EXECUÇÃO DE SENTENÇA PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTOS TAXATIVOS DE OPOSIÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO
JUÍZOS CONCLUSIVOS
ACTOS INÚTEIS
Sumário


I O facto de se imputar à sentença recorrida a falta de elenco de facto não provados e a falta de menção das questões a apreciar, não lhe inflige uma nulidade nos termos previstos no art.º 615º, n.º 1, C.P.C..
II Abrindo-se nos embargos de executado uma fase declarativa, isso não significa que possa ter lugar uma repetição, no caso de execução de sentença, da ação declarativa que culminou na mesma, resultando do art.º 729º os fundamentos taxativos de oposição à execução, nomeadamente a alínea g) do art.º 729º, e sendo certo que no artº. 868º, n.º 2, sempre do C.P.C. afasta-se a exigência de prova documental.
III Independentemente da iniciativa da parte em questionar a matéria de facto, o Tribunal da Relação pode, oficiosamente, sanar patologias da mesma, seja porque integra elementos que não são verdadeiros factos, seja porque se mostra inquinada de determinados vícios.
IV O art.º 130º do C.P.C., que proíbe a prática de atos inúteis, tem plena aplicação em sede de impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação.
V Cabe aos executados provar que cumpriram a obrigação exequenda, traduzida numa prestação de facto, interpretada a decisão que se executa com apelo ao disposto no art.º 236º do C.C..

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (com consulta eletrónica dos autos executivos).

AA, herança aberta por óbito de BB, CC, DD e AA, na qualidade de exequentes, vieram intentar ação executiva para prestação de facto contra EE e FF.

Disseram no seu requerimento inicial que:
“1- Pelo d. acórdão da Relação de Guimarães que decretou a decisão definitiva do litigio objecto da acção à margem referenciada, em consequência da declaração do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio e de que do mesmo faz parte "a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da sua casa com uma área não concretamente apurada mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária do prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores", foram os RR. Condenados "a demolir o alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respectiva vedação".
2- Em cumprimento dessa condenação, os RR. demoliram os referidos alpendre e construção (churrasqueira).
3- Contudo, não libertaram totalmente, como também se lhes impunha, o espaço delimitado pela linha imaginaria referida no acórdão, do prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras da casa dos AA. até à parede da sua cozinha.
4- Com efeito, em vez de fazerem a vedação em linha recta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação para o lado do prédio dos AA. de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
5- Enquanto que, se a vedação tivesse sido feita de acordo com o sentenciado, nunca tal sucederia, antes ficando na referida zona de confluência um espaço livre de 58cm.
6- Tanto que era essa a situação que se verificava anteriormente.
7- Como o ilustra e demonstra o levantamento topográfico que se junta e aqui se dá por reproduzido em que a vedação feita pelos RR. no seguimento da "extrema" está representada por uma linha vermelha e a que corresponderia ao determinado pelo acórdão está representada por uma linha verde (Doc. junto).
8- Do que se conclui que os RR não cumpriram nem total nem correctamente, a condenação que sobre eles recaiu por isso se justificando a presente execução para correcta e completa concretização do sentenciado.
9- Para a prestação do facto exequendo os exequentes consideram suficiente o prazo de 8 dias.
10- Ao abrigo do art. 868.º, n.º 1 ex vi art. 874.º do CPC., os exequentes requerem a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo de incumprimento dos executados de montante não inferior a 50€ por dia.
11- Os exequentes declaram, ao abrigo do disposto no art. 868.º, n.º 1 do C.P.C., optar pela prestação de facto por outrem, por se tratar de facto fungível, requerendo que seja nomeado perito que avalie o custo da prestação (art. 870.º, n.º 1 do C.P.C).
Quesito para a perícia:
- Qual o custo de meios humanos e técnicos necessários para a demolição (com retirada do escombro dela resultante) da vedação existente e a sua substituição por uma outra em linha recta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública?”

*
Os executados apresentaram embargos, referindo que cumpriram o sentenciado, recuando a vedação nos termos determinados até ao canto/esquina da sua casa e as portadas da janela quando abertas já praticamente esbarram com a nova linha divisória; e se esta recuasse mais, não conseguiriam abrir a portada completamente.
Mais disseram que, se, por hipótese, vingasse a teoria dos exequentes, então estaríamos perante uma situação de abuso de direito, uma vez que o benefício que os exequentes retirariam da alegada ocupação da “nesga de terreno” que quantificam em 58 centímetros (cerca de 1 m2) era verdadeiramente desprezível aos olhos da comunidade frente à enormíssima desvalorização que causariam ao prédio dos executados com o atravessamento da janela pela linha divisória dos prédios.
Sucede ainda que os exequentes, durante a obra levada a cabo, nunca interpelaram os executados para o que quer que fosse.
Referiram, por último, que não tem lugar a aplicação de sanção pecuniária compulsória, cujo valor sempre seria desadequado.
Pediram a procedência dos embargos com a consequente extinção da lide executiva e a condenação dos exequentes como litigantes de má fé em multa e indemnização não inferior a € 2.000,00.
Apresentaram quesitos para a perícia.
*
Os exequentes contestaram os embargos, mantendo a sua posição; referiram que durante as obras não se aperceberam do sucedido. Pediram a improcedência dos embargos e a condenação dos embargantes como litigantes de má fé em multa e indemnização a seu favor.
*
Foi feito o saneamento do processo.
Foi fixado à ação o valor de € 10.000,00.
Foi determinada a realização de perícia, a qual não teve lugar por falta de pagamento dos respetivos encargos.
Realizada audiência final, com inspeção judicial, foi proferida decisão que indeferiu a fixação de sanção pecuniária compulsória e julgou improcedentes os embargos e, consequentemente, determinou o prosseguimento dos autos executivos. As custas foram imputadas aos executados/embargantes e as partes foram absolvidas do pedido de condenação como litigante de má fé e condenadas nas respetivas custas do incidente.
*
Inconformados, os embargantes/executados apresentaram recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
- CONCLUSÕES –.....

“1. A sentença não contém a indicação das questões que cumpre ao tribunal conhecer. Vd. art.º 607º n.º 2CPC;
2. Outrossim, a sentença é manifestamente NULA porque não indica os factos não provados ex vi art. 607º nº 4 e 615º nº 1 al. b) CPC, o que se requer seja declarado com todas as legais consequências;
3. O Tribunal da Relação de Guimarães prolatou o acórdão dado à execução que era (e é) de aplicação cristalina, declarando, entre o mais, existir um direito dos AA. que carecia ser apurado relativamente à propriedade de uma faixa de terreno;
4. A interpretação que se fez do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não colhe, e tal como se verá infra, desafia frontalmente as leis da geometria, da lógica e da hermenêutica.
5. O presente recurso também visa a reapreciação da matéria de facto e prova gravada;
6. O tribunal considerou provados, entre o mais, os seguintes factos:
B) Em cumprimento dessa condenação, os RR. demoliram os referidos alpendre e construção (churrasqueira), todavia, não libertaram totalmente, como também se lhes impunha, o espaço delimitado pela linha imaginaria referida no acórdão, do prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras da casa dos AA. até à parede da sua cozinha.
C) Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação para o lado do prédio dos AA. de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
D) Impunha-se que a vedação na dita zona de confluência deixasse livre um espaço de 58cm por ser essa a situação que se verificava anteriormente.
E) A partir do limite do espaço da churrasqueira, a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior e foi isso que os executados não fizeram, pois, a partir daí, continuaram a divisão, mas sem a alinharem, como deviam, com a parte restante da divisão situada nas traseiras.
K) Já depois de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira e já se encontrarem a construir a nova churrasqueira, o exequente AA alertou o executado marido EE que a construção deveria cumprir a decisão do Tribunal, tendo os executados prosseguido a construção da forma como atualmente se encontra no local.
7. Com o presente recurso, pretende ver-se alterada a decisão no que concerne à matéria de facto, devendo passar a considerar-se como não provados os preditos factos provados, nos segmentos destacados a negrito e sublinhado.
8. Por outro lado, devem considerar-se provados os seguintes (que não mereceram qualquer resposta ou juízo crítico por banda do tribunal): os pontos da matéria de facto ínsitos na petição de embargos sob os art. 5º (os executados deram cumprimento ao judicialmente decidido) 6º, 12º, 13º (se vingasse a teoria dos exequentes, então a linha divisória dos prédios iria bater sensivelmente na frente da janela dos executados), 15º (o benefício que os exequentes retirariam da ocupação da “nesga de terreno” que quantificam em 58 cm era verdadeiramente desprezível aos olhos da comunidade frente à enormíssima desvalorização que causariam ao prédio dos executados com o atravessamento da janela pela linha divisória dos prédios), 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 31º (os exequentes deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deveriam ignorar e fazem do processo um uso manifestamente reprovável).
9. Impõe decisão diversa quanto aos pontos da matéria de facto dados como provados em B, C; D; E e não provados constantes dos artigos 5º, 6º, 12º e 13º da petição de embargos os seguintes meios de prova:
-Documento 1 ....
-Acórdão do TRG, designadamente, pontos 47 e 48 da matéria de facto provada (pág.44doacórdão) ,onde se refere:
47- O telhado dos réus tem a configuração que sempre teve, é novo, está em bom estado e não permite infiltrações.
48- O telhado está sobreposto à casa e ocupa o espaço aéreo correspondente à superfície.
...-.
10. Ora, os Embargantes/Executados deram cabal cumprimento ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães,...;
11. O dispositivo do acórdão, na parte que aqui releva, reza assim: “- declarar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito nos artigos 1º a 3º da petição inicial (pontos 1 a 3 dos Factos provados), nele incluídas a faixa de terreno referida no ponto 4 dos “Factos provados” (…) e, consequentemente, condenar os Réus a demolir os referidos alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respetiva vedação (…)”;
12. Como é evidente, torna-se necessário aferir do alcance do ponto 4 dos “Factos Provados”: 4-(…) neste incluída, até ao momento referido no ponto 9, a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da casa dos Autores com uma área não concretamente apurada mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores (…)”
13. Tratava-se, portanto, de uma área não concretamente apurada e que se apuraria da conjugação de 2 condições cumulativas: zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras e a parede da cozinha dos Autores.
14. A decisão ora em crise não cumpre, desde logo, com a segunda condição: a divisão ora em crise prolonga a divisão de encontro à parede da cozinha dos Réus (aqui executados/embargantes).
15. A divisão tem que cumprir com o acórdão do TRG, e, assim, o prolongamento da linha divisória dos prédios termina OBRIGATÓRIAMENTE na parede da cozinha dos Autores/Exequentes/Embargados.
16. Caso contrário, a manter-se a decisão ora em crise, a tal zona (que se apuraria) ficaria não só entre o prolongamento da vedação em linha recta e a parede da cozinha dos AA., como também, entre a parede da cozinha dos RR. (confrontando com esta última parede em 58 cm ex vi ponto D da matéria de facto dada como provada; Vd. Também o levantamento fotográfico junto com o requerimento executivo em que os exequentes explicitam e desenham os 58cm na parede da cozinha dos embargantes/RR)
17. Aliás, o próprio o ponto C da matéria de facto dada como provada confirma isto mesmo (art. 4º do requerimento executivo): Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA. (…)”
18. Outrossim, já no seu requerimento executivo os próprios exequentes formulavam um quesito para a perícia que atestava (e confessava) o que vimos dizendo:-Qual o custo (…) e a sua substituição por uma outra em linha recta até à parede da cozinha dos AA.(…)?
19. Também em declarações de parte o exequente AA, gravado no sistema informático integrado no Citius na sessão de julgamento do dia 21/02/2024, aos 7.40m acaba por confessar que a primitiva rede ia bater na parede da cozinha dos AA/exequentes;
20. O que fica daqui é que a primitiva rede batia na parede da cozinha dos AA/exequentes e nunca na dos executados/embargantes;
21. Mais a mais, tal factualidade confirma-se por imagens fotográficas: documentos (8) – 4 imagens fotografias;4 imagens Google juntas aos autos com o requerimento ...28 de 28/09/2022, em que nas 4 primeiras fotografias ainda é possível verem-se os furos que prendiam a anterior vedação/rede ali existente (furos na parede da cozinha dos AA/exequentes) e que ficaram descobertos após se proceder à demolição da churrasqueira dos RR/embargantes.
22. Acresce que bastaria realizar o prolongamento em linha reta com a ajuda de uma mera régua no documentonº1 dos embargos (o documento que serviu à decisão do TRG e não qualquer outro!) para se perceber que a divisão terminaria no ponto de confluência dos 2 prédios (de embargantes e embargados).
23. Note-se especialmente que a decisão ora em crise não faz um prolongamento em linha reta (como o Ac TRG obriga) da divisória dos prédios, já que obriga a um verdadeiro ziguezaguear(!!)
24. Na verdade, esta decisão faz com que a linha divisória atinja primeiramente a parede de casa dos RR/embargantes a58 cm do ponto de confluência dos prédios e depois inflicta (os mesmos 58 cm no sentido do prédio dos AA./exequentes), ziguezagueando, até retomar o alinhamento da divisão natural dos prédios.
25. À luz da decisão ora em crise, para a delimitação não ziguezaguear, o prolongamento em linha recta atravessaria (em tese, obviamente…) a casa dos RR/executados/embargantes.
26. Sucede que para lá disso ser verdadeiramente inqualificável e chocante (e nunca ter sido peticionado; aventado processualmente ou ter ficado provado), tal nunca seria possível porque no acórdão do TRG ficou expressamente provado que (pág. 44 do acórdão):
47 - O telhado dos réus tem a configuração que sempre teve, é novo, está em bom estado e não permite infiltrações.
48- O telhado está sobreposto à casa e ocupa o espaço aéreo correspondente à superfície.
27. Esta matéria até se prende com pedidos formulados pelos aqui exequentes na acção cível a montante desta execução e que foram julgados improcedentes.
28. Em suma, nunca haveria como o prolongamento da vedação atravessar a casa dos embargantes/executados
29. No levantamento topográfico que os exequentes juntaram aos autos em 19/09/2022, sob a ref. ...14 (em complemento do primeiro levantamento topográfico que juntaram com o requerimento executivo) fica patente a desconsideração pela matéria provada em 47 e 48 do acórdão, já que os exequentes neste segundo levantamento topográfico prolongam “pela casa dos executados/embargantes” a divisão dos prédios (fazem-no a linha verde)!!!
30. Um absurdo já que se vingasse esta tese, parte da casa dos embargantes/executados (que foi primeiramente construída) tinha sido construída no terreno dos exequentes.
31. Como se vê, a linha divisória não pode ser a proposta pelos exequentes no seu requerimento executivo, já que esse nunca foi o prolongamento natural dos prédios e tal matéria foi julgada e há muito transitou em julgado;
....
35. ..., percebe-se com meridiana clareza que a churrasqueira (novamente erigida) até ficou ligeiramente aquém daquilo que era o terreno disponível dos RR/embargantes/executados depois de cumprido o prolongamento determinado pelo TRG
36. ... temos as fotografias que captam o alinhamento da vedação e a inflexão para o prédio dos RR/embargantes/executados: documentos (3) – imagens fotográficas – juntos aos autos em sede de inspecção ao local, com a referência citius 38386683 de 15/6/2023;
37. Veja-se também os Documentos ...demonstram à saciedade, como se viu supra, a ligeira inflexão da vedação para o prédio dos RR/embargantes e, portanto, no final do dia, o cumprimento do Ac TRG.
...
39. Ora, é precisamente isso que agora acontece com a divisão efectuada pelos embargantes: os exequentes/AA. podem aceder quase até ao limite da parede da sua casa. Vd foto nº 3 imagens fotográficas – juntos aos autos em sede de inspecção ao local, com a referência citius 38386683 de 15/6/2023.
40. O acórdão do TRG concluiu que apenas uma parte da churrasqueira tinha sido construída no terreno dos AA/exequentes (Vd. fls. 36 do acórdão); vingando a tese do prolongamento da vedação até atingir 58 cm da parede da cozinha dos embargantes, então toda a churrasqueira tinha sido construída no terreno dos exequentes
41. Em sede de motivação, na pág. 36 do Ac TRG, consignou-se o seguinte: “(…) que asseverou que, apesar de serem linha reta, o “alinhamento não é perpendicular à estrada”, sendo essa a razão pela qual ficou uma “esquina” atrás da cozinha (“faz um canto”) ”
42. Se o alinhamento da divisão dos prédios atingisse 58 cm a parede do prédio dos embargantes, não teríamos nunca uma “esquina” (formada imperiosamente por um triângulo), mas um outro polígono: um trapézio retângulo!
43. Outrossim, se a delimitação atingisse 58 cm a parede da cozinha dos embargados, já o alinhamento seria praticamente perpendicular à estrada–e o TRG bem enfatiza que o não é.
44. Por outro lado, a portada da janela da cozinha dos embargantes/RR, quando aberta já praticamente encosta na delimitação dos prédios. Vd. Fotos juntas com a petição de embargos
45. Se vingasse esta decisão ora em crise, os embargantes/RR não mais poderiam abrir a portada da janela da sua cozinha uma vez que a delimitação dos prédios praticamente encostaria à sua janela(!)
46. Também a fls. 37 do acórdão se vinca, uma vez mais, o facto de se tratar de uma nesgazinha de terreno ocupada pelos embargantes e que a construção da churrasqueira apenas ocupava parte desse espaço: “(…) importando, porém, relevar que por demonstrar ficou, sim, que a referida faixa tivesse a dimensão alegada pelos Autores: a testemunha GG referiu-se à faixa em questão como uma “nesgazinha”, explicando que “parte da churrasqueira” se encontra no, por ele denominado, “canto” do terreno dos Autores, e a própria filha dos Autores ( a testemunha CC) afirmou que a faixa em causa teria apenas 2m/2,5m de comprimento por 20cm de largura.”
47. É a própria filha dos AA., agora também exequente, quem confessa que a tal faixa ou área a apurar teria 2m/2,5m de comprimento por 20 cm de largura!!
48. A divisão gizada pelos embargantes e que dá cumprimento ao Ac TRG liberta completamente o espaço circundante à casa/cozinha dos exequentes e isto é fácil de perceber, quer pelas fotografias e imagens de satélite, quer pelo facto de a divisão terminar na confluência dos dois prédios (formando um ângulo agudo na confluência).
49. Também impõe decisão diversa quanto à matéria de facto dada como provada em K e não provada constante dos artigos 15º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24 e 31º da petição de embargos à execução, os seguintes meios de prova:
.....
50. Para se aferir da falta de credibilidade, veja-se que os exequentes referiam na sua contestação aos embargos (artigos 25º a 30º) contrapondo aos factos alegados em 21º a 23º da p.i de embargos que não foram informados do projecto de divisão que seria implementado pelos embargantes e que não se aperceberam da realização da nova construção/churrasqueira (e demolição da anterior).
......53. De tudo quanto se expendeu, e após se alterar a resposta à matéria de facto sobredita, resulta evidente que ainda que os exequentes tivessem o direito – e não têm –está-lo-iam a exercer em claro abuso de direito ex vi art. 334º CC
54. É também notório que os exequentes deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e fazem do processo um uso manifestamente reprovável, pelo que se requer a sua condenação exemplar como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor dos executados em valor não inferior a € 2.000,00 ex vi art. 542º nº 2 al. a) e d) CPC
55. Alteradas que fiquem as respostas aos pontos da matéria de facto aqui em crise, ficam preenchidos os pressupostos legais necessários a julgarem-se procedentes os embargos à execução;
Foram violados: artigos 607º nº 4 e 5 CPC, 615º nº 1 al. b) CPC e 334º CC”
*
Os embargados/exequentes apresentaram contra-alegações,...Pedem a improcedência do recurso e manutenção da sentença.
....
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se o Tribunal incorreu em nulidade, por falta de fundamentação (ou por omissão de pronúncia);
-se foram cumpridos os ónus impostos para a impugnação da matéria de facto e se há fundamento para a alteração da matéria de facto;
-se os executados/recorrentes cumpriram o determinado pelo acórdão que se executa, face à interpretação a fazer do mesmo.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria:
“Mostram-se provados os seguintes factos:
A) Pelo acórdão da Relação de Guimarães que decretou a decisão definitiva do litigio objeto da ação à margem referenciada em consequência da declaração do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio e de que do mesmo faz parte "a faixa constituída por um espaço correspondente à zona situada entre a linha imaginária do prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores", foram os RR. condenados "a demolir o alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respetiva vedação".
B) Em cumprimento dessa condenação, os RR. demoliram os referidos alpendre e construção (churrasqueira), todavia, não libertaram totalmente, como também se lhes impunha, o espaço delimitado pela linha imaginaria referida no acórdão, do prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras da casa dos AA. até à parede da sua cozinha.
C) Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação para o lado do prédio dos AA. de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
D) Impunha-se que a vedação na dita zona de confluência deixasse livre um espaço de 58cm por ser essa a situação que se verificava anteriormente.
E) A partir do limite do espaço da churrasqueira, a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior e foi isso que os executados não fizeram, pois, a partir daí, continuaram a divisão, mas sem a alinharem, como deviam, com a parte restante da divisão situada nas traseiras.
F) No ponto 4 dos factos provados do acórdão dado à execução como título executivo consta o seguinte: “4 – Há mais de 20/30 anos, continuada e ininterruptamente que os Autores construíram a casa e nela habitam, lá tendo centrada toda a sua vida doméstica e familiar, agricultando o terreno sobrante da parcela que compraram, neles, casa e terreno – neste incluída, até ao momento referido no ponto 9) a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da casa dos Autores com uma área não concretamente apurada mas correspondente à linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozida da casa dos Autores, bem como o espaço fronteiro à sua casa, com exclusão da faixa referida no ponto 50 – introduzindo todas as transformações e melhoramentos e entendem, tendo, nomeadamente, executado o revestimento com cimento do espaço fronteiro acima delimitado, dele dispondo como entende e procedem à sua limpeza e conservação, pagando as respetivas contribuições e impostos e praticando todos os demais atos de posse e fruição plenas próprios de seus donos, como tal se afirmando e sendo reputados como tal por toda a gente sem a menor oposição ou sequer contestação de alguém”.
G) No ponto 7 dos factos dados como provados pode ler-se: “Nas traseiras da casa dos autores existia um espaço de terreno onde existiam umas manilhas de escoamento de águas de terrenos superiores, bem como um poste de rede pública de eletricidade. 7.1 - Quando construíra a sua casa pelo lado em que confina com a dos Réus, os Autores não ocuparam o seu terreno em toda a sua largura e comprimento. 7.2 – Tendo deixado livre nas suas traseiras, um espaço com uma área não concretamente apurada, mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referias traseiras e a parte da cozinha dos Autores (o referido em 4, ora transcrito na Alínea E). 7.3 – Apesar de não ocupado com a construção da casa, esse espaço integrava a respetiva área descoberta e estava devidamente vedado com uma rede de arame suportada por pilares de cimento”.
H) Já no ponto 9) dos factos dados como provados do acórdão da Relação de Guimarães lê-se que: “Os réus, após retirarem a rede e respetivos pilares de suporte, implantaram no espaço referido uma construção de tijolo e cimento, tendo ficado sensivelmente a meio do respetivo espaço interior o referido poste de eletricidade,
I) No ponto 16 do mesmo aresto constata-se que consta “A parede da churrasqueira do lado da casa dos Autores está mesmo encostada à parede da cozinha desta.
J) Para o Tribunal da Relação dar como provada tal factualidade, considerou, entre o mais, o seguinte: “(…) o referido HH esclareceu que foi ele o primeiro a comprar a parcela de terreno para construção onde depois veio a edificar a casa que agora é do Réus, explicando claramente que a divisão dos terrenos era “de alto a baixo em linha reta”, mas na diagonal – o que é determinante na compreensão do que integrava cada uma das parcelas em causa – como representado no documento junto sob o n.º6 (exceção feita à reentrância que ali consta na zona onde atualmente se encontra situada a churrasqueira), o que torna compreensível que, ao contrário do que seria normal, na zona fronteira à casa dos Autores houvesse uma pequena faixa de terreno (a referida no ponto 50) que ainda integrava o terreno adquirido pela aludida testemunha, depoimento este suportado não só pela pavimentação documentada na referida fotografia mas, não menos importante pela existência de uma entrada para a cada dos Réus que deita diretamente para a referida faixa de terreno, não havendo razão para a dúvida invocada pelo Tribunal a quo relativamente a tal faixa (…)”
K) Já depois de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira e já se encontrarem a construir a nova churrasqueira, o exequente AA alertou o executado marido EE que a construção deveria cumprir a decisão do Tribunal, tendo os executados prosseguido a construção da forma como atualmente se encontra no local.”
E motivou assim a factualidade provada:
“A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados assentou no conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, ao teor do requerimento executivo, título executivo (sentença em 1.º Instância e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 25/02/2021, cujo teor se dá por reproduzido), fotografias juntas, levantamentos topográficos, prova por inspeção, atendendo-se também às fotografias juntas ao respetivo auto de inspeção, declarações de parte do executado EE e do exequente AA (atendeu-se às declarações deste último no que concerne ao último facto dado como provado), prova testemunhal, cujo teor se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e inspeção ao local.
Da conjugação de todos os elementos probatórios, o tribunal não ficou com quaisquer dúvidas de que apesar de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira como ordenado na decisão dada à execução, o certo é que voltaram a efetuar novas construções que não cumprem, nos seus precisos termos, o determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação no que concerne ao alinhamento em reta nele mencionado e à forma correta de efetuar a vedação dos dois terrenos, sendo certo que tal foi constatado, in loco, pelo Tribunal quando aí se deslocou no âmbito da inspeção ao local que se encontra documentada no respetivo auto de inspeção e fotografias anexas.
Note-se que a factualidade dada como provada no douto acórdão em execução sob os pontos 7 ( nos seus vários números) e 16 é bem demonstrativa, a nosso ver, da existência da separação existente entre as casas dos exequentes e executados, pois que os primeiros não ocuparam todo o seu terreno com a construção da casa, em toda a largura e comprimento, tendo deixado livre, nas suas traseiras um espaço cuja área não foi concretamente determinada e é a que está em causa nos autos, sendo certo que, atualmente, a parede da churrasqueira, do lado da casa dos exequentes, continua encostada à parede da cozinha desta.
O predito permitiu ao Tribunal formar a sua convicção nos termos sobreditos.”
***
IV MÉRITO DO RECURSO.

NULIDADE DE DECISÃO.

Referem singelamente os recorrentes, sob o prisma da nulidade de sentença, que a sentença não contém a indicação das questões que cumpre ao tribunal conhecer conforme art.º 607º, n.º 2, C.P.C.; e que a sentença é manifestamente nula porque não indica os factos não provados, conforme art.º 607º, n.º 4, C.P.C..
Veremos, para além da falta de fundamentação a que se referem ao invocar a alínea b) do n.º 1 do art.º 615º C.P.C., também o vício consistente na omissão de pronúncia previsto na alínea d), dados os termos recursivos.
*
Dispõe o art.º 615º, nº. 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando: (…)
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, publicados em www.dgsi.pt, como todos os que citaremos sem outra indicação).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª Desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. desta Relação de 5/4/2018).
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
Dúvidas não há, porém, que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes - salvo as que forem de conhecimento oficioso - sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhecer de questões que não foram suscitadas.
Nesse sentido, o Tribunal tem de conhecer de “…todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704).
Também no que respeita à suposta não consideração de factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas que tenham sido alegados pelas partes (cfr. a imposição dos art.ºs 5º, n.º 1 e 607º, n.ºs 3 e 4, do C.P.C.), entende-se que essa omissão reconduz-se ao vício de deficiência do julgamento da matéria de facto, ou seja, a erro de julgamento da matéria de facto, vício que não determina, em regra, a nulidade da sentença/despacho (cfr. n.º 3 do art.º 613º, n.º 3, C.P.C.), designadamente, por omissão de pronúncia, salvo o caso de falta absoluta da sua consideração (ou, conforme outro entendimento, também a decisão incompleta, insuficiente ou ilegal), que integrará antes o vício de falta de fundamentação, causa de nulidade de sentença face à alínea b) do n.º 1 do mesmo art.º 615º.
Ao invés, a deficiência do julgamento da matéria de facto, sempre que ocorra, ao impedir o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, atento o pedido, causa de pedir e exceções que nele foram invocados pelas partes, é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, impondo-lhe que, no uso dos seus poderes de substituição, sempre que o processo contenha todos os elementos de prova que lhe permitam com a necessária segurança fazer o julgamento de facto quanto à matéria em relação à qual o Tribunal a quo não tomou posição -art. 665º, ex vi, art. 662º, n.º 1 do CPC), supra esse vício fazendo ele próprio o julgamento da matéria de facto quanto a essa concreta factualidade, sem prejuízo de haver casos em que se justifique ou imponha, conforme previsto na alínea c), do n.º 2 do art. 662º, C.P.C., a anulação da decisão recorrida - Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs. 293 a 295 da 4ª ed..
Intercalando aqui a questão da falta de fundamentação, diremos primeiro que o dever de fundamentação assenta no principio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E, de acordo com o n.º 2 do art.º 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. O dever de fundamentação abrange todos os pedidos controvertidos e todas as dúvidas suscitadas no processo, mas também abrange o dever de explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia em determinado sentido.
Concomitantemente com o dever geral de fundamentação, existem regras específicas que devem ser observadas na elaboração da sentença, elencadas no art.º 607º, do C.P.C.: na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Daí decorre a imposição do art.º 640º C.P.C. relativamente aos ónus de impugnação da matéria de facto.
Pode divergir-se se a falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pág. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, págs. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente.
Tem sido posição maioritária da jurisprudência que apenas a falta absoluta conduz à nulidade; admite-se que uma insuficiência grosseira (situação diversa da falta de mérito justificativo suficiente para justificar a parte dispositiva, que sempre se traduzirá antes em erro de julgamento) possa equivaler à falta, mas de qualquer modo nunca será essa a questão destes autos.
A decisão mostra-se fundamentada, com a factualidade alegada e provada e com apelo às normas aplicáveis.
Deste ponto de vista, indefere-se a suscitada nulidade de decisão seja por omissão de pronúncia, seja por falta de fundamentação, na medida em que o que vem invocado é precisamente a falta de elenco ou menção a factos não provados, o que, por um lado, não constituiu falta (absoluta) de fundamentação já que a sentença elenca factos (provados) e a sua motivação, e por outro lado não constitui omissão de pronúncia já que a não consideração de factos/elementos alegados, e caso estivessem em causa factos essenciais oportunamente alegados, sempre constituiria erro de julgamento a sindicar noutra sede, e não vício conducente à nulidade de sentença. Porém, dizer-se apenas que não elenca factos não provados, por si só, nada significa, uma vez que a sentença só deve conter factos não provados que estejam alegados e que pudessem ser relevantes de acordo com a integração jurídica perspetivada e os ónus probatórios impostos.
Igualmente não integra qualquer omissão de pronúncia o facto de não se ter elencado as questões a conhecer, de forma autónoma e expressa, no relatório da sentença, não seguindo o “modelo” imposto pelo art.º 607º, no que respeita à integralidade do seu n.º 2, uma vez que tal não configura uma matéria a conhecer, não sendo a sua falta relevante (e suficientemente grave) a ponto de ser suscetível de conduzir à nulidade da peça.
Improcede por isso esta primeira questão recursiva.
*
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO/APLICAÇÃO DO DIREITO.

Antes de entrarmos nesta questão, cumpre introduzir uma nota prévia.
Os embargos de executado, como meio de oposição à execução, têm fundamentos taxativamente previstos na lei (cfr., quanto à execução de sentença, os art.ºs 729º, e 868º, n.º 2, no que respeita concretamente à execução para prestação de facto, ambos do C.P.C.). Abrindo-se aqui uma fase declarativa, isso não significa que possa ter lugar uma repetição, no caso de execução de sentença, da ação declarativa que culminou na mesma. Pelo contrário, a leitura nomeadamente da alínea g) do art.º 729º afasta completamente essa possibilidade (em qualquer leitura mais ou menos ampla que se faça, e sendo certo que no artº. 868º, n.º 2, afasta-se a exigência de prova documental –cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3º, págs. 460 a 465 da 3ª edição), tendo como fundamento desde logo o respeito pelo caso julgado, e designadamente na sua vertente de preclusão.
Significa isto que não podemos voltar aqui a discutir matérias, sobretudo a nível de prova, que foram já apreciadas em sede declarativa, e, por isso, toda a argumentação recursiva relevante incide sobre a interpretação a fazer do Acórdão desta Relação de 25/2/2021, que incidiu sobre a sentença proferida no processo n.º 662/17.0T8VRL, e que se visa aqui fazer cumprir coercivamente, e nomeadamente se, face à interpretação que se faça, o mesmo já está totalmente cumprido.
Os recorrentes anunciam a intenção de impugnar a matéria de facto.
Importa verificar as premissas dessa pretensão recursiva, e, depois, se as mesmas se verificam no caso.
Todavia, terão de ser aqui destacadas outras orientações relativas à matéria de facto que devem preceder o exercício de reanálise da mesma por este Tribunal.
Independentemente da iniciativa da parte em questionar a matéria de facto, este Tribunal pode, oficiosamente, sanar patologias da mesma, seja porque integra elementos que não são verdadeiros factos, seja porque se mostra inquinada de determinados vícios.
A inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (Ac. STJ de 23/9/2009; relator Bravo Serra, em www.dgsi.pt).
Em igual sentido, “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.” - Ac. do S.T.J. de 28-09-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, em igual endereço.
A inclusão na fundamentação de facto constante da decisão sob recurso de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da mesma decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, conforme decorre do disposto no art.º 662º, n.º 2, c), do C.P.C..
Mas mais se impõe ainda destacar neste exercício a fazer pelo Tribunal de recurso.
O art.º 130º do C.P.C., que proíbe a prática de atos inúteis, tem plena aplicação nesta sede de impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação.
A impugnação da matéria de facto deve obedecer a um princípio de utilidade, na medida em que só importa considerar o que poder ser relevante segundo as soluções de direito com que o Tribunal se vai confrontar. Em sede recursiva pretende-se, através da modificação de decisão da matéria de facto, que seja reapreciada a pretensão do recorrente, aferindo da existência ou inexistência do direito reclamado, pelo que a reapreciação da matéria de facto e de todas as demais questões suscitadas está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pela parte e assim já antes submetido à apreciação do tribunal recorrido, ou seja, terá de ter repercussão na aplicação do direito pelo tribunal de recurso. Por isso se vem dizendo que é no pressuposto do seu efeito útil que importa apreciar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto e proceder apenas às alterações que se impõem e que importam para a boa decisão da causa, ou seja, na medida em que tenham algum efeito sobre a decisão a proferir.
Diz o Ac. do STJ de 17-05-2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira) que relativamente ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o “…princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. (…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela (s) parte (s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
No mesmo sentido, podem ver-se os Acs. da Rel. de Guimarães de 10/09/2015 (639/13.4TTBRG.G1), de 2/05/2019 (3128/15.9T8GMR.G1); de 11/07/2017 (5527/16.0T8GMR.G1) e de 22/10/2020 (5397/18.3T8BRG.G1), além de outros; e da Rel. de Lisboa 17/4/2018 (3830/15.5T8LRA.L1-1), e de 30-04-2019 (30502/16.0T8LSB.L1-7).
*
Elencados os princípios orientadores da tarefa que se impõe ao Tribunal de recurso no exercício da sua função controladora do acerto da fixação da matéria de facto, nomeadamente destacando a sua atuação oficiosa, cumpre ainda enunciar os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar tal impugnação da matéria de facto na medida do suscitado nas alegações de recurso, para então se verificar se os recorrentes os cumpriram, nomeadamente se indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificam na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indicam na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, págs. 155 e 156.
Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019, podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme art.º 607º, n.º 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (art.º 640º, n.º 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), n.º 2, do art.º 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A nuance entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais, antes de mais, têm que ver com o facto de possibilitar à parte contrária um efetivo exercício do contraditório, para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Deste modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio enformador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas poderá abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (arts.º 635º, n.º 4, 640º, n.º 1, a), e 639º, n.º 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que constem do corpo das alegações.
Em 17/10/2023 foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo STJ (n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, págs. 44 a 65) no sentido de se interpretar a exigência da indicação do sentido pretendido prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 640º, na ótica de que o recorrente não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Trata-se da consagração de uma corrente do STJ apologista de um menor rigor formal exigido no cumprimento dos ónus formais impostos no art.º 640º do C.P.C., promotora da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, desde que não seja postergado o exercício cabal do contraditório, bem como seja apreendida em termos claros pelo julgador a pretensão recursiva, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, instrumentais em relação a cada situação concreta.
Os recorridos invocam o incumprimento dos ónus impugnatórios, defendendo a rejeição do recurso nessa vertente, aludindo à alínea a) do n.º 2 do art.º 640º, uma vez que “…a reprodução das declarações das partes e das testemunhas constante da peça recursiva não é propriamente uma transcrição muito fidedigna do que disseram em audiência de julgamento, antes consistindo num seu resumo mais ou menos previamente “digerido” e potencialmente parcial…”. Repara-se que os recorridos não rebatem argumentativamente a impugnação apresentada. Vejamos.
Lidas as conclusões, destacam os recorrentes a matéria a reapreciar:

B) (…), todavia, não libertaram totalmente, como também se lhes impunha, o espaço delimitado pela linha imaginaria referida no acórdão, do prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras da casa dos AA. até à parede da sua cozinha.
C) Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação para o lado do prédio dos AA. de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
D) Impunha-se que a vedação na dita zona de confluência deixasse livre um espaço de 58cm por ser essa a situação que se verificava anteriormente.
E) A partir do limite do espaço da churrasqueira, a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior e foi isso que os executados não fizeram, pois, a partir daí, continuaram a divisão, mas sem a alinharem, como deviam, com a parte restante da divisão situada nas traseiras.
K) Já depois de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira e já se encontrarem a construir a nova churrasqueira, o exequente AA alertou o executado marido EE que a construção deveria cumprir a decisão do Tribunal, tendo os executados prosseguido a construção da forma como atualmente se encontra no local.
E identificam desta forma a matéria que pretendem passe a integrar (sendo aditada) a matéria provada: os pontos da matéria de facto ínsitos na petição de embargos sob os art. 5º (os executados deram cumprimento ao judicialmente decidido) 6º, 12º, 13º (se vingasse a teoria dos exequentes, então a linha divisória dos prédios iria bater sensivelmente na frente da janela dos executados), 15º (o benefício que os exequentes retirariam da ocupação da “nesga de terreno” que quantificam em 58 cm era verdadeiramente desprezível aos olhos da comunidade frente à enormíssima desvalorização que causariam ao prédio dos executados com o atravessamento da janela pela linha divisória dos prédios), 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 31º (os exequentes deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deveriam ignorar e fazem do processo um uso manifestamente reprovável). Note-se que os recorrentes referem, erradamente, que esta matéria foi considerada não provada; não foi; a crítica que fazem à sentença é precisamente o facto de não ter elencado factos não provados.
Isto posto, para além de identificarem os pontos impugnados (incluindo os pretendidos aditar), referem o sentido propugnado: os elencados na sentença como provados devem passar a não provados, e os alegados e referidos, devem constar no elenco dos provados.
Lida a matéria das alíneas B a E (excluída por isso a K), verifica-se que tudo se situa no âmbito da questão relativa ao que deviam os executados ter feito para dar cumprimento ao acórdão e o que efetivamente fizeram. Podemos por isso dizer que se trata de um tema único. Nessa medida, admite-se que, no que respeita às alíneas B a E, a indicação da prova que sustenta a impugnação pudesse também ela ser agrupada, dispensando-se a indicação circunstanciada de cada meio de prova (que sustenta a impugnação) a cada facto.
No que respeita à matéria alegada nos indicados artigos da petição de embargos, infere-se que pretendem aditar o que integram sobre os parêntesis, surgindo dúvidas no que concerne aos pontos 20 a 23 por um lado (questão do abuso de direito), e 24 e 31 por outro (questão da falta de sustento da pretensão, com conhecimento dos exequentes, e uso reprovável do processo), já que podemos aí distinguir duas alegações diversas. Analisada a peça, apenas os pontos 5, 6, 12 e 13 (na versão sugerida) respeitam àquela mesma matéria das alíneas B a E. Já a alínea K, o artigo 15, e aqueles outros dois “grupos” respeitam a matérias autónomas, pelo que se impunha que fosse indicado relativamente a (pelo menos) cada tema os meios de prova em que a impugnação se sustenta.
*
Em primeiro lugar, e começando a aplicar o que enunciámos, muita da matéria aqui em causa (quer constante da sentença, quer a pretendida introduzir) está eivada de juízos conclusivos, insuscetíveis de integrar o elenco de factos concretos.
Independentemente da maior ou menor abertura que se venha dando ao conceito de juízo conclusivo, e sabemos que a tendência é de maior abertura (desde que não incida diretamente sobre a questão decidenda), claramente não se poderá introduzir nos factos que “os executados deram cumprimento ao judicialmente decidido”, ou que “o benefício que os exequentes retirariam da ocupação da “nesga de terreno” que quantificam em 58 cm era verdadeiramente desprezível aos olhos da comunidade frente à enormíssima desvalorização que causariam ao prédio dos executados com o atravessamento da janela pela linha divisória dos prédios”, ou que “os exequentes deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deveriam ignorar e fazem do processo um uso manifestamente reprovável”; esta última asserção reproduz o termo legal relativo à consideração da litigância de má fé (art.º 542º, n.º 2, a) e d), C.P.C.); a anterior contém juízos valorativos vazios de conteúdo, que seria preciso concretizar: desde logo a enormíssima desvalorização; a primeira configura a resposta ao objeto do litígio –aliás, e ainda com algum interesse face à falta de respeito pelo art.º 607º, n.º 2, C.P.C., a sentença (não no relatório, mas na aplicação do direito), anuncia: “Vejamos, então, se a prestação foi cumprida por parte dos executados.”
Mas, voltando aos ónus impugnatórios, constata-se também que os meios de prova de que os recorrentes se socorrem, são indicados numa “amálgama”, sem qualquer tipo de enfoque entre facto e meio de prova erradamente valorado.
Esta falta de cumprimento da imposição legal ínsita no art.º 640º, n.º 1, b), impede que o Tribunal de recurso exerça a sua função neste segmento recursivo relativo à impugnação da matéria de facto, e que se traduz na verificação de erro de julgamento por parte da 1ª instância.
Situando nas consequências a tirar, e guiados por aqueles juízos de proporcionalidade e razoabilidade, e salvaguardando o princípio do contraditório (já que os recorridos não deixaram de refutar que tudo foi cumprido como se exigia), decide-se:
-rejeitar a impugnação da matéria de facto no que respeita à inclusão de outra factualidade, mormente a pretendida aditar e que resulta dos artigos 5, 15, 20, 21, 22, 23, 24 e 31 indicados, e ainda relativamente à alínea K (não obstante outra consideração que a seu propósito ainda faremos), quer porque conclusiva, quer porque não são especificamente indicados os meios probatórios que sustentam a pretensão, violando o disposto no artº. 640º, n.º 1, b), e com exceção (para já) daquilo que esteja relacionado com a impugnação da matéria – resumida a factos, como se verá - que integra as alíneas B a E e que conste daqueles artigos 6, 12 e 13 (no sentido propugnado).
*
Significa o que se acabou de expor que cabe também eliminar o que está “a mais” naquelas alíneas porque conclusivo, e também porque se trata da interpretação do acórdão, a fazer em sede de aplicação do direito, não podendo, como já anunciamos, abrir-se uma nova porta à discussão dos termos do litígio definido em sede declarativa.
Assim, desde já eliminamos o que iremos destacar a negrito:
B) (…), todavia, não libertaram totalmente, como também se lhes impunha, o espaço delimitado pela linha imaginaria referida no acórdão, do prolongamento em reta da vedação situada nas traseiras da casa dos AA. até à parede da sua cozinha.
C) Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação para o lado do prédio dos AA. de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
D) Impunha-se que a vedação na dita zona de confluência deixasse livre um espaço de 58 cm por ser essa a situação que se verificava anteriormente
E) A partir do limite do espaço da churrasqueira, a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior e foi isso que os executados não fizeram, pois, a partir daí, continuaram a divisão, mas sem a alinharem, como deviam, com a parte restante da divisão situada nas traseiras.
*
Precisando, a alínea B factualmente nada diz que importe ao caso, desde logo porque está precisamente em causa saber se libertaram a totalidade do espaço como se impunha …, ou seja, não se pode dar a resposta direta ao litígio nesse ponto, já que se trata da interpretação que o Tribunal recorrido retirou da leitura do acórdão.
O que está em causa é a alegação do cumprimento integral do decidido, matéria cujo ónus da prova cabe aos embargantes –cfr. art.º 868º, n.º. 2, C.P.C., mas que terá de resultar tão só do confronto entre o que os recorrentes fizeram e deviam ter feito, sendo que a primeira matéria terá de resultar de factos concretos, mas a segunda terá de resultar da decisão dada à execução.
Sucede que, mesmo nestes segmentos, há que verificar previamente se estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, ou seja, se estamos perante factos que dividem as partes. E não integra a impugnação aquilo em que na realidade as partes não divergem, pois nesse caso há que dar cumprimento ao art.º 574º, n.º 2, C.P.C..
Na verdade, na sua peça os embargantes/recorrentes dizem que: “Impugna-se a demais matéria por se tratar de matéria falsa, conclusiva e/ou de direito, ou por se tratarem de factos que desconhecem sem obrigação de conhecerem ou ainda por contenderem com a oposição considerada no seu conjunto…”, e que “…se impugnam os documentos juntos quanto aos efeitos e consequentemente prova que com os mesmos pretendam os exequentes fazer…”. Mas trata-se no primeiro caso de uma impugnação genérica, e, lida a peça, da mesma não resulta que esteja em causa o que foi efetivamente por eles feito; apenas o que devia ter sido feito –matéria interpretativa do acórdão.
Aplicando, significa isto que, quanto às alíneas C, D e E, apenas importaria saber se foi reposta a situação anterior.
Ora, no que essas alíneas referem quanto ao que deviam ter feito em cumprimento do acórdão, parte da sua interpretação, não é factual.
No que respeita ao que efetivamente fizeram e resulta da alínea C, outra ordem de considerações se impõe.
Verdadeiramente os recorrentes não negam que infletiram a vedação –dizem-no neste recurso-, o que negam é que o tenham feito para o lado do prédio dos A.A.; mas já não negam que o fizeram de tal forma que a vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos R.R. e a cozinha dos A.A. acabou por ir de encontro à parede desta.
Note-se que infletir significa dobrar ou curvar, sendo claramente esse o sentido que lhe deu o Tribunal recorrido.
Assim compreende-se que defendam que o acórdão determinou que a linha reta fosse ao encontro da parede da cozinha dos A.A. e não dos R.R.; quando referem que infletiram (ligeiramente) ao contrário, acabam por admitir que não respeitaram uma reta. Veja-se o que resulta da leitura do artigo 6º da p.i. de embargos: “… analisando o referido documento nº 6 é fácil de ver que o prolongamento da linha divisória vai atingir a esquina da casa dos aqui executados”. Ora, isto é precisamente o que está traduzido na alínea C quando se descreve o que os recorrentes fizeram; coisa diversa é se o fizeram corretamente, em cumprimento do determinado.
Portanto, a única coisa a alterar nesta alínea porque não admitido é para que lado foi a inflexão, sendo que tal acaba por ser irrelevante face aos termos do acórdão –cuja interpretação iremos introduzir infra e que permitirá perceber melhor o que estamos aqui a decidir em sede factual -, e por isso não se impõe averiguar da sua consistência probatória.
Quanto à alínea D, não importa saber se o espaço livre em causa seria de 58 cm ou de outra dimensão, situação que não ficou definida no acórdão dado à execução, e que foi mesmo considerada não apurada. Partir da distância para delinear a reta é fazer o raciocínio oposto ao que se impõe: primeiro há que traçar a reta e depois logo se verá qual a distância livre entre a parede da cozinha dos recorridos e a vedação.
A sua impugnação nos termos preconizados, além das outras consequências que se poderia retirar e que não são admissíveis, como veremos, poderia ser relevante para efeitos de aferição de uma situação de abuso de direito. Mas, entrando já aqui nessa matéria iminentemente jurídica, essa situação (art.º 334º do C.C.) teria de ser cogitada na prévia sentença/decisão declarativa, e não nesta sede executiva. Para além de não configurar um meio de oposição por embargos previsto, ele também não é “válido” do ponto de visa legal. Foi na ação declarativa que se definiu o direito exequendo, e seria também nessa sede que se devia ter apurado se o seu exercício devia ficar paralisado por razões de boa fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (desde que manifestamente excedidos os limites assim impostos). Isto ultrapassada a questão de saber se foi concretizado o restante circunstancialismo que poderia levar à ponderação da aplicação dessa figura.
Aplicando novamente temos então por irrelevante apurar a dimensão da faixa de “terreno” que devia ter ficado livre, importando antes saber se foi seguida a linha reta, a qual pode ser uma diagonal (tal como é mencionado no acórdão).
Mais do que isso: não foi apurada a área em sede declarativa, não cabe em sede executiva apurá-la. Refere-se no ponto 4 dos seus factos provados: “…a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da casa dos Autores com uma área não concretamente apurada mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores…”.
Concretizando, diz-se na fundamentação do acórdão: “…importando, porém, relevar que por demonstrar ficou, sim, que a referida faixa tivesse a dimensão alegada pelos Autores: a testemunha GG referiu-se à faixa em questão como uma “nesgazinha”, explicando que “parte da churrasqueira” se encontra no, por ele denominado, “canto” do terreno dos Autores (sem prejuízo da conclusão a que depois chega quanto à situação da churrasqueira), e a própria filha dos Autores (a testemunha CC) afirmou que a faixa em causa teria apenas 2m/2,5 m de comprimento por 20 cm de largura.”
Também não se pode dizer que estamos aqui perante uma liquidação da sentença: a indeterminação tanto pode dizer respeito ao quantitativo - caso da obrigação de dinheiro - , como à natureza e espécie da prestação: é o caso da prestação de facto, quando não se sabe, com precisão e especificadamente, qual o facto que há-de ser prestado. No caso, porém, a condenação não foi genérica (cfr. art.ºs 609º, n.º 2, e 358º, n.º 2, C.P.C.). A prestação está perfeitamente determinada: os Réus foram obrigados a demolir o alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respetiva vedação. É o ponto 4 dos factos provados (para o qual o dispositivo do acórdão remete (“nele incluídas a faixa de terreno referida no ponto 4 dos Factos provados”) que concretiza o modo de reposição: “…a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da casa dos Autores com uma área não concretamente apurada mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores…”.
Ora, é precisamente face aos efeitos da condenação proferida nos termos do art.º 609º, n.º 1, conjugado com o art.º 621º, n.º 1, ambos do C.P.C., que define o alcance do caso julgado no sentido que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, que entendemos que não é admissível a introdução na sentença de embargos deste facto.
De certo modo, e fazendo um paralelismo, também aqui a sentença enferma, no elenco da matéria de facto, de uma patologia que nos cabe (oficiosamente) sindicar: neste caso o conteúdo da decisão revela-se excessivo, por envolver a consideração de factos cuja consideração não é admissível. Abrantes Geraldes na obra citada (págs. 291) refere-se aos casos em que o excesso resulta da decisão envolver a consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir ou das exceções (art.º 5º, n.º 1) ou mesmo de factos complementares ou concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art.º 5º, n.º 2, b), sempre do C.P.C..
Assim, tal facto não podia ser alegado em sede executiva, pelos motivos referidos, pelo que ao considerar tal facto a sentença comete igualmente um excesso –não podia ser aqui considerado, extravasa o âmbito do título. Pode ainda configurar-se uma espécie de contradição entre os factos que resultam do título e este incluído na sentença de embargos, o que também não é admissível.
Fazemos nossas as palavras do Ac. desta Relação de 14/3/2024 (processo n.º 5275/21.9T8VNF-A.G1) em que se colocava uma questão que nos ajuda a perceber a situação: “Importará ter em conta que o título executivo é um acórdão, transitado em julgado, pelo que não pode fazer-se qualquer juízo de valor sobre o teor da prova anteriormente produzida noutra ação nem sobre o teor da decisão final aí proferida, por a mesma ter transitado em julgado.
A oposição à execução não serve, nem tem como finalidade, a abertura de nova discussão sobre a matéria de facto considerada em sede de processo declarativo. E tal é, precisamente, a pretensão das impugnantes ao trazer aos embargos a necessidade de prévia definição da altura do muro. Ora, como refere Marco Carvalho Gonçalves, uma vez que, “na execução fundada em sentença condenatória, já existiu uma fase declarativa prévia, em que as partes tiveram a possibilidade e a oportunidade de discutir, com toda a amplitude, o mérito da causa, os fundamentos passíveis de serem alegados em sede de oposição à execução são, naturalmente, limitados e restritos”[6].
Donde, perante uma execução para prestação de facto, importa saber se o facto está ou não cumprido, o mesmo é dizer, se a obra está ou não realizada.”
E sumaria: “IV - Não é admissível, em sede executiva, reabrir a discussão sobre outra via de decisão dos direitos em conflito. Definida a obrigação com trânsito em julgado, esgota-se a possibilidade de redefinição da mesma, por a oposição apenas comportar uma dimensão declarativa na perspetiva da afetação dos efeitos normais do título.
V - A apreensão do sentido e alcance decisivo de qualquer decisão apura-se por atividade hermenêutica, cujas regras são as estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil, ainda que tenham de ponderar-se igualmente as regras da interpretação legal. O propósito de tal atividade hermenêutica não é reconstruir a intenção do julgador (a mens judicis), mas sim apreender "o sentido precetivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente", havendo que ponderar a especificidade da decisão como ato jurídico, exprimindo não uma declaração de vontade subjetiva, antes uma injunção aplicativa do direito ao caso concreto.”
Em suma, não se pode aferir por aquela referência se a obrigação foi ou não cumprida.
Nessa medida, a alínea D deve ser eliminada.
Igual consequência deve ser aplicada à alínea E, pois, em lado algum do acórdão que se executa, se diz que A partir do limite do espaço da churrasqueira, a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior, alinhando a divisão com a parte restante da mesma situada nas traseiras.
Coisa diversa é se da sua interpretação resulta isso.
Por isso, também esse segmento dever ser eliminado.
Retomando aqui a alínea K (Já depois de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira e já se encontrarem a construir a nova churrasqueira, o exequente AA alertou o executado marido EE que a construção deveria cumprir a decisão do Tribunal, tendo os executados prosseguido a construção da forma como atualmente se encontra no local.), muito embora já tenhamos rejeitado a sua reapreciação por uma questão formal, tal matéria afigurava-se igualmente irrelevante. Nada se alteraria na decisão recorrida, já que os exequentes, ainda que apercebendo-se do que se estava a passar, não tinham “obrigação” de impedir a nova construção, se entendessem que a mesma não respeitava o decidido, criando assim alguma expetativa de conformação nos executados. É das palavras dos próprios recorrentes que decorre o nível de litigiosidade entre as partes.
*
Todas as restantes referências que os recorrentes fazem (algumas que repetimos infra) não são mais do que uma tentativa de voltar a fazer aqui prova da configuração da parcela em causa, o que não pode voltar a ser discutido e resulta da interpretação a fazer da decisão que se executa. Na verdade, o que fazem são as suas interpretações de partes “desgarradas” do acórdão que contrariam, ou pelo menos tentam dar uma visão diferente, da que ficou patente na decisão recorrida.
Nessa medida, não se pode aqui voltar a discutir se o prolongamento da linha tal como defendem os recorridos invade o prédio dos próprios recorrentes, que a ser assim teriam construído a casa no prédio dos recorridos… Ficou consignado no acórdão como não provado que aa- O prédio dos Réus tem a área total de 521 m2 tal como se alcança do referido levantamento topográfico – 150 m2 relativa à área de implantação da casa e 371 m2 de logradouro –, não obstante até constar em sede de matriz predial, a área de 586 m2.” e que “ff- Caso a configuração do prédio fosse aquela que os autores reclamam, a linha divisória dos prédios “atravessaria e dividiria” uma das janelas da casa dos réus”.
O acórdão só delimitou a parcela em litígio; a linha não se prolonga para além (no sentido de continuidade) do fim da parede da cozinha dos recorridos, quanto aos efeitos a retirar para a ação, sem prejuízo da lógica que daí decorre e a que voltaremos.
Se havia marcas na parede da vedação antiga, isso seria matéria a relevar para a definição prévia (em sede declarativa e não em execução) da divisão. Aqui importa interpretar e apurar o cumprimento da obrigação e não o seu acerto quanto ao mérito.
Tal como no acórdão desta Relação de 14/3/2024, também aqui os recorrentes não podem confundir “…a exequibilidade do título executivo com o mérito da decisão judicial que serve de título executivo.”
*
Em suma, e independentemente da consideração de outras questões que poderiam ser analisadas e que se afigurassem impeditivas da apreciação do pretendido pelos recorrentes, ora porque não é objeto de litígio (não está controvertido), ora por inútil, rejeita-se também esta parte da impugnação da matéria de facto –ficando prejudicadas outras situações que pudessem ser impeditivas da pretendida reanálise da prova feita neste processo, face ao apontado pelos recorridos.
*
Impõe-se ainda uma outra ordem de considerações sobre as alegações recursivas que pretendem demonstrar que a decisão ora em crise não faz um prolongamento em linha reta (como o Ac. do TRG obriga) da divisória dos prédios, já que obriga a um verdadeiro ziguezaguear. Mais à frente dizem ainda que a divisão exequenda obriga a um ziguezaguear que não cumpre com o prolongamento em linha reta deliberado pelo TRG.
Salvo o devido respeito, a decisão recorrida não decidiu como se faz a divisão; ao Tribunal recorrido apenas cumpria aferir se a divisão determinada foi cumprida. Os recorrentes estão a confundir os objetos dos processos, sendo que qualquer discordância que tivessem com o modo como foi perspetivado e delimitada a situação dizia respeito à fase declarativa. Veremos sim se a decisão dada à execução incorre nesse “erro”.
Outra situação a tratar refere-se ao facto dos recorrentes aludirem à “confissão” constante do artigo 15 da contestação aos embargos.
Caso tivesse ocorrido, na sentença recorrida, violação de regras de direito probatório material, como seria o caso da violação da confissão prevista no art.º 574º, n.º 2, C.P.C. (cfr. ainda art.º 356º do C.C.), impunha-se ao Tribunal de recurso o seu conhecimento oficioso (cfr. art.º 663º, n.º 2, e artº. 607º, n.º 4, ambos do C.P.C.).
Aí diz-se: “Tal como, aliás, sempre se verificou, como bem se conclui pelo facto de os exequentes, contrariamente à situação actual, sempre poderem aceder quase até ao limite da parede de sua casa.”
Mas continua: “-16- Circulando pelo espaço que sempre existiu entre essa parede e o limite do prédio dos executados. -17- O que agora é de todo impossível, logo a partir do limite do terreno libertado com a remoção da churrasqueira. -18- Pois, a partir daí, a parede de vedação executada pelos embargantes está completamente encostada à parede da casa dos exequentes/embargados.”
Ora, isto significa o contrário do que pretendem os recorrentes retirar, pois que o que resulta é precisamente que havia um espaço entre a parede da sua cozinha e a vedação. Se não acediam até ao limite da parede mas quase até lá, isso teria que ver com a dimensão do espaço.
Portanto, nada se impõe corrigir.
Em ata não foi lavrada qualquer declaração confessória, relevante ou não.
*
A matéria de facto deve então ficar com a seguinte redação:
A) Pelo acórdão da Relação de Guimarães que decretou a decisão definitiva do litigio objeto da ação à margem referenciada em consequência da declaração do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio e de que do mesmo faz parte "a faixa constituída por um espaço correspondente à zona situada entre a linha imaginária do prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores", foram os RR. condenados "a demolir o alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respetiva vedação".
B) Em cumprimento dessa condenação, os RR. demoliram os referidos alpendre e construção (churrasqueira).
C) Em vez de fazerem a vedação em linha reta até à parede da cozinha dos AA., sensivelmente a partir do local onde se encontra o poste de iluminação pública, infletiram a vedação, de tal forma que a mesma vedação (blocos de cimento) na zona de confluência entre a casa dos RR. e a cozinha dos AA. acabou por ir de encontro à parede desta.
D) (eliminada).
E) (eliminada).
F) No ponto 4 dos factos provados do acórdão dado à execução como título executivo consta o seguinte: “4 – Há mais de 20/30 anos, continuada e ininterruptamente que os Autores construíram a casa e nela habitam, lá tendo centrada toda a sua vida doméstica e familiar, agricultando o terreno sobrante da parcela que compraram, neles, casa e terreno – neste incluída, até ao momento referido no ponto 9) a faixa constituída por um espaço situado nas traseiras da casa dos Autores com uma área não concretamente apurada mas correspondente à linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozida da casa dos Autores, bem como o espaço fronteiro à sua casa, com exclusão da faixa referida no ponto 50 – introduzindo todas as transformações e melhoramentos e entendem, tendo, nomeadamente, executado o revestimento com cimento do espaço fronteiro acima delimitado, dele dispondo como entende e procedem à sua limpeza e conservação, pagando as respetivas contribuições e impostos e praticando todos os demais atos de posse e fruição plenas próprios de seus donos, como tal se afirmando e sendo reputados como tal por toda a gente sem a menor oposição ou sequer contestação de alguém”.
G) No ponto 7 dos factos dados como provados pode ler-se: “Nas traseiras da casa dos autores existia um espaço de terreno onde existiam umas manilhas de escoamento de águas de terrenos superiores, bem como um poste de rede pública de eletricidade. 7.1 - Quando construíra a sua casa pelo lado em que confina com a dos Réus, os Autores não ocuparam o seu terreno em toda a sua largura e comprimento. 7.2 – Tendo deixado livre nas suas traseiras, um espaço com uma área não concretamente apurada, mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referias traseiras e a parte da cozinha dos Autores (o referido em 4, ora transcrito na Alínea E). 7.3 – Apesar de não ocupado com a construção da casa, esse espaço integrava a respetiva área descoberta e estava devidamente vedado com uma rede de arame suportada por pilares de cimento”.
H) Já no ponto 9) dos factos dados como provados do acórdão da Relação de Guimarães lê-se que: “Os réus, após retirarem a rede e respetivos pilares de suporte, implantaram no espaço referido uma construção de tijolo e cimento, tendo ficado sensivelmente a meio do respetivo espaço interior o referido poste de eletricidade.”
I) No ponto 16 do mesmo aresto constata-se que consta “A parede da churrasqueira do lado da casa dos Autores está mesmo encostada à parede da cozinha desta.
J) Para o Tribunal da Relação dar como provada tal factualidade, considerou, entre o mais, o seguinte: “(…) o referido HH esclareceu que foi ele o primeiro a comprar a parcela de terreno para construção onde depois veio a edificar a casa que agora é do Réus, explicando claramente que a divisão dos terrenos era “de alto a baixo em linha reta”, mas na diagonal – o que é determinante na compreensão do que integrava cada uma das parcelas em causa – como representado no documento junto sob o n.º6 (exceção feita à reentrância que ali consta na zona onde atualmente se encontra situada a churrasqueira), o que torna compreensível que, ao contrário do que seria normal, na zona fronteira à casa dos Autores houvesse uma pequena faixa de terreno (a referida no ponto 50) que ainda integrava o terreno adquirido pela aludida testemunha, depoimento este suportado não só pela pavimentação documentada na referida fotografia mas, não menos importante pela existência de uma entrada para a cada dos Réus que deita diretamente para a referida faixa de terreno, não havendo razão para a dúvida invocada pelo Tribunal a quo relativamente a tal faixa (…)”
K) Já depois de os executados terem demolido o alpendre e a churrasqueira e já se encontrarem a construir a nova churrasqueira, o exequente AA alertou o executado marido EE que a construção deveria cumprir a decisão do Tribunal, tendo os executados prosseguido a construção da forma como atualmente se encontra no local.
*
Como já vimos em causa está “só” a interpretação do decidido no acórdão que se executa. Tratando-se de uma decisão judicial está sujeita à regra interpretativa prevista no art.º 236º do C.C.. A esse propósito, decidiu-se no Ac. desta Relação de 14/6/2017 (processo n.º 426/11.4TBPTL-A.G1), com a devida adaptação:

“I. Sendo a sentença um acto jurídico, formal e receptício, subtraído à liberdade negocial, na sua interpretação não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador (entendida na base da determinação de um propósito subjectivo), mas sim o correcto entendimento do resultado final e objectivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão.
II. A interpretação da sentença deve, então, fazer-se de acordo com sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto, ponderando quer o dispositivo final, quer a antecedente fundamentação, quer inclusivamente a globalidade dos actos que precederam a dita decisão, bem como quaisquer circunstâncias relevantes posteriores à sua prolação (art. 236º, nº 1 do C.C., aplicável ex vi do art. 295º do mesmo diploma).”
É o que tentaremos fazer. Saber se os recorrentes cumpriram na íntegra o determinado no acórdão e, nomeadamente, o segmento invocado na execução, passa pelo confronto entre o seu teor e o que resulta dos factos quanto ao que foi concretizado pelos mesmos. Não está em causa a versão dos recorridos, ou a dos recorrentes; está em causa a obrigação que resulta do acórdão.
Da forma como o faremos, ficará, pensamos nós, agora mais claro porque consideramos irrelevante e conclusiva a matéria que supra excluímos dos factos.
No dispositivo do acórdão consta: “declarar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito nos artigos 1º a 3º da petição inicial (pontos 1 a 3 dos Factos provados), nele incluídas a faixa de terreno referida no ponto 4 dos “Factos provados” (…) e, consequentemente, condenar os Réus a demolir os referidos alpendre e construção (churrasqueira) com que ocuparam o espaço do prédio dos autores nas traseiras da sua casa e que vêm ocupando e a reporem tudo na situação anterior, incluindo a parte da respetiva vedação”.
Esta decisão parte de pressupostos, uns diretos constantes dos factos, outros indiretos constantes da motivação.

Nos factos, temos as seguintes indicações:
“7- Nas traseiras da casa dos autores existia um espaço de terreno, onde existiam umas manilhas de escoamento de águas de terrenos superiores, bem como um poste da rede pública de eletricidade.
7.1 - Quando construíram a sua casa, pelo lado em que confina com a dos Réus, os Autores não ocuparam o seu terreno em toda a respetiva largura e comprimento.
7.2 - Tendo deixado livre, nas suas traseiras, um espaço com uma área não concretamente apurada mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores (o referido em 4);
7.3 - Apesar de não ocupado com a construção da casa, esse espaço integrava a respetiva área descoberta e estava devidamente vedado com uma rede de arame suportada por pilares de cimento.
7.4 - Tendo em conta a circunstância de o espaço referido ter o seu início na parte de trás da casa dos Autores e se prolongar ao longo da respetiva parede delimitadora em que não existe qualquer abertura e assim poder passar mais despercebido, os Réus resolveram ocupar e apropriar-se do referido espaço que aqueles deixaram livre.”
O acórdão refere-se a área não concretamente apurada (nomeadamente quanto à sua dimensão), mas correspondente à zona situada entre a linha imaginária de prolongamento em reta da vedação situada nas referidas traseiras e a parede da cozinha dos Autores.
Um prolongamento em reta da vedação (ainda que em diagonal) não pode infletir.
Ora, os recorrentes, a nosso ver, fazem uma interpretação errada do acórdão, já que o que ali se diz, não é que a reta vá ao encontro da parede da cozinha dos Autores/recorridos, o que decorre da sua leitura é que a acompanha –no sentido longitudinal, pois que essa é a área em litígio; ou seja, não termina na parede, acompanha a parede (podendo, se assim resultar, ir antes “bater” na parede da cozinha dos Réus/recorrentes). Os recorrentes referem expressamente na sua peça que a linha que “fizeram” vai atingir a esquina da sua casa.
Reiteramos que não se pode voltar aqui a fazer prova (em contrário, como pretendem, a nosso ver, os recorrentes) sobre o que ficou definido no acórdão e resulta da sua interpretação.
Só assim se compreende que digam que a linha sugerida pelos recorridos, face à interpretação que fazem do acórdão, obrigue ao dito ziguezaguear –para ir encontrar a esquina da casa. 
Ao não definir a dimensão do espaço, precisamente porque não tinha elementos concretos (ficou-se entre a expressão “nesga” mencionada pela testemunha ouvida em sede declarativa, entre os 20 cm de largura da versão da testemunha também nessa sede ouvida, sendo que as referências a esquina e a canto são, também, das testemunhas), mas conjugando as indicações dadas no mesmo acórdão, tem de ser respeitado (“apenas”) que se trata do prolongamento da vedação a começar no (ao lado do) poste de eletricidade que se encontra no meio da faixa, traçando-se uma reta.
Note-se que o acórdão não diz que apenas uma parte da churrasqueira estava no que pertence aos recorridos, não é isso que resulta quando refere que (destaque a negrito nosso) “no sentido de que uma parte da zona onde hoje se situa a churrasqueira se inseria efetivamente na parcela de terreno adquirida pelos Autores”.
Só assim se compreende que fosse determinada a demolição do alpendre e da churrasqueira.
Quando no acórdão se faz referência a esquina e a triângulo, não se conclui situando ou definindo onde “bate” a linha.
Ora, independentemente do ónus que cabia aos recorrentes da prova do cumprimento, o que resulta é que os mesmos infletiram a reta, pelo que o que se constata é precisamente a falta de (prova do) cumprimento pelos recorrentes do determinado, e por outro lado, embora no acórdão não se diga que a partir do limite do espaço da churrasqueira a divisão devia retomar o alinhamento da parte anterior, alinhando com a parte restante da divisão situada nas traseiras, é essa a leitura que se afigura lógica e acaba por resultar do destaque (na motivação) das palavras da testemunha HH: a divisão dos terrenos era “de alto a baixo em linha reta”, mas na diagonal.
E efetivamente os executados não o fizeram, pois só assim se percebe que digam que isso não seria possível porque iria “atingir” a casa… Já vimos que essa situação dos limites das construções não foi objeto de litígio. E não vemos como esta interpretação possa colidir com os pontos 47 e 48 do acórdão. 
Resta por isso dizer que a interpretação que o Tribunal recorrido fez do acórdão, e na senda da que fizeram os recorridos, com exceção da questão dos 58 cm, é a que também nós fazemos.
Improcedendo quer a pretensão de alteração da matéria de facto, quer a introdução de outros factos, e não tendo sustento a interpretação que os recorrentes fazem do acórdão dado à execução e, por força disso, não se tendo provado o seu cumprimento integral, resta a improcedência do recurso.
*
As custas do recurso devem ser imputadas aos recorrentes, porque vencidos (cfr. art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos embargantes totalmente improcedente, e em consequência, negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Guimarães, 11 de julho de 2024.
*
Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Rosália Cunha
2º Adjunto: José Carlos Pereira Duarte
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)