EXECUÇÃO DE CONTRATO-PROMESSA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
LITIGIO SOBRE TITULARIDADE DO BEM PROMETIDO VENDER
CONCEITO DE ACÇÃO JÁ PROPOSTA
Sumário


I A expressão "já proposta" utilizada no art.º 272º, n.º 1, do C.P.C., respeita ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão.
II Deve ser suspensa por causa prejudicial a ação em que se pede a execução de contrato promessa, correndo outra em que está em causa dirimir litígio sobre a titularidade de direito(s) de preferência sobre o prédio prometido vender, visando a notificação dos preferentes para o exercer.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

AA, e mulher BB, intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., pedindo:

- seja proferida sentença que, suprindo a falta de declaração negocial da Ré, declare vendido aos Autores o prédio rústico denominado ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...08;
- se declare que, desde a celebração do contrato promessa dos autos, os Autores entraram na fruição desse imóvel;
- a condenação da Ré a reconhecer que os Autores gozam de direito de retenção do mesmo.
Para tanto alegaram a prévia celebração de contrato promessa, com previsão de execução específica, e o agendamento de data (já posterior à inicialmente programada), pela Ré, para a celebração do contrato definitivo, precedido das comunicações dos elementos essenciais do negócio aos confinantes. Sucede que na data em causa a Ré não compareceu para realização da escritura.

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A Ré contestou, arguindo como questão prévia a existência de causa prejudicial.
Referiu corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de ..., sob o processo n.º 328/23...., um processo de jurisdição voluntária de notificação para exercício do Direito de Preferência, proposto pela Requerente, aqui Ré, Santa Casa da Misericórdia ..., e no qual figuram como requeridos os aqui Autores AA e BB, e CC, e esposa DD, e ainda EE, e esposa FF.
Nesse processo peticionou a Requerente, aqui Ré, que fossem notificados todos os Requeridos, (nos quais se incluem os aqui AA) sendo os 1ºs e 2ºs Requeridos, para declararem, dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade, se pretendiam usar do seu direito de preferência, no caso de vir a pertencer-lhes, na venda que a Requerente, aqui Ré, tem projetado fazer aos 3ºs Requeridos (aqui AA) do prédio ..., identificado no artigo 1.º al. b) da PI, pelo preço de 12.250,00€, sem ónus nem encargos, mas sem prejuízo do direito de uso de água da ..., conforme usos e costumes, a favor do prédio do ..., propriedade dos AA, devendo, em conformidade com o disposto no artigo 1028º.2 do CPC, daquele preço (de 12.250,00€), ser pago aos aqui AA, ou depositado a favor deles, o montante de 5.000,00€ do sinal que já entregaram à Requerente, aqui Ré, e ser pago a esta o preço restante de 7.250,00€.
De facto, às comunicações que previamente fez responderam os naquela ação Requeridos CC e esposa DD, por carta datada de 23-06-2023, através da qual declararam exercer o direito de preferência com base na área da sua propriedade confinante – 10.400m2, referindo ainda que a sua propriedade se encontrava onerada com servidão de passagem a favor do terreno melhor identificado supra; e por carta datada de 26-06-2023, responderam os naquela ação Requeridos EE e esposa FF, afirmando exercer o direito de preferência que lhes cabia, alegando serem proprietários de terreno confinante com área de 11.601m2.
Porque os Requeridos referidos não apresentaram levantamento topográfico, manteve-se o litígio e diferendo entre os preferentes quer quanto às áreas dos seus terrenos, quer quanto à existência, ou não, de servidão de passagem onerando algum terreno confinante, não conseguindo esclarecer-se quais dos Requeridos se encontram em posição cimeira para o exercício do direito de preferência. Face a tal, propôs a identificada ação.
Pediu por isso a suspensão da presente instância até decisão definitiva daquela, ao abrigo do art.º 272º, n.º 1, C.P.C., face à alegação de causa prejudicial.
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Os Autores opuseram-se, dizendo que se trata de uma manobra ardilosa, ocultando a Ré ao tribunal que o processo a que se refere o nº 328/23.... deu entrada naquele Tribunal horas depois de ter a Ré sido citada da presente demanda. Mais diz que naquela ação já deram entrada de contestação.
Por sua vez a Ré veio dizer que contrariamente ao alegado pelos AA., a Ré apenas foi citada para os presentes autos em 13/10/2023, após ter proposto a ação.
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O Tribunal proferiu despacho determinando a notificação da Ré para juntar aos autos certidão da petição inicial do processo n.º 328/23.... a que alude na contestação, o que a Ré cumpriu.
De seguida, proferiu despacho concluindo que:
“Pelo que, em face do exposto, entendemos que a decisão a proferir no processo n.º 328/23.... constitui uma causa prejudicial em relação ao objeto da presente ação, atendendo a que a decisão a proferir nesta ação está dependente da decisão a proferir naqueles autos.
Pelo que, em face do exposto e a fim de evitar a prolação de decisões contraditórias, determina-se a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 328/23...., que corre termos neste tribunal, o que se determina em conformidade com o disposto no artigo 272.º, n.º 1 do CPC.
Nessa medida, uma vez transitada em julgado a decisão a proferir no processo n.º 328/23...., incorpore nestes autos certidão da sentença aí proferida com nota de transito em julgado, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 272.º, n.º 1 do CPC.”
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Inconformados, os Autores apresentaram recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“I. Os aqui apelantes, salvaguardando sempre o devido respeito, não se conformam com o despacho proferido em 14-03-2024, com a Refº ...34, no qual o Tribunal recorrido decidiu, a fim de evitar a prolação de decisões contraditórias, determinar a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 328/23...., que corre termos naquele mesmo Tribunal recorrido, situação determinada em conformidade com o disposto no artigo 272.º, n.º 1 do CPC
II. Desde logo, o presente processo é mais antigo e deu entrada antes em juízo que o processo n.º 328/23...., isto é, os aqui apelantes lançaram mão desta ação declarativa - 325/23.... - por incumprimento contratual da recorrida Santa Casa da Misericórdia ..., antes de esta ter iniciado o processo de jurisdição voluntaria com o nº .º 328/23.....
III. Ora, dispõe o artº 272º, nº 1, do CPC que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
IV. Acontece que não havia ação proposta, dado que o processo de jurisdição voluntaria com o nº .º 328/23.... é posterior ao presente processo.
V. E, além disso, o Tribunal a quo não fundamenta o motivo justificado que levou à suspensão do presente processo, tendo ignorado factos absolutamente essenciais que levariam a decisão diversa na fundamentação desse motivo justificado, nomeadamente o facto de a recorrida no seio da interpretação do contrato promessa objeto dos presentes autos, ter marcado a realização da transmissão definitiva de compra e venda para o prédio objeto da presente demanda ( mormente o identificado na alínea b) da cláusula primeira do contrato promessa) para o dia 10 de Julho de 2023, e, ter, enviado missivas por carta registada a todos os confinantes com os elementos essenciais do negocio, a fim de estes exercerem a preferência legal.
VI. Mas mesmo que se entendesse que o Tribunal a quo fundamentou o motivo justificado que levou à suspensão, sempre tal motivo estaria inquinado, considerando o tipo de processos que estão em causa
VII. O presente processo, mais antigo que o processo 328/23...., tem a essência num incumprimento contratual da aqui recorrida IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., tendo esta demanda como pedido principal que, passa-se a citar: - Seja proferida sentença judicial que suprindo a falta de declaração negocial da Ré, declare vendido aos Autores o prédio RÚSTICO denominado de ..., sito no lugar ..., atual freguesias de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ... / ..., inscrito na matriz sob o artº ...05, com todas as consequências legais.
VIII. Veja-se que a Recorrida IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., perante o quadro de um incumprimento de um contrato promessa, celebrado em trinta de Dezembro de dois mil e vinte, e, demandada em Tribunal para o cumprimento do referido contrato, lança mão logo que tem conhecimento da demanda contra si por parte dos aqui recorrentes - nº 325/23.... - de um outro processo - com o nº .º 328/23...., cuja natureza é meramente de jurisdição voluntária, nos termos e para os efeitos do artº 986º a 988º e 1028º e seguintes do CPC.
IX. E nesse processo de jurisdição voluntária, a recorrida IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., requer ao Tribunal que, passa-se a citar: “ sejam notificados todos os Requeridos, sendo ainda os 1ºs e 2ºs Requeridos, então, notificados pessoalmente para declarar, dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade, se pretendem usar do seu direito de preferência, no caso de vir a pertencer-lhes, na venda que a Requerente tem projetado fazer ao 3º Requerido do prédio ..., melhor identificado no artº 1º.2 supra, pelo preço de 12.500,00€, sem ónus nem encargos, mas sem prejuízo do direito de uso de água da ..., conforme usos e costumes, a favor do prédio do ..., melhor identificado no artº 1º.1 supra, prosseguindo, então, o processo em relação ao preferente mais graduado (face ao prescrito no artº 1.380º do CCivil) que tenha declarado querer preferir, em conformidade com o disposto nos artigos 1.033º.2 e 1028º 2 e ss do CPC, com aplicação do regime de custas do artº 1038º do CPC.
X. O processo nº 328/23.... de jurisdição voluntaria só poderia ter relevância pelo tribunal recorrido se porventura não tivessem de facto sido exercida a comunicação aos preferentes, contudo, a mesma já tinha sido feita, não podendo dar cobertura a uma segunda oportunidade de preferência escudado no processo de jurisdição voluntaria. Doc 1
XI. Por esse motivo, tem sido entendido que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos por forma a evitar a existência de decisões incompatíveis relativamente a matérias conexas (Prof. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 272).
XII. Como bem se explica no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, proc. 369/18.1T8MTS-A.P1, relator Jerónimo Freitas, “Daí que, o seu exercício pressuponha a existência do indicado “motivo justificado”, ou seja, suficientemente ponderoso para justificar a suspensão da marcha normal do processo, que se mostre conveniente e contribua para a justa resolução do litígio e, naturalmente, que não prejudique o princípio da igualdade das partes.”.
XIII. Ou seja, fundamental é sempre que o motivo justificativo da suspensão decretada nos termos da 2ª parte, do nº 1, do artigo 272º do Código de Processo Civil seja ponderoso e contribua para a justa composição do litígio, sem beliscar o princípio da igualdade das partes.
XIV. Não foi o que aconteceu com o presente despacho, dado que violou desde logo princípio de igualdade das partes, e, alem disso, em nada contribui para a justa composição do litigio, considerando que, a recorrida não compareceu a uma marcação de uma escritura, sendo esse o núcleo da demanda destes autos e que se sobrepõe ao processo de jurisdição voluntaria que deu entrada posteriormente.
XV. Existe uma clara relação prejudicial para com os presentes autos, uma vez que uma decisão favorável naquele processo nº 328/23.... de jurisdição voluntária a favor de qualquer um dos preferentes que não os aqui recorrentes, vai extinguir o direito dos aqui recorrentes nos presentes autos em discutir com a recorrida a essência do incumprimento de um contrato promessa celebrado em aqui Recorrida.
XVI. Nunca é demais relembrar que a recorrida já havia comunicado o exercício da preferência e os elementos essenciais do negocio aos preferentes e demandados no processo nº 328/23...., não podendo, escudando-se no processo de jurisdição voluntaria, requerer nova notificação para uma segunda oportunidade de preferir, quando não tinha comparecido à transmissão definitiva do bem objecto do contrato promessa dos autos nem tão pouco os próprios confinantes depois de notificados para querendo preferir.
XVII. Caso os preferentes quisessem discutir questões, a eles assistia legitimidade ativa para intentar demandas de preferência legal, não sendo legalmente admissível dar duas oportunidades para exercer a preferência legal, escudado no processo nº 328/23.....
XVIII. Ora, a ter que ser determinada a suspensão da instância, nunca tal poderia ocorrer no seio do presente processo, mas sim porventura no seio do processo nº 328/23.... de jurisdição voluntaria.
XIX. Com efeito, caso a presente demanda obtivesse sucesso, não ficava vedado o direito aos restantes confinantes de vir intentar uma ação de preferência legal.
XX. Veja-se que a matéria em discussão na presente demanda é de incumprimento contratual da recorrida IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., a mesma que é autora no processo de jurisdição voluntária no seio do processo nº 328/23.....
XXI. Como se afirma no Ac. da Rel. do Porto de 7/1/2019, in www.dgsi.pt, importa realçar que o poder que é conferido ao juiz pelo nº 1 do artº 272º não se configura como discricionário, dependendo sempre o seu exercício da pendência de causa prejudicial, pois a decisão que vier a ser proferida na causa indicada como prejudicial tem que revestir a virtualidade de uma efectiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela. (cfr. Ac. do STJ de 18/04/2002, citado em Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed. revista e ampliada, Maio/2015, pag. 326)
XXII. Sendo a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial (artº 272º, nº 1, do CPC) a economia e coerência dos julgamentos, o que interessa é que a decisão a proferir na acção prejudicial deva ser tida em conta na outra acção.
XXIII. Ora, a decisão que vier a ser proferida no processo nº c, considerado aqui pelo tribunal a quo como causa prejudicial, não reveste a virtualidade de uma efectiva e real influência na presente causa agora suspensa - por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela.
XXIV. Os processos são absolutamente distintos, e, a decisão que aqui viesse a proferir, e que aprecia o incumprimento da recorrida, a ser procedente, isso sim influenciava a demanda de jurisdição voluntaria, fazendo cair a mesma, mas, não o direito dos eventuais preferentes que podiam sempre recorrer a juízo para exercício de alguma preferência, que como se viu nem sequer existe dado que já lhe tinham sido comunicados os elementos essenciais e nem tinham comparecido ao ato de transmissão, agendado pela aqui recorrida diga-se!”
Conclui pedindo: se revogue assim a decisão de suspensão da instância, por não se verificarem os pressupostos vertidos no artº 272º nº 1 e 2 do CPC; se assim não se entender, se revogue a decisão de suspensão da instância, por verificação da violação do principio de igualdade de partes; e se ainda assim não se entender, se revogue a decisão de suspensão da instância, por falta de fundamentação do despacho que assim o ordenou.
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Foram apresentadas contra-alegações ....Pede a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1 (ex vi 663º, n.º 2), 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Todavia, não pode o Tribunal conhecer questões que não tenham prévia e/ou oportunamente sido suscitadas, uma vez que o nosso sistema recursivo visa apenas (re)apreciar decisões proferidas, com respeito pelo trânsito em julgado que sobre as demais tenha recaído –art.ºs 627º e 628º do C.P.C..
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se não há motivo legal para a suspensão da presente instância, ou se a tal obsta outra circunstância.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Assim delimitado o objeto da apelação, os factos a atender são os que constam do relatório e que se reportam à tramitação processual.
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IV MÉRITO DO RECURSO.

De acordo com o art.º 269º, n.º 1, c), C.P.C., um dos casos de suspensão da instância dá-se quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes.

Dispõe o art.º 272º, no que, para já ao caso interessa e quanto à suspensão da instância por determinação do juiz, que:

“1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”

Conforme se sumariou no Ac. desta Relação de 15/6/2022 (processo n.º 5633/21...., em www.dgsi.pt, como todos os que se citarem sem outra indicação)
1- Nos termos do artigo 272º nº 1 a 3 do Código de Processo Civil para que o tribunal ordene a suspensão da causa com fundamento em causa prejudicial é mister que:
- a causa a suspender esteja dependente do julgamento de outra;
- que a ação prejudicial esteja já proposta;
- não haja fundadas razões para crer que a ação prejudicial foi intentada apenas para obter a suspensão;
- que a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”
No caso em apreço o Tribunal recorrido suspendeu a instância por causa prejudicial, pelo que, face às alegações de recurso, será nesse motivo que centraremos a nossa apreciação, sem prejuízo da abordagem das demais temáticas que se justificarem.
Na verdade, lendo as alegações de recurso, os recorrentes “misturam” a causa prejudicial e o motivo justificado; trata-se, contudo, de causas diferentes de suspensão, como claramente decorre da conjunção “ou” usada no n.º 1, do art.º 272º.
Em primeiro lugar, há que rebater o primeiro argumento recursivo, que os recorrentes alegam como impeditivo da suspensão: o facto da ação n.º 328/23.... ter sido intentada em momento posterior à presente.
Efetivamente, e como enunciou o acórdão que citamos, à primeira vista parece que a anterioridade da causa prejudicial resulta daquela disposição.
Porém, e aderimos à posição assumida no Ac. também desta Relação, agora de 7/12/2023 (processo n.º 3708/23.9T8PRT.G1), e na esteira do que foi dito pelo Prof. A. dos Reis (“Comentário ao CPC”, vol. 3º, pág. 288): o que importa e é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão, nada interferindo a circunstância de ainda não estar proposta no momento em que se instaurou a causa dependente. A expressão "já proposta" respeita ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, dado que se encontra em correlação com a outra prévia "o tribunal pode ordenar a suspensão". Acresce outro argumento: o n.º 2 evidencia que igualmente se quis admitir a suspensão, com o fundamento de pendência de causa prejudicial proposta depois da causa a suspender, quando se refere que a suspensão não deve ser ordenada quando existirem fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão, ou e ainda, quando se refere in fine do mesmo normativo "se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens".
Afastado por isso o primeiro obstáculo apontado, pelos recorrentes, vejamos se a causa pendente correspondente àquele outro processo é prejudicial deste.
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Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, pág. 550 da 4ª edição.
Manuel de Andrade (“Lições de Processo Civil”, págs. 491 e 492) refere-se assim à causa prejudicial: “quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda”. E continua: A "verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal".
Já Rodrigues Bastos (“Notas ao Código Processo Civil”, Vol. II, 2ª ed., pág. 42) expõe: “A decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito”.
Para João Redinha e Rui Pinto (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 501), deve entender-se “por causa prejudicial aquela que tenha pretensão que constitui pressuposto da formulada”.  
O Prof. A. dos Reis (agora na pág. 268) diz: “Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda".
António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1, págs. 314 e 315), aderem a essa definição, referindo previamente que “O nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos;”.
No caso da questão prejudicial surpreende-se uma supremacia do interesse “da maior garantia de acerto ou aperfeiçoamento da decisão” sobre o interesse da celeridade processual - Antunes Varela, Miguel Bezerra, e Sampaio da Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 222.
Atentas as definições apontadas, umas mais amplas que outras, e face à razão de ser da suspensão, vejamos se o caso em apreço se integra nesse(s) circunstancialismo(s).
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Em causa nestes autos, entre Autores e Ré, está a celebração de um contrato promessa de compra e venda de um prédio rústico.
O contrato-promessa é um negócio jurídico que se traduz num ato jurídico constituído por “uma ou mais declarações de vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinando o ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes” - Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª edição, pág. 379.
Pede-se nos autos a sua execução específica (no caso, prevista no contrato promessa). Dispõe o art.º 830º, n.º 1, do C.C que “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.”
A execução específica supre a manifestação de vontade da parte faltosa e fica a parte cumpridora com uma “decisão judicial tendo valor igual ao do contrato prometido, cujos efeitos produz” - Galvão Telles, “Direito das obrigações”, 3.ª edição, pág. 83. Trata-se de “uma sentença especialíssima que faz as vezes da declaração negocial do promitente que falta, sentença que possui a eficácia que teria, por exemplo, a escritura pública que se não fez” - Pereira Delgado, “Do Contrato-Promessa”, 3.ª edição, pág. 310.
Dispõe o art.º 416º do C.C. que “Querendo vender a coisa que é objecto de pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respectivo contrato” (nº. 1), e que “Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade...” (nº. 2).
Este artigo aplica-se nomeadamente ao direito legal de preferência estabelecido no art.º 1380º do mesmo C.C., por força do seu n.º 4. Decorre igualmente a sua aplicabilidade no caso previsto no art.º 1555º, C.C. (cfr. o n.º 2).
A notificação prevista no art.º 416º pode ser extrajudicial ou judicial.
O obrigado à preferência fica adstrito à celebração do contrato que é seu objeto, uma vez que decida contratar e que o preferente declare querer exercer o seu direito.
Nessa medida, torna inviável a execução específica do prévio contrato promessa, uma vez que a celebração do negócio prometido depende de uma legitimidade que a parte - promitente vendedor - deixa de ter. Ou, visto doutro modo, há uma causa de “caducidade” do contrato promessa. De facto, como se sumariou no Ac. do STJ de 31/5/2023 (processo n.º 4354/20.4T8ALM.L1.S1), e embora aí analisada a questão na perspetiva única do titular do direito de preferência, e, por isso, adaptando o sentido do que destacamos a negrito: II - A aplicação deste regime especial nas preferências legais preclude a alternativa de execução específica assente no art. 830.º, n.º 1, do CC, tendo como pressuposto a qualificação da comunicação-proposta e aceitação em exercício do direito de preferência como promessa bilateral, uma vez que este regime é claramente absorvido pelo regime próprio da preferência legal: o preferente legal é mais do que um promitente-comprador (posição adequada às preferências convencionais meramente obrigacionais) e beneficia, desde logo, do referido direito potestativo (constitutivo) de fazer valer em juízo o direito sem natureza real que incide sobre um contrato com a finalidade de conseguir, à custa de um terceiro, a execução específica da prestação, que o vinculado à preferência não cumpriu, de, em igualdade de condições, realizar o negócio com o preferente interessado em fazer valer o seu direito previamente aceite.
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Ora, nesta ação já vimos que está em causa a execução específica de contrato promessa de compra e venda sobre o prédio rústico denominado de ..., sito no lugar ..., atual freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...08... ..., inscrito na matriz sob o art.º ...05... ação n.º 328/23...., face ao litígio sobre a verificação dos pressupostos respetivos de direito de preferência legal, em caso de pluralidade de preferentes, e dirimido aquele, pretende-se que sejam os “1ºs e 2ºs Requeridos notificados pessoalmente para declarar, dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade, se pretendem usar do seu direito de preferência, no caso de vir a pertencer-lhes, na venda que a Requerente tem projetado fazer ao 3º Requerido do prédio ..., melhor identificado no artº 1º.2 supra, pelo preço de 12.500,00€, sem ónus nem encargos, mas sem prejuízo do direito de uso de água da ..., conforme usos e costumes, a favor do prédio do ..., melhor identificado no artº 1º.1 supra, prosseguindo, então, o processo em relação ao preferente mais graduado (face ao prescrito no artº 1.380º do CCivil) que tenha declarado querer preferir, em conformidade com o disposto nos artigos 1.033º.2 e 1028º 2 e ss do CPC, com aplicação do regime de custas do artº 1038º do CPC.”
Por qualquer das perspetivas adotadas, parece-nos seguro que, caso naquela ação se verifique existir um obstáculo à execução específica, esta ação em que se pede a mesma, terá de esperar por tal decisão. Doutro modo, decidida a sua procedência, colidiria com o exercício do direito de preferência e obrigaria, se assim o entendessem, a que os preferentes adotassem uma outra conduta visando substituir-se aos aqui Autores naquele contrato executado/definitivo, hipótese cogitada pelos recorrentes mas que é precisamente o que a suspensão por causa prejudicial visa evitar.
Aliás, contraditoriamente (ou talvez não, como veremos), os recorrentes reconhecem: “uma clara relação prejudicial para com os presentes autos, uma vez que uma decisão favorável naquele processo nº 328/23.... de jurisdição voluntária a favor de qualquer um dos preferentes que não os aqui recorrentes, vai extinguir o direito dos aqui recorrentes nos presentes autos em discutir com a recorrida a essência do incumprimento de um contrato promessa celebrado em aqui Recorrida.”
Independentemente do acerto desta última parte (o incumprimento não se resume à obtenção da execução específica), os recorrentes dizem isso porque situam as suas alegações recursivas, a partir de determinado ponto, na falta de “motivo justificado” para a suspensão, e que a mesma conduz à violação do principio da igualdade das partes.
Este argumento recursivo está prejudicado na medida em que existe causa prejudicial e foi esse o fundamento do despacho recorrido.
Contudo, sempre se dirá que a suspensão por motivo justificado obedece a uma lógica de poder/dever do juiz, devidamente justificado, e não a um juízo arbitrário. Portanto, teria procedência uma suspensão com motivo que a justificasse, não podendo deixar ponderar e obedecer a juízos de oportunidade e conveniência, na lógica subjacente ao n.º 2, que só se refere à causa prejudicial.
Referem-se os recorrentes a violação do princípio da igualdade das partes, e ao facto de se estar a facultar uma segunda oportunidade aos supostos preferentes para exercer o seu direito, dado que já havia sido cumprida a interpelação extrajudicial. Não lhes assiste razão na medida em que, em primeiro lugar os preferentes comunicaram por aquela mesma via a vontade de preferir, esquecendo os recorrentes que o que está por trás da ação então proposta é o litígio quanto à titularidade do direito a preferir. Esquecem também que estão igualmente em litígio com aquelas partes quanto a esse objeto, uma vez que entenderam serem ineficazes as notificações dos titulares do direito de preferência, sustentando que a Requerente/aqui Ré, não devia oferecer a preferência aos confinantes (além do mais). Não tem aqui cabimento a lógica da precedência desta ação, nem substantiva, nem processualmente como já vimos.
Outras questões que se prendem com a caducidade (ou não) do direito de preferência, já colidem com o mérito da causa.
Também o argumento de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária não colhe, uma vez que cabe-nos analisar o seu objeto tal como ele foi proposto e não apreciar eventual erro na forma de processo, ou antecipar se o litígio que precede a notificação para preferência pode ali ser analisado (cfr. art.º 1028º do C.P.C.).
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Em suma, impõe-se concluir que há causa prejudicial que impõe a suspensão da instância ao abrigo do art.º 272º, n.º 1, C.P.C., e não milita contra essa suspensão qualquer circunstância justificativa.
De facto, cabia aos recorrentes alegar razões tendentes a afastar a suspensão, conforme dispõe o n.º 2 do art.º 272º, C.P.C.. Não o lograram, como resulta do já exposto.
Deve por isso improceder a apelação.
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As custas do recurso são a cargo dos recorrentes, porque vencidos – cfr. art.º 527, n.ºs 1 e 2, C.P.C..
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos Autores totalmente improcedente, e em consequência, negar provimento à apelação, mantendo/confirmando o despacho recorrido que suspendeu a instância por verificação de causa prejudicial.
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Custas do recurso a cargo dos recorrentes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 11 de julho de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Alexandra Viana Lopes
2º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas