade do Autor é tecnicamente viável e não é excessivamente onerosa para o Réu.
30. O Réu, posteriormente ao acidente, recusou o pagamento da supra referida quantia a título de reparação.

IV- DA INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
31. O veículo do autor era utilizado diariamente no desempenho da sua actividade profissional de electricista.
32. Atendendo aos danos verificados no veículo o mesmo ficou imobilizado, não podendo circular.
33. Situação que permanece até hoje.
34. Em consequência dos danos sofridos pela viatura no acidente em causa, o autor está privado do uso e fruição do seu veículo automóvel matricula ..-..-IB, desde o dia ../../2016 (dia do acidente) até à actualidade.
35. Razão pela qual, se vê o autor obrigado a recorrer ao aluguer de um veículo, com características idênticas às do seu veículo, o que ascende à quantia diária de €57,20 conforme documento nº10.
36. Assim, vê-se o Autor compelido a exigir ao Réu o pagamento de uma indemnização diária referente ao tempo de paralisação e privação do uso e fruição do seu veículo, à razão da modesta quantia diária de 57,20,€ (Cinquenta e sete euros e vinte cêntimos) e que actualmente ascende a 10.296,00€ (Dez mil duzentos e noventa e seis euros).
37. Com efeito, o veículo automóvel propriedade do Autor, era imprescindível para o mesmo,
consistindo no seu normal e diário meio de transporte, e
38. Nessa medida, durante o supra referido período de tempo de paralisação e privação do mesmo é, imprescindível para o Autor se deslocar diariamente em trabalho, acorrendo aos clientes que a ele recorrem diariamente e nas obras já contratadas.
39. Na verdade, a privação do uso e fruição do veículo consubstancia uma restrição ao direito de propriedade, o que à luz do conteúdo que lhe é assinalado no artigo 1305º do Código Civil é inadmissível.
40. Pelo que se entende que a violação ilícita e culposa do mencionado direito de propriedade também se contém na previsão do artigo 483º, nº1 do Código Civil que estabelece um princípio geral.
41. Na verdade como resultado dos Acórdãos das Relações de Coimbra de 08/04/2014 “A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar; uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, é, de usar, fruir e dispor do bem conforme a previsão do artigo 1305º do C.C”.
42. e de 14/07/87, a obrigação da iniciativa de reparar ou mandar reparar, incumbe ao responsável pelo acidente, pelo que a sua não assunção torna-o responsável dos danos daí emergentes.
43. “O simples uso de uma viatura automóvel constitui uma vantagem suscéptivel de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve ser equitativamente indemnizada como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o periodo de privação, não carecendo o Autor de alegar e provar a impossibilidade de, durante esse periodo, utilizar outro veículo com aproximada eficácia.” (Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-05-2002, Revista nº 935/02 – 1ª Secção).
44. Fruto dos danos decorrentes do acidente supra descrito, o veículo propriedade do Autor sofreu uma natural desvalorização e consequente depreciação e redução do seu valor comercial traduzida numa menos valia, pois que ainda que reparado, será sempre detectada aquela mesma reparação,
45. e que face ao actual valor de mercado se estima uma desvalorização do veículo em quantia nunca inferior a 1000,00€ (mil euros).
46. quantia essa que o Autor reclama da Ré a titulo de indemnização por dano patrimonial.
47. Como se sabe, o facto de um determinado veículo ter sido interveniente em acidente de viação é um factor que gera dúvidas e desconfianças relativamente ao bom estado de um veículo, sendo factor de desvalorização no caso de alienação do mesmo.
48. Aos valores supra descritos, deverá acrescer ainda, uma quantia cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros,
49. Finalmente, o Autor requer ainda os juros legais, em dívida e contados desde a citação do Réu e até efectivo e integral pagamento, nos termos do n.º 3, do art. 805º, do Código Civil.

DO DIREITO:
50. Funda-se a presente acção, além do mais, no disposto nos artigos:
• 483º, 487 nº2 , 491, 496º, 503º, 562º, 564º e 805º, do Código Civil;
• 462, nº2, do Código de processo Civil;
• e demais legislação aplicável.”
3. Nos aludidos autos foi proferida sentença, transitada em julgado em 17/05/2019, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo o réu BB do pedido contra si formulado por AA, mais se condenando este última a suportar as custas processuais da acção.”
4. Da decisão da matéria de facto da referida sentença consta que:
“A) FACTOS PROVADOS
1. O autor AA é proprietário do veículo ligeiro de mercadorias ... de matrícula ..-..-IB;
2. Na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., o piso é betuminoso;
3. O réu BB é proprietário de um prédio rústico que margina com a via referida em 2) e que se situa a uma cota superior a esta;
4. A propriedade referida em 2) não se encontra vedada de forma a evitar a queda de quaisquer elementos para a via pública;
5. O veículo de matrícula ..-..-IB era utilizado pelo autor na sua actividade profissional de electricista, para deslocações aos locais das obras;
6. O veículo de matrícula ..-..-IB permanece por reparar;
7. O custo diário do aluguer de um veículo de características idênticas ao de matrícula ..-..-IB é de 57,20€;
8. O autor suportou a quantia de 75,00€ com a obtenção de certidão de «participação de acidente de viação» junto da GNR;
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) No dia ../../2016, pelas 15.30h, o autor conduzia o veículo de matrícula ..-..-IB à velocidade de 40/50 Km/h;
b) Percorrendo a Rua ... no sentido ...;
c) Imprimindo ao veículo velocidade situada entre 40 a 50 Km/h;
d) Ocupando a via de trânsito direita, junta à berma;
e) Com atenção às condições da via e do trânsito;
f) Ao passar junto do terreno pertencente ao réu, caiu na faixa de rodagem, uma pedra de grandes dimensões provinda do terreno referido em 3);
g) Em consequência do referido em f), o autor embateu na pedra;
h) Em consequência do embate referido em g), o veículo de matrícula ..-..-IB sofreu danos na parte frontal e lateral esquerda do veículo [pára-choques, grelha de radiador, carter, farolim de mínimos e farolim de pisca], na roda e na jante, assim como perdeu óleo, cuja reparação (peças e mão-de-obra) ascende 1.735,67€;
i) Em consequência dos danos aludidos em h), o veículo de matrícula ..-..-IB ficou impossibilitado de circular;
j) Em consequência dos danos aludidos em h), o veículo de matrícula ..-..-IB sofreu uma desvalorização comercial de 1.000,00€;
k) Após o sucedido de a) a i), o réu BB assumiu- se como responsável pelo sucedido perante o autor AA;
l) O réu BB sabia que mantinha o terreno referido em 3) em condições de dele poderem deslizar e tombar pedras para a via pública;
m) O réu BB não cuidou de segurar as terras do terreno referido em 3), nem de o limpar;
n) O valor comercial do veículo de matrícula ..-..-IB é inferior a 1.500,00€.”
5. Mais se fez constar da fundamentação de direito que:
“No caso, conforme resulta da matéria de facto provada (e sobretudo da não provada), não logrou o autor demonstrar os factos constitutivos do direito por si invocado, desde logo, que a
pedra em questão proviesse de prédio do réu e, ademais, que os danos trazidos ao processo tenham tido como causa directa e necessária o embate nessa mesma pedra, pelo que, não estando verificado todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, impõe-se, sem outras considerações, absolver o réu do pedido.”
6. O autor interpôs recurso, de facto e de direito, da sentença vinda de aludir para o Tribunal da Relação de Guimarães, que veio a ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
7. Na presente ação, intentada pelo mesmo autor AA e que ora prossegue contra o mesmo réu BB, o autor formula o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos demais de Direito deve a ação ser julgada provada e procedente e ser o primeiro Réu, ou o segundo Réu, ou ambos os Réus condenado/os a indemnizar o Autor de todos os danos sofridos em consequência deste acidente, (em valor a liquidar no decurso da presente ação), indeminização acrescida dos devidos juros legais, até efetivo e integral pagamento.”
8. Para tanto, alega na petição inicial:
“1. No dia 21-12-2016 cerca das 15H30 conduzia o Autor na Rua ..., na freguesia de
..., deste concelho ..., e no sentido ... / ..., o seu
veículo de matrícula ..-..-IB, ligeiro de mercadorias, e que o Autor utilizava diariamente para visitar os seus clientes e as obras que realizava no exercício da sua profissão de eletricista, quando, subitamente, resvalou uma pedra de grandes dimensões do prédio rústico (bouça) situado na margem direita da via de trânsito em que o Autor circulava, pedra esta de grandes dimensões com a qual não foi possível ao Autor evitar o choque, tendo o veículo arrastado a mesma e roçando com o seu fundo, parte da frente lado esquerdo, sobre ela e assim a arrastando na frente do veículo até que acabou por imobilizar o veículo ficando a pedra à frente do mesmo o que causou danos na frente do veículo e principalmente na parte dianteira do seu fundo, lado esquerdo.
2. O Autor solicitou a presença da G.N.R. a fim de registar o acidente e circunstâncias do mesmo, presença da G.N.R. que se verificou nessa mesma tarde do dia 21-12-2016 após as 15H30, e tendo a G.N.R. elaborado a respetiva Participação do Acidente de viação pelas 23H22 desse mesmo dia.
3. A pedra de grandes dimensões desprendeu-se do muro do prédio rústico (bouça) que o Autor entende pertencer ao primeiro Réu, mas que, dado o local do desprendimento se situar junto à confrontação do prédio (bouça) do primeiro Réu com o prédio (bouça) do segundo Réu, situado a sul dele, admite a possibilidade de o prédio de cujo muro a pedra se desprendeu pertencer na realidade ao segundo Réu.
4. O primeiro Réu (ou o segundo Réu) não cuidavam de manter firmes as pedras de grandes dimensões que constituem o muro de divisão por forma a assegurar que as mesmas se não desprenderiam nem cairiam sobre a faixa de rodagem da estrada que marginaliza o referido prédio rústico (bouça).
5. O valor dos danos do veículo será apurado em perícia a realizar no mesmo, no decorrer deste processo.
6. Além dos danos verificados na frente do veículo em virtude da forma piramidal (bicuda) da pedra o automóvel do Autor, momentos antes da sua imobilização, roçou parcialmente a pedra com o fundo da parte da frente do veículo lado esquerdo, empurrando-a e tendo por isso resultado danos no fundo do veículo parte da frente, lado esquerdo, do seu fundo, em consequência do que houve escorrência de óleo vindo do fundo do veículo para a faixa de rodagem, óleo este visível nas fotografias obtidas pela G.N.R. e que constituem a folha de suporte fotográfico da Participação de Acidente de Viação elaborada pela G.N.R.
7. O Autor usava o indicado veículo na sua atividade profissional de eletricista para as suas deslocações diárias nomeadamente para os locais das obras, e para transporte de materiais de e para as obras.
8. O Autor em consequência da imobilização do ..-..-IB viu-se forçado a adquirir um novo veículo de características idênticas costeando ele os próprios custos dessa aquisição.
9. O veículo ..-..-IB, em consequência do acidente, mesmo após a reparação necessária, e em consequência da sua prolongada imobilização, sofreu ainda uma desvalorização comercial não inferior a €3.000,00.
10. Com o não uso do veículo ..-..-IB o Autor vem sofrendo um prejuízo diário não inferior a €75,00, desde a data do acidente (21-12-2016) e até ao presente.
11. Com a obtenção da certidão da Participação do Acidente de Viação na G.N.R. teve o Autor de dispor da quantia de €75,00.
12. O Autor não logrou fazer a prova / demonstração dos factos acima narrados, na ação de processo comum n.º 4138/17.... que correu termos no Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., (proposta apenas contra o aqui primeiro Réu), e cuja Decisão transitou em julgado, os quais na motivação desta ação foram considerados como condição da improcedência dessa ação.
-de direito-
A ação funda-se nomeadamente no disposto nos artigos 483º, n.º 1 e 493º, n.º 1, ambos do Código Civil, bem como no disposto no artigo 621º do Código de Processo Civil.”
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da “Extemporaneidade” do Despacho Saneador   
No presente recurso, o Autor/Recorrente invoca a extemporaneidade do despacho saneador recorrido porque «existia o requerimento para intervenção principal provocada da segunda Ré, e que tal intervenção estava pendente de Recurso» (cfr. conclusões I e J).
É inequívoca a sua falta de razão.
Embora o omita, como o Autor/Recorrente muito bem sabe, o incidente de intervenção principal por si deduzido (em 30/09/2021 através de requerimento com ref. citius «12014920»), foi indeferido por decisão de 01/02/2022 e, tendo sido interposto recurso de tal decisão (em 18/02/2022 através do requerimento com ref. citius «12641014»), o mesmo foi admitido (por despacho de 06/05/2022) com efeito devolutivo, efeito este que coincide com o que foi expressamente indicado pelo próprio Autor no seu requerimento de interposição do recurso (ref. citius «12641014»).
Tendo sido fixado o efeito meramente devolutivo, o recurso interposto relativamente à referida decisão de indeferimento do incidente de intervenção principal não produziu qualquer efeito paralisador (suspensivo) sobre a própria marcha processual (isto é, não impediu o prosseguimento da normal tramitação do processo) e/ou sobre a própria decisão (isto é, não impediu a execução dos efeitos decorrentes da decisão).
Deste modo, e apesar da interposição e pendência do recurso, tal decisão de indeferimento produziu os seus efeitos processuais quanto ao prosseguimento da tramitação normal do processo, mais concretamente que a respectiva tramitação processual prosseguiria sem a intervenção de qualquer terceiro (nomeadamente, da aludida DD).
Logo, finda a fase dos articulados, prosseguiu o presente processo para a fase de gestão inicial do processo e da audiência prévia, como impõe o disposto nos arts. 590º e ss. do C.P.Civil de 2013, tendo sido realizada a audiência prévia (na data de 17/03/2022 e na qual esteve presente o mandatário do Autor), no âmbito da qual foi «facultada às partes a discussão de facto e de direito uma vez o Tribunal entendeu ser possível o conhecimento do mérito da causa», foi proferido despacho a determinar a conclusão dos autos para ser proferida decisão, sendo nesta sequência que foi proferido (em 06/05/2022) o despacho saneador-sentença agora impugnado, tudo em estrita consonância com o disposto nos arts. 591º/1 e 595º/1.
Portanto, a decisão ora recorrida (despacho saneador-sentença) foi proferida no momento processual legalmente fixado para o efeito, não padecendo de qualquer vício de «extemporaneidade» (ou melhor, de «prematuridade»), até porque, como supra se expôs, o recurso interposto relativamente à decisão de indeferimento do incidente de intervenção principal não tinha nem teve qualquer efeito suspensivo sobre a marcha do processo e/ou sobre a própria decisão.
Nestas circunstâncias e sem necessidade de outras considerações, é inequívoco que se mostra absolutamente improcedente este fundamento de recurso deduzido pelo Autor/Recorrente (assinalando-se que, a sua invocação, mostra-se totalmente contraditória com a sua conduta processual anterior de indicar o efeito meramente devolutivo no respectivo requerimento de interposição do recurso…).   
Por conseguinte, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que despacho saneador-sentença (ora recorrido) não foi proferido de forma “extemporânea” (ou melhor, no caso intempestiva), improcedendo integralmente este fundamento do recurso.
*
4.2. Da Excepção Dilatória do Caso Julgado

O caso julgado é qualidade de imutabilidade da decisão judicial logo que não seja susceptível de recurso ou de reclamação (cfr. art. 628º do C.P.Civil de 2013), e traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação de decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário, sendo certo que o caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal (ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão) e que só as decisões susceptíveis de trânsito em julgado é que podem adquirir o valor de caso julgado[4].
A qualidade de imutabilidade da decisão judicial é uma garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, próprio do Estado de Direito (cfr. art. 2º da C.R.Portuguesa), à semelhança da regra do esgotamento do poder jurisdicional (cfr. art. 613º/1 do C.P.Civil de 2013).
Apresenta-se como uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois evita-se que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir, assumindo-se, por isso, como expressão de valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica[5].
 Atingida essa qualidade, como decorre do art. 620º/1 do C.P.Civil de 2013, a decisão judicial passa a ter «força obrigatória» dentro do próprio processo, formando o caso julgado formal (com excepção dos despachos que não admitem recurso - cfr. nº2 do mesmo art. 620º, que remete para o art. 630º do mesmo diploma legal) e, como decorre do nº1 do art. 619º do C.P.Civil de 2013, a decisão judicial passa a ter «força obrigatória» fora do próprio processo quando julgue de mérito, formando o caso julgado material.
Refere-se no Ac. desta RG de 06/05/2021[6]: “O caso julgado aporta à decisão um segundo nível estabilidade (de continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos) - constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, que se integra numa linha gradual de estabilização: do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º do CPC), enquanto regra de proibição do livre arbítrio, resulta um primeiro nível de estabilidade da decisão judicial, ainda que interna ou restrita, relativa ao próprio autor da decisão; o trânsito em julgado permite à decisão alcançar um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (caso julgado formal - art. 620º do CPC), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (caso julgado material - art. 619º do CPC)”.
A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia: por um lado, um efeito negativo que se exprime numa proibição de repetição, visando obstar a que as questões alcançadas por uma decisão coberta pelo caso julgado se possam voltar a suscitar entre as mesmas partes numa acção futura, dimensão esta que encontra correspondência legal na excepção dilatória do caso julgado [cfr. art. 577º/i) do C.P.Civil de 2013]; e, por outro lado, um efeito positivo que se exprime numa proibição de contradição, conduzindo a que solução compreendida no caso julgado se torne vinculativa no quadro de outros casos a serem decididos no mesmo ou em outros tribunais, dimensão esta que tem correspondência na autoridade do caso julgado.
Explica Rui Pinto[7]: “O efeito negativo do caso julgado consiste na proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão, por via da excepção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos arts. 577º al. i) segunda parte, 580º e 581º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior (…) Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veriate habetur. Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão do poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão”.
Salienta-se no Ac. da RL de 15/02/2018[8] que “os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional - querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento)”.
Distinguindo estas duas dimensões, acentua-se que[9]:
- a excepção de caso julgado implica uma não decisão sobre a nova acção e pressupõe uma total identidade entre as duas ações, já a autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa acção anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda acção, enquanto questão prejudicial;
- refere-se a excepção quando a eadem quaestio se suscita na acção ulterior como thema decidendum do mesmo processo, mas fala-se em autoridade de caso julgado quando a eadem quaestio se coloca na acção subsequente como questão de outro tipo (fundamental ou mesmo tão somente instrumental);
- enquanto a excepção é alegada para impedir que seja proferida uma nova decisão, a autoridade é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão;
- a excepção pressupõe a identidade dos objectos processuais, sendo o objecto da acção anterior repetido na acção subsequente, e a autoridade pressupõe a diversidade dos objectos processuais, surgindo o objecto da primeira ação como pressuposto da apreciação do objecto da segunda;
- na excepção impede-se a repetição porquanto esta iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a; na autoridade, verificando-se a existência como que uma dependência do objecto da segunda acção perante o objecto da primeira, as questões comuns não devem ser decididas de modo diferente e, por isso, a decisão da segunda acção deve incorporar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível;
- e, por fim, embora prescinda da identidade objetiva, a autoridade exige a identidade das partes.

Na dimensão de autoridade do caso julgado, explica Miguel Teixeira de Sousa[10] que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão”.

Concluindo,  e com se afirma no Ac. do STJ de 24/04/2013[11], a excepção dilatória do caso julgado respeita à “identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado”, enquanto a autoridade do caso julgado respeita à “existência de relações - já não de identidade jurídica - mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes - incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção”.
Atente-se que o caso julgado só se forma relativamente a questões concretamente apreciadas, não se esgotando o poder jurisdicional relativamente a questões sobre as quais o julgador não se pronunciou expressamente. Como se decidiu no Ac. desta RG de 01/07/2021[12], “O caso julgado só se forma relativamente a questões concretamente apreciadas pelo Tribunal, ou definitivamente prejudicadas por força de decisão posterior, não se esgotando o poder jurisdicional relativamente a questões sobre as quais o julgador não se pronunciou”. No mesmo sentido, ainda que sobre um caso julgado formal, pronunciou-se o Ac. da RP de 30/01/2017[13], “Em matéria processual, apenas se forma caso julgado formal relativamente às questões concretamente conhecidas e decididas”.
Portanto, exige-se que tenha existido uma decisão anterior que, com força vinculativa, tenha sido proferida sobre a matéria (processual ou substantiva) que agora se pretende discutir novamente. Decidiu-se no Ac. do STJ de 14/05/2019[14] que, “Para que se possa falar em ofensa do caso julgado, seja no figurino de exceção, seja no figurino de autoridade, é necessário que exista uma decisão judicial que se imponha por ter transitado em julgado”.
A excepção dilatória do caso julgado está prevista no art. 577º/i) do C.P.Civil de 2013 e, como decorre do art. 580º/1 do mesmo diploma legal,  pressupõe a repetição de uma causa (acção) que se verifica depois de a primeira causa (acção) ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (isto é, que já transitou em julgado).
Para se determinar se há ou não repetição da acção deve atender-se à directriz substancial traçada no nº2 do supra citado art. 580º do C.P.Civil de 2013, onde se estipula que tem “por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior”, mas também ao critério formal assente na tríplice identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir consagrado no art. 581º/1 do C.P.Civil de 2013 (“Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”)[15].
A identidade subjectiva ocorre quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º/2 do C.P.Civil de 2013).
O conceito de partes pode ser analisado na dupla perspectiva formal e material. Em sentido formal, são partes as pessoas (físicas ou meramente jurídicas) que pedem em juízo ou contra quem é pedida a composição em litígio, mas em sentido material só são partes os sujeitos da relação material controvertida que é objecto do litígio.
Ora, a identidade subjectiva prende-se com a posição das partes na relação jurídica material controvertida que é objecto do processo e não com a posição processual que nele ocupam, pelo que aquela afere-se pela identidade de litigantes titulares na relação jurídica material controvertida ajuizada. Neste sentido, afirma-se no Ac. do STJ de 02/11/2006[16], “O que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial; tal identidade não fica comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas em cada um dos processos, acontecer diversidade de forma de processo empregada nas duas acções ou serem de natureza díspar - uma declarativa, outra executiva - as acções em causa” e frisando-se, no Ac. do STJ de 24/02/2015[17] que “Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo”.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art. 581º/3 do C.P.Civil de 2013).
Atente-se que o pedido, segundo o ensinamento de Alberto do Reis[18], consiste “no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção. O pedido equivale, assim, ao objecto da acção. E como o efeito jurídico há-de obter-se através de um acto do juiz - o acto jurisdicional característico que é a decisão - segue-se que o pedido se concretiza na espécie de providência que o autor quer receber do juiz”.
Assim, esta identidade ocorre quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito pretendido[19], mas não sendo de exigir uma integral sobreposição das pretensões materiais deduzidas. Explica-se no citado Ac. do STJ de 02/11/2006[20] que “para haver identidade de pedido (…) tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do prescrito no art. 498.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções” (saliente-se que o art. 498º do C.P.Civil anterior a 2013 dispõe no mesmo sentido do referido art. 581º da versão actual). Também no citado Ac. do STJ de 24/02/2015[21] se prosseguiu o mesmo entendimento: “Existe identidade de pedidos sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões”.
Haverá identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (art. 581º/4, 1ªparte, do C.P.Civil de 2013).
A causa de pedir é, para a lei vigente, inspirada na chamada doutrina da substanciação, o facto jurídico concreto que à acção ou reconvenção serve de fundamento (o referido art. 581º/4, in fine).
Como ensinava Alberto dos Reis[22], a causa de pedir é “o acto ou o facto jurídico de que procede a pretensão do autor. Mais rigorosamente: o acto ou o facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido” (e na mesma linha de entendimento, afirmava Antunes Varela[23] que “nos termos do art. 498º do C.P.Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo Autor. No plano funcional ou operacional, a causa de pedir é o elemento que, com o pedido, identifica a pretensão da parte e que, por isso, ajuda a decidir da procedência desta”).
Sobre esta identidade, acolhe-se aqui o entendimento desenvolvido no já citado Ac. do STJ de 24/04/2013[24]: “No que se refere à questão da identidade da causa de pedir entre a acção já definitivamente julgada e a supervenientemente proposta entre as mesmas partes, esta suscita-se sempre que nesta nova acção ocorre alguma inovação fáctica, configurável, todavia, como insuficiente para se poder afirmar que estamos confrontados com uma inovatória causa petendi. Em primeiro lugar - e como é incontroverso - não releva para este efeito uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante (…). É que tais possíveis qualificações ou subsunções jurídicas alternativas de uma mesma factualidade concreta constitutiva, emergentes apenas de uma diversa configuração ou coloração jurídica dos factos essenciais, invocados pelo autor, podiam, todas elas, ter sido conhecidas e apreciadas pelo juiz na primeira causa julgada - que podia perfeitamente ter convolado da qualificação jurídica feita pelo autor para a que tivesse por pertinente e adequada à justa composição do litígio - pelo que terão naturalmente de se ter por irremediavelmente consumidas ou precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada - e absolutamente imutável - factualidade concreta. Do mesmo modo, é também evidente que não contende com a identidade da causa de pedir invocada em ambas as acções, sucessivamente intentadas, após definitivo julgamento da primeira, a inovação que consistisse em vir agora invocar factos meramente instrumentais ou probatórios, não alegados, nem processualmente adquiridos, na acção já definitivamente julgada: tratando-se, na realidade, de factos desprovidos, no plano jurídico material, de relevância substantiva, por dotados de uma função exclusivamente probatória - visando alcançar, por via indirecta (particularmente através de presunções naturais ou judiciais, alicerçadas nas regras ou máximas da experiência), a demonstração dos factos, esses sim, substantivamente relevantes para a solução jurídica do pleito e em que se ancoram decisivamente as pretensões das partes - é manifesto que em nada afectam a individualização e substanciação da causa petendi em que aparece estruturada cada uma das acções em confronto. Mais delicada é a situação quando entramos no plano dos factos substantivamente relevantes para a apreciação da matéria litigiosa - podendo, no entanto, afirmar-se com segurança que a essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções. Na verdade, nem todos os factos constitutivos, substantivamente relevantes para o preenchimento da (ou das) fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis à composição do litígio relevam do mesmo modo para a definição da identidade e individualidade da causa de pedir - podendo, consequentemente, verificar-se alguma mutação - alteração ou ampliação - destes factos constitutivos, continuando, porém, a causa petendi a dever ser normativamente entendida como a mesma e única. O problema coloca-se com nitidez quando ambas as acções propostas assentam numa causa de pedir complexa, cujos aspectos estruturantes e fundamentais se mantêm intocados, procurando, porém, a parte vencida repetir a apreciação jurisdicional do litígio através da adição ou mutação de factos que - sendo embora substantivamente relevantes para o preenchimento das fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis - implicam, de um ponto de vista funcional (ou seja: face aos valores, bens jurídicos ou interesses subjacentes às figuras ou institutos jurídicos em função das quais é normativamente recortada ou delimitada a concreta factualidade constitutiva que integra a causa petendi invocada), uma modificação de elementos factuais meramente secundários, circunstanciais ou acessórios, implicando esta sua peculiar natureza e menor relevância substancial a conclusão de que, com tal alegação, não ocorre invocação na nova acção de uma nova e diversa causa petendi. Importa, na verdade, para este efeito, distinguir entre o núcleo essencial da causa de pedir - que identifica e individualiza esta, implicando, em princípio, a sua falta o vício da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir - e a adição ou modificação de circunstâncias factuais que - não sendo embora meramente instrumentais, por dotadas de relevo exclusivamente probatório - têm, de um ponto de vista normativo, uma função material secundária, não afectando, por isso, a existência, integridade e a essencial identificação e individualização da concreta causa de pedir invocada em cada uma das acções. Supomos que a actual distinção, operada pelo actual art. 5º do CPC, entre os factos essenciais - definidores e concretizadores de um núcleo essencial e individualizador da causa de pedir - e os factos complementares e concretizadores daqueles (susceptíveis de aquisição processual até um momento tardio, eventualmente no decurso da própria fase de julgamento, nos termos do nº 3 desse preceito legal) poderá lançar, também nesta sede, alguma luz, fornecendo um critério operativo básico para as necessidades práticas de aplicação da figura da excepção de caso julgado: é que a simples inovação no âmbito da nova acção, intentada após definitivo julgamento da primeira, que se traduzir na alegação de factos que se devam qualificar como complementares ou concretizadores, mantendo-se intocado o referido núcleo essencial da causa de pedir, sujeita plenamente o demandante ao típico efeito da invocação da excepção de caso julgado, inibindo o tribunal de reapreciar a matéria litigiosa já julgada; ou seja, não é possível ao autor suprir o deficiente cumprimento do ónus de alegação que sobre ele recaia quanto a toda a factualidade constitutiva do seu direito (e que não conseguiu cumprir, apesar da actual e ampla flexibilização consentida pelo CPC) através de uma ampliação factual operada apenas em nova acção que continuasse a estar estruturada num núcleo fáctico essencial que permaneça imutável”.
Concluindo, a identidade de causa de pedir para efeitos da excepção dilatória do caso julgado depende da análise comparativa do conjunto de factos principais (núcleo fáctico essencial) que, a provarem-se, podem preencher o âmbito de previsão de uma concreta norma jurídica: caso se verifique uma sobreposição e coincidência do substrato factual concreto, principal e essencial de ambas as acções (isto é, que não seja alegado uma único facto principal distinto), então estamos perante uma identidade de causa de pedir, não constituindo factores de afastamento desta identidade a diferença que radica apenas na alteração da qualificação jurídica desse substracto factual que fundamenta a pretensão[25], e/ou numa qualquer alteração ou ampliação factual que não incide nem afecta o núcleo fáctico essencial em que se alicerça a causa de pedir, e/ou na invocação de matéria de facto que tem uma natureza instrumental e/ou complementar/concretizadora dos factos essenciais.     
Tecidas estas considerações jurídicas, atentemos no caso em apreço.
 Na decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou verificada a excepção dilatória do caso julgado com fundamento, essencialmente, no seguinte:
“ (…) No caso, não existem dúvidas quanto à identidade de sujeitos, posto que autor e réu são partes em ambas as ações (…)
Ora, no caso em apreço, igualmente não se suscitam dúvidas quanto à identidade do pedido: em ambas as ações o autor pretende a condenação do réu no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do mesmo acidente de viação. A circunstância de na primitiva ação ter deduzido um pedido líquido e parcialmente ilíquido (quanto ao dano de privação do uso) e na presente ação ter deduzido um pedido ilíquido, não altera a sobredita conclusão, posto que, em substância, o efeito jurídico pretendido é exatamente o mesmo (…)
No caso, os factos que integram a causa de pedir de ambas as ações são os mesmos: ambas as ações emergem do mesmo acidente de viação e em ambas são alegados factos tendentes à imputação da culpa na produção do acidente à conduta omissiva do réu que, por não cuidar da vedação do seu prédio, permitiu que uma pedra dele caísse (ou resvalasse) na faixa de rodagem por onde circulava o autor.
Em ambas são alegados os factos consubstanciadores dos danos – patrimoniais e não patrimoniais - sofridos pelo autor, verificando-se uma coincidência absoluta qualitativa entre os danos invocados para ressarcimento nas duas ações em confronto.
Verifica-se, pois, uma evidente repetição da causa de pedir (…)”.
Considerando a factualidade provada (que releva as partes, os pedidos e as causas de pedir das duas acções aqui em confronto) e atendendo às conclusões formuladas no recurso (relativamente a esta questão da excepção dilatória do caso julgado), avança-se, desde já, que se mostra correcto o entendimento do Tribunal a quo, não tendo o Autor/Recorrente deduzido um único argumento juridicamente válido e fundado para o colocar em causa.

Concretizando.
Começa o Autor/Recorrente por invocar que não ocorre identidade de sujeitos: «considerando que o muro donde se desprendeu a pedra causadora dos danos se situa na extrema de dois prédios rústicos confinantes e visando essencialmente responsabilizar o verdadeiro proprietário do muro donde se desprendeu a pedra causadora dos danos, o Autor propôs a presente ação contra ambos os proprietários; não se verifica assim na presente ação, relativamente à ação anterior, a identidade de sujeitos processuais, pois, embora o Autor seja o mesmo na ação anterior e na presente ação, na presente ação em vez de um, como na primeira ação, há agora dois Réus, pelo que se deve entender que são diferentes os sujeitos processuais (demandados)» [conclusões C) e D)].
Esta argumentação mostra-se irrelevante.
A circunstância de ter sido demandado mais um Réu (CC) na presente acção, não coloca em causa o facto inquestionável de, em ambas as acções (esta e a correspondente ao processo nº4138/17....), BB ter sido demando como Réu, e sempre na qualidade de proprietário do muro do qual caiu/resvalou a pedra que, alegadamente, provocou o acidente com o veículo da propriedade do Autor e que causou a esta os danos patrimoniais peticionados. Isto para além do Autor ser também o mesmo (AA, o que, aliás, é expressamente reconhecido no presente recurso), e em ambas acções assumir a qualidade de proprietário daquele veículo alegadamente acidentado e na esfera jurídica de quem se repercutiram os danos) - cfr. factos provados nºs. 1, 2, 7 e 8.
Deste modo, em ambas as acções, o Autor e o Réu BB têm exactamente a mesma posição das partes na relação jurídica material controvertida e, por via disso, existe uma absoluta identidade subjectiva quanto aos mesmos.
A demanda de um segundo Réu na presente acção, com base na alegação de que a pedra pode ter caído/resvalado de um muro que (afinal) é da propriedade daquele segundo Réu (e não do Réu BB), não altera nem modifica a relação jurídica material controvertida entre Autor Réu BB que foi apresentada em ambas as acções, apenas consubstanciado a dedução de uma relação material controvertida subsidiária na qual ocupam as posições de partes o Autor e o aludido segundo Réu (registe-se que nem sequer estamos perante um caso de litisconsórcio necessário).
Logo, entre ambas acções existe identidade subjectiva relativamente ao Autor e ao Réu BB, mas já não existe identidade subjectiva entre o Autor e o Réu CC, pelo que, desde que estejam preenchidos os outros requisitos da tríplice identidade, sempre poderia e pode ser declarada a excepção dilatória do caso julgado parcial no que concerne à demanda do Autor relativamente ao Réu BB, apesar da «presença» nesta acção do segundo Réu (registe-se que nem sequer estamos perante um caso de litisconsórcio necessário).
Mas sempre diga que, ponderando a tramitação verificada na presente acção (o que o Autor/Recorrente olvidou por completo), designadamente que, por requerimento datado de 29/09/2021, o Autor veio desistir da instância relativamente ao Réu CC, desistência que foi homologada por sentença proferida em 13/12/2021, constata-se que a instância se extinguiu quanto a este segundo Réu e a acção prosseguiu, do lado passivo, apenas contra o Réu BB, pelo que, aquando da apreciação e decisão da correspondente excepção, já nem poderia colocar a questão da inexistência de identidade subjectiva pela presença de outroi Réu na presente acção.
Portanto, como bem se afirmou na decisão recorrida, está preenchido o requisito da identidade de sujeitos.
Em seguida, Autor/Recorrente invoca que não ocorre identidade de pedidos [conclusão H)], porque «são substancialmente diferentes».
Para além de ter concretizado qual a concreta diferença entre os pedidos formulados em cada uma das acções, tal argumentação mostra-se infundada.
Embora na presente acção tenha sido (inicialmente) formulado um pedido de condenação do segundo Réu, ou de condenação conjunta de ambos os Réus, o que não sucedeu na acção correspondente ao processo nº4138/17.... (na qual apenas foi demandado o Réu BB), esta circunstância, no caso concreto, não assume qualquer relevância jurídica para afastar o preenchimento do requisito da identidade de pedidos no que respeita à demanda deduzida pelo Autor contra o Réu BB (cfr. factos provados nºs. 1 e 7).
Em primeiro lugar, e como supra já se referiu, uma vez que, por requerimento datado de 29/09/2021, o Autor veio desistir da instância relativamente ao Réu CC, desistência que foi homologada por sentença proferida em 13/12/2021, então a presente a instância ficou extinta relativamente a este segundo Réu, o que inclui a extinção dos pedidos formulados contra o mesmo (quer o pedido de sua condenação autónoma, quer o pedido de condenação conjunta com o Réu BB). Logo, aquando da apreciação e decisão da correspondente excepção, não existia nos autos qualquer outro pedido para ser julgado do que o consistente na condenação do Réu BB.
Em segundo lugar, independentemente da extinção da instância no que concerne aos pedidos formulados contra o segundo Réu, analisando o pedido formulado contra o Réu BB na acção correspondente ao proc. nº4138/17.... e confrontando-o com o pedido formulado contra o mesmo Réu (incluindo aquele que era conjunto com o outro Réu) na presente acção, temos necessariamente que concluir no sentido da verificação de uma coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito pretendido, apesar de existem algumas diferenças quantitativas entre os pedidos (cfr. factos provados nºs. 1, 2, 7 e 8).
Com efeito, na acção correspondente ao proc. nº4138/17...., o pedido concretamente formulado consistiu em: «sendo o réu considerado responsável pelo acidente de viação sofrido pelo autor e em consequência deve ser o réu condenado: 1) A pagar ao aqui Autor a reparação do veículo, orçamentada no valor de € 1735,67; 2) A pagar a quantia diária de 57,20€ desde o acidente até efectiva reparação do veículo, em montante global cuja liquidação se relega para execução de sentença, e que atualmente ascende a € 10296,00; 3) A pagar ao aqui, Autor a desvalorização do veículo no montante de 1000,00€ (mil euros); 4) A pagar ao autor a quantia de € 75,00 relativo à taxa de certidão da participação de acidente; 5) A pagar ao Autor juros vincendos das referidas indemnizações à taxa legal anual, a contar da data da citação e até efectivo e integral pagamento».
Já na presente acção, o pedido deduzido concrectamente contra o Réu BB consubstancia-se na condenação deste a pagar ao Autor «todos os danos sofridos em consequência deste acidente (em valor a liquidar no decurso da presente ação), indemnização acrescida dos devidos juros legais, até efetivo e integral pagamento». Embora o pedido formulado seja totalmente ilíquido (e sem discriminação do valor indemnizatório para cada dano), facilmente se constata, atenta a matéria alegada na respectiva petição, que o mesmo se reporta: ao valor dos danos sofridos pelo veículo, cujo apuramento do valor se remete para a prova pericial a realizar; à desvalorização do veículo, que está liquidada em € 3.000,00; ao não uso do veículo, que liquida num prejuízo diário de € 75,00 desde a data do acidente até ao momento da interposição da acção; e na quantia despendida com a obtenção da certidão da participação do acidente que liquida no valor de € 75,00 (cfr. facto provado nº8). Portanto, em rigor, o pedido formulado não é na sua totalidade ilíquido.
Daqui resulta que o efeito jurídico pretendido em ambas as acções é o mesmo: responsabilização do Réu BB pelo acidente de viação ocorrido em 21/12/2016 e a condenação do mesmo a indemnizar o Autor dos danos que sofreu e a suportar os respectivos juros de mora («tutela jurisdicional reclamada»), sendo que os danos (patrimoniais e não patrimoniais) a serem ressarcidos têm a mesma natureza e qualidade (estragos ocorridos no veículo, privação do uso, desvalorização do veículo, e custo da obtenção de certidão) - «conteúdo e objeto do direito pretendido».
Estamos, assim, perante uma inequívoca identidade de pedidos, como de forma correcta se entendeu na decisão recorrida, identidade esta que não é afastada pela circunstância dos valores liquidados serem diferentes quanto a dois dos danos reclamados e/ou o valor a liquidar poder vir a ser diferente quanto a outro deles, já que a diferente expressão quantitativa (pelo menos, neste caso) não modifica o efeito jurídico pretendido.
Por fim, o Autor/Recorrente invoca que não ocorre identidade de causas de pedir: «indicou uma causa de pedir substancialmente diferente da causa de pedir da primeira ação; nesta nova ação aplicou/exerceu o preceituado no artigo 621º do CPC; também não é idêntica a causa de pedir por via da conjugação concreta da factualidade alegada» [conclusões E) a G)].
Não lhe assiste razão.
A análise comparativa dos factos alegados em ambas as acções conduz, forçosa e necessariamente, à conclusão de que o substrato factual concreto, principal e essencial é absolutamente coincidente no que respeita à demanda do Réu BB.
Com efeito, e embora se esteja perante um tipo de acção (efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação) em que a causa de pedir apresenta uma natureza complexa (integrada pelo conjunto de factos que permitem preencher os requisitos da responsabilidade civil extracontratual)[26], constata-se que nas duas acções (cfr. factos provados nºs. 2 e 8):
- é alegado o mesmo acidente (ocorrido em 21/12/2016, às 15h30m, na Rua ..., freguesia ..., concelho ...) e a mesma descrição como ocorreu (veículo com matrícula ..-..-IB, da propriedade do Autor, era conduzido por este quando uma pedra de dimensões consideráveis/grandes resvalou/caiu de prédio rústico da propriedade do Réu BB, não tendo sido possível ao Autor evitar o embate);
- é alegado a mesma falta de cuidado do Réu BB em assegurar que as pedras não se desprenderiam do muro e não deslizariam/cairiam na faixa de rodagem;
- são alegados os mesmos danos no veículo (na parte frontal e lateral esquerda) que causaram a sua imobilização e que precisam de ser reparados;
- é alegada a mesma impossibilidade de utilização do veículo na sua actividade profissional de electricista, o que lhe causou e causa um prejuízo diário desde a data do acidente;
- é alegada a mesma desvalorização do veículo em razão da prolongada imobilização;
- e é alegado o mesmo custo com a obtenção da participação do acidente.

Deste modo, o núcleo fático essencial da causa de pedir invocada em cada um das acções está estruturada de foram igual, sendo certo que as alterações introduzidas nesta acção quanto ao valor de reparação dos estragos sofridos pelo veículo (na acção anterior € 1.735,67, e na presente acção a liquidar através de perícia), quanto ao valor da desvalorização do veículo (na acção anterior € 1.000,00, e na presente acção € 3.000,00), e quanto ao valor do prejuízo diário decorrente da privação do uso do veículo (na acção anterior € 57,20, e na presente acção € 75,00), são todas manifestamente insuficientes para modificar a causa de pedir: tais alterações representam apenas modificação de elementos materiais meramente secundários (apenas relevam para a fixação do quantum indemnizatório) e, por isso, não têm a virtualidade de causar alguma mutuação daquele núcleo essencial, isto é, de consubstanciarem uma efectiva e concreta nova ou diversa causa de pedir.

Por outro lado, a introdução de nova factualidade através da qual se alega a possibilidade de a pedra em causa poder pertencer ao muro do prédio do segundo Réu (e não ao prédio do Reu BB) e ter sido este a não cuidar de evitar que a pedra se desprendesse desse muro (cfr. arts. 3º e 4º da petição inicial desta acção - facto provado nº8), igualmente não altera nem modifica a causa de pedir invocada em ambas acções no que respeita à demanda do Réu BB: na realidade, em qualquer delas se invoca que o muro do prédio donde surgiu tal pedra é do Réu BB e que foi este que não cuidou da segurança do mesmo, sendo que é com base neste concreto facto jurídico que se pretende responsabilizar este Réu pelo acidente e obter do mesmo o pagamento da reclamada indemnização; logo, aquela inovação introduzida nesta acção mais não constitui do que a dedução de uma causa de pedir nova mas que é subsidiária (relativamente à causa de pedir principal apresentada contra o Réu BB) e apenas respeita à demanda do segundo Réu, isto é, constitui um novo facto jurídico mas que fundamenta apenas e tão só a possível responsabilização do segundo Réu pelo acidente e pagamento da indemnização. Nestes termos, mesmo com esta inovação factual, permanece igual e coincidente o núcleo fático essencial da causa de pedir invocada em cada um das acções contra o Réu BB. E sempre se frise que, perante a já aludida desistência da instância do Autor relativamente ao segundo Réu e respectiva homologação por sentença, conduziu à extinção da instância quanto este segundo Réu, pelo que, aquando da apreciação e decisão da execpção dilatória do caso julgado aquela causa de pedir subsidiária era totalmente irrelevante.
Estamos, portanto, perante uma inequívoca identidade de causas de pedir, tal como se concluir de forma acertada na decisão recorrida.

Como supra se mencionou, o Autor/Recorrente (ainda que incorrectamente no âmbito da questão da identidade da causa de pedir) invocou o disposto no art. 621º do C.P.Civil de 2013 como fundamento desta nova acção, o que carece totalmente de fundamento legal.

Dispõe o referido art. 621º que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.

Este normativo reporta-se directamente aos limites objectivos do caso julgado, explicando-se no Ac. do STJ de 01/10/2019[27]: “Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado (respetivos limites objetivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respectiva causa de pedir ("concepção restrita do caso julgado"). Actualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (…) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão ("tese ampla") -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas ("tese ecléctica"). E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, sublinha ainda Teixeira de Sousa que «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão»”.
Mas de acordo com a previsão da 2ª parte deste art. 621º, a restrição decorrente do caso julgado material deixa de ter validade perante modificação das circunstâncias objectivas conexas com a verificação de uma condição, o decurso de um prazo ou a prática e um facto que esteve na génese da improcedência da pretensão[28].
Sucede que no presente recurso, apesar de invocar tal preceito, o Autor/Recorrente omitiu por completo (quer nas alegações quer nas conclusões) a concretização de qual foi a situação, entre as elencadas naquela 2ª parte, que se verificou e conduziu à improcedência da acção relativa ao proc. nº4138/17.... (isto é, não indicou a renovação do pedido na presente acção se justifica em face da «verificação da condição», do «decurso do prazo» ou da «prática de determinado facto»), o que, por si só, implica a improcedência deste argumento/fundamento.
Mais: na motivação, o Autor/Recorrente limitou-se a alegar que «na propositura da presente ação, teve presente o julgado na ação anterior, essencialmente baseado no facto de se não ter provado a quem pertencia o muro do qual se desprendeu a pedra causadora do acidente e dos danos, e bem assim, complementarmente, da factualidade relativa à produção desses mesmos danos» e de que «a Sentença que julgou a ação anterior não definiu a quem pertencia realmente o muro donde se desprendeu a pedra causadora dos danos», alegações estas que são totalmente insusceptíveis de integrarem alguma das situações elencadas na 2ª parte do art. 621º.
Acresce que, ao contrário do que o Autor/Recorrente quer fazer crer, a sentença proferida no proc. nº4138/17.... não julgou improcedente a acção em razão de «não se ter logrado apurar a quem pertencia o muro donde caiu a pedra»: com efeito, nessa acção não foi alegada qualquer dúvida sobre se a pedra pertencia a um muro do Réu ou a um muro de outrém, mostrando-se inquestionável que a improcedência foi alicerçada na falta de demonstração probatória de «todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual» (cfr. facto provado nº5), bastando percorrer na factualidade que não ficou provada nessa acção (cfr. facto provado nº6) para se constatar que não ficou sequer demonstrada a existência do embate (acidente) e/ou que tenha caído alguma pedra do prédio do Réu BB. Por conseguinte, o decaimento do Autor naquele processo não assentou na falta de «verificação uma condição», «decurso de um prazo» ou «prática de determinado facto» e, por via disso, é inaplicável o disposto na 2ª parte do art. 621º (ou seja, a prevista restrição ao caso julgado material) para efeitos de renovação do pedido, mais especificamente para a interposição da presente acção.
E sempre se recorde que, como muito bem se afirma na decisão recorrida, “Descura o autor o princípio da preclusão ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida no processo anterior. Como escreve Teixeira de Sousa (…): «Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objecto apreciado e decidido na sentença transitada (…) Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da acção anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. (…)”. Em suma, movendo-se o autor na mesma causa de pedir, não restam dúvidas que não lhe assiste uma segunda oportunidade de tentar a prova da ocorrência do sinistro, que rotundamente falhou na primeira ação” (saliente-se que este segmento da fundamentação da decisão recorrida não foi alvo de qualquer impugnação no presente recurso).
Perante todo o enquadramento supra explanado, impõe concluir-se que está preenchida a tríplice identidade exigida pelo art. 581º/1 do C.P.Civil de 2013, constituindo a presente acção uma repetição da causa que constitui o proc. nº4138/17.... (pelo menos, no que concerne à demanda do Réu BB, salientando-se que, aquando da prolação da decisão recorrida, a presente acção prosseguia apenas quanto a este Réu), no qual foi proferida decisão final que transitou em julgado (cfr. factos provados nºs. 3 e 6). 
Consequentemente, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que está verificada a excepção dilatória do caso julgado e, por via disso, também improcede em absoluto este fundamento de recurso.
*
4.3. Da Litigância de Má Fé

O instituto da litigância de má fé visa acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo Tribunal e pela Justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos Tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da Justiça[29].
Assinala-se no Ac. desta RG de 04/04/2024[30] que “Qualquer pessoa que se considere titular de um direito pode solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva - arts. 20° da Constituição da República Portuguesa e 2° do Cód. Proc. Civil -, assim como qualquer pessoa demandada pode usar os meios processuais existentes para se defender. A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso o concreto, o litigante tenha ou não razão: num e noutro caso gozam dos mesmos poderes processuais. Mas uma realidade é o direito abstracto de acção ou de defesa; outra é o exercício concreto desse direito. O primeiro não tem limites, é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações impostas pela ordem jurídica (os sublinhados são nossos).
E salienta Paula Costa e Silva[31] que “o direito de acção, como qualquer outro direito subjectivo, não traduz uma liberdade absoluta: ainda que o direito a agir configure uma permissão normativa genérica, não pode significar uma possibilidade de actuação sem fronteiras de licitude. O direito de acção, como qualquer situação jurídica, está, desde logo, limitada pelos fins da sua atribuição”.
O exercício concreto do direito de acção ou de defesa está limitado pelo dever de litigar (actuar processualmente) de boa-fé expressamente consagrado no art. 8º do C.P.Civil de 2013: “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”. Portanto, para além de dever ser observada nas relações contratuais, a boa fé constitui igualmente uma norma de conduta que incide sobre a relação jurídico-processual entre as partes, constituindo um limite imanente de actuação processual e impondo uma conduta verdadeira, proba e leal.
Este dever de boa-fé processual representa também um corolário do princípio do dever de cooperação consagrado no art. 7º/1 do C.P.Civil de 2013: “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Portanto, as partes devem litigar com a devida correcção e no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e ainda com observância do dever cooperação, tudo por forma a ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto.
O instituto da litigância de má fé visa precisamente sancionar e combater a «má conduta processual» das partes aquando do exercício do direito de acção e/ou de defesa, designadamente, toda e qualquer conduta processual que represente uma violação do dever geral de boa-fé e/ou do dever de cooperação, sendo que, em simultâneo, se assegura a boa administração da justiça, o respeito pelo Tribunal, e a credibilidade da atividade jurisdicional.
Por isso, o Legislador consagrou a penalização das condutas de instrumentalização do direito processual pelas partes em diversas vertentes: quando se apresente como forma de conseguir um objectivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, e/ou como meio de impedir a descoberta da verdade, e/ou como forma de entorpecer a máquina judiciária (com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios), e/ou como meio de obstaculizar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão[32].
Na versão do C.P.Civil anterior à reforma de 1995/1997, entendia-se que a condenação por litigância de má fé pressupunha a existência do dolo,  quer direc­to, quer indirecto ou instrumental: somente a lide dolosa pressupunha a má fé e não também a lide errada, ainda que ousada, se promovida por quem estava honestamente convencido da razão e da verdade pelo que, quando os autos apenas revelavam que a parte defendia convictamente a sua posição, sem que, em tal actuação, alterasse conscientemente a verdade dos factos ou fizesse do processo um uso manifestamente reprovável, não haveria litigância de má fé. Como referia Alberto dos Reis[33], “Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada,  de tal modo que a simples proposição da acção ou da contestação,  embora sem fundamento, não constitui dolo,  porque a incerteza da lei,  a difi­culdade de apurar os factos e  de os interpretar,  podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir”. Resumindo, entendia-se que não bastava a negligência mesmo grosseira, exigindo-se uma conduta essencialmente dolosa.
Porém, com a reforma de 95/97 do C.P.Civil, passaram a ser punidas, como litigância de má fé, não só as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes (isto é, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave).
O Dec.-Lei nº329-A/95, de 12/12, introduziu a actual redação do preceito (correspondia ao art. 456º do anterior C.P.Civil) e, conforme resulta do seu texto e se explicita no preâmbulo daquele diploma, “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, consagrou “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.
Refere António Geraldes[34] que “é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e de uso dos respectivos instrumentos, que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa fé e lealdade processual, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé”.
Logo, ao alargamento do conceito de litigância de má fé por forma a abranger expressamente a negligência grave, presidiu uma ideia (intenção) de moralização e de normalização da lide processual[35].
Em termos gerais podemos afirmar que consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé todo o comportamento processual de uma parte que seja contrário à lei e que tenha sido adoptado com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária[36].

Estabelece o art. 542º do C.P.Civil de 2013 (correspondente ao antigo art. 456º):

“1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objecti­vo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (…)”.

Neste normativo tipificam-se os elementos objectivos e os elementos subjectivos que integram a litigância de má fé. Os elementos objectivos são constituídos pelas condutas elencadas das diversas alíneas do nº2, as quais representam um conjunto actuações processuais são contrárias, reprováveis e censuráveis em face dos deveres processuais de boa fé e de cooperação que impendem sobre todos os sujeitos processuais (no fundo, representam o fundamento geral da condenação por litigância de má fé que emerge da violação de deveres processuais). E os elementos subjectivos são o dolo ou a negligência grave[37].

No que respeita às referidas condutas processuais que merecem reprovação e censura, este normativo trata a má fé sobre dois prismas: a má fé material, que abrange os casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia desconhecer, a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa; e a má fé instrumental, que se refere ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para impedir a descoberta da verdade, para entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

No que especificamente se refere à densificação da conduta prevista na alínea a) - «tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar» -, explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[38], citando Paula Costa e Silva: “(…) basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era concretamente fundamentada, no plano de facto e de direito: «a parte pratica um ato desconforme e provocador de dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impediam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (…), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto á falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste «equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra” (…) Na síntese da mesma autora, o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «a generalidade das pessoas ou todas as pessoas pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que cumprido os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte» (…)”.
A actuação prevista nesta alínea a), quando é adpotada sob a forma de negligência grave, aproxima-se, a nosso ver, do tipo de conduta processual que Alberto dos Reis[39] distinguia e qualificava como «lide temerária»: a parte embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro ou culpa grave, ajuizando a acção com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão (ou a sua defesa, acrescentamos nós). Frise-se que a lide temerária corresponde a uma actuação ilícita que está muito para além da chamada «litigância imprudente» que se verifica quando as partes excedem os limites da prudência normal, actuando culposamente mas apenas sob a forma de culpa leve[40]. Quando tal actuação é adoptada sob a forma dolosa, aproxima-se, a nosso ver, do tipo de conduta processual que Alberto dos Reis[41] distinguia e qualificava como «lide dolosa»: a parte, apesar de estar ciente de que não tinha razão, litigou e deduziu pretensão (ou defesa) conscientemente infundada.
No Ac. do STJ de 20/03/2014[42] assinala-se que “hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição «cuja falta de fundamento não devia ignorar», ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
E no Ac. da RL de 16/12/2021[43] considerou-se que “Preencherá o ilícito típico da al. a), do art. 542º, nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquela que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos”.
Quanto aos elementos subjectivos, o dolo abrange, obviamente, todos os seus tipos/graus/formas: directo (o agente prefigura determinado efeito do seu comportamento e quer esse efeito como fim da sua actuação), necessário (não querendo directamente o facto ilícito, o agente prevê-o como uma consequência necessária e segura da sua conduta), e eventual (o agente prevê a produção do facto ilícito como uma consequência possível da sua conduta, e conforma-se  com o resultado dessa previsão)[44].
No que concerne ao elemento subjectivo consistente na «negligência grosseira, há primeiro que ter em consideração que a negligência consiste na omissão da diligência a que o agente estava obrigado, isto é, na inobservância do dever objectivo de cuidado que lhe era exigível. E, segundo a terminologia clássica, a negligência pode revestir várias formas: culpa levíssima (ocorre quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado), culpa leve (acontece quando o agente tiver deixado de observar os deveres de cuidado que uma pessoa normalmente diligente teria observado) e culpa grave (existirá quando o agente deixar de usar a diligência que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta não teria observado). Ora, a negligência grosseira corresponde precisamente esta culpa grave, sendo que a jurisprudência tem vindo precisamente a associar o comportamento temerário em alto e relevante grau a um comportamento inútil, indesculpável, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência: a negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo[45].
Assim, em termos gerais, e sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto, entendemos que a negligência grave consiste numa imprudência indesculpável e intolerável, completamente destituída daquele mínimo de diligência e cuidado que teria permitido ao agente facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, o que se revela manifesta aos olhos de qualquer um[46].
Abrantes Geraldes[47] considera que são “passíveis de integrar o conceito de negligência grave, para efeitos de litigância de má fé, as seguintes situações, sem prejuízo de uma apreciação casuística que, em concreto, permita dar relevância positiva ou negativa ao circunstancialismo verificável: a lide temerária ou ousada; a teimosia manifestamente infundada em defender uma posição até ao STJ, depois de ter sido rejeitada pelas instâncias; o que demanda por mero capricho, com espírito de emulação ou com erro grosseiro (…); a falta grave do dever de diligência; a pertinaz e contundente oposição, clara e decisivamente infundada, por incorrecta interpretação e aplicação da lei e por desajustamento aos factos provados; a pretensão ou defesa manifestamente inviáveis, constitutivas do abuso do direito de acção; a deficiência técnica grave (…) A lei não o diz expressamente, mas é evidente que se é passível de sancionamento a atitude da parte que, com leviandade, de forma gravemente grosseira ou de forma precipitada, deduz uma determinada pretensão infundada, não deixará de ser sancionada a mesma actuação que, de forma mais reprovável, tenha subjacente o conhecimento inequívoco da referida falta de apoio fáctico ou jurídico. Mais do que anteriormente, a lei impõe agora ao autor que, antes de intentar uma acção, pondere a sua razoabilidade, evitando-a se não houver fundamento sério para a dedução da pretensão, sendo ilegítima uma atitude irreflectida ou sem qualquer base mínima de apoio”.
No âmbito deste tipo de responsabilidade processual, o grau de diligência que será exigível à parte também deverá partir da diligência do bom pai de família, ou seja, da diligência que um homem medianamente prudente e cuidadoso teria empregado previamente à propositura de uma ação judicial[48], mas impondo-se sempre a ponderação das particularidades do caso concreto, designadamente às qualidades e qualificações do agente e às circunstâncias em que se encontrava, desde logo porque a diligência exigida a um profissional qualificado na sua atividade, não poderá ser a mesma que se exige a um cidadão não qualificado na matéria[49]. Definido este «padrão» de aferição do grau de diligência exigível, então o grau de culpabilidade (de negligência) será tanto maior quanto mais intenso for o dever de ter agido de outro modo: teremos negligência simples sempre que o sujeito processual omita a diligência do bonus pater família; mas já teremos negligência grave quando não haja obediência às mais elementares regras de prudência, omitindo o mínimo de diligência que lhe teria permitido aperceber-se da falta de fundamento da sua pretensão ou da reprovabilidade do uso que faz do processo e dos meios processuais[50].
Explanadas estas considerações jurídicas e revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, na decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu que o Autor/Recorrente actuou como litigante de má-fé nos termos da alínea a) do nº2 do art. 542º com fundamento, essencialmente, no seguinte:
“No caso, o autor intentou a presente ação, ciente da sentença proferida nos autos 4138/17...., que não omitiu e trouxe aos autos como razão subjacente à pretensão que
neles deduziu.
Aquilo que pretendia obter com a presente ação era a condenação do réu, que não logrou alcançar nos referidos autos, por manifesta falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, de que lançou mão.
Fundou a sua pretensão no mesmo acidente de viação.
De molde a tentar obviar - sem êxito - à evidência do caso julgado, alterou pontualmente a
terminologia usada na primeira ação, e introduziu um facto complementar – que o fundo do
veículo rouçou sobre a pedra, a justificar a escorrência de óleo na via (factualidade que, como se afere da sentença proferida nos autos 4138/17...., foi ali abordada quer pela prova testemunhal, quer pericial).
Quanto aos danos, deliberadamente alterou a quantia peticionada pela privação do uso, de
57,20 € diários para 75 € diários e a desvalorização do veículo de 1.000,00 € para 3.000,00 €.
Mais omitiu a quantificação dos danos sofridos no veículo - sem qualquer justificação porquanto se tratam de factos pretéritos-, contrariando o pedido líquido que na primitiva ação deduziu, sustentado em orçamento que ele próprio juntou naqueles autos.
Não pode o autor ignorar que os sujeitos, o pedido e a causa de pedir são as mesmas em ambas as ações.
Pretendia o autor - totalmente ao arrepio das normas jurídicas vigentes - reverter e contrariar a decisão proferida nos autos 4138/17.... já transitada em julgado - mediante a sua duplicação, que por via dos sobreditos expedientes tentou dissimular. Ora, o autor não podia ignorar que essa pretensão era ilegal e não tinha fundamento na medida em que desrespeitava o caso julgado que se havia formado; na verdade, o autor estava representado por advogado e ainda que não estivesse, pensamos poder afirmar que é do senso comum e do conhecimento do normal cidadão que as sentenças judiciais transitadas em julgado não são “letra morta” e que, como tal, são vinculativas para as partes nos termos da lei.
É certo, portanto, que o autor veio formular pretensão que sabia não ter fundamento e, dadas as circunstâncias, se não o fez com dolo, fê-lo pelo menos com negligência grave ou grosseira.
Pese embora a litigância de má fé não tutele os interesses das partes, não é menos verdade de que, a coberto do apoio judiciário de que beneficia, o autor persiste em litigar contra o réu, obrigando-o a defender-se e a suportar os prejuízos patrimoniais e desgaste inerentes a qualquer lide judicial (…)”.
Consideramos acertado este entendimento do Tribunal a quo, sendo certo que, perante as conclusões formuladas no recurso (relativamente a esta questão da litigância de má-fé), não está invocado um único argumento juridicamente válido e fundado para afastar a ilicitude e culpa da sua actuação processual.
Explicando.
O Autor/Recorrente invocou, em primeiro lugar, que «foi tudo alegado, com toda a lealdade e boa-fé, denunciando o Autor expressamente a existência dessa ação anterior» e que «nesta nova ação não alterou, em lado algum, a verdade dos factos» [conclusões L e M, 1ª parte], o que se mostra totalmente irrelevante uma vez que, como supra se viu, o fundamento da sua condenação como litigante de má-fé foi a conduta prevista na alínea a) [«tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar»] e não a conduta prevista na alínea b) [«tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para decisão da causa»], ambas do nº2 do art. 542º. Ou seja, a sua responsabilização como litigante de má-fé não se alicerçou em qualquer situação de omissão de factos relevantes e/ou alteração da verdade dos factos (são, portanto, totalmente desajustadas e até inúteis todas as alegações produzidas na motivação relativamente à inexistência de uma alteração dos factos»).
E sempre se diga que a alegação, na petição inicial da presente acção, no sentido da existência da anterior acção (proc. nº4138/17....) até constitui um argumento a contrario: na verdade, tendo o Autor/Recorrente consciência da instauração daquele anterior acção contra o Réu BB e sabendo quais foram os fundamentos de facto e de direito que conduziram à improcedência da sua pretensão (e sabendo que a respectiva sentença foi mantida no âmbito do recurso interposto), então o grau de diligência e de prudência que lhe era exigido (em especial, ao seu mandatário) antes de voltar a interpor nova acção contra o mesmo Réu era, necessariamente, muito mais intenso e forte, sendo que, na ponderação do caso concreto, teria que estar necessariamente a indagação sobre se esta nova acção contra aquele Réu não representaria uma inequívoca violação do caso julgado formado na anterior acção.
Frise-se que, perante o enquadramento fáctico-jurídico realizado no âmbito da apreciação da questão anterior, designadamente quanto ao manifesto preenchimento da tríplice identidade, temos que afirmar que, até para um homem não profissional do foro mas medianamente atento, prudente e cuidadoso, se tornava óbvio e evidente que a presente acção constituía relativamente ao Réu BB uma repetição da acção anterior, pelo que muito mais óbvio e evidente era para o seu mandatário que é um profissional do foro.
E, em segundo lugar, o Autor/Recorrente invocou que «nesta acção pretendia a imputação dos factos ao verdadeiro e real proprietário do muro de onde se desprendeu a pedra causadora dos danos e, por isso alegou o constante, nomeadamente, nos artigos 3, 4 e 12 da presente petição inicial» e que «não pretende, com a presente ação alcançar uma decisão injusta» [cfr. conclusões M, 2ª parte, N e O].
É totalmente infundada esta argumentação.

Como já se expôs e explicou no âmbito da apreciação da questão anterior (e aqui se dá por reproduzido):
- na acção anterior (proc. nº4138/17....), perante a causa de pedir invocada, não foi alegada qualquer dúvida sobre se a pedra (alegadamente causadora do acidente) pertencia a um muro do Réu BB ou a um muro de outrém, sendo que, para além do mais, não resultou probatoriamente demonstrado que a pedra tivesse caído do prédio daquele Réu;
- e única nova factualidade (essencial e relevante) inserta na presente acção consiste na alegação da possibilidade da pedra poder pertencer ao muro do prédio do segundo Réu (e não ao prédio do Reu BB) e ter sido este a não cuidar de evitar que a pedra se desprendesse desse muro, o que não altera nem modifica a causa de pedir invocada em ambas acções no que respeita à demanda do Réu BB, constituindo apenas a dedução de uma causa de pedir nova mas que é subsidiária (relativamente à causa de pedir principal apresentada contra o Réu BB) e apenas respeita à demanda do segundo Réu, isto é, constitui um novo facto jurídico mas que fundamenta apenas e tão só a possível responsabilização do segundo Réu pelo acidente e pagamento da indemnização.
Nestas circunstâncias, uma vez que toda esta realidade era do efectivo conhecimento do Autor/Recorrente (e do seu mandatário) antes da interposição da presente acção, impunha-se-lhe que indagasse se a renovação da sua pretensão relativamente ao Réu BB teria cabimento legal perante o caso julgado material formado na acção, sendo que, não havendo qualquer factualidade nova essencial para fundamentar a demanda do Réu BB, facilmente seria atingida a conclusão que a dedução desta (nova) acção contra o Réu BB carecia de fundamento legal porque estava vedada/impossibilidade pelo caso julgado emergente da acção anterior, tal como facilmente alcançaria vislumbrar que esta (nova) acção apenas podia ser interposta quanto ao segundo Réu (aqui sim para procurar responsabilizá-lo caso lograsse demonstrar que, para além do mais, a pedra proveio do prédio dele).    
A situação atinge um tão elevado grau de clarividência que generalidade das pessoas colocadas na posição do Autor/Recorrente (e do seu mandatário) teria concluído pela aludida falta de fundamentação e se teria abstido de interpor esta acção contra o Réu BB.
Ao fazê-lo (demandar novamente o Réu BB), o Autor/Recorrente actuou, pelo menos, com negligência grosseira, uma vez que foi indesculpável e intoleravelmente imprudente, não usando do mínimo de cuidado que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da proibição e restrição legal decorrente do caso julgado.
Acresce que a única justificação apresentada nesta acção para esta nova demanda do Réu BB foi, como vimos no âmbito da questão anterior, a alegação absolutamente genérica, abstracta e sem qualquer sustentação concreta, de que este acção era interposta ao abrigo do disposto no art. 621º do C.P.Civil de 2013. Porém, como se concluiu no âmbito dessa questão anterior, a sentença proferida no proc. nº4138/17.... não julgou improcedente a pretensão do Autor em razão da falta de «verificação uma condição», «decurso de um prazo» ou «prática de determinado facto» e, ao intentar a presente acção, aquele não concretizou qual destas três situações estava agora preenchida. Portanto, a única justificação apresentada para demandar novamente o Réu BB não é real nem verdadeira e, por via disso, é insusceptível de diminuir ou atenuar o supra identificado elevado grau de imprudência.
Perante o que fica exposto, temos necessariamente que concluir que, ao intentar a presente acção contra o Réu BB, com base nos mesmos fundamentos e no mesmo pedido que já havia deduzido em acção anterior (proc. nº4138/17....) que havia sido julgada improcedente (em razão do Autor não ter logrado provado os factos que permitiam considerar preenchidos todos os requisitos da responsabilidade extracontratual) por sentença transitada em julgado, quando lhe era exigível que respeitasse o efeito processual decorrente do caso julgado material formada na acção anterior, o Autor/Recorrente deduziu contra o Réu BB uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar [encontrando-se, portanto, preenchida a previsão da alínea a) do nº2 do art. 542º].
A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido que ocorrer litigância de má-fé em casos idênticos: no Ac. do STJ de 22/02/2017[51] decidiu-se que “Litiga de má-fé, na medida em que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, o A. que intenta ação com os mesmos fundamentos e com o mesmo pedido que deduzira em reconvenção, na ação anteriormente intentada contra si pela R. na presente ação, e cujos fundamentos de facto e de direito invocados haviam sido conhecidos e julgados improcedentes, com trânsito em julgado” e no Ac. desta RG de 12/06/2024[52] entendeu-se que “Litigam os AA com Má-fé, pois deduzem pretensão contra o Réu cuja falta de fundamento não deviam ignorar, uma vez que intentaram contra o mesmo ação anterior, julgada improcedente, com trânsito em julgado, com os mesmos fundamentos e com o mesmo pedido”.
Por conseguinte, o exercício do direito de acção do Autor/Recorrente concretizado na interposição da presente acção contra o Réu BB configura uma «má conduta processual», violadora dos deveres de boa fé processual e de cooperação e inadequada à realização do direito e da justiça, tendo mesmo causado dano ao Réu BB já que o obrigou a exercer novamente o direito de defesa relativamente a uma pretensão relativamente à qual já se defendera em acção anterior e cuja sentença transitada em julgado formou caso julgado sobre a relação material controvertida que se pretendia discutir novamente na presente acção.
Neste “quadro”, não só a actuação configura litigância de má-fé, como deve ser sancionada ao abrigo do correspondente instituto.
Consequentemente, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o Autor/Recorrente, ao intentar a presente acção contra o Réu BB, actuou como litigante de má-fé e, por via disso, igualmente improcede na íntegra este fundamento de recurso.
*
4.4. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Recorrente e, por via disso, deverá manter-se o saneador-sentença recorrido.
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4.5. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso, uma vez que ficou vencido, deverá o Autor/Recorrente suportar integralmente as custas do recurso (art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Recorrente e, em consequência, mantêm o saneador-sentença recorrido.
Custas do recurso de apelação pelo Autor/Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
* * *
Guimarães, 11 de Julho de 2024.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ªAdjunta - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



[1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, mas respeita-se, no caso das transcrições, a grafia utilizada nos textos originais.
[2]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[3]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[4]Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 567.
[5]Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in obra referido, 1997, p. 567.
[6]Juiz Desembargador Ramos Lopes, proc. nº311/09.0TBBGC-B.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[7]Rui Pinto, in Código Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, Almedina, p. 185 e 186.
[8]Juíza Desembargadora Cristina Neves, proc. nº8465/06.0TBMTS-C.L1-6, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
[9]Cfr. ac. STJ 04/07/2019, Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, proc. nº2010/12.6TBGMR-E.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[10]In obra citada, p. 579.
[11]Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº7770/07.3TBVFR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[12]Juíza Desembargadora Lígia Venade, proc. nº1478/16.6T8AMT.G2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[13]Juiz Desembargador Carlos Gil, proc. nº881/13.8TYVNG-A.P1,  disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[14]Juiz Conselheiro José Rainho, proc. nº241/09.5TYVNG-A.P2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[15]Cfr. Ac. STJ 25/06/2020, Juiz Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira, proc. nº5243/18.8T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[16]Juiz Conselheiro Pereira da Silva, proc. nº06B3027, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[17]Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº915/09.0TBCBR.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[18]In Comentário ao C.P.Civil, Vol II, p. 362.
[19]Cfr. Ac. RG 30/03/2023, Juíza Desembargadora Maria Amália Santos, proc. nº1254/20.1T8BRG.G2, disponível em in http://www.dgsi.pt/jtrg.
[20]Juiz Conselheiro Pereira da Silva, proc. nº06B3027.
[21]Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº915/09.0TBCBR.C1.S1. [22]In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, p. 369.
[23]In RLJ, 121º, p. 147 e ss.
[24]Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº7770/07.3TBVFR.P1.S1.
[25]Cfr. Ac. STJ 10/10/2019, Juiz Conselheiro Pedro Lima Gonçalves, proc. nº20427/16.5T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[26]Cfr. Ac. STJ 13/05/2014, Juiz Conselheiro Ferreira Girão, proc. nº04B9481, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[27]Juiz Conselheiro Pedro Lima Gonçlaves, proc. nº20427/16.5T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[28]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado – Volume I – Parte Geral e Processo de Declaração - Artigos 1.º a 702.º, 3ªedição, p. 803.[29]Cfr. Pedro de Albuquerque, in Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados No Processo, Almedina, p. 55 e 56.
[30]Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte, proc. nº3650/16.0T8VCT-G.G2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[31]In Responsabilidade por Conduta Processual, Litigância de Má Fé e Tipos Especiais, 2022, p. 45.
[32]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in obra referida, p. 642.
[33]In C.P.Civil Anotado, II, p.263.
[34]In Temas Judiciários, Vol. I, p. 313.
[35]Cfr. Ac. STJ 10/05/2005, Juiz Conselheiro Pinto Monteiro, proc. nº05A879, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj
[36]Cfr. Ac. STJ 17/11/2021, Juiz Conselheiro Luís Espirito Santo, proc. nº4964/20.0T8GMR.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[37]Cfr. neste sentido, o citado Ac. RG 04/04/2024, Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte, proc. nº3650/16.0T8VCT-G.G2.
[38]In obra referida, p. 641 e 642.
[39]In Código de Processo Civil Anotado, Volume II, p. 262.
[40]Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ªedição, p. 456.
[41]In Código de Processo Civil Anotado, Volume II, p. 262.
[42]Juiz Conselheiro Salazar Casanova, proc. nº1063/11.9TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[43]Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº12367/19.2T8LSB.L2-2, disponível em http://www.dgsi.pt./jtrl.
[44]Cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 6ª edição, vol. I, p. 532 a 542.
[45]Cfr. Ac. STJ 29/11/2005, Juiz Conselheiro Pinto Hespanhol, proc. nº05S1924, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj. [46]Cfr. Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acão E Culpa In Agendo, 2016, p. 26.
[47]In Temas Judiciários, vol. I, 2010, p. 316 e ss.
[48]Cfr. o citado Ac. RL 16/12/2021 , Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº12367/19.2T8LSB.L2-2.
[49]Cfr. Marta Alexandra Frias Borges, in Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, 2014,p. 79/80.   
[50]Cfr. Marta Alexandra Frias Borges, in obra referida, p. 79/80
[51]Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº1519/15.4T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj.
[52]Juíza Desembargadora Maria Amália Santos, proc. nº1806/22.5T8BRG.G1, disponível em http://www.dgsi.pt./jtrg
[53]Cfr. Ac. STJ 25/06/2020, Juiz Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira, proc. nº5243/18.8T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.