RECUSA DE JUÍZ
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES JURISDICIONAIS
TESTEMUNHA
Sumário

I - As razões alegadas pelo requerente, quando se prendem exclusivamente com o exercício das funções jurisdicionais por parte da Mma. Sra. Juíza visada no âmbito do processo, são insusceptíveis de consubstanciar motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador.
II - A mera indicação da Mma. Sra. Juíza como testemunha na denúncia apresentada pelos assistentes que deu origem ao processo, sem que daí advenha qualquer intervenção nessa qualidade, em nada afecta as garantias de imparcialidade da actuação jurisdicional da Mma. Sra. Juiz objecto do pedido de recusa.

(da responsabilidade do Relatora)

Texto Integral

Processo 128/19.3T9AND-B.P1
Comarca de Aveiro Porto
Juízo de Competência Genérica ...






Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:



I - RELATÓRIO
I.1. No âmbito do processo ..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de competência Genérica ... o arguido AA veio apresentar pedido de recusa da Exma. Sra. Juíza BB que se encontra a presidir à fase de julgamento por entender que existe motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
O requerente funda a sua pretensão ao abrigo do disposto no artigo 43º, n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante CPP).

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I.2. Fundamentos do Incidente de Recusa (que se sintetizam)
A Mma. Juíza ora recusada, exerce as suas funções de Magistrada Judicial, Juiz 1, titular do Juízo de Competência Genérica ..., doravante ...
No exercício das funções vindas de referir, a Mma. Juíza ora recusada, julgou o procedimento cautelar comum n.° ... intentado pelo requerente que foi surpreendido com decisão de indeferimento da providência, por motivos meramente formais.
A decisão de indeferimento da providência teve o efeito prático, premeditadamente por decreto judicial, a dissipação de correspondência dirigida ao Requerente.
E como era de prever, a notificação ao Recusante para comparecer neste Tribunal no dia 25.01.2023 foi dissipada e não chegou à posse nem ao conhecimento do ora Recusante, sendo causal da sua falta de comparência e com a sua penalização na multa de 2 Uc´s.
A Mma. Juíza ora recusada foi arrolada como 6.a testemunha na denúncia apresentada pelos assistentes, o que legitima a preocupante e perturbadora inferência de que seja portadora de demasiados conhecimentos pessoais contra o arguido/requerente e porventura avalize os interesses ocultos dos Drs. CC e DD, contra o Arguido ora Recusante, quer diretamente pelos factos principais invocados, quer por todos e quaisquer outros, reflexos, instrumentais ou circunstanciais, contra o aqui Arguido e Recusante.
O requerente apresentou justificação da sua falta ocorrida no dia 25.01.2023 que estranhamente não foi atendida e a nulidade de todo o processado subsequente à nomeação do seu defensor oficioso, tendo ambas as pretensões sido indeferidas pela Mma. Juiz devido à ciência privada decorrente do conhecimento e da decisão proferida no procedimento cautelar n.º ....
O Defensor Oficioso entretanto nomeado ao arguido/recorrente pediu prazo de 15 dias para preparar a defesa, mas estranhamente a resposta da Mma. Juíza ora recusada, foi a relegação para o início da próxima sessão já agendada para o dia seguinte, da decisão sobre o pedido de prazo para a defesa.
No dia 22-02-2023, o Defensor Oficioso, tendo-se apercebido de que a Mma. Juíza ora Recusada tinha sido arrolada como testemunha na denuncia apresentada pelos assistentes suscitou o respetivo impedimento previsto no art.° 39.°, n.° 2 do CPP, mas na ata da audiência de 24-02-2023 a Mma. Juiza ora recusada declarou por despacho que não teria conhecimento pessoal dos factos, mas não o disse sob compromisso de honra.
Entretanto, o aqui arguido e ora recusante deduziu contra a Mma. aqui Recusada, um incidente de recusa no processo comum singular n.º ... porque a mesma Mma. Juíza, procurou reduzir desproporcionada, injustifica e inadequadamente, o exercício do seu direito defesa, tendo imposto às 12:50 horas ao Ilustre Defensor Oficioso acabado de nomear que preparasse até às 15:30 horas desse mesmo dia, a defesa do aqui arguido nesse processo comum singular. Tal incidente está ainda para ser apreciado pelo Tribunal da Relação do Porto.
A pendência do referido incidente e os factos supra descritos, objetivamente e aos olhos de um observador mediano, e ademais ao arguido, fazem percepcionar que pairam sobre estes autos e sobre o exercício funcional da Mma. Juíza ora recusada motivos sérios e graves adequados a gerar legítima e fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade.
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I.3. A Mma. Sra. Juíza visada apresentou resposta pugnando pela improcedência do pedido de recusa.
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I.4. Nesta Relação o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da recusa, suscitando ainda, como questão prévia, a inadmissibilidade legal do pedido de recusa por ter sido deduzido pelo arguido, desacompanhado de advogado ou defensor.
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I.5. Por o requerimento de recusa ter sido subscrito pelo arguido AA, desacompanhado do seu defensor oficioso, foi o mesmo notificado para, em 10 dias, juntar aos autos procuração forense por si subscrita a favor de advogado com ratificação do processado ou para, no mesmo prazo, juntar requerimento subscrito pelo defensor nomeado declarando ratificar o processado.
Na sequência de tal despacho, o defensor nomeado oficiosamente ao arguido veio juntar aos autos requerimento declarando ratificar o processado.
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I.6. Julgado ratificado o processado, foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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I.7. Na parte final do requerimento de recusa o requerente veio arrolar cinco testemunhas.
Atentos os fundamentos suscitados no presente incidente e os documentos juntos aos autos, a diligência probatória requerida não se mostra necessária à decisão, pelo que, não se procederá à audição das testemunhas arroladas pelo requerente (cfr. artigo 45º, n.º 4 do Código Penal).
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II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Com interesse para a apreciação do pedido importa ter presente os seguintes elementos factuais/ocorrências processuais que constam dos autos:
1) O requerente instaurou procedimento cautelar comum contra EE, FF e GG, melhor identificados nos autos, pedindo que o Tribunal: a) - ordene a imediata remoção e destruição da caixa do correio que a(os) Requerida(os) mandou(arem) encastrar na dita parede, de vedação do jardim do domicílio do Requerente, paralela à .../IC..., no dia 18.01.2020, com o concurso de HH; b) a condenação da(os) Requerida(os) a pagar(em) a nova fechadura que o Requerente apôs na caixa do correio do Requerente; c) a condenação da(os) Requerida(os) a pagar(em) todos os custos do supra requerido em a) e b); d) a condenação solidária dos Requeridos a pagarem uma caixa de correio nova e respetivo custo de instalação, de novo receptáculo postal para uso efectivo e exclusivo do Requerente, no local onde se encontrava a anterior que destruíram; e) a advertência aos Requeridos para a obrigação de se absterem de voltarem a danificar, seja de que modo for, a referida caixa do correio do Requerente; f) - a advertência aos Requeridos para se absterem de andarem a seguir, a vigiar a intimidar, ou a importunar de qualquer modo, a liberdade do Requerente de ir e de fruir o referido domicílio; g) a condenação dos Requeridos a absterem-se de colocarem nos segmentos de parede de vedação contíguos à EN.../IC...- Rua 1.° de Março, no local ou nas imediações da caixa do correio do Requerente, qualquer caixa, ou outro receptáculo de correio, que possa ser susceptível de vir a ser-lhe depositada correspondência dirigida ao Requerente, o que a acontecer, se receia que com toda a probabilidade dará imediato lugar à respetiva dissipação para prejudicar ainda mais o Requerente; h) a condenação dos Requeridos a garantirem a integridade da fechadura e do receptáculo da referida caixa do correio do Requerente e a absterem-se de todo e qualquer acto susceptível de prejudicar ou impedir o uso regular e o funcionamento eficiente da referida caixa do correio do Requerente; i) a condenação dos Requeridos a removerem imediatamente a l.a câmara de vigilância que instalou (aram) ou mandou(aram) instalar na parede do lado sul da parte mais alta da única casa de habitação do Requerente; j) a condenação dos Requeridos a removerem a 2.a câmara de vigilância que colocou(aram) junto ao vidro da janela do lado sul da parte mais alta da casa de morada, escritórios e arquivos do Requerente; l)a condenação dos Requeridos a removerem as outras 3.a e 4.a câmaras de vigilância instaladas no fim de semana de 31.01.2020 a 02.02.2020 na parede da frente da parte mais alta da casa do Requerente e na parede do lado norte da garagem do Requerente. m) a condenação dos Requeridos a absterem-se de colocarem ou afixarem na referida e única casa de morada do Requerente, quaisquer outras câmaras de vigilância; n) - A condenação do 3 Requerido a retirar o referido holofote que instalou na parede poente da garagem que foi do camião do seu finado pai, e a redirecioná-lo de forma fixa, por forma a que deixe de emitir luz na direcção da referida e única casa de morada, escritórios e arquivos do Requerente; o) a condenação dos Requeridos a pagarem ao Requerente a quantia de 300,00 €. relativa ao corte desnecessário e inconsentido da dita cameleira, que correu termos sob o n.º ... no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de competência Genérica ..., onde é titular a Mma. Sra. Juíza BB.
2) No âmbito do referido procedimento cautelar o requerente veio alegar que é nulo e ineficaz o mandato forense passado a favor dos Ilustres mandatários dos Requeridos, por abuso de direito e por comportamento ilícito, com fundamento em patrocínios conexos e conflito de interesses contra o cliente aqui Requerente.
3) Após os requeridos terem deduzido oposição a Mma. Sra. Juíza BB proferiu decisão em 22.07.2020 que julgou improcedente a arguida nulidade do mandato/procuração e totalmente improcedente o procedimento cautelar.
4) Inconformado com tal decisão, o requerente interpôs recurso para esta Relação que proferiu acórdão em 10.11.2020, que julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
5) Na denúncia apresentada por DD e CC que deu origem ao processo n.º ..., a Mma. Sra. Juíza BB foi indicada como testemunha.
6) A Mma. Sra. Juíza BB nunca foi notificada na fase de inquérito para ser ouvida como testemunha.
7) O requerente foi acusado no âmbito do referido processo n.º ... da prática, em autoria materal e em concurso real, de seis crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelos artigos 180º, n.º 1 e 184º, por referência ao artigo 13.2º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
8) Na acusação o MºPº não indicou a Mma. Sra. Juíza como testemunha, o mesmo sucedendo na acusação deduzida pelos assistentes e nos pedidos de indemnização civil, bem com também não foi indicada pela defesa.
9) O processo n.º ... foi entretanto distribuído como processo comum singular no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de competência Genérica ..., onde a Mma. Juíza BB é titular, tendo esta em 12.08.2022 proferido despacho de recebimento da acusação pública.
10) Em 03.10.2022 foi proferido despacho que designou várias datas para a realização da audiência de julgamento, diligência que ainda está em curso até à presente data.
11) O requerente não compareceu na sessão da audiência de julgamento designada para o dia 25.01.2023 apesar de notificado na morada que consta no TIR, tendo a Mma. Sra. Juíza BB determinado a sua condenação no pagamento de uma multa e que a audiência de discussão e julgamento se iniciasse na sua ausência.
12) O requerente requereu a justificação da falta que foi indeferida por despacho proferido em 10.02.2023 que considerou que o mesmo foi devidamente notificado por carta simples com prova de depósito para a morada por si indicada no TIR, sendo que podia e pode sempre vir indicar uma outra morada para esse efeito caso entenda que existem dificuldades no acesso às cartas aí depositadas.
13) Nesse mesmo despacho foi julgada improcedente a nulidade invocada pelo requerente de todo o processado subsequente à nomeação do seu defensor oficioso que entretanto pediu escusa.
14) Em 31.01.2023 foi nomeado ao requerente outro defensor oficioso e, após ter sido notificado em 03.02.2023 para comparecer em audiência de julgamento designada para o dia 06.02.2023, requereu nessa mesma data que lhe fosse concedido prazo nunca inferior a 15 dias para preparar a defesa, cujo conhecimento foi relegado pela Mma. Juíza para o início da sessão já agendada.
15) No dia da sessão da audiência de julgamento designada para o dia 06.02.2023 a Mma. Juíza concedeu ao defensor oficioso do requerente prazo para preparação da defesa, adiando a diligência para o dia 24.02.2023 após concertação de agendas dos vários intervenientes processuais.
16) Em 22.02.2023 o requerente invocou o impedimento da Mma. Juíza titular para proceder ao julgamento do processo ... por a mesma ter sido indicada como testemunha na denúncia apresentada pelos assistentes, impedimento esse que foi indeferido por despacho proferido em 24.02.2023.
17) Inconformado com tal despacho, o requerente interpôs recurso para esta Relação, tendo sido proferida decisão sumária em 03.07.2023 que rejeitou o recurso por manifestamente improcedente dada a sua extemporaneidade.
18) Tendo o recorrente reclamado daquela decisão sumária para a conferência, foi proferido nesta Relação acórdão em 25.10.2023 que julgou não provido o recurso, mantendo na íntegra o despacho recorrido.
19) Inconformado com o acórdão desta Relação, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo sido proferida em 04.12.2023 decisão sumária em que não conheceu do recurso atenta a sua inadmissibilidade legal.
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II.2. Apreciação do pedido

§1. A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 32º, nº 9, como uma das garantias do processo penal, o princípio do juiz natural, cujo alcance é o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e isenta. Nesse sentido, o juiz que irá intervir em determinado processo penal é aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstractas contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respectiva composição. Esse juiz só pode ser afastado se a sua intervenção no processo for susceptível de pôr seriamente em causa esses mesmos valores da imparcialidade e isenção. E, com vista a permitir o respectivo controlo pelos interessados, os casos em que esses valores podem perigar hão-de estar bem definidos na lei, e em moldes que não desvirtuem aquela garantia de defesa.
A matéria de recusa vem regulada no artigo 43º do CPP sob a epígrafe “Recusas e escusas” que dispõe o seguinte:
“1. A intervenção do juiz do processo pode ser recusada quando existir risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º"
A imparcialidade do juiz perante os interesses em disputa no processo penal constitui uma garantia essencial da independência do tribunal e do processo equitativo.
No plano subjectivo, a existência do risco que constitui o pressuposto material para se admitir a recusa de intervenção no processo, afere-se pela existência fundada de uma qualquer relação de interesse pessoal (económico ou afectivo) entre o juiz e o objecto do processo ou os seus sujeitos processuais, ao ponto de, por causa dela, existir um perigo de o julgamento da causa ser influenciado por esse interesse, em prejuízo da objectividade e isenção.
Do ponto de vista subjectivo, impõe-se, em regra, a demonstração da predisposição do julgador para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão e, por isso, presume-se a sua imparcialidade até prova em contrário.
No plano objectivo, independentemente da inexistência de uma qualquer relação de interesse que ligue o juiz à causa, interessará apurar se, em face dos factos relevantes, um observador médio, informado e razoável poderá ser levado a suspeitar da imparcialidade do juiz (seja o sujeito do processo com interesse no desfecho da causa ou, apenas, qualquer membro da comunidade sem qualquer ligação afectiva com a causa).
O princípio do juiz natural só é de remover em situações limite, ou seja, “unicamente e apenas quando outros princípios ou regras, porventura de maior dignidade, o ponham em causa, como sucede, por exemplo, quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade” (cfr. acórdão do STJ de 05.04.2000, publicado na CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 244).
Na ponderação acerca da existência de motivo sério e grave “do qual ou no qual resulte inequivocamente um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz, … tem de haver uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de escusa, recusa ou suspeição”, para evitar que, por via do uso indevido dessa faculdade, venha a ser injustificadamente afastado o princípio constitucional do juiz natural (veja-se acórdão do STJ de 05.07.2007, acessível em www.dgsi.pt).
Como se escreveu no acórdão do STJ de 10.04.2014 (acessível em www.dgsi.pt) “Os motivos sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, hão-de pois resultar de objectiva justificação, avaliando-se as circunstâncias invocadas pelo requerente não pelo convencimento deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias a partir do bom sendo e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador”.
A Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (citada por Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, em anotação ao artigo 43º, págs. 132-133) a propósito da apreciação da imparcialidade e da compreensão das situações em que possa estar em causa, apela ao que denomina de testes subjectivo e objectivo: “O teste subjectivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa; apenas “factos evidentes devem afastar a presunção de imparcialidade”. (…) “O teste objectivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.”
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§2. No caso concreto, o arguido funda a sua pretensão de recusa da Mma. Sra. Juíza a quem foi distribuído o processo supra identificado para realização da fase de julgamento, numa série de circunstâncias que, no seu entender, são sérias e graves, adequadas a gerar fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade.
No que concerne ao procedimento cautelar comum n.º ... dos argumentos invocados pelo requerente afigura-se-nos que o mesmo lamentavelmente continua a insurgir-se contra a decisão proferida pela Mma. Sra. Juíza, pese embora o recurso por si interposto para esta Relação tenha sido julgado improcedente e confirmado a decisão recorrida.
Quanto ao processo n.º 128/19.3T9ANG as razões alegadas prendem-se exclusivamente com o exercício das funções jurisdicionais por parte da Mma. Sra. Juíza visada no âmbito desse processo.
Senão vejamos.
A notificação do requerente para a data designada para a audiência de julgamento foi remetida, como a lei impõe, para a morada por si indicada no TIR.
O requerente limitou-se a discordar do indeferimento da justificação da sua falta de comparência numa das sessões de audiência de julgamento e da nulidade por si invocada de todo o processado subsequente à nomeação do seu defensor oficioso sem alegar quaisquer factos concretos e objectivos que demonstram motivos sérios e graves que levam à possibilidade de se desconfiar da imparcialidade da Mma. Sra. Juíza recusada.
Nesta parte, o requerente limitou-se a concluir que a tomada de decisão do procedimento cautelar comum por parte da Mma. Sra. Juíza ditou o indeferimento daqueles seus requerimentos.
A tomada de posição da Mma. Sra. Juíza sobre o pedido de concessão de prazo para preparação de defesa – relegar para o início da sessão já agendada – em nada afectou as garantias de defesa do requerente, tanto mais que no dia da sessão da audiência de julgamento designada para o dia 06.02.2023 a Mma. Sra. Juíza concedeu ao defensor oficioso do requerente prazo para preparação da defesa, adiando a diligência para o dia 24.02.2023.
Quanto à indicação da Mma. Sra. Juíza como testemunha na denúncia apresentada pelos assistentes que deu origem ao processo aqui em causa (128/19.3T9ANG) esta questão já foi suscitada pelo requerente no âmbito do incidente de impedimento que correu termos por apenso (128/19.3T9ANG-A) e que o tribunal desta Relação julgou manifestamente improcedente por ser extemporâneo.
Sempre se dirá que a simples indicação como testemunha sem daí advir qualquer intervenção no processo em nada afecta as garantias de imparcialidade da actuação jurisdicional da Mma. Sra. Juiz objecto do pedido de recusa.
Na verdade, a Mma. Sra. Juíza visada nunca foi notificada na fase de inquérito para ser ouvida como testemunha, não tendo sido indicada como testemunha na acusação do MºPº, o mesmo sucedendo na acusação deduzida pelos assistentes e nos pedidos de indemnização civil, bem com também não foi indicada pela defesa.
Não olvidamos que a Mma. Sra. Juíza foi titular de um dos processos identificado na participação criminal mas essa sua intervenção, só por si, não permite concluir que a mesma tenha conhecimento pessoal sobre os factos imputados ao requerente, bem como também não tem a virtualidade de comprometer o dever de rigor, seriedade, responsabilidade e honestidade inerente às funções jurisdicionais da Mma. Juíza recusada.
Decorre assim dos factos acima transcritos que no processo n.º ... a Mma. Sra. Juíza actuou no cumprimento do seu dever funcional, sendo que por outro lado, como é sabido, no cumprimento de tal dever, os tribunais são independentes e obedecem exclusivamente à lei, como prescreve o artigo 203º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbrando que dessa actividade tenha resultado qualquer animosidade para com o requerente de forma a formular-se o motivo sério, grave e adequado a colocar-se em causa, objectivamente, a imparcialidade da Mma. Sra. Juíza recusada.
Por fim, em relação ao incidente de recusa suscitado pelo requerente num outro processo comum singular (...) em que a Mma. Sra. Juíza também será titular não constitui, por si só, qualquer desconfiança sobre a regularidade da intervenção por parte da Mma. Juíza recusada.
Aliás, as objecções do requerente suscitadas nesse incidente (que segundo o requerente ainda não foi apreciado por esta Relação) prendem-se igualmente com o exercício das funções jurisdicionais da Mma. Juiz objecto do pedido de recusa.
É assim evidente que os motivos invocados pelo requerente são insusceptíveis de fundamentar a eventual suspeita de que a Mma. Sra. Juíza não seja imparcial e isenta na fase de julgamento que preside no processo em causa.
Em conclusão, não estão verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 43º do CPP para que o incidente de recusa seja deferido.
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III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o pedido de recusa de intervenção da Exma. Sra. Juíza BB que continuará a presidir à fase julgamento no âmbito do processo n.º ....
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Custas pelo requerente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (artigo 524º do CPP e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa).

Comunique a presente decisão ao processo principal para conhecimento.









Porto, 03.07.2024
Maria do Rosário Martins (Relatora)
Luís Coimbra (1º Adjunto)
Maria Luísa Arantes (2ª Adjunta)