ARRENDAMENTO
FIM NÃO HABITACIONAL
PRAZO DE 5 ANOS
CESSAÇÃO PELO INQUILINO
RENDAS VINCENDAS
OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
Sumário

I- Num contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais que expressamente prevê um período de vigência inicial de 5 anos, automaticamente renovável por períodos de 1 ano salvo oposição manifestada por qualquer um dos contraentes com a antecedência de 180 dias, que não prevê mecanismo semelhante ao consagrado nos nºs 3 e 4 do art. 1098º do CC, não podem estes preceitos ter-se por aplicáveis, por não se verificar o pressuposto previsto no art. 1110º, nº 1, 1ª parte do mesmo código.
II- Nas condições referidas em I-, a cessação do contrato por iniciativa do inquilino e mediante comunicação imotivada, com efeitos desde data anterior ao termo do prazo inicial de 5 anos constitui o mesmo na obrigação de pagar a totalidade das rendas que se venceriam nesse período temporal.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra B, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 25.180,80 acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 88,31, e dos vincendos, até integral e efetivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que:
- em 18-06-2018, na qualidade de arrendatária, celebrou com a ré, na qualidade de senhoria, um contrato de arrendamento comercial com prazo certo, pelo período de 5 anos com início em 01-08-2018, renovável por períodos de 1 ano, e automaticamente renovável por iguais períodos, salvo oposição à renovação manifestada por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 180 dias;
- Na data da celebração do contrato, a Autora entregou à Ré a título de caução a quantia de € 29.916,00 a ser devolvida no termo do contrato;
- Por carta registada com AR datada de 24-02-2022 Autora denunciou o contrato em apreço com efeitos a partir de 30-08-2022;
- Por email de 17-07-2022, uma das sócias e administradoras da Autora informou a Ré que a saída do locado iria ocorrer entre os dias 22 e 30 de julho de 2022, e em 29 de julho entregou à Ré todas as chaves do locado.
- A Autora procedeu à compensação da obrigação de pagamento do valor da renda e condomínio relativos ao mês de agosto de 2022 (€4.025,20+€710,00) com a dedução do mesmo valor ao total do valor da caução que a Ré se encontrava obrigada a devolver; e apesar de interpelada por carta registada com AR a Ré não procedeu à devolução do remanescente da caução.
Conclui que, tratando-se de um contrato de arrendamento com prazo certo o regime aplicável à denúncia por parte do arrendatário é o regime da denúncia que rege o arrendamento para fins habitacionais, nos termos do art. 1098° n° 3 ex vi do art. 1110° n° 1 do Cód. Civil, e que na data da denúncia o contrato tinha já completado um terço do seu prazo de duração, podendo a Autora denunciá-lo a todo o tempo com a antecedência mínima de 120 dias como foi o caso.
Citada a ré, a mesma apresentou contestação e deduziu reconvenção, sustentando, em resumo, que:
- a denúncia operada a 24-02-2022 foi retratada pela Autora por email de 07-03-2022, ficando sem efeito;
- foi surpreendida com o email de 17-07-2022 que consubstancia nova denúncia, que não respeita o prazo de pré-aviso previsto no contrato;
- a autora entregou as chaves do locado ao segurança do edifício e abandonou-o, deixando paredes desgastadas, elementos metálicos por retirar das paredes, vinil do pavimento levantado e a porta da entrada sem puxador, o que levou a que a Ré tivesse que realizar obras no locado suportando os respetivos custos.
Em sede reconvencional defende que lhe é devido o montante decorrente da falta de pré-aviso de um ano, no valor global de € 61.027,90, a que deve acrescer o valor de € 6.398,95 pela reposição do locado no estado em que se encontrava aquando da celebração do contrato, e caso assim não se entenda, isto é, considerando-se que a Autora denunciou o contrato por carta datada de 24 de Fevereiro de 2022, deverá ser aplicável um pré-aviso de um ano nos termos do art. 1110° n° 2 do Cód. Civil, sendo ainda devidas rendas no montante global de €35.419,40, a que acresce o crédito de €6.398,95, atento o incumprimento das cláusulas 8a e 9a do contrato de arrendamento.
A Autora apresentou réplica pugnando pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção.
No desenvolvimento da causa, foi dispensada audiência prévia e elaborado despacho saneador que admitiu o pedido reconvencional, considerou não escritos alguns dos artigos do articulado de resposta da ré às exceções da réplica, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Apresentada reclamação no que toca ao objeto do litígio foi a mesma decidida por despacho de 10/01/2024, retificando-se nesta parte o despacho saneador.
Realizada audiência final, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente e parcialmente a reconvenção e em consequência decide-se:
a) Absolver a Ré dos pedidos deduzidos pela Autora
b) Condenar a Autora a pagar à Ré a quantia de €18.386,40 (dezoito mil trezentos e oitenta e seis euros e quarenta cêntimos), pela inobservância do aviso prévio na denúncia operada em 17/07/2022 já deduzida da caução prestada, acrescida de juros à taxa legal aplicável a juros civis desde 30 de agosto de 2022 até integral pagamento;
c) Condenar a Autora a pagar à Ré a quantia de €633,40 (seiscentos e trinta e três euros e quarenta cêntimos mais IVA pela colocação do puxador na porta de entrada primitiva, acrescida de juros à taxa legal aplicável a juros civis desde 15 de setembro de 2022 até integral pagamento;
d) Absolver a Autora do demais peticionado pela Ré em reconvenção.”
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:

1. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, nos termos da qual foi julgada a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente consubstancia erro sobre os factos e, ainda, uma interpretação e aplicação erradas da Lei.
— Do prazo de pré-aviso da denúncia do arrendamento
2. No âmbito do regime legal dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, verificando-se a falta de estipulação das partes quanto ao regime de denúncia (como ocorre no caso “sub judice”), a Lei prevê duas soluções, a saber:
- Tendo havido estipulação de prazo de duração do contrato (prazo certo), tem aplicação à denúncia do contrato pelo arrendatário, o regime de “denúncia” que rege o arrendamento para fins habitacionais (cfr. art.° 1098.°, n.° 3 ex vi art.° 1110.°, n.° 1 do CC);
- Não tendo havido estipulação de prazo de duração do contrato, o contrato considera-se celebrado com prazo certo pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano (cfr. art.° 1110°, n.° 2 do CC).
3. No caso “sub judice”, e como bem entendeu o Tribunal “a quo”, as Partes estabeleceram ao contrato um prazo certo (duração inicial de 5 anos), mas nada estabeleceram quanto à possibilidade de denúncia do contrato por parte do arrendatário, nem quanto ao respetivo prazo de pré-aviso.
4. Logo, e contrariamente ao julgado pelo Tribunal “a quo”, tratando-se o contrato "sub judice” de um contrato de arrendamento com prazo certo, o regime aplicável à denúncia do contrato por parte do arrendatário é o regime de “denúncia” que rege o arrendamento para fins habitacionais (cfr. art.° 1098 °, n.° 3 ex vi art.° 1110.°, n.° 1 do CC).
5. O próprio Tribunal “a quo” admite, expressamente, que o entendimento da Recorrente (aplicação do regime de "denúncia” próprio do arrendamento para fins habitacionais - cfr. art.° 1098.°, n.° 3, al. a) do CC) tem sustento na jurisprudência (cfr. p. 24 da sentença recorrida, constante dos autos).
6. A solução defendida pela Recorrente, além de resultar expressamente da Lei, também é a que tem sido aplicada pelos Tribunais Superiores (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/05/2021 e do Tribunal da Relação de Évora de 16/05/2019, acima parcialmente transcritos).
7. O regime legal do arrendamento para fins habitacionais prevê, expressamente, a antecedência mínima de 120 dias do termo pretendido do contrato, quando o mesmo tenha um prazo de duração igual ou superior a um ano, como no caso dos autos (cfr. art.° 1098.°, n.° 3, al. a) do CC),
8. Pelo que, sendo o contrato "sub judice” um contrato de arrendamento com prazo certo de 5 (cinco) anos, e não tendo as Partes nada estipulado sobre o regime de denúncia do contrato por parte da arrendatária, a Recorrente - ao abrigo da remissão legal para o regime de "denúncia” do arrendamento para fins habitacionais (art.° 1110°, n.° 1 do CC) - podia ter denunciado o contrato de arrendamento, mediante um pré-aviso de 120 (cento e vinte) dias, o que fez e bem (cfr. art.° 1098.°, n.° 3, al. a) ex vi art.° 1110.°, n.° 1 do CC).
9. Unicamente no caso em que não tivesse havido estipulação de prazo de duração do contrato (o que não sucede no caso "sub judice”), é que o contrato, considerando-se então celebrado pelo período de cinco anos, não poderia ser denunciado pelo arrendatário com antecedência inferior a um ano (cfr. art.° 1110.°, n.° 2 do CC).
10. Também a generalidade da Doutrina tem sustentado que, havendo estipulação de prazo de duração do contrato (prazo certo) e verificando-se a falta de estipulação das partes apenas quanto ao regime de denúncia, tem aplicação à denúncia do contrato pelo arrendatário, o regime de “denúncia” que rege o arrendamento para fins habitacionais (incluindo os correspondentes prazos de pré-aviso) (cfr. art.° 1098.°, n.° 3 ex vi art.° 1110.°, n.° 1 do CC) (cfr., por exemplo, a transcrição supra do entendimento do senhor Professor Doutor MENEZES LEITÃO).
11. Esta é a única interpretação que concretiza a norma que estabelece que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.° 9.°, n.° 3 do CC), bem como a que se mostra mais consentânea com o elemento sistemático e teleológico da Lei.
12. Pois, outra interpretação deixaria a aplicação supletiva do regime de “denúncia” do arrendamento para fins habitacionais (art.° 1110.°, n.° 1 do CC) totalmente vazia de conteúdo, pois a mesma deixaria de ter aplicação tanto aos contratos de duração indeterminada, como aos contratos de prazo certo...
13. Tanto mais que a aplicação hipotética do prazo de pré-aviso de 1 (um) ano para a denúncia dos contratos de prazo certo, criaria situações totalmente absurdas decorrentes da aplicação, em determinados casos, de um prazo de pré-aviso de denúncia (um ano) superior (!) ao próprio prazo de duração do contrato e ao próprio prazo de oposição à renovação do contrato (como ocorreria, por exemplo, no caso de se aplicar o referido prazo de pré-aviso de denúncia de um ano a contratos de duração de seis meses).
— Da eficácia da denúncia operada pela Recorrente em 24/02/2022
14. Contrariamente ao julgado pelo Tribunal “a quo”, a denúncia do contrato de arrendamento efetuada pela Recorrente, por carta registada com aviso de receção datada de 24 de fevereiro de 2022, com efeitos a partir do dia 30 de agosto de 2022, não foi revogada.
15. Neste ponto, o Tribunal “a quo” começou por fazer uma errada apreciação da prova, ao considerar, como facto provado, que “Depois de receber a carta de denúncia, em dia não concretamente apurado de Março de 2022, anterior ao dia 07, a Ré reuniu com a Autora, na pessoa da Dra. F…, e esta transmitiu-lhe que a razão pela qual havia decidido denunciar o Contrato de Arrendamento estava relacionada com a circunstância de necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade e que havia encontrado um edifício que pretendia adquirir, ao que a Ré deu-lhe conta de que possuía outro espaço para arrendamento (arts. 22° e 23° da contestação em parte e art. 31° da réplica em parte)." (sublinhado e negrito nossos) (cfr. facto provado n.° 17 da sentença recorrida).
16. Não têm procedência a conjetura de razões, invocada pela Recorrida, como subjacentes à denúncia do contrato, dando a entender que a Recorrente teria decidido denunciar o contrato de arrendamento por necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade e que, mais tarde, teria invertido a sua decisão ao decidir que os seus colaboradores passariam a ficar em teletrabalho intermitente, o que afastaria a necessidade de espaço adicional.
17. A Recorrida avançou com esta versão - de que as necessidades da Recorrente justificativas da decisão de denúncia teriam uns dias depois desaparecido - apenas para tentar sustentar a interpretação (errada) de que a comunicação datada de 07 de março de 2022 consistiria numa revogação da denúncia do contrato de arrendamento.
18. O Tribunal “a quo” identifica como fundamento para a sua convicção quanto ao referido facto n.° 17: as declarações de parte do legal representante da Recorrida (cfr. p. 17 da sentença recorrida).
19. Contudo, apesar de a Lei estabelecer que as declarações de parte devem ser livremente apreciadas pelo Tribunal (cfr. art.° 466.°, n.° 3 do CPC), o declarante tem um óbvio interesse no desfecho da causa e não existe nos autos qualquer outro elemento probatório capaz de corroborar as declarações prestadas.
20. Além disso, a Recorrente negou, em sede de réplica, a aludida conjetura de razões avançada pela Recorrida para a denúncia do contrato, sendo que as razões da Recorrente para a sua denúncia do contrato correspondem a um facto pessoal que apenas a própria poderia atestar.
21. Logo, inexistindo nos autos qualquer outra prova no sentido das declarações de parte do legal representante da Recorrida, o Tribunal “a quo” não podia ter julgado provado o facto n.° 17, na parte em que se diz que a Recorrente teria tido como razão para a denúncia do contrato de arrendamento a circunstância de necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade (cfr., no mesmo sentido, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2022, acima parcialmente transcrito).
22. Esta parte do facto n.° 17 corresponde a um dos concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados (cfr. art.° 640.°, n.° 1, al. a) do CPC), impondo o regime jurídico de apreciação da prova por declarações de parte uma decisão, sobre o referido ponto de facto impugnado, diversa da recorrida (cfr. art.° 640.°, n.° 1, al. b) do CPC).
23. Impunha-se que o Tribunal “a quo” tivesse dado como facto não provado que a razão da denúncia do contrato de arrendamento estivesse relacionada com a circunstância de a Recorrente necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade - alteração que contribuiria para o afastamento da interpretação erradamente propugnada pela Recorrida de que o email da Recorrente de 07/03/2022 consistiria numa revogação da denúncia anteriormente operada em 24/02/2022 (cfr. art.° 640.°, n.° 1, al. c) do CPC).
24. O Tribunal “a quo” deveria ter valorado o facto de que, logo que a Recorrida rececionou a carta mediante a qual a Recorrente denunciava o contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 30 de agosto de 2022, a ter procurado de imediato no sentido de a impelir a alterar a sua decisão.
25. A Recorrida procurou converter a razão da denúncia a uma pretensa falta de espaço, suprindo-a com uma proposta de arrendamento de duas frações no oitavo andar do mesmo prédio, também da sua propriedade - proposta à qual a Recorrente se mostrou sempre pouco recetiva.
26. Foi no referido contexto, que a Recorrida enviou à Recorrente, no dia 07 de março de 2022, o email junto como fls. 2 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida, nos termos do qual contestou a denúncia, exigindo o pagamento da totalidade das rendas relativas aos 5 (cinco) anos iniciais de vigência do contrato, e se opôs à compensação das rendas devidas até à produção de efeitos da denúncia (30 de agosto de 2022) com a caução (cfr. fls. 2 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida).
27. O Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado o facto de que, foi no aludido contexto, que a Sócia e Administradora da Recorrente, Dra. F …, surpreendida com o teor do referido email da Recorrida, tem como primeira reação apresentar à Recorrida a possibilidade de a Recorrente prescindir apenas da compensação das rendas vincendas até à produção de efeitos da denúncia, com a caução (compensação esta que tinha sido solicitada pela Recorrente na carta de denúncia de 24 de fevereiro de 2022).
28. Foi apenas com esse propósito que, minutos depois da receção do mencionado email da Recorrida e em sua resposta, a referida Sócia e Administradora da Recorrente remeteu à Recorrida o email datado de 07 de março de 2022 junto aos autos como fls. 1 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida, no sentido de a Recorrente vir a dar sem efeito o teor da carta de denúncia na parte apenas relativa à compensação das rendas vincendas com a caução.
29. Acresce que, ainda que o Tribunal "a quo” considerasse que a referida comunicação de 07 de março de 2022 (fls. 1 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida) se tivesse reportado à denúncia anteriormente efetuada (e não apenas à compensação das rendas vincendas até à produção de efeitos da denúncia, com a caução) - o que apenas se admite por mero dever de patrocínio -, ainda assim nunca se mostraria aquela comunicação capaz de vincular a Recorrente, ao contrário do que foi erradamente julgado pelo Tribunal “a quo”.
30. A Lei estabelece que a representação da pessoa coletiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem (cfr. artigo 163.°, n.° 1 do Código Civil), sendo que, no caso, os estatutos da Recorrente determinam que a mesma se obriga perante terceiros com a assinatura de dois administradores (cfr. Averbamento 1/20 ao Registo de Inscrição n.° 57/14 constante da certidão de registos, junto como Doc. n.° 1 da réplica da Recorrente).
31. No caso "sub judice”, o email remetido em 07 de março de 2022 (fls. 1 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida) encontra-se subscrito apenas por uma administradora da Recorrente, a Dra. F ….
32. Esta administradora subscreveu a referida comunicação em nome próprio e não em representação da Recorrente e fê-lo, ainda, sem aposição de qualquer assinatura eletrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada, o que, de resto, corrobora a falta de intenção da administradora de comunicar, mesmo a título pessoal, qualquer posição formal e/ou definitiva (cfr. artigos 373.°, “a contrario” e 376.°, “a contrario” ex vi artigo 3.°, n.° 5 e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 12/2021, de 9 de fevereiro).
33. Por outro lado, também resulta da Lei que as partes podem estipular uma forma especial para a declaração, presumindo, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada (cfr. artigo 223.°, n.° 1 do CC), sendo que, no caso, a Recorrente e a Recorrida convencionaram a carta registada com aviso de receção como a forma de cessação do contrato de arrendamento (cfr. cláusula 11.a do contrato de arrendamento junto como Doc. n.° 1 da petição inicial da Recorrente).
34. No caso, as Partes quiseram que a utilização da carta registada com aviso de receção assumisse não só uma função facilitadora da prova da respetiva declaração, mas também uma função constitutiva da mesma declaração enquanto formalidade “ad substantiam”, ou seja, requisito constitutivo do próprio ato.
35. Ora, nos termos da Lei, a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula (cfr. artigos 220.°, 286.° e 289.° do CC), pelo que, qualquer declaração negocial referente à cessação do contrato emitida por outra via, que não a da carta registada com aviso de receção, sempre se mostraria desprovida de eficácia, por a formalidade em falta consubstanciar uma formalidade inerente à própria declaração negocial.
36. Não merece acolhimento a pretensa confiança da Recorrida numa alegada revogação da denúncia, uma vez que a Recorrida nunca sequer manifestou qualquer consentimento a tal hipotética revogação: nunca respondeu, por exemplo, ao email de 07 de março de 2022,
37. Sendo certo que, a Recorrida tinha conhecimento do modo de vinculação da Recorrente, desde logo, porque, no âmbito do contrato de arrendamento, a Recorrente já tinha sido, devidamente, representada por dois administradores, com poderes para o ato, o que ficou explicado no próprio cabeçalho do contrato — do qual a Recorrida foi uma das Partes (cfr. cabeçalho do contrato de arrendamento, junto como Doc. n.° 1 da petição inicial da Recorrente) (cfr. art.° 163.°, n.° 2, “a contrario” do CC).
38. Qualquer revogação da denúncia careceria sempre do acordo da contraparte (no caso, da Recorrida), que nunca foi manifestado - facto, este, que não foi devidamente valorado pelo Tribunal “a quo”.
39. Logo, ainda que o Tribunal “a quo” considerasse que a referida comunicação de 07 de março de 2022 (fls. 1 do Doc. n.° 2 da contestação da Recorrida) se tinha reportado à denúncia anteriormente efetuada (e não apenas à compensação das rendas vincendas até à produção de efeitos da denúncia, com a caução), ainda assim não se mostraria aquela comunicação apta à revogação da denúncia por falta de poderes de representação da sua subscritora, por falta de forma e, ainda subsidiariamente, por falta de acordo da contraparte.
40. Portanto, não tendo a denúncia do contrato de arrendamento efetuada pela Recorrente, por carta registada com aviso de receção datada de 24 de fevereiro de 2022, sido revogada, qualquer prazo de pré-aviso deve ter como referência o dia 28 de fevereiro de 2022 (data da receção da comunicação da denúncia - cfr. talão de registo e aviso de receção da carta de denúncia juntos, respetivamente, como Docs. n.° 6 e 7 da petição inicial da Recorrente).
41. Isto significa que, consistindo o contrato “sub judice” num contrato de arrendamento com prazo certo de 5 (cinco) anos, e não tendo as Partes nada estipulado sobre o regime de denúncia do contrato por parte da arrendatária, a Recorrente - ao abrigo da remissão legal para o regime de “denúncia” do arrendamento para fins habitacionais (art.° 1110.°, n.° 1 do CC) - podia ter denunciado o contrato de arrendamento, mediante um pré-aviso de 120 (cento e vinte) dias (cfr. art.° 1098.°, n.° 3, al. a) ex vi art.° 1110.°, n.° 1 do CC).
42. Tendo por referência a denúncia efetuada em 28 de fevereiro de 2022 (data da receção da comunicação da denúncia), e tendo a Recorrente cumprido com um prazo de pré-aviso de 183 dias em relação à data da sua produção de efeitos (30 de agosto de 2022), não se verifica qualquer incumprimento do prazo de pré-aviso, o que deveria ter sido decidido pelo Tribunal "a quo”.
— Da inexistência de qualquer montante devido pela Recorrente à Recorrida
43. No âmbito da prossecução dos fins do contrato de arrendamento, a Recorrente realizou algumas benfeitorias, tendo, designadamente, colocado, a suas próprias expensas, uma porta nova adicional de vidro (proteção) sobre a porta de entrada, tendo o locado ficado com duas portas de entrada sobrepostas (cfr. facto provado n.° 27 da sentença recorrida).
44. A porta de vidro foi colocada do lado de fora do locado, pelo que o puxador foi transferido para a porta de vidro que se tornou a porta exterior do locado (cfr. facto provado n.° 28 da sentença recorrida).
45. No cumprimento do contrato, a Recorrente não removeu as referidas benfeitorias efetuadas e deixou ficar a porta de vidro, assim como o respetivo puxador (cfr. facto provado n.° 29 da sentença recorrida).
46. Por isso, não tem razão o Tribunal "a quo” quando refere que a retirada do puxador da porta primitiva para a colocação numa outra porta de vidro colocada pela arrendatária não corresponde em si a uma benfeitoria (cfr. p. 37 da sentença recorrida, constante dos autos).
47. Pelo contrário: a alteração levada a cabo pela Recorrente na porta de entrada não causou qualquer prejuízo patrimonial, tendo antes gerado uma valorização a vários níveis, designadamente, maior praticidade, conforto, comodidade, embelezamento estético e, sobretudo, melhoramento da funcionalidade do locado (benfeitorias úteis).
48. Cabe, ainda, sublinhar que a despesa com a colocação do novo puxador foi decidida unilateralmente pela Recorrida e em todos os seus aspetos, desde a escolha do fornecedor, materiais a utilizar, etc., não tendo a Recorrente sido consultada sobre a mesma, nem sobre o orçamento apresentado para o efeito, o qual foi aprovado unicamente pela Recorrida à revelia da Recorrente.
49. Além disso, a Recorrida procedeu ao pagamento do valor peticionado, em 09/11/2022, ou seja, muito depois de ter sido citada da instauração da presente ação e, portanto, bem sabendo que a presente matéria seria controvertida (cfr. Doc. n.° 9 da contestação da Recorrida).
50. Em face do exposto, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado improcedente o pedido reconvencional, deduzido pela Recorrida, também na parte correspondente à colocação de um novo puxador na porta de entrada primitiva, no montante de EUR 633,40 (acrescido de IVA).
Por fim,
51. Tendo a Recorrente devolvido o locado à Recorrida em bom estado de conservação, de manutenção e de limpeza no dia 29 de julho de 2022, ou seja, antes mesmo da data de produção de efeitos da respetiva denúncia (30 de agosto de 2022), deveria a Recorrida ter devolvido à Recorrente o remanescente do valor da caução entregue (EUR 25.180,80), o que não fez.
52. No caso “sub judice”, a obrigação de devolução da caução tinha prazo certo, a saber no termo do contrato de arrendamento (30 de agosto de 2022), mas, ainda assim, a Recorrente interpelou a Recorrida para cumprir a sua obrigação de devolução do remanescente do valor da caução (cfr. cartas de interpelação recebidas pela Recorrida e pelo seu mandatário em 02 de setembro de 2022 juntas como Docs. n.° 12 e 13 da petição inicial da Recorrente), mas sempre sem sucesso.
Em suma,
53. Ao ter julgado a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, o Tribunal “a quo” violou as disposições conjugadas dos artigos 1110.°, n.° 1 e 2 e do 1098.°, n.° 3 ex vi artigo 1110.°, n.° 1 do Código Civil, do artigo 163.°, n.° 1 e 2 “a contrario” também do Código Civil, dos artigos 373.°, “a contrario” e 376.° “a contrario” do Código Civil ex vi artigo 3.°, n.° 5 e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 12/2021, de 9 de fevereiro, do artigo 223.°, n.° 1 do Código Civil, do artigo 220.° do Código Civil, dos artigos 286.° e 289.° do Código Civil e, ainda, do artigo 405.°, n.° 1 do Código Civil e dos artigos 1043.°, n.° 1 e 1073.° “a contrario” também do Código Civil,
54. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposições ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal “a quo” no sentido de decidir condenar a Recorrida no pagamento à Recorrente do montante de EUR 25.180,80 correspondente ao remanescente do valor da caução que se encontra por devolver, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento do montante total em dívida - razão pela qual deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que assim decida, conforme à correta interpretação das acima referidas normas.”
Rematou as suas conclusões nos seguintes termos:
“deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, proferindo-se decisão que julgue, por um lado, a ação da Recorrente totalmente procedente e, por outro, a reconvenção da Recorrida totalmente improcedente, com todas as consequências legais.”
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e consequente confirmação da sentença recorrida.

2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do C PC).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões  que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
Assim sendo as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da decisão sobre matéria de facto - Conclusões 17 a 27;
b) Da cessação do contrato de arrendamento e da eficácia da comunicação da apelante à apelada que pôs fim à vigência do contrato de arrendamento dos autos – Conclusões 2 a 42;
c) Do invocado direito à restituição da quantia entregue a título de caução, e da obrigação de suportar o custo relativo à aquisição e colocação de um puxador na porta do locado – Conclusões 43 a 52.
3. Fundamentação
3.1. Os Factos
A sentença sob recurso considerou a seguinte factualidade:[3]
3.1.1. Factos provados:
1. A Autora é uma sociedade advogados constituída ao abrigo do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados constante da Lei n.° 53/2015, de 11 de junho, com registo de inscrição junto da Ordem dos Advogados n° 57/2014.
2. A Ré é uma sociedade comercial constituída em 1971 que tem por objeto “a) o arrendamento, gestão, administração e promoção de imóveis ; b) a compra, venda e revenda de prédios rústicos e urbanos; c) a urbanização, em todas as suas modalidades, dos imóveis que possuir; d) quaisquer empreendimentos de  construção em todas as suas modalidades e a elaboração de estudos relacionados com tais construções”, conforme respectiva certidão permanente junta à contestação como doc. n.° 1.
3. Em 12 de junho de 2018, a Autora, na qualidade de arrendatária, e a Ré, na qualidade de senhoria, celebraram por escrito um contrato de arrendamento, que intitularam “Contrato de Arrendamento Comercial com Prazo Certo”, junto à p.i, como doc. n.° 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. O contrato de arrendamento celebrado entre as Partes teve por objeto a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4.° andar B do prédio sito na Rua ..., n.° , Torre ., em Lisboa.
5. A referida fração integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ... da freguesia de São Sebastião e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de São Domingos de Benfica.
6. A referida fração autónoma tinha a licença de utilização n.° 267, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, em 23/12/1991 e o certificado energético n.° SCE0000140269123.
7. Na Cláusula Terceira do contrato de arrendamento pode ler-se:
“1. O arrendamento é efectuado pelo prazo de 5 (anos), com início no dia 01 de Agosto de 2018.
2. No termo do prazo o contrato renova-se automaticamente por sucessivos períodos de 1 (um) ano se nenhuma das outorgantes se opuser à sua renovação com a antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias em relação ao termo do prazo inicial ou das suas renovações, caso se verifique, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
A inobservância da antecedência prevista na presente cláusula não obsta à cessação do contrato de arrendamento mas obriga ao pagamento da totalidade das rendas relativas aos 5 (cinco) anos iniciais da sua vigência, ou da sua renovação, se o prazo para a oposição à renovação já tiver decorrido.
(...)”.
8. As Partes nada estipularam relativamente ao regime de denúncia do contrato.
9. Relativamente à renda pode ler-se na Cláusula Sexta:
“1. A renda mensal será, no 1° ano de vigência do arrendamento, de Euros:
(quatro mil duzentos e setenta e seis euros), correspondendo Euros:
(três mil novecentos e setenta e seis euros) à fracção identificada no n°1 da cláusula segunda e Euros: 300,00 (trezentos euros) ao estacionamento indicados no n°2 da mesma cláusula, e será paga no 1° dia útil do mês a que disser respeito (...).
Nos anos seguintes a renda será actualizada através da aplicação dos coeficientes legais que vierem a ser aprovados pelo Governo em cada ano.
Na presente data a INQUILINA efectua o pagamento da quantia de Euros:
(...), correspondente à renda, estacionamento e encargos de condomínio relativamente ao mês de Agosto de 20187”.
10. Nas Clausulas Oitava e Nona do contrato de arrendamento pode ler-se:
Cláusula Oitava
Findo o contrato de arrendamento a INQUILINA devolverá à SENHORIA o local objecto do arrendamento em bom estado de conservação, tal como se encontrava à data do início do arrendamento, com as benfeitorias que nela hajam sido efectuadas e que não possam ser removidas, sem que seja devida qualquer indemnização ou compensação por tal facto.
Cláusula Nona
A INQUILINA obriga-se a efectuar e suportar todas as despesas com a conservação e reparação de quaisquer elementos ou pertences dos escritórios arrendados.
Serão de conta da SENHORIA todas as despesas de conservação, manutenção e reparação das canalizações, esgotos, quadro eléctrico e sistema eléctrico, com excepção de lâmpadas, caixilharias ou decorrentes de quaisquer defeitos estruturais que se venham a verificar, desde que não sejam devidas ou tenham origem numa má utilização por parte da INQUILINA.”
11. De acordo com a Cláusula Décima Primeira do contrato de arrendamento:
“Quaisquer comunicações a efectuar nos termos do presente contrato pelas partes serão feitas por escrito, por meio de correio registado com aviso de recepção para as seguintes moradas (...)”.
12. Na data da celebração do contrato de arrendamento, a Autora entregou à Ré, a título de caução, a quantia de €29.916,00 (vinte e nove mil, novecentos e dezasseis euros), a ser devolvida no termo do contrato.
13. A caução destinava-se a assegurar o cumprimento das obrigações contratuais decorrentes do contrato de arrendamento, conforme cláusula 6.a, n.° 5, do contrato de arrendamento.
14. O locado foi entregue pela Ré à Autora no estado de usado mas previamente renovado com pintura.
15. Por carta registada com aviso de receção, datada de 24 de fevereiro de 2022, junta à p.i. como doc. n.° 5 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a Autora denunciou o contrato de arrendamento comercial, com efeitos a partir do dia 30 de agosto de 2022.
16. A carta foi expedida, pela Autora, no dia 25 de fevereiro de 2022 e recebida, pela Ré, no dia 28 de fevereiro de 2022.
17. Depois de receber a carta de denúncia, em dia não concretamente apurado de Março de 2022, anterior ao dia 07, a Ré reuniu com a Autora, na pessoa da Dra. F …, e esta transmitiu-lhe que a razão pela qual havia decidido denunciar o Contrato de Arrendamento estava relacionada com a circunstância de necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade e que havia encontrado um edifício que pretendia adquirir, ao que a Ré deu-lhe conta de que possuía outro espaço para arrendamento.
18. No dia 7 de março de 2022, pelas 16h:09, a Ré remeteu à Autora o email junto à contestação como doc. 2, a fls. 52 e cujo teor se dá por reproduzido, onde se pode ler além de mais:
“Cara Dra F …
(...) considerando o envio da v. carta de 24/02/2022 (...) não podemos deixar de salientar o seguinte:
O citado arrendamento foi efectuado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Agosto de 2018 e termo em 31 de julho de 2023, com um mês - julho - de carência, renovável (...) Conforme então acordado - n° 3 da cl 3a - a cessação antecipada do mesmo determina a obrigação de pagamento da totalidade das rendas relativas aos cinco anos iniciais de vigência.
Assim, deverão as rendas continuar a ser pagas pontualmente (...) não sendo admissível a sua compensação com a caução.”.
19. No dia 7 de março de 2022, pelas 16h:30m, a Senhora Dra. F …. - administradora da Autora e uma das signatárias da carta de 24 de fevereiro de 2022 e com conhecimento da outra administradora da Autora e signatária da referida carta, a Senhora Dra. I …. -, dirigiu um email à Ré com o seguinte teor:
“Caro Dr. D … Agradecemos a informação prestada.
Solicitamos que dê sem efeito a n/carta datada de 24.02.2022.
Com os meus melhores cumprimentos (...)”
(art. 23° da contestação).
20. No dia 8 de março de 2022, mediante email junto à contestação como doc. 3, com conhecimento, mais uma vez, da Senhora Dra. I …, a Dra. F …. comunicou à Ré o seguinte:
“(...) Informo que os Advogados e demais Colaboradores que exercem funções na nossa sociedade vão ficar em trabalho intermitente.
Assim, e tendo em conta esta decisão, neste momento, o espaço que temos reúne os requisitos necessários ao exercício da sua atividade, não existindo necessidade de um escritório com maior dimensão (...)".
21. Por email de 17 de julho de 2022, junto à p.i. com doc. 8, a sócia e uma das administradoras da Autora, F …., informou a Ré que a saída do local arrendado iria ocorrer entre os dias 22 e 30 de julho de 2022.
22. Este email causou surpresa à Ré por estar convicta que a relação contratual se manteria, pelo menos, até final de julho de 2023.
23. A Ré não tinha até então tomado quaisquer medidas para: (i) verificar o estado do imóvel (ii) colocar o imóvel no mercado e/ou (iii) contactar potenciais interessados no mesmo.
24. Em 29 de julho de 2022, a Autora entregou ao segurança do prédio todas as chaves em seu poder, a saber: as chaves de acesso à fração, as chaves da caixa de correio e os cartões de acesso à garagem.
25. A Ré não devolveu à Autora o valor da caução, nem qualquer outro valor.
26. Aquando da saída da Autora o imóvel apresentava paredes com algumas manchas mais escuras, elementos metálicos e pregos por retirar das paredes, vinil de pavimento parcialmente levantado junto a uma parede; e a porta de entrada primitiva sem puxador.
27. Durante o arrendamento, a Autora colocou, a suas expensas, uma porta nova adicional de vidro (proteção) sobre a porta de entrada, tendo o locado ficado com duas portas de entrada sobrepostas.
28. A porta de vidro foi colocada do lado de fora do locado, pelo que o puxador foi transferido para a porta de vidro que se tornou a porta exterior do locado.
29. A Autora deixou ficar a porta de vidro, assim como o respetivo puxador.
30. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 01 de setembro de 2022, juntas à p.i. como docs. 11 e 12 e que se dão por reproduzidas, a Autora interpelou a Ré, quer na sua própria pessoa, quer na pessoa do seu mandatário, para a devolução do valor remanescente da caução no montante total de €25.180,80, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da receção da carta.
31. Mediante as mesmas cartas, a Autora solicitou, igualmente, no mesmo prazo, a devolução, por correio, do termo de entrega referente às chaves de acesso à fração, às chaves da caixa de correio e aos cartões de acesso à garagem.
32. As referidas cartas foram expedidas, pela Autora, no dia 01 de setembro de 2022 e recebidas, tanto pela Ré como pelo seu mandatário, no dia 02 de setembro de 2022.
33. A Ré respondeu à carta de 01/09 através da carta de 13 de Setembro de 2022, junta à contestação como doc. 6 e que se dá por reproduzida, interpelando a Autora para lhe pagar a quantia de € 37.005,35 (trinta e sete mil e cinco euros e trinta e cinco cêntimos) devida em virtude de a Autora não ter cumprido com o prazo de pré-aviso aplicável e a Ré ter que suportar custos com a reposição do locado nos termos do Contrato.
34. No ano de 2022, a Autora pagava à Ré a renda mensal de €4.025,20 pela fracção, acrescida da avença mensal pela utilização de 3 lugares de estacionamento no valor de €300,00, no total de €4.325,20, apresentando-se tais valores autonomizados em duas parcelas nas facturas emitidas pela Ré, e pagava a título de encargos condomínio a quantia mensal de €710,00 alvo de faturação autónoma.
35. A Ré procedeu a reparações no locado, discriminadas no orçamento junto como doc. 7 à contestação e que se dá por reproduzido, cujo custo ascendeu a €6.398,95 (seis mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) incluindo a taxa de IVA em vigor e foi suportado pela Ré em 09/11/2022.
36. Conforme averbamento 1/20 ao Registo de Inscrição n.° 57/14 constante da certidão de registos da sociedade Autora, junta à réplica como doc. 1 e que se dá por reproduzida, a mesma obriga-se perante terceiros com a assinatura de dois  administradores, sendo a administração da Autora exercida pela Dra. F ….., Dra. I ….. e Dr. J ….
3.1.2. Factos não provados:
1. A factualidade alegada pela Autora nos arts. 27° (que nos últimos anos, a sociedade Autora tem contado sempre com o mesmo número de colaboradores (cerca de 11 pessoas), não tendo verificado nenhum aumento de colaboradores no ano da denúncia do contrato (2022), nem no ano que a precedeu), 31° (na parte em que a Ré tivesse proposto o arrendamento de duas frações no oitavo andar do mesmo prédio, também da sua propriedade), 32° (que a Autora se mostrou sempre pouco recetiva a cumprir o propósito da Ré) 34° e 35° (que a sócia e administradora da Autora, Dra. F ….., surpreendida com o teor do referido email da Ré, teve como primeira reação apresentar à Ré a possibilidade de a Autora prescindir apenas da compensação das rendas vincendas até à produção de efeitos da denúncia, com a caução e que foi apenas com este propósito que, em sua resposta ao email de 07/03, a mesma remeteu à Ré o email datado de 07 de março de 2022), 37° (que com o email de 08 de Março de 2022, a sócia e administradora da Autora pretendeu apenas pôr fim a quaisquer expetativas que a Ré ainda pudesse ter acerca da possibilidade de um novo arrendamento por parte da Autora relativamente às duas frações no oitavo andar do mesmo prédio, de modo a não ser mais pressionada nesse sentido), 47° (no sentido em que a administradora subscreveu a comunicação de 07/03 em nome próprio e não em representação da Autora), 101° (que os pregos não tivessem sido colocados pela Autora, encontrando-se os mesmos nas paredes do locado pelo menos desde a data do início do arrendamento), 112° (que o levantamento do vinil não tenha qualquer relação com a utilização feita pela Autora), 115° (que o levantamento do vinil se encontra diretamente relacionado com as características próprias do locado, designadamente ao nível da humidade, isolamento e exposição solar), da réplica.
2. A factualidade alegada pela Ré nos arts. 22° (na parte em que a Autora tivesse transmitido que a necessidade de mais espaço se devesse ao crescimento da sociedade) e 23° (na parte em que o email de 07/03 foi remetido à Ré na sequência da reunião realizada com a Ré na qual se discutiu a possibilidade de esta alocar mais espaço à Autora), da contestação.
3.2. Os factos e o Direito
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.
3.2.1. Da impugnação da decisão sobre matéria de facto
3.2.1.1. Considerações gerais
Dispõe o art. 662º n.º 1 do CPC2013 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou documento/s superveniente/s, impuserem decisão diversa.
Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos tidos por relevantes.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
Mais concretamente, no que respeita à indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a) do CPC), cremos que tal indicação deve ser clara, inequívoca, e individualizada, de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à identificação dos referidos pontos. Assim, sendo habitual que as decisões judiciais atribuam números aos diversos pontos da decisão de facto, a forma expectável de o fazer será mediante a indicação dos números correspondentes aos pontos da decisão de facto que o recorrente pretende ver reapreciados.
Como esclarece ABRANTES GERALDES[4], “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação nas alegações do recurso e síntese nas conclusões” e – acrescenta o Ilustre Conselheiro - “a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”.[5]
Importa ainda clarificar a extensão e alcance do ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que no entender do recorrente imponham decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido, aflorado no art. 640º, nº 1, 1l. b) do CPC, e concretizado na al. a) do nº 2 do mesmo preceito. Trata-se, no fundo, de interpretar a expressão identificar com exatidão as concretas passagens da gravação em que se funda o (…) recurso, constante do último preceito invocado.
Assim, em primeira linha, no tocante a depoimentos gravados, a observância desse ónus implica a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não deve constar das conclusões, mas sim das alegações de recurso. No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC 25-10-2016 (Jorge Loureiro), p. 12/14.7TBLRA.C1; RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), p. 320/15.0T8MGR.C1; STJ 02-06-2016 (Lopes do Rego), p. 725/12.8TBCHV.G1.S1; STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1; e STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1.
Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na falta de indicação das horas, minutos e segundos em que se iniciam e terminam os excertos dos depoimentos que o apelante entende relevantes, o ónus de indicação precisa das mesmas passagens da gravação poderá considerar-se satisfeito se o apelante transcrever essas passagens, mas já não quando se limitar a resumir o sentido geral que atribuiu aos mesmos excertos – vd. acs. STJ 19-01-2016 (Sebastião Póvoas), p. 3316/10.4TBLRA.C1.S1; STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1; STJ 21-03-2019 (Rosa Tching), p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2 e STJ 18-06-2019 (José Raínho), p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.
Depois, há que sublinhar igualmente que este ónus de identificação precisa das passagens dos depoimentos invocados se aplica quer nas situações em que a impugnação da decisão sobre matéria de facto se funda exclusivamente no teor desses depoimentos, quer quando esses depoimentos constituem um dos meios de prova que sustentam entendimento diverso do expresso pelo Tribunal recorrido, a conjugar com outros meios de prova igualmente invocados pelo recorrente, nomeadamente documentais ou periciais. Nas palavras de ABRANTES GERALDES, tal ónus aplica-se “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas[6] (sublinhado nosso).
Já no que toca à interpretação do inciso que imponham decisão diversa da recorrida a jurisprudência tem salientado que se impõe ao impugnante que explique ao Tribunal de recurso por que razão discorda das conclusões que o Tribunal a quo extraiu da prova produzida, ou seja, impõe-se ao impugnante que faça o mesmo exercício de análise crítica da prova que o art. 607º, nº 4 impõe ao Tribunal – neste4 sentido cfr, entre outros, os acs. RL 24-05-2016 (Mª Amélia Ribeiro), p. 1393/08.7YXLSB.L1-7; RP 06-03-2017 (Miguel Baldaia de Morais), p. 632/14.0T8VNG.P1; RL 12-09-2017 (Luís Filipe Pires de Sousa), p.  3310/11.8TBALM.L1-7, RG 02-11-2017 (Mª João Matos), p. 501/12.8TBCBC.G1.
Como bem se aponta no penúltimo aresto citado, “não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que existem meios de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo tribunal a quo; ou o apelante que sustenta apenas que o tribunal a quo faz uma incorreta valoração da prova produzida.”
É que, como se refere no último acórdão suprarreferido, “Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si”.
Como lapidarmente esclareceu ANA LUÍSA GERALDES[7], “(…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.”
Finalmente, e no que respeita ao ónus de especificar a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cumpre sublinhar que o mesmo pressupõe a enunciação, de forma clara, das proposições de facto que devem substituir as proposições impugnadas. Neste particular, há que enfatizar que a circunstância de o recorrente impugnar um determinado ponto do elenco de factos provados não legitima a inferência de que pretende necessariamente que tal ponto de facto seja considerado não provado.
Com efeito, e em abstrato, admitem-se outras possibilidades, nomeadamente:
- Considerar provada apenas uma parte do ponto de facto impugnado, e não provada a restante;
- Aditar uma proposição fáctica que constitua uma ressalva, ou de qualquer modo restrinja o alcance da proposição de facto impugnada.
Estas considerações valem por inteiro[8] para a impugnação de factos não provados.
Assim, a impugnação de qualquer ponto de facto, desacompanhada da enunciação clara da proposição que deve substituir o ponto de facto impugnado não satisfaz este ónus.
Concluindo, diremos que não satisfaz o ónus em apreço o recorrente que se limita a manifestar discordância no tocante a determinado ponto de facto, sem enunciar, de forma clara qual ou quais as proposições de facto que devem substituir a proposição impugnada.[9]
Quanto ao modo como o ónus em análise deve ser observado, cumpre ainda referir que, nos termos do acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência nº 12/2023, “(…) o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Sumariando todos os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES[10]:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…).”
Nos termos do disposto no art. 640.º, n.º 2, al. b) do CPC, a inobservância deste ónus tem como consequência “a imediata rejeição do recurso na respetiva parte”.
Esta respetiva parte será a parte do recurso referente à impugnação da matéria de facto afetada pela inobservância daquele(s) ónus.
Assim, se o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente a cinco factos provados, e em todos eles funda a sua discordância em depoimentos gravados, não observando aquele ónus, fácil é concluir que a consequência de tal inobservância será a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no seu todo.
Se o mesmo recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente aos mesmos cinco factos provados, mas só quanto a um deles funda a sua discordância no teor da mesma prova testemunhal, motivando o seu entendimento relativamente aos demais na força probatória de documentos juntos ao processo, admitimos que a consequência da inobservância do mesmo ónus já não será a rejeição da impugnação da matéria de facto no seu todo, mas apenas quanto ao facto relativamente ao qual foi invocada a prova testemunhal. Neste caso, a rejeição do recurso cingir-se-ia a uma parte da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Finalmente, descortina-se ainda outra possibilidade, que consiste na circunstância de o recorrente impugnar a decisão sobre matéria de facto, invocando em abono do juízo probatório que sustenta relativamente a todos os pontos de facto impugnados quer o teor de prova gravada que não identifica com precisão, quer outros meios de prova, nomeadamente prova documental e/ou pericial.
Em casos como estes coloca-se, pois, a questão de saber se a consequência da inobservância daquele ónus será a rejeição do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, ou apenas na parte relativa à prova testemunhal, caso em que o Tribunal da Relação teria que reapreciar a decisão sobre matéria de facto apenas em função dos meios de prova invocados pelo recorrente que não se reconduzam a depoimentos gravados.
Cremos que numa tal situação, e sem prejuízo dos poderes de averiguação oficiosa de que a Relação dispõe, a solução correta será a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, e não a mera desconsideração da prova gravada. Com efeito, resulta do disposto no art. 662.º do CPC que na reapreciação da decisão sobre matéria de facto, a Relação deverá decidir com base no mesmo acervo probatório em que se fundou a decisão recorrida. Donde, não faria sentido interpretar a cominação processual em análise como suscetível de, relativamente a um mesmo facto, conduzir à rejeição do recurso apenas quanto a um de entre vários meios de prova.
3.2.1.2. O caso dos autos
No caso vertente a apelante impugnou a decisão sobre matéria de facto:
- por erro de julgamento, no tocante ao ponto 17 dos factos provados – conclusões 17 a 23 e arts. 64 a 77 da motivação do recurso;
- por omissão, pugnando pelo aditamento de um novo ponto de facto – conclusão 27.
Fê-lo, porém, de forma pouco clara e rigorosa, desde logo por não ter individualizado a impugnação da decisão sobre matéria de facto, que surge “misturada” com a discussão de questões de Direito.
Na verdade, se a lei processual determina que na sentença, o Tribunal indique, de forma individualizada, os factos que considera provados e não provados, e as razões pelas quais considerou provados ou não provados cada um desses factos, seguida da análise jurídica do mérito da causa (art. 607º do CPC), mal se compreende que a apelante não tenha observado idêntica metodologia nas suas alegações de recurso.
Seja como for, impõe-se analisar a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.1. Ponto 17 dos factos provados
O ponto 17 dos factos provados tem a seguinte redação:
17. Depois de receber a carta de denúncia, em dia não concretamente apurado de março de 2022, anterior ao dia 07, a Ré reuniu com a Autora, na pessoa da Dra. F …., e esta transmitiu-lhe que a razão pela qual havia decidido denunciar o Contrato de Arrendamento estava relacionada com a circunstância de necessitar de mais espaço para o exercício da sua atividade e que havia encontrado um edifício que pretendia adquirir, ao que a Ré deu-lhe conta de que possuía outro espaço para arrendamento.
O Tribunal a quo justificou a demonstração dos factos vertidos neste ponto de facto nos seguintes termos:
“A matéria vertida nos pontos 17, 22, e 23 (quanto à reunião havida entre o legal representante da Ré e a Autora, na pessoa da Dra. F …., e ao que foi transmitido pelas partes, à surpresa criada com o email de julho, e à ausência de medidas relativamente ao imóvel nesse período) resulta em parte do acordo das partes (a Autora aceita na réplica que a reunião ocorreu) e sobretudo das declarações de parte do legal representante da Autora, D ….., que declarou que depois de receber a carta (de 24/02), em data que não precisou que mas que situou no dia 2 ou 3 de Março, reuniu com a Dra. F, a qual “explicou que precisava de mais espaço” e que o BPC lhe havia apresentado um edifício para compra ali perto, tendo o primeiro referido que a Ré estava a negociar a saída de um locatário de outro espaço que podia interessar à Autora, ao que, segundo o próprio, “a Dra. F mostrou-se interessada e disse que ia informar o Banco que desistia da operação de leasing”. Confirmou que neste contexto, e depois do email de 07/03/2022 em que se dava sem efeito a carta de denúncia, viu com surpresa o email de 17/07. Explicou que entre Março e Julho de 2022 não houve mais nenhuma conversa sobre a saída da Autora e que por isso não tomou medidas relativamente ao imóvel, tendo apenas celebrado contrato com a mediadora depois de 17/07.
Não olvidando o óbvio interesse do declarante no desfecho da causa e as naturais reservas com que as declarações de partes devem ser encaradas, no caso concreto, as declarações de parte, até pela forma como foram prestadas, com alguns pormenores circunstanciais espontâneos que dificilmente poderiam ser ensaiados para o efeito (por exemplo a alusão a uma “operação de leasing”), mostraram-se credíveis. É inteiramente plausível que o senhorio tentasse perceber as razões de uma saída antecipada e até procurasse convencer a Autora a realizar outro contrato de arrendamento num espaço que se mostrasse mais adequado às suas necessidades (a própria alega que a Ré a tentou dissuadir da denúncia, colocando a tónica neste aspecto).
Acresce que, da parte da Ré não foi produzida prova que infirmasse esta factualidade e os email’s trocados em março de 2022 dão credibilidade à versão do declarante.”
A apelante discorda deste entendimento, sustentando que os factos vertidos neste poto devem considerar-se não provados, porquanto:
- a convicção do Tribunal a quo quanto a este ponto de facto se fundou nas declarações de parte prestadas pela autora, declarações essas que, no seu entender não encontram apoio noutros meios de prova, e argumentando que de acordo com a jurisprudência, as declarações de parte, desacompanhadas de outros meios de prova que as sustentem, são insuficientes para conduzir à demonstração de quaisquer factos;
- “as razões da Recorrente para a sua denúncia do contrato correspondem a um facto pessoal que apenas a própria poderia atestar”
Uma tal argumentação não respeita os ónus impugnatórios supra enunciados.
Com efeito, e antes de mais, é manifesto que o Tribunal a quo não fundou a sua convicção exclusivamente com base nas declarações de parte prestadas pela autora, mas sim na análise crítica e conjugada de tal meio de prova em conjugação com a prova documental, nomeadamente as mensagens de correio eletrónico que as partes trocaram em março de 2022[11].
 Não obstante, a apelante pretende rebater o valor probatório das declarações de parte prestadas pela ré, mas não faz qualquer referência à prova documental invocada pelo Tribunal a quo, e, no tocante às referidas declarações, abstém-se de indicar os concretos pontos da passagem da gravação que tem por pertinentes, e também não transcreve tais trechos.
Incumpriu, assim, de forma ostensiva, o ónus consagrado nos arts. 640º, nº 1, al. a) e 2, al. a) do CPC.
Assim sendo, rejeita-se a impugnação da decisão sobre matéria de facto no tocante a este ponto.
Não obstante, e a título subsidiário, sempre diríamos que a apelante não tem razão quanto a nenhum dos argumentos que invocou relativamente ao valor probatório das declarações de parte.
Com efeito, e em primeiro lugar, não cremos que esteja vedado ao Tribunal a quo dar como provado o facto em discussão apenas sustentado na prova produzida em sede de declarações de parte.
Na verdade, as declarações de parte consistem na prestação de depoimento sobre o objeto da causa por quem é parte, sendo que tais declarações podem revestir a força probatória plena da confissão, se envolverem o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária (arts. 463º a 465º, ex vi do art. 466º, nº 2, 2ª parte, e nº 3, 2ª parte do CPC), e ficando sujeitas à livre apreciação do Tribunal em tudo o mais (art. 466º, nº 3, 1ª parte do CPC).
Contudo, como bem se explica no ac. desta relação e secção de 26-04-2017 (Luís Filipe Pires de Sousa), p. 18591/15.0T8SNT.L1-7 “a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de partes que são aglutináveis em três teses essenciais:
i.-Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
ii.-Tese do princípio de prova;
iii.-Tese da autossuficiência das declarações de parte.”
Na linha do sustentado neste aresto, e pelos fundamentos ali profusa e eloquentemente expostos, para os quais remetemos, acolhemos as conclusões ali vertidas:
“Sintetizando, diremos que: (i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.
Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”
No mesmo sentido cfr. ac. RG 16-09-2021 (José Cravo), p. 159/21.3T8AMR.G1.
Em sentido aproximado, embora reportado a “acontecimentos do foro privado e pessoal”, vd. ac. RE 11-01-2024 (Tomé de Carvalho), p. 129/21.7T8SLV.E1.
Nesta conformidade concluímos que inexistindo fundamento bastante para censurar a demonstração de determinado facto apenas pela circunstância de o Tribunal a quo ter formado a sua convicção apenas com base nas declarações de parte da autora, não podia a ré e ora apelante impugnar este ponto de facto sem sindicar o juízo probatório do Tribunal, no sentido de “desconstruir” a análise crítica que este, ao abrigo do princípio da livre apreciação fez de tal depoimento, o que implicava indicar com precisão as concretas passagens da gravação que em seu entender, justificavam decisão probatória diversa, ou em alternativa, transcrever tais trechos.
O que, manifestamente, não fez.
Finalmente, e no tocante ao argumento de que os factos pessoais só podem considerar-se provados com base em declarações prestadas pelo próprio, diremos que a admissão de um tal entendimento levaria a considerar que os factos pessoais desfavoráveis só podem provar-se por confissão.
É sintomático que a apelante tenha invocado este argumento sem chamar à colação uma só disposição legal que a sustente. O que não sucede por acaso, dado que uma tal norma não existe.
Termos em que também este argumento soçobra.
3.2.1.2.2. Aditamento ao elenco de factos provados
Sustentou ainda a apelante que “O Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado o facto de que, foi no aludido contexto, que a Sócia e Administradora da Recorrente, Dra. F …, surpreendida com o teor do referido email da Recorrida, tem como primeira reação apresentar à Recorrida a possibilidade de a Recorrente prescindir apenas da compensação das rendas vincendas até à produção de efeitos da denúncia, com a caução (compensação esta que tinha sido solicitada pela Recorrente na carta de denúncia de 24 de fevereiro de 2022)”.
Se bem entendemos a argumentação da apelante, o “aludido contexto” será o invocado na conclusão 24, na qual sustentou que “logo que a Recorrida rececionou a carta mediante a qual a Recorrente denunciava o contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 30 de agosto de 2022, a ter procurado de imediato no sentido de a impelir a alterar a sua decisão”.
Como se depreende da argumentação da apelante, nem a mesma indicou os concretos meios de prova que em seu entender, deveriam conduzir à demonstração desta factualidade, nem enunciou a concreta e exata proposição de facto que em seu entender deveria ser aditada ao elenco de factos provados.
Aliás, em bom rigor, nem sequer manifestou, na motivação do recurso, a intenção de impugnar a decisão sobre matéria de facto quanto a este concreto aspeto.
Nesta conformidade, conclui-se que também quanto a este pretendido aditamento ao elenco de factos provados a apelante não observou os ónus consagrados no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC.
Assim sendo, nos termos da parte final do nº 1 (corpo) do mesmo preceito, também nesta parte se rejeita a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.3. Síntese conclusiva
Face ao supra exposto, nada há a alterar à decisão sobre matéria de facto
3.2.2. Do contrato celebrado entre as partes, do Direito aplicável, e das diversas formas de cessação do contrato de arrendamento por iniciativa unilateral de uma das partes e mediante comunicação imotivada
Da factualidade provada resulta que em 12-06-2018 a autora, ora apelante e a ré, ora apelada celebraram um contrato escrito que denominaram de arrendamento e que vigorou até ao ano de 2022, mediante o qual esta cedeu àquela o gozo temporário de determinado imóvel, para a mesma ali exercer a sua atividade, mediante contrapartida em dinheiro, e pelo prazo de cinco anos. [12]
Muito embora a qualificação jurídica do contrato não tenha sido objeto de qualquer controvérsia, nem tenhamos motivos para divergir de tal entendimento que, de resto foi acolhido na sentença apelada, sempre diremos que tal qualificação não suscita dúvidas.
Com efeito, estabelece o art 1022.° do CC que “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” Por seu turno, dispõe o art. 1023º do CC que “a locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”
O conceito legal de locação decompõe-se, assim, em três elementos: a cedência do gozo de uma coisa, o caráter temporário, e a onerosidade.
No caso vertente, é inequívoco que em 12-06-2018 autora e ré celebraram um contrato de arrendamento que tinha por objeto a fração autónoma designada pela letra I correspondente ao 4º andar B  do prédio sito na Rua ..., nº …., Torre ………, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... da Freguesia de São Sebastião, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...[13].
Mais resulta da factualidade provada que de acordo com a cláusula terceira do contrato celebrado entre as partes, o mesmo foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 01-08-2018, automaticamente renovável por períodos de 1 ano se nenhuma das partes se opusesse com a antecedência mínima de 180 dias em relação ao termos do prazo inicial ou das suas renovações.[14]
Nos termos previstos no art. 1094º, nº 1 do CC, aplicável aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais ex vi do art. 1108º do mesmo código, “O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.”
Por seu turno estatui o art. 1110º, nº 2 do mesmo código, na redação vigente à data da outorga do contrato dos autos que “Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.” Esta disposição legal veio a ser alterada pela Lei nº 13/2019, de 12-02, passando a ter a seguinte redação: “Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.”
Trata-se, porém, de uma disposição claramente supletiva, que rege apenas as situações em que as partes não tenham inserido estipulações contratuais consagrando sobre esta matéria, nomeadamente estabelecendo prazos de renovação diversos. Tal é o que resulta do inciso inicial deste preceito, quer do estatuído no art. 1094º, nº 3 do CC, quer ainda do nº 1 do art. 1110º do CC que dispõe que “as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes (…)”. Neste mesmo sentido se pronunciaram PINTO FURTADO[15], MENEZES CORDEIRO[16], e ISABEL ROCHA e PAULO ESTIMA[17],  e bem assim o ac. RE 28-01-2021 (Mata Ribeiro), p. 581/19.5T8FAR.E1.
Ora no caso dos autos as partes estipularam expressamente a duração temporária, e um prazo de cinco anos, automaticamente renovável por períodos de um ano salvo oposição manifestada por qualquer dos outorgantes[18].
Por isso, não sendo o contrato omisso quanto à sua duração, não se aplica a regra supletiva suprarreferida.
No caso em apreço, resulta pacífico que a vigência do contrato celebrado entre as partes cessou por iniciativa da inquilina, autora e ora apelante, mediante comunicação escrita imotivada, sendo certo que muito embora as partes divirjam quanto ao momento em que tal rutura contratual produziu efeitos, qualificam tal comunicação como denúncia do contrato.
Contudo, a denúncia do contrato de arrendamento é uma forma de cessação que opera por declaração unilateral e imotivada de um dos contraentes, mas que apenas se aplica aos contratos de arrendamento de duração indeterminada; ao passo que no caso dos contratos com prazo certo, a cessação unilateral imotivada por iniciativa de um dos contraentes se denomina oposição à renovação.
Esta distinção é relevante, porquanto as duas figuras seguem regimes diversos.
Distinguindo estas duas figuras, ensina LUÍS MENEZES LEITÃO[19]:
“Constituem igualmente formas de extinção do contrato de locação a denúncia e a oposição à renovação.
Estas duas figuras distinguem-se porque na primeira, aplicável aos contratos de duração indeterminada, a declaração do senhorio a pôr termo ao contrato pode ocorrer em qualquer altura, enquanto na segunda, aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável, apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes.”
Mais adiante, reportando-se aos arts. 1026º, 1054º, e 1055º do CC, diz o mesmo autor:[20]
“Estas disposições relativas à Locação em geral vêm a ser, porém, afastadas no âmbito do arrendamento Urbano onde actualmente a lei distingue entre os arrendamentos com prazo certo (arts. 1095º e ss.) e com duração indeterminada (arts. 1099º ss.), sendo aplicáveis aos primeiros normalmente a oposição à renovação e aos segundos a denúncia.
Supletivamente, no arrendamento para habitação, se as partes nada convencionarem, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos (Art. 1094º, nº 3). Já não arrendamento para fins não habitacionais, em caso de ausência de estipulação, considera-se o arrendamento celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a 1 ano (art. 1110º, nº 2).”
Com efeito, regra geral, e no que respeita aos arrendamentos para fins habitacionais, os arts. 1095º a 1098º do CC inserem-se numa subdivisão intitulada “contrato com prazo certo”, e ali se prevê a oposição à renovação deduzida pelo senhorio (art. 1097º) e a oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário (art. 1098º).
Contudo, a referência à denúncia constante da epígrafe deste artigo reporta-se aos específicos mecanismos previstos nos nºs 3 e 4 do mesmo preceito.
Como explica LUÍS MENEZES LEITÃO[21] o mecanismo consagrado nestes preceitos “não corresponde a uma verdadeira denúncia, mas a uma revogação unilateral do contrato por parte do arrendatário, independentemente do prazo estipulado para o arrendamento”.
Significa isto que no tocante aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo o inquilino só pode fazer cessar a vigência do contrato mediante denúncia (ou revogação) nas duas situações descritas nos nºs 3 e 4 do art. 1098º do CC. Caso contrário, apenas poderá fazer cessar a vigência do contrato de forma unilateral e imotivada nos quadros da não renovação.
Já os arts. 1099º e segs. do CC se inscrevem numa subdivisão II intitulada “contratos de duração indeterminada”, sendo certo que no regime desta subdivisão se alude exclusivamente ao conceito de denúncia – Vd. arts. 1100º a 1103º.
No que respeita aos arrendamentos para fins não habitacionais, os mesmos regulam-se pelos arts. 1108º a 1113º do CC.
Relativamente a estes, avultam os arts. 1108º e 1110º, dispondo o primeiro, na parte que ora interessa, que “as regras da presente subsecção aplicam-se aos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais”, e estatuindo o segundo que “- As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.”
Deste último preceito decorre, a nosso ver de modo claro que os contrato de arrendamento para fins não habitacionais que regulem as matérias da denúncia e da não oposição, não estão sujeitos às normas do CC sobre arrendamento para fins habitacionais que regem tal matéria, não funcionado nesse caso a remissão constante do art. 1108º do CC.
Nesta medida o mencionado art. 1108º do CC consagra uma verdadeira exceção à regra do art. 1080º do CC que estipula a imperatividade das normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano.
Ora, no caso em apreço, as partes regularam esta matéria nos termos da cláusula terceira do contrato que firmaram. Com efeito, estabelece a referida cláusula:
“1. O arrendamento é efectuado pelo prazo de 5 (anos), com início no dia 01 de Agosto de 2018.
2. No termo do prazo o contrato renova-se automaticamente por sucessivos períodos de 1 (um) ano se nenhuma das outorgantes se opuser à sua renovação com a antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias em relação ao termo do prazo inicial ou das suas renovações, caso se verifique, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
A inobservância da antecedência prevista na presente cláusula não obsta à cessação do contrato de arrendamento mas obriga ao pagamento da totalidade das rendas relativas aos 5 (cinco) anos iniciais da sua vigência, ou da sua renovação, se o prazo para a oposição à renovação já tiver decorrido.
(...)”
Esta cláusula regula a matéria da oposição à renovação, sem consagrar um mecanismo semelhante ao previsto nos nºs 3 e 4 do art. 1098º do CC, o que significa que esta disposição legal não tem aplicação ao contrato dos autos, por não se verificar o pressuposto previsto na 2ª parte do art. 1110º do CC.
Desta cláusula resulta, a nosso ver com clareza, que muito embora tenham estipulado um prazo certo, as partes consagraram o direito de oposição à renovação do contrato com a antecedência mínima de 180 dias.
Como a mesma cláusula regula a oposição à renovação, sem prever um mecanismo semelhante ao consagrado no art. 1098º, nºs 3 e 4, tal significa que a manifestação de vontade do inquilino em por termo, de forma unilateral ao contrato, na vigência do prazo inicial de 5 anos não belisca a obrigação do pagamento da totalidade das rendas respeitantes à totalidade desse período temporal, uma vez que, por natureza, esta oposição só extingue o contrato com efeitos a partir do termo inicial da sua vigência.
3.2.3. Da cessação do contrato de arrendamento e da eficácia da comunicação da apelante à apelada que pôs fim à vigência do contrato de arrendamento dos autos
No caso em apreço resulta de forma clara e evidente que tendo o contrato cessado por iniciativa da autora, sem acordo da ré, e sem invocação de qualquer incumprimento por parte desta, tal cessação apenas poderia ocorrer nos quadros da oposição à renovação do contrato.
Ora, como o prazo inicial de vigência do contrato era de cinco anos, com início em 01-08-2018, o mesmo apenas terminaria às 24h00m do dia 31-07-2023[22].
Contudo, como resulta da factualidade provada, em 24-02-2022 a autora comunicou à ré a “denúncia” do mesmo contrato com efeitos desde 30-08-2022.[23], e, subsequentemente, entregou ao segurança do prédio as chaves do locado em 29-07-2022[24].
Qualquer que seja a qualificação jurídica destes factos, o certo é que a vigência do contrato cessou no ano de 2022, ou seja, já depois da publicação da Lei nº 13/2019, de 12-02, que entrou em vigor em 13-02-2019.
Considerando que as partes e o Tribunal a quo se reportam, de modo unânime ao regime do arrendamento urbano consagrado no CC tal como resultou das alterações introduzidas por este diploma, seguiremos o mesmo entendimento.
Atenderemos por isso às alterações introduzidas por este diploma no regime do arrendamento urbano. 
Aqui chegados importa precisar que as referências constantes da p. 22 da sentença apelada a uma denúncia por iniciativa da ré, por carta recebida pela autora em 28-02-2021 e com efeitos reportados a 30-08-2021 não têm correspondência na factualidade provada, e só podem dever-se a lapso.
Apreciando a comunicação escrita suprarreferida concluiu o Tribunal a quo que a mesma consubstanciava uma denúncia do contrato, nos termos previstos no art. 1098º do CC, aplicável ex vi do art. 1110º, nº 1 do mesmo código, mas entendeu que essa denúncia veio a ser revogada por comunicação de 07-03-2022, vindo subsequentemente a ser novamente manifestada por email de 17-07-2022.
 Simplesmente já concluímos que o contrato em apreço não regulou a denúncia, limitando-se a consagrar um especial regime de não oposição à renovação do mesmo.
Nesta conformidade, não podem as regras consagradas no art. 1098º do CC, nem as regras sobre denúncia de contratos de arrendamento de duração indeterminada previstas na regulamentação dos contratos de arrendamento urbano para habitação ser aplicadas ao caso dos autos, por resultarem afastadas por cláusulas contratuais incompatíveis com esse regime.
Prosseguindo, entendeu a ré e ora apelada que a “denúncia” apenas operou em 17-07-2022, por considerar que em 07-03-2022 a autora e ora apelante lhe comunicou que aquela comunicação ficava sem efeito, tendo posteriormente comunicado nova “denúncia” em 17-07-2022.
A apelante discorda deste entendimento, sustentando que a comunicação de 07-03-2022 não constitui uma revogação válida e eficaz da denúncia do contrato, pelo que este se deve considerar denunciado nos termos da comunicação de 24-02-2022.
Em nosso entender, a questão de saber qual a data concreta em que tal “denúncia” teve lugar é absolutamente inócua, porquanto seja qual for a data em que se considere ter sido comunicada aquela “denúncia”, é pacífico que a vigência do contrato dos autos cessou por comunicação unilateral da autora anterior ao termo do período inicial da vigência do contrato, e com efeitos reportados a data muito anterior a 01-08-2023, sendo certo que igualmente se apurou e que a ré ocupou o locado até ao final do mês de julho do ano de 2022, e não pagou à ré qualquer quantia a título de rendas relativas aos meses de agosto de 2022 a julho de 2023 (inclusive).
Ora, nos termos da cláusula terceira do contrato, em qualquer das circunstâncias a ré sempre teria direito a exigir da autora as rendas referentes aos meses de agosto de 2022 a julho de 2023 inclusive, acrescidas das despesas de condomínio.
Muito embora assente em raciocínio diverso, também o Tribunal a quo considerou devidas as rendas relativas a este período temporal, nos seguintes termos:
“No que concerne ao valor de renda a ter em conta para efectuar este cálculo, as partes divergem, pois, a Autora defende que o valor a considerar é apenas de €4.025,20 (valor da renda relativa à fracção em 2022), ao passo que a Ré defende que o valor deve ser de €4.325,20 para os meses de Agosto a Dezembro de 2022, e de €4.411,70 para os meses de janeiro a julho de 2023 (com a actualização de 2% para o ano de 2023), incluindo nestes valores o valor de €300,00 devido pelo estacionamento, fazendo ainda acrescer os encargos de condomínio, cujo valor mensal ascendia a €710,00 à data do arrendamento de acordo com a respectiva cláusula décima.
Analisando o contrato de arrendamento, vemos que na cláusula segunda n° 1 se refere que o contrato de arrendamento tem por objecto a fracção autónoma “I”, estipulando-se no n° 2 que a Ré se obrigava ainda a disponibilizar 3 lugares de estacionamento nas caves pelo preço mensal de €300,00, sendo €100,00 por cada lugar. Ou seja, logo nesta cláusula estipulou-se a disponibilização e o preço dos estacionamentos como algo de diferenciado relativamente ao arrendamento da fracção. E embora a cláusula sexta n° 1 refira que o valor da renda mensal é de €4.276,00, fez- se constar que destes, €3.976,00 se reportam à fracção, e os restantes €300,00 ao estacionamento, e no n° 2 alude-se ao pagamento da renda e demais encargos. Nos recibos de renda tais valores também se apresentavam autonomizados em duas parcelas distintas, uma apelidada de “renda do 4° andar B da Torre 2”, e outra com a descrição “avença mensal de utilização de 3 lugares de estacionamento”. Ademais, só o valor da renda da fracção foi sujeito a actualização, o que já não sucedeu com a avença mensal que continuava a ser de €300,00 em 2022.
Ou seja, tanto na economia do contrato em si mesmo considerado como na prática contratual a avença paga pela disponibilização dos estacionamentos não se confundia com a renda propriamente dita devida pela utilização da fracção, pelo que só esta poderá servir de referencial para o pagamento do período de pré-aviso. E também nos parece óbvio que não se poderá considerar para este efeito o valor devido pelos encargos de condomínio, de natureza claramente distinta e alvo de facturação autónoma.
Deve assim tomar-se por referência a renda que era devida aquando da saída em Julho de 2022, no montante de €4.025,20, sem contar com a actualização que se operou posteriormente uma vez que o prazo de aviso prévio desrespeitado apenas servia de referência para o número de meses a ter conta no cálculo, não sendo de exigir ao arrendatário que em julho de 2022 adivinhasse qual seria o coeficiente de actualização que iria ser aprovado para o ano de 2023 (cfr. cláusula n° 2 do contrato de arrendamento), sendo certo que a sua obrigação de proceder ao pagamento da penalização venceu-se no final do mês de Julho de 2022, ou seja, no momento de produção de efeitos da sua saída anunciada no email de 17/07 (e não na carta de denúncia de 24/02 pois esta fora revogada). E também sem contar com a avença mensal dos estacionamentos e muito menos com as despesas de condomínio.
Conclui-se que pelo incumprimento do aviso prévio de 12 meses, a Autora devia à Ré a quantia de €48.302,40 (€4.025,20x12).
A Ré não devolveu à Autora o valor da caução nem qualquer outro valor.
A Autora manifestou a intenção de pretender compensar o valor da caução com as rendas devidas, o que significa que era e é devedora à Ré da quantia de €18.386,40 (€48.302,40-€29.916,00), pela inobservância do aviso prévio.
A este montante devem acrescer juros de mora desde 30 Agosto de 2022, tal como peticionado pela Ré, até integral pagamento, à taxa legal aplicável a juros civis.”
Considerando, como consideramos que são devidas as 12 rendas relativas ao período temporal decorrido entre 01-08-2022 e 31-07-2023 (inclusive), e não tendo a ré/reconvinte e ora apelada recorrido da sentença, não há que sindicar o decidido quanto ao montante da renda mensal.
Assim sendo, concluímos que a apelante não tem qualquer direito a reaver a quantia entregue à apelada a título de caução, antes assiste a esta o direito de a fazer sua para liquidação parcial do crédito de rendas suprarreferido.
Termos em que, tal como entendeu o Tribunal a quo, embora com enquadramento algo diverso, concluímos pela improcedência da ação e consequentemente da apelação, na parte em que se reporta aos pedidos deduzidos pela autora e ora apelante.
3.2.4. Do pedido reconvencional de condenação da apelante no pagamento da quantia de € 633,40 a título de indemnização pela reposição de um puxador retirado de uma das portas do locado
Insurge-se também a apelante relativamente à sua condenação no pagamento da quantia de € 633,40 “pela colocação do puxador na porta de entrada primitiva” do locado, acrescido de juros de mora.
Sobre esta matéria discorreu o Tribunal a quo nos seguintes termos:
“Em sede reconvencional, para além das rendas correspondentes ao período de um ano, devidas em grande parte como acima se concluiu, a Ré reclama da Autora o valor de €6.398,95 pelo incumprimento das cláusulas 8a e 9a do contrato, valor que despendeu em reparações no locado.
As Clausulas Oitava e Nona do contrato de arrendamento dispunham do seguinte modo na parte que ora importa:
Cláusula Oitava
Findo o contrato de arrendamento a INQUILINA devolverá à SENHORIA o local objecto do arrendamento em bom estado de conservação, tal como se encontrava à data do início do arrendamento, com as benfeitorias que nela hajam sido efectuadas e que não possam ser removidas, sem que seja devida qualquer indemnização ou compensação por tal facto.
Cláusula Nona
1. A INQUILINA obriga-se a efectuar e suportar todas as despesas com a conservação e reparação de quaisquer elementos ou pertences dos escritórios arrendados.
2. Serão de conta da SENHORIA todas as despesas de conservação, manutenção e reparação das canalizações, esgotos, quadro eléctrico e sistema eléctrico, com excepção de lâmpadas, caixilharias ou decorrentes de quaisquer defeitos estruturais que se venham a verificar, desde que não sejam devidas ou tenham origem numa má utilização por parte da INQUILINA.
Provou-se que o locado foi entregue pela Ré à Autora no estado de usado mas previamente renovado com pintura, e que aquando da saída da Autora o imóvel apresentava paredes com algumas manchas mais escuras, elementos metálicos e pregos por retirar das paredes, vinil de pavimento parcialmente levantado junto a uma parede, e a porta de entrada primitiva sem puxador. Durante o arrendamento, a Autora havia colocado a suas expensas, uma porta nova adicional de vidro (proteção) sobre a porta de entrada, tendo o locado ficado com duas portas de entrada sobrepostas. A porta de vidro foi colocada do lado de fora do locado, pelo que o puxador foi transferido para a porta de vidro que se tornou a porta exterior do locado. A Autora deixou ficar a porta de vidro, assim como o respetivo puxador.
A Ré procedeu a reparações no locado, discriminadas no orçamento junto como doc. 7 à contestação (onde avultam as reparações e pinturas de paredes e rodapés, mas também a aplicação de uma misturadora de cozinha, a reparação e pintura da porta de entrada e o fornecimento e aplicação do respectivo puxador), cujo custo total ascendeu a €6.398,95 (seis mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) incluindo a taxa de IVA em vigor e foi suportado pela Ré em 09/11/2022.
Conforme resulta do contrato, a Autora devia entregar o locado em bom estado de conservação tal como se encontrava à data do arrendamento. É certo que a fracção havia sido entregue com as paredes pintadas, mas não cremos que tivesse sido propósito das partes que a inquilina também tivesse de restituir a fracção “pintada de fresco”. Uma obrigação desta natureza, pelo seu carácter pouco habitual, deveria ter sido expressamente consagrada. A regra geral e que consta do art. 1043° do Cód. Civil é a de que, na falta de convenção em contrário, o locatário é obrigado a restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Como se afirma no acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007 (proferido no processo n° 668/03.6TBMGR.C1 in www.dgsi.pt) “O locatário será prudente no uso da coisa locada e cumprirá o seu dever, sempre que a sua actuação se paute pela diligência exigível ao bonus pater famílias, ao homem médio ou normal, de boa formação e de são procedimento que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade. E esse uso normal ou bom da coisa locada deve ser perspectivado sob o ângulo dos fins a que a coisa locada se destina. Obviamente, e como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. 2°, p. 380, as deteriorações provocadas pelo desgaste do tempo (caixilharia, pinturas estragadas, fendas nos tectos, nas paredes, nos soalhos, etc.) por maioria de razão se deve entender que não obrigam o locatário, no momento da restituição. Neste caso não se trata de deteriorações causadas pelo locatário”.
A redacção das cláusulas oitava e nona não é de molde a afastar esta ressalva que por isso não pode deixar de se aplicar no nosso caso. Isto posto, a existência de manchas escuras nas paredes após 4 anos de utilização assim como a presença de alguns elementos metálicos muito pequenos (vd. fotos do doc. 5 da contestação) cuja retirada terá implicado pequíssimos furos de muito fácil dissimulação com uma pintura, não revelam uso imprudente ou descuidado, surgindo como consequência normal do decorrer do tempo e da utilização da fracção num espaço destinado a escritório onde estavam várias pessoas a trabalhar e como clientes. A Autora não provou que os pregos já ali se encontrassem, mas mesmo que se presuma que foi a mesma a colocá-los, trata-se de uma deterioração tão insignificante (não se tratam de furos de dimensão sensível feitos com berbequim) que não cabe no disposto no art. 1073° do Cód. Civil, inserindo-se ainda numa prudente utilização. Por outro lado, o levantamento do vinil do pavimento numa zona circunscrita junto a uma parede, cuja concreta origem não foi apurada, inculca muito mais uma colocação deficiente ou uma menor aderência do que aquela que seria suposto, do que um uso imprudente por banda da inquilina (cfr. foto de fls. 61). Em nosso entender, nada no contrato e menos ainda no regime da locação permite responsabilizar a inquilina por estes sinais do tempo e normal desgaste.
Já a retirada do puxador da porta primitiva para colocação numa outra porta de vidro ali colocada pela arrendatária também não corresponde em si a uma benfeitoria como pretende a Autora. Não se tratou de um melhoramento ou de uma despesa feita para conservação da coisa (art. 216° do Cód. Civil), tratou-se antes de uma alteração ou pequena deterioração efectuada para conforto da Autora e sem o conhecimento e anuência da Ré, pelo que só neste particular deve ter aplicação o disposto no art. 1073° do Cód. Civil. Segundo este preceito, é lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade, porém, as mesmas devem ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário. A Autora não procedeu a essa reparação colocando novamente o puxador, pelo que deverá ser responsabilizada pelo seu custo que no orçamento que serviu de base à factura dos trabalhos de remodelação correspondia ao valor de €633,40 mais IVA. A este valor acrescem juros de mora à taxa legal aplicável a juros civis desde 15 de Setembro de 2022, data em que a Autora recebeu a carta da Ré de 13/09/2022, através da qual, além de mais, a Autora foi interpelada a pagar o custo de reposição do locado (cfr. art. 805° n° 1 do Cód. Civil), com orçamento anexo e que serviu de base aos trabalhos realizados e onde já constava o custo do puxador que se veio a verificar.”
Apreciando, diremos que não tendo a apelada interposto recurso da sentença recorrida, apenas está em causa a condenação da apelante no pagamento da quantia de € 633,40, respeitante ao custo do puxador.
Quanto a esta matéria não podemos acompanhar o Tribunal a quo.
Com efeito, mesmo sem questionar o enquadramento jurídico exposto no trecho citado, o certo é que se provou que a ré deixou ficar no locado a porta de vidro que havia colocado da porta primitiva, e que nessa porta de vidro estava o puxador que havia retirada da porta de entrada[25].
Não tendo a apelante retirado a porta de vidro, nem o puxador em questão[26], e encontrando-se o mesmo incorporado no locado à data da cessação do contrato, não podia ser condenada a pagar um puxador novo mas, quando muito, a pagar à apelada a quantia correspondente ao custo da remoção da porta de vidro e recolocação do puxador na porta do locado, tal como ali se encontrava à data da celebração do contrato, assim se repondo o locado no estado em que se encontrava aquando da outorga do contrato dos autos.
Simplesmente não foi isso que a apelada pediu em reconvenção. O que pediu foi que a apelante fosse condenada a pagar-lhe um puxador novo[27]. Esta pretensão não pode proceder, porquanto não se demonstrou nem foi alegado que esse puxador tenha sido removido do locado ou que não era possível recolocá-lo na porta onde se encontrava aquando da celebração do contrato.
Termos em que, nesta parte, se conclui pela procedência da apelação.
3.2.5. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, considerando que se conclui pela parcial procedência do recurso, as custas devem ser suportadas por apelante e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso parcialmente procedente, e em consequência, alterar a decisão recorrida, absolvendo a apelante do pedido reconvencional a que se reporta a alínea c) do dispositivo da sentença apelada, assim eliminando tal alínea, e confirmando, no mais, a sentença apelada.
Custas por apelante e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 11 de julho de 2024
Diogo Ravara
Rute Lopes
Cristina Coelho
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[1] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[2] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[3] Suprimimos os parêntesis constantes de vários pontos de facto que contêm remissões para artigos dos articulados, por não terem qualquer relevo factual.
[4] Ob. cit., p. 165, e nota de rodapé n.º 267.
[5] Sublinhado da nossa responsabilidade.
[6] ob. cit., p. 165.
[7]“Impugnaão e reapreciação da decisão da matéria de facto”¸ 2012, disponível em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf. Muito embora o estudo em apreço se reporta ao CPC1961, as considerações nele vertidas no trecho transcrito mantêm inteira pertinência na vigência do CPC2013.
[8] Se bem que na inversa.
[9] Note-se que mesmo quando se entenda que determinado facto provado deve ser considerado integralmente não provado, ou vice-versa, há sempre uma proposição de facto alternativa: neste caso, não está apenas em causa a supressão de um ponto do elenco de factos provados, mas também o aditamento de um ponto, de teor idêntico ao impugnado, ao elenco de factos não provados.
[10] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166.
[11] Docs. 2 e 3 juntos com a contestação/reconvenção.
[12] Pontos 3 a 11 dos factos provados.
[13] Pontos 4 e 5 dos factos provados.
[14] Ponto 16 dos factos provados.
[15]  “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 2019, p. 579.
[16] “Tratado de Direito Civil”, XI, Almedina, 2019, pp.1143-1144.
[17] “Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência”, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, p. 286
[18] Vd. ponto 3 dos factos provados.
[19] “Arrendamento urbano”, 9ª ed., Almedina, p162.
[20] Idem, p. 163.
[21] Ob. cit., p. 174.
[22] Cfr. art. 279º, al. c) do CC
[23] Ponto 15. dos factos provados.
[24] Ponto 24 dos factos provados.
[25] Pontos 27 a 29 dos factos provados.
[26] Ponto 29 dos factos provados.
[27] Vd. arts. 92 e 93 da contestação/reconvenção e docs. 5 e 7 a 9 juntos com este articulado.