PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
MEDIDA DA PENA
Sumário

I - A aplicação de uma pena acessória tem como pressuposto formal, a condenação do arguido numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, e como pressuposto material, a circunstância de, ponderadas as circunstâncias do facto e a personalidade do arguido, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.
II - Daí que, nos termos referidos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2012, “a referida pena acessória deve ser fixada não de forma automática, mas mediante apreciação e graduação, tendo em vista o grau de culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial verificadas no caso concreto. Aliás, o seu efeito não automático constitui uma imposição constitucional, decorrente do art.º 30.º, n.º 4, da C.R.P. - que tal como resulta do art.º 65.º, n.º 1, do Cód. Penal -, estabelece que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo uma sanção autónoma».
III - O Código Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Elas pressupõem, como vimos, a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cf. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34). Por esta razão, são-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais.
IV - Enquanto a pena principal visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a pena acessória, para além de corresponder também a exigências de prevenção geral, visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente (cf. acórdão do Tribunal desta Relação do Porto de 25.03.2015 (disponível in www.dgsi.pt).

(da inteira responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 193/22.6GAVNG.P1
Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia– J3– Tribunal Judicial da Comarca do Porto






Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:



I. Relatório:

No âmbito do Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 193/22.6AVNG a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - J3- foi julgado e condenado o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de 540,00 euros (quinhentos e quarenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do disposto no art.º 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
I. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292 n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de 540,00 euros (quinhentos e quarenta euros).
II. Foi aplicada ao aqui Recorrente a sanção acessória da inibição de conduzir pelo período de oito meses.
III. Sucede, porém, que não concorda com a aludida sanção aplicada.
IV. Na verdade, a medida de sanção revela-se exagerada, desproporcional e violadora dos artigos 65.º, n.º 1, 69.º, n.º 2 e 71.º, todos do Código Penal, todos do Código Penal.
V. A douta sentença considerou que o Recorrente confessou de modo integral e sem reservas a factualidade vertida na douta acusação pública.
VI. No mais, o Arguido teve, efetivamente, um acidente deviação, mas felizmente de pequena gravidade, já que bateu no espelho do outro condutor.
VII. O Arguido não tinha até então averbado no seu registo criminal antecedentes criminais e;
VIII. Vive humildemente com os seus pais, ambos com 84 anos de idade e padece de epilepsia;
IX. Não ingere bebidas alcoólicas, já que toma medicamentos diariamente.
X. Realidade essa denunciada, quer pela sua confissão, quer pelo relatório social para a determinação da sanção ao aqui Recorrente.
XI. Que fundamentaram, grosso modo, a factualidade dada como provada.
XII. No que concerne com a determinação da sanção de inibição de conduzir, esta realidade foi completamente sonegada e “esquecida” na douta sentença.
XIII. Estribando-se tal aplicação de sanção acessória por um lado, na consecução do acidente de viação e, por outro na taxa de álcool no sangue.
XIV. Escamoteando o facto de o Recorrente ser, antes de mais, primário.
XV. Bem como, nas considerações tecidas pelo relatório social atrás aludido.
XVI. Por sua vez, o Recorrente vive com os seus pais contribuindo paras as demais despesas domésticas do agregado familiar.
XVII. Segundo as regras da experiência comum incumbe ao arguido zelar pela saúde dos seus pais;
XVIII. Algo que passa, evidentemente, pela utilização da viatura para deslocações e idas aos hospitais, supermercado e a consultas.
XIX. Ora, a sanção aplicada pelo período superior a mais de meio ano é confessadamente restringir e pôr em causa a segurança e o bem-estar dos seus Pais.
XX. A proibição de conduzir veículos com motor desvela-se e repercute-se também na sua atividade profissional,
XXI. Mas o Recorrente vive em ..., trabalha também em ... e a condenação penal encerra em si um justo sacrifício que o Recorrente reconhece.
XXII. Contudo, os custos de ordem familiar que poderão advir para os pais do Arguido são excessivos face às finalidades gerais que a sanção pretende tutelar.
XXIII. De igual modo, o acidente de viação traduziu-se, felizmente, um acidente de pequeníssima gravidade, já que consistiu apenas num embate de espelhos.
XXIV. O que não consubstancia num acidente de viação tal e qual o concebemos;
XXV. Há um toque de espelhos e não um acidente velado no sentido de embate ou colisão de veículos.
XXVI. Aliás, foi próprio Recorrente quem contactou os órgãos de Polícia Criminal;
XXVII. Por um lado, a circunstância de ser o principal cuidador dos seus Pais leva a crer que não cometerá este crime.
XXVIII. As exigências de prevenção especial também se encontram asseguradas, atenta a personalidade do Recorrente ciente de que a conduta manifestada é criminalmente relevante.
XXIX. Pelo que se requer, respeitosamente, que a sanção seja, a final, fixada, por um período não superior a quatro meses.
Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, se proceda à redução da medida concreta da pena acessória aplicada pelo Tribunal de 1.ª instância para 4 (quatro) meses.

A este recurso respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma:
1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de 540,00 euros (quinhentos e quarenta euros), e na pena acessória da inibição de conduzir pelo período de oito meses.
2. Pugna pela redução da pena acessória para 4 (quatro) meses de proibição de condução.
3.No entanto, a concreta medida decidida mostra-se adequada à TAS que o arguido apresentava, ao grau de perigosidade do veiculo que conduzia, ao risco por si criado ao conduzir nas apuradas circunstâncias, bem como às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se verificam.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais de relevante veio a ser acrescentado.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.


II- Fundamentação:
Fundamentação de facto
I. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
1- No dia 10/04/2022, pelas 14.45 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro e passageiros com a matrícula ..-..-ZV, marca ..., modelo ..., na Rua ..., ..., ..., quando foi interveniente num acidente de viação.
2- Submetido ao exame de pesquisa ao álcool no sangue, pelo método de ar expirado, através do equipamento “Drager Alcotest 7110 MK III P”, apresentou uma taxa de álcool no sangue registada de (TAS) de 1,938 g/l, correspondendo a uma TAS de 2,04 g/l deduzido o valor máximo de erro admissível.
3- O arguido agiu consciente e livremente e querendo conduzir, sabendo que se tratava de via pública, o referido veículo ligeiro de passageiros, sabendo que não o podia fazer por ter ingerido bebidas alcoólicas que lhe determinaram a TAS com que foi encontrado.
4- Mais sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.
5- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos praticados.
Dos factos atinentes à personalidade e às condições socioeconómicas do Arguido:
6- O Arguido é marceneiro e aufere 800€ mensais.
7- O arguido vive com os seus pais e contribui para as despesas domésticas com a quantia de 250€ mensais e ainda com 100€ mensais para água e luz.
8- O Arguido liquida ainda um empréstimo para aquisição do carro no valor de 180€ mensais.
9- O Arguido tem o 6.º ano de escolaridade.
Dos antecedentes criminais do Arguido:
10- O Arguido não tem averbado no seu CRC antecedentes criminais.

II. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.

III. É a seguinte a motivação da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127.º do CPP.
A medida do valor da prova prestada por depoimento, como é o caso das declarações dos arguidos e das informações prestadas por testemunhas, mede-se em credibilidade, factor que será composto pelos seguintes subfactores:
1. Seriedade (boa motivação da testemunha para depor).
2. Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior).
3. Razão de Ciência – fonte de conhecimento dos factos.
4. Coerência Lógica:
a) Interna (depoimento confrontado consigo mesmo).
b) Externa (depoimento confrontado com os demais).
É no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspetos como o rigor (total coerência interna) e a forma objetiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes).
Se a lógica pura e simples não der a resposta completa (por exemplo, um facto pode ser possível, mas de difícil verificação), aí entra a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras de experiência (artigo 127º do Código Penal).
Refira-se, ainda, que o depoimento prestado pelo arguido em processo penal deve ser também valorado à luz dos factores de credibilidade com que se julga a prova testemunhal, embora tendo em conta as especificidades decorrentes do seu estatuto. O arguido é, como se sabe, a “testemunha” principal do processo, pois que ele mais que outra pessoa está em posição para relatar – ou não – os factos de que vem acusado.
Porém o arguido tem um estatuto processual especial no nosso direito, não sendo obrigado a prestar declarações nem sequer a falar verdade.
Com efeito, a fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma, partindo das regras de experiência, assim como da prova oral que foi produzida, designadamente pelas declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado.
No que se refere à matéria de facto referente à infração criminal imputada ao arguido, designadamente a dada por provada sob os números 1. a 5., o tribunal atendeu nos documentos juntos aos autos, designadamente o auto de notícia, talão de fls. 35 e bem assim, nas declarações prestadas, pelo arguido, AA, no decurso da audiência de discussão e julgamento, que confessou, integralmente e sem reservas, a prática dos factos que aqui lhe são imputados (cf., a propósito, o preceituado no artigo 344.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal).
A sua confissão deriva das suas declarações que dotadas de foros de sinceridade, mereceram por parte do Tribunal que se desse aquele como provado sob o número 5.
Quanto aos factos que integram o dolo, a sua prova resulta da conjugação dos restantes factos dados como provados, tal resulta do supra explanado. Ademais, como se refere no Acórdão do T.R.P. de 23.02.93 - in B.M.J. 324/620 - “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.
Relativamente à matéria de facto sobre a situação económica, social e familiar do arguido, dada como provada sob os números 6. a 9., o Tribunal tomou em consideração as declarações do arguido, por se afigurarem credíveis e não contrariadas por qualquer elemento de prova e ainda no teor do relatório social da DGRSP junto aos autos.
No que concerne à inexistência de antecedentes criminais, factos provados sob os números 10 tal foi concluído da análise do teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a medida concreta da pena acessória decretadas deve, ou não, ser reduzida, designadamente para quatro meses como é peticionado pelo recorrente.
Vejamos.
No presente caso o recorrente não discute a matéria de facto dada como provada nem a qualificação jurídica de tal matéria, pondo apenas em causa a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor aplicada ao arguido, ao abrigo do disposto no art.º 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
Penas acessórias são aquelas que só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal e, como tal, tem como objetivo complementar essa outra pena.
A aplicação de uma pena acessória tem, assim, como pressuposto formal, a condenação do arguido numa pena principal por crime cometido no exercício da condução e como pressuposto material, a circunstância de, ponderadas as circunstâncias do facto e a personalidade do arguido, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.
Daí que, nos termos referidos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2012, “a referida pena acessória deve ser fixada não de forma automática, mas mediante apreciação e graduação, tendo em vista o grau de culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial verificadas no caso concreto. Aliás, o seu efeito não automático constitui uma imposição constitucional, decorrente do art.º 30.º, n.º 4, da C.R.P. - que tal como resulta do art.º 65.º, n.º 1, do Cód. Penal -, estabelece que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo uma sanção autónoma».
Ora, considerando o que se deixa exposto, a pena acessória no presente caso resulta de uma decisão judicial e nela considerou-se a verificação dos pressupostos da sua aplicação, quer formais -condenação do arguido numa pena principal por crime cometido no exercício da condução-, quer materiais, consubstanciados no circunstancialismo dos factos e do agente em concreto.
Para fundamentar o seu recurso, o recorrente alega que a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor aplicada ao arguido pelo período de 8 (oito) meses é exagerada, desproporcional e violadora dos artigos 65.º, n.º 1, 69.º, n.º 2 e 71.º, todos do Código Penal, todos do Código Penal, dada a confissão integral e sem reservas efetuada pelo arguido, a ausência de antecedentes criminais e a pequena gravidade do acidente de viação em que foi interveniente o veículo conduzido pelo arguido. Acresce que o arguido vive com os seus pais, de idade avançada, que dependem de si para o transporte a hospitais, consultas e supermercados e a pena acessória tão elevada põe em causa a segurança e o bem-estar dos seus pais.
De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.07.2017, no processo 17/16.3PAAMD.L1-9, in www.dgsi.pt, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. A intervenção corretiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”.
O Código Penal prevê as Penas Acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Elas pressupõem, como vimos, a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa] e são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cf. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34). Por esta razão, são-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais.
No artigo 71.º do Cód. Penal encontra-se consagrado o critério geral para a determinação da medida da pena que deve fazer-se «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais:
- fatores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta];
- fatores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e
- fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40.º do Cód. Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito legal, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Tal como é referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.03.2015 (disponível in www.dgsi.pt) “Enquanto a pena principal visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, esta pena acessória, para além de corresponder também a exigências de prevenção geral, visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente. Embora não esteja sujeita, na sua duração, a qualquer correspondência com a pena principal, a determinação da sua medida concreta também se rege de acordo com o estabelecido no art.º 71.º, devendo, pois, ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial”.
A aplicação da pena acessória, prevista no artigo n.º 69.º n.º 1, alínea a), do Cód. Penal, de proibição de conduzir veículos com motor, prevê um período abstrato, fixado com um limite mínimo de 3 meses e um limite máximo de 3 anos.
A este propósito e no que tange à medida da pena acessória em que o arguido foi condenado, o Tribunal a quo referiu que “Tendo em consideração os factores atrás referidos para determinação do tipo e medida da pena, nomeadamente a inexistência de antecedentes criminais do arguido, a sua confissão integral e sem reservas, a elevada TAS no momento em que exercia a condução, e, ainda o facto de ter sido interveniente em acidente de viação, entende o tribunal ser ajustado a satisfazer as necessidades de prevenção especial no caso concreto, fixar tal pena acessória pelo período de 8 meses, a qual não é suscetível de suspensão na sua execução”.
Sem dúvida que considerando a ilicitude -a taxa de álcool no sangue de 1,938 g/l registada-, a culpa e intensidade do dolo -o dolo direto com que agiu o arguido- e as exigências concretas de prevenção geral, em que é importante ponderar, a frequência com que este tipo de infrações é praticado e a necessidade de afastar o perigo da sua imitação não só pelo arguido, mas também por terceiros-, a pena acessória não poderá ser reduzida para o ponto próximo do seu limite mínimo como pretende o recorrente. A este propósito, sempre diremos que a circunstância alegada pelo recorrente de os pais do arguido dependerem de si para o transporte a hospitais, consultas e supermercados não pode ser atendida pelo Tribunal, não só por não constar dos factos provados, como também destes não resultar que tal transporte apenas poderia ser efetuado pela condução efetuada pelo arguido. Mas mesmo que assim não fosse, tal circunstância não tem força suficiente para, sequer, mitigar a ilicitude da conduta praticada pelo arguido.
Contudo, a medida concreta da pena acessória fixada pelo Tribunal a quo em 8 (oito) meses também se afigura a este Tribunal de recurso um pouco excessiva.
Vejamos.
A circunstância da intervenção do arguido em acidente de viação não poderá, sem mais, agravar o grau de ilicitude da conduta, porquanto não resultaram provados factos que permitam ao Tribunal concluir sobre a responsabilidade da ocorrência de tal acidente de viação.
Acresce que a favor do arguido milita o facto de não ter antecedentes criminais registados e, não obstante a confissão do arguido não ter uma especial relevância no presente caso, considerando as circunstâncias em que o mesmo foi submetido ao exame de pesquisa ao álcool no sangue, a verdade é que a confissão integral e sem reservas não poderá deixar de considerar-se como uma atitude de autocensura e de colaboração com a Justiça.
Assim, considerando amplitude abstrata da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, que oscila entre o limite mínimo de 3 meses e o limite máximo de 3 anos, podendo essa amplitude ser definida por 11 períodos (correspondendo cada período a 3 meses), entende este Tribunal de recurso que a medida ótima face ao risco do ilícito e à perigosidade do arguido equivale a dois desses períodos, isto é, a 6 (seis) meses.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor fixada em 6 (seis) meses entende-se equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral.
Considerando tudo quanto se deixa exposto, procede parcialmente o recurso pelo interposto pelo arguido.



III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, revogando a decisão recorrida na parte respeitante à fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor e, em sua substituição, fixar tal pena acessória em 6 (seis) meses, mantendo-se a decisão recorrido no demais decidido.

Sem custas.





Porto, 03 de junho de 2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)

Paula Natércia Rocha

Maria Joana Grácio

Amélia Catarino