ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
VISITAS
Sumário


I- O acolhimento residencial, como medida de promoção e proteção, deve ser apenas uma etapa, de duração limitada, do percurso protetor, destinada, sobretudo, a permitir a definição do projeto de vida da criança.
II- Nessa tarefa, devem privilegiar-se, tanto quanto possível, soluções que passem pela integração da criança na família biológica. Só depois de, numa análise ponderada, se concluir pela irremediável falência da família biológica da criança é que fica aberto o caminho para a definição de um projeto alternativo de vida que passe por encontrar outra família, meio possível de salvaguardar o direito constitucionalmente tutelado da criança a ter uma família.
III- Nesse ínterim, a intervenção protetiva não deve constituir-se como um obstáculo ao estabelecimento de laços de afeto entre a criança e a família biológica; antes deve procurar fomentá-los, norteada pelo superior interesse da criança, que constitui a sua finalidade e define os seus limites.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I.
1).1. O Ministério Público requereu, no dia 26 de agosto de 2022, a abertura de processo de promoção e proteção relativo a AA, nascido a ../../2022, filho de BB e de CC, com base na alegação de factos, praticados pelos progenitores, subtanciadores de uma situação de perigo para o bem-estar físico e psíquico da criança, mais concretamente, além da ausência de cuidados de higiene, agressões da integridade física (shaken baby), das quais teriam resultado lesões graves.
Em conformidade, pediu a aplicação imediata, a título provisório, da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial em unidade hospitalar apta a prestar à criança os necessários cuidados médicos.
Juntou registos hospitalares, relatórios médicos e o relatório da perícia de avaliação de dano corporal em Direito Penal, elaborado pela Delegação do Norte do INMLCF.

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2. Na mesma data, foi proferido despacho judicial que, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 92/1, 351, f), e 37/1 e 3 da LPCJP: (i) aplicou a favor da criança, a título provisório, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial em unidade hospitalar (Centro Hospitalar ...) apta a prestar-lhe os necessários cuidados médicos, e, após a alta clínica, em casa de acolhimento, fixando a duração em três meses, sem prejuízo de prorrogação; (ii) determinou a abertura da fase de instrução.
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3. No dia 30 de agosto de 2022, sob promoção do Ministério Público, foi proferido despacho que, complementando o de 26 de agosto de 2022, proibiu quaisquer contactos dos progenitores com a criança.
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4. No dia 28 de setembro de 2022, o ISS apresentou relatório social de avaliação diagnóstica e, na sequência, no dia 10 de ../../2022, o Ministério Público promoveu a aplicação, em benefício da criança, “da medida de promoção e proteção de confiança da criança a instituição com vista à sua futura adoção, nos termos e para os efeitos constantes dos art.ºs. 35.º n.º 1 al. g), 38.º-A al. b) e 62º - A da LPCJP e art.º 1978.º nº 1 als. a), c), d) e), 2 e 3 do Código Civil”, bem como o decretamento “da inibição das responsabilidades parentais dos pais da criança, nos termos do art.º 1978.º-A do Código Civil, comunicando-se oportunamente à Conservatória do Registo Civil para efeitos de registo – artºs. 1920º - B al. d) do Código Civil; 69º nº 1 al. f) e 78º do Código Registo Civil”, a manutenção “da proibição de visitas e contactos à criança por parte da sua família natural, nos termos do art.º 62.º-A n.º 2 da LPCJP” e a nomeação, como curadora provisória, da “Diretora Técnica da instituição Casa de Acolhimento ..., em ..., Dra. DD, nos termos dos arts. 62.º-A n.º 3 e 5 da LPCJ e 29º al. d) do RJPA, aprovado pela Lei nº 143/2015 de 8/9.”
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5. Na sequência, realizou-se uma conferência de pais, no dia 13 de outubro de 2022, com vista à obtenção de um acordo de promoção e proteção, que resultou frustrado.
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6. Na referida conferência, os progenitores requereram a realização de visitas supervisionadas à criança, o que foi indeferido, por não existirem circunstâncias supervenientes que justificassem alteração do que havia sido decidido no dia 30 de setembro de 2022.
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7. Em 25.10.2022 teve lugar nova conferência de pais, sobre a necessidade de intervenção cirúrgica urgente na pessoa da criança. Os progenitores consentiram expressamente na realização da intervenção cirúrgica (craniotomia para drenagem da provável coleção abcedada parietal esquerda assim como trépano frontal esquerdo e direito para lavagem e drenagem dos higromas hemisféricos).
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8. Nessa mesma conferência, foi proferido despacho que decidiu conceder aos progenitores a possibilidade de, querendo, visitarem o AA “enquanto o mesmo se encontrar internado no Hospital ..., desde que estejam permanentemente acompanhados pela Sr.ª Técnica da Segurança Social, Dr.ª EE, ou, alternativamente, pela Srª Diretora Técnica da casa de acolhimento, Dr.ª FF, combinando, para o efeito, previamente, um horário e uma data especifica com a Sr.ª Técnica da Segurança Social e com a casa de acolhimento, e cumprindo todas as instruções que lhes forem dadas pelas referidas pessoas.”
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9. Por despacho de 24 de novembro de 2022, foi prorrogada a medida de acolhimento residencial por mais três meses.
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10. No dia 18 de janeiro de 2023, o Ministério Público deu conhecimento da propositura, no Juízo Local Cível de ..., de ação destinada à impugnação da perfilhação da criança por parte do Requerido BB, à qual foi atribuído o n.º 88/23.....
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11. No dia 20 de fevereiro de 2023, foi proferido despacho que autorizou os progenitores BB e CC a visitarem a criança, na casa de acolhimento, uma vez por semana, mediante supervisão, sem prejuízo das medidas de coação a que estivessem sujeitos no âmbito do processo crime.
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12. A medida de acolhimento residencial foi sucessivamente prorrogada por despachos 6 de março e de 30 de junho de 2023.
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13. No referido despacho de 30 de junho de 2023, foi solicitada ao ISS informação sobre a existência de familiares da criança que pudessem “constituir uma alternativa viável” para a acolher e, não os havendo, as soluções alternativas.
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14. Na sequência, o ISS apresentou informação social, datada de 26 de julho de 2023, onde deu conta que “relativamente ao mencionado no relatório presente aos autos, mais propriamente aos familiares do menor AA, refere-se que o avô materno do menor em abordagens anteriores manifestou vontade em querer ser alternativa para acolher, cuidar e acompanhar o neto, porém, quando abordado novamente e questionado se ainda mantinha as suas pretensões, referiu que gostava de ser alternativa para acolher o seu neto, no sentido de ser um suporte para a sua filha, ficando a mesma a residir consigo e com o neto, pois não sendo desta forma, a sua situação atual, quer ao nível profissional e pessoal não lhe permite ter muita disponibilidade para conseguir acompanhar e cuidar do seu neto sozinho.
Respeitante aos restantes familiares, designadamente a bisavó materna do AA, apesar de também ter manifestado vontade em ser alternativa para acolher o seu neto, presentemente não dispõe de disponibilidade, dado ter a seu cargo a sua mãe já com idade avançada e dependente, tendo ainda também o bisavô do AA, que apresenta alguns problemas de saúde, e ter também a seu cargo um neto de menor idade.
No que se refere ao mencionado na parte final do ultimo relatório presente aos autos e relativamente a outras alternativas que não a família alargada, poder-se-ia equacionar que passa-se por um processo de adoção, porém, e estando ainda a decorrer o processo crime contra os progenitores, e sem certezas se os mesmos poderão vir a ser acusados ou não, parece-nos ser, pelo menos por ora, demasiado precipitado propor esta alternativa, pelo que se aguarda decisão para que se possa ponderar uma outra alternativa para o projeto de vida futuro do menor AA.”
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15. Entretanto, o Ministério Público promoveu o encerramento da instrução e a passagem à fase das alegações e debate judicial com vista à aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.
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16. No dia 31 de ../../2023, foi proferido despacho a prorrogar a medida de acolhimento residencial por mais três meses e a relegar a decisão sobre o encerramento da instrução até decisão da ação de impugnação da perfilhação da criança por parte do Requerido BB e julgamento do processo crime 622/22...., do Juízo Central Criminal de ..., onde os Requeridos foram acusados, com base nos factos descritos no requerimento inicial, pela prática “em coautoria material, com dolo eventual e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, em concurso aparente com a prática, em coautoria material, com dolo eventual e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, podendo ler-se em tal despacho, com interesse, que “quanto ao eventual acolhimento em família alargada, não existe, por ora, essa possibilidade uma vez que, não obstante o avô materno demonstrar essa vontade, o certo é que a mesma não reveste carácter regular, tanto que não revela disponibilidade pessoal e profissional para acompanhar e cuidar do seu neto sozinho, querendo, ao invés, ser um apoio à sua filha, na prestação dos cuidados ao neto, o que não é possível, em face da atual situação (relatório refª ...70, de 26.07.2023 e refª ...13, de 24.10.2023).”
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17. O Ministério Público interpôs recurso para esta Relação do despacho referido no ponto anterior, na parte em que relegou para momento ulterior a decisão quanto ao encerramento da instrução, o qual foi julgado improcedente por Acórdão de 25 de janeiro de 2024.
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18. No dia 7 de dezembro de 2023, GG, na qualidade de avô materno, requereu permissão para visitar a criança na casa de acolhimento.
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19. O ISS emitiu o seguinte parecer sobre esse pedido:
“Em resposta ao pedido, solicitado através do V/ ofício ...48 de 04/01/2024, atendendo o teor do requerimento presente aos autos, cumpre informar que, em articulação com a Casa de Acolhimento, nada temos a opor ao pedido solicitado pelo avô materno, para que possa visitar o neto na Instituição, desde que estas visitas aconteçam de forma regular, para que avô e neto possam criar laços de afetividade e que este avô possa vir a revelar-se uma figura familiar presente na vida do menor, ou até alternativa para o seu projeto de vida futuro, tendo em conta que até então, o menor não teve praticamente qualquer contato/visita por parte do avô, ressalvando-se no entanto que, este avô poderá ser o contato entre o menor e a progenitora, estando esta impedida de visitar ou contatar o filho por qualquer meio.”
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20. Ministério Público promoveu o indeferimento do requerimento do avô materno dizendo, em síntese, que: o requerente nunca antes “visitou, nem requereu qualquer visita, nem manifestou qualquer interesse em ver a criança ou em aproximar-se da criança”; também nunca procurou saber do seu estado de saúde; a sua pretensão é “uma tentativa de, por forma enviesada, ultrapassar as doutas decisões judiciais, designadamente, a medida de coação já decidida pelo Tribunal da Relação de Guimarães (no âmbito do proc. n.º 622/22....) e já transitada em julgado, de proibição por parte dos pais de contactarem ou visitarem a criança AA”; as visitas “seriam altamente perturbadoras da vivência diária da criança e dos seus cuidadores.”
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21. Em 22 de janeiro de 2024, foi comunicada a prolação do Acórdão, não transitado em julgado, proferido no processo nº 622/22...., pelo Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., no âmbito do qual a progenitora CC e BB foram condenados pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, com a regra de conduta de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, com a proibição de contacto com a criança e no pagamento, durante a suspensão, da quantia de 5 000,00€ de indemnização; nas penas acessórias de proibição de contactos com a criança e de frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica e ainda na inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 anos.
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22. No dia 22 de fevereiro de 2024, foi junta certidão do assento de nascimento da criança com os averbamentos: do cancelamento da paternidade e da avoenga paterna, em resultado do decidido na ação que correu termos pelo Juízo Local Cível de ... sob o n.º 88/23....; da subsequente perfilhação por parte de HH; e da alteração do nome da criança para II.
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23. No dia 26 de fevereiro de 2024, o Ministério Público promoveu que:
“i. se mantenha a medida cautelar aplicada, considerando que se desconhece a existência de quaisquer relações de vinculação entre HH e a criança AA, importando, em termos de instrução, proceder ao diagnóstico da situação relacional existente /inexistente entre ambos e das competências parentais do primeiro –artigo 37.º n.º 1 da LPCJP.
ii. se designe data para audição obrigatória de HH –artigo 107.º n.º 1, alínea b), da LPCJP;
iii. se cumpra, na pessoa do mesmo HH, o disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal;
iv. do mesmo passo, se dê nota ao HH: a. da medida de promoção e proteção que nestes autos se encontra aplicada à criança AA, do local onde se encontra acolhido e da pessoa responsável da instituição de acolhimento [com os respetivos contactos] com quem possa articular-se para obter quaisquer informações quanto a este; b. e que eventuais contactos presenciais serão equacionados após a audição determinada e a realização de relatório social, sem prejuízo do que quanto a esta matéria possa requerer;
v. se solicite relatório social sobre a situação atual da criança AA e sobre a situação de HH, focando, quanto a este, a sua situação familiar, social e económica, bem como a aferição de eventuais relações de vinculação entre este e o AA e sua caracterização (…)”
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24. Por despacho de 28 de fevereiro de 2024, foi deferida a promoção do Ministério Pública e agendada data para audição do identificado HH.
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25. No dia 8 de março de 2024, JJ, na qualidade de bisavó materna, veio pedir permissão para visitar a criança na casa de acolhimento.
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26. O Ministério Público opôs-se com os mesmos fundamentos aduzidos na oposição ao requerimento de idêntico conteúdo que havia sido apresentado pelo avô materno da criança.
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27. No dia 25 de março de 2024, o ISS apresentou relatório social no qual, com interesse, consignou que:
“(…) considerando a pena aplicada no âmbito do processo crime à progenitora e companheiro, ficando os mesmos impedidos de contatar, aproximar ou saber informações sobre o menor AA, durante cinco anos, e considerando que urge a necessidade de se definir um projeto de vida para o menor, não podendo esquecer que o tempo da criança não é o tempo do adulto, parece-nos, e tendo em conta que aparentemente a família alargada materna veio mostrar ao processo vontade e disponibilidade em serem alternativa para acolherem o menor AA, que seria de se ponderar e ser permitida uma aproximação da família, tendo em conta que até então ainda não tinham feito essa aproximação ao menor, por não terem conhecimento se estariam autorizados para assim procederem.
Assim, e como já emitido parecer na informação presente aos autos no passado dia 29/01/2024, parece-nos ser de se autorizar estes convívios/visitas do avô materno, por forma a que melhor se possa perceber se o mesmo poderá vir a ser uma alternativa viável para o projeto de vida futuro do menor, bem como para também criarem um vinculo afetivo entre ambos. Considerando ainda pertinente, e tendo em conta o avô materno ter mostrado disponibilidade e vontade em ser a retaguarda familiar para o neto AA, parece-nos ser de se considerar que o mesmo seja ouvido em Tribunal, para manifesto ao processo das suas pretensões, condições e disponibilidade para que possa vir a ser uma alternativa viável para acolher e prestar todo o acompanhamento e cuidados para que o AA possa crescer no seio familiar.”
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28. No dia 11 de abril de 2024, o ISS juntou informação social relativa ao avô materno e à bisavó materna.
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29. No dia 22 de abril de 2024, procedeu-se à audição do avô materno e da bisavó materna.
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30. No dia 3 de maio de 2024, o Ministério Público expressou, de novo, a sua oposição aos requerimentos apresentados pelo avô materno e pela bisavó materna, repetindo os argumentos.
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31. No dia 10 de maio de 2024, foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
“Pedido de Visitas do Avô Materno e da Bisavó Materna
(…)
Cumpre apreciar se devem ser autorizadas as visitas na instituição por parte do
avô materno e da bisavó materna.
A LPCJP tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 1º).
Esta intervenção, que se impõe quando a criança esteja perante uma situação que afete os seus direitos cívicos, sociais, económicos e culturais, deve orientar-se pelos princípios consagrados no artigo 4º da LPCJP, dos quais se destaca o princípio do superior interessa da criança e o princípio da prevalência da família (artigo 4º, al. a) e h) da LPCJP.
O primeiro significa que “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
O segundo consagra que “na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável”.
De facto, na intervenção deve dar-se prevalência às medidas com integração familiar em detrimento do acolhimento residencial, como também se deve dar preferência a medidas que não impliquem o afastamento dos pais ou da família biológica da criança, em detrimento das medidas institucionais.
Recai sobre o Estado a obrigação de desenvolver e adotar medidas adequadas para fortalecer o laço familiar que exista entre a criança e a sua família, desde que tal não coloque em causa o seu superior interesse.
Tal se deve ao facto de a criança ter o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a biológica (artigo 67º da CRP), direito esse também previsto no artigo 9º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança que estabelece que o Estado deve garantir que a criança não é separada dos seus pais, exceto se essa separação for necessária para salvaguardar o seu superior interesse.
Mas esta possibilidade exige que a “família biológica (…) reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objetivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa selecionada para adoção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança” (Ac. TRC 27.4.2017, relator Jorge Arcanjo)
Efetivamente, o afastamento da criança do contexto familiar é uma medida extrema, à qual apenas deveria recorrer-se num quadro urgente de necessidades, pois cortar este laço familiar é cortar à criança as suas raízes.
Vejamos, então, se devem ser autorizadas ou não as visitas por parte do avô materno e bisavó materna.
Na presente situação, há que ter em consideração que foi aplicada, em 26.08.2022, ao menor AA, nascido em ../../2022, a medida provisória de acolhimento residencial, a qual tem vindo a ser prorrogada em face das diligências instrutórias realizadas e da existência de dois outros processos judiciais, um de natureza cível e já findo (impugnação da paternidade) e outro crime (com Acórdão já proferido, mas ainda não transitado em julgado, em face do recurso interposto pelo Ministério Público).
Ora, em face dos princípios que supra se referiu, há que ter em conta que deve procurar-se salvaguardar sempre a integração do menor na família biológica, quando resulte dos elementos fatuais que daí se não coloca em causa o superior interesse do menor.
Quanto ao avô materno:
Refira-se que, em face do que resultou da audição do avô e da bisavó materna e do relatório social datado de 10.04.2024, considera-se que nada obsta a que o avô materno possa manter convívios com o menor AA na instituição e mediante a supervisão dos técnicos, de modo a que se possa aferir se o mesmo poderá vir a constituir uma real e efetiva alternativa ao futuro projeto do menor.
Por um lado, as condições sociais, profissionais, pessoais e económicas do avô materno demonstram estabilidade que é essencial para garantir o bem-estar do menor.
O avô GG, que tem 41 anos de idade, encontra-se integrado profissionalmente na Empresa EMP01..., Lda., desde ../../2022 (antes tinha estado um ano em regime de part-time), auferindo o salário mínimo nacional e trabalhando de 2ª feira a 6ª feira, das 08:30 horas até às 18:00 horas, com pausa para almoço e, quando necessário, ao sábado de manhã.
Do ponto de vista pessoal, encontra-se em processo de reconciliação com a sua companheira KK, com quem manteve um relacionamento durante seis anos, do qual nasceu a filha de ambos LL, atualmente com 5 anos idade.
A companheira do avô trabalha nos EMP02..., desde ../../2022 e demonstra também vontade em auxiliar o seu companheiro GG em tudo o que seja necessário para poder contactar e cuidar do AA.
Antes da reconciliação, o avô GG residia em habitação de sua progenitora, com adequadas condições de habitabilidade, composta por dois quartos, totalmente equipados, que se encontrava com razoáveis condições de higienização e organização, a qual é assegurada pelo avô GG.
Após reconciliação, reside com a sua companheira, na casa que se encontrava arrendada por ambos e onde sempre viveram, sendo que, mesmo em período de separação, mantiveram um contacto próximo, mantendo GG um contacto diário com a sua filha LL.
O avô materno beneficia ainda de apoio da família da sua companheira, com quem sempre manteve contacto, mesmo no período de cerca de um ano de separação, sendo a mãe da companheira que, muitas vezes, vai buscar a filha LL que frequenta o infantário, no qual é auxiliar de educação.
Pelo que, da situação pessoal do avô materno não se vislumbra qualquer circunstância que possa, com as visitas que pretende na Instituição, afetar o bem-estar do menor AA.
E diga-se que não se pode imputar ao avô materno a responsabilidade pelos atos da sua filha CC. É verdade que um pai deve garantir a educação dos filhos, na qual devem garantir a adoção e a observância das regras e das normas sociais.
Porém, como o avô materno disse, na altura em que CC era criança, a mesma encontrava-se praticamente entregue aos cuidados da sua progenitora (à data companheira de GG, uma vez que aquele trabalhava muitas horas por dia, tendo pouca disponibilidade horária para acompanhar o crescimento de sua filha) e quando se apercebeu dos comportamentos desviantes, quer da sua filha CC, quer da sua companheira, ainda tentou “recuperar” a sua filha, mas tardiamente, tanto que aquela saiu de sua casa aos 18 anos, por o mesmo não aprovar o seu relacionamento com o HH e impor diversas regras com as quais não concordava, engravidando pouco tempo depois.
Contudo, como reconheceu o seu papel atual de progenitor com a sua filha LL é totalmente distinto, por ter um acompanhamento diário e permanente, o que não sucedeu com a sua filha CC, o que também revela consciência e maior responsabilidade.
Por outro lado, não se pode afirmar que o comportamento do avô materno é revelador de quem nunca demonstrou preocupação, nem interesse pelo bem-estar do menor.
É verdade que o avô materno só em dezembro de 2023 fez um requerimento aos autos no qual pediu que fosse autorizado a realizar visitas.
Porém, a manifestação de interesse por parte do avô já havia ocorrido em momento muito anterior.
De facto, se atentarmos no teor do relatório pericial, junto em 23.02.2023 (refª ...50), é aí dito, que “o avô materno tem vindo a manifestar vontade em ser retaguarda familiar para o seu neto (…) efetuou-se contacto telefónico com o avô GG. Neste contacto o Sr. GG refere que, pretende e tem disponibilidade e vontade em ficar responsável pelo seu neto, pois não quer que o seu neto vá para adoção, acrescenta que reúne as condições quer habitacionais, quer económicas para que possa prestar o devido acompanhamento e cuidados que o mesmo necessite, estando a par de todas as situações que têm ocorrido, sobretudo respeitante aos problemas de saúde, pois a sua filha vai-lhe transmitindo as informações. Acrescentou que também conta com a ajuda da sua mãe para o ajudar no acompanhamento ao neto, caso este possa vir para junto de si”.
Ora, do teor deste excerto resulta manifestamente que o interesse do avô materno, ao contrário do que se procurou fazer crer, não é de agora, mas já foi manifestado há mais de um ano.
E o motivo para não ter pedido anteriormente as visitas foi também por si explicado em audiência, em conformidade com o que já constava do teor do relatório.
Na verdade, o avô materno foi sincero ao referir que pensava que o processo crime pudesse correr de outro modo, podendo a sua filha recuperar os convívios com o menor, o que não veio a suceder. Porém, ao aperceber-se de qual poderia ser o desfecho desse processo e não querendo que o seu neto fosse para a adoção, decidiu vir pedir diretamente ao tribunal esses contactos, sendo que tal justificação é perfeitamente compreensível e aceitável.
Além disso, como também referiu esteve em processo de separação cerca de um ano, não tendo, no início quando se separou, as “condições adequadas nem a estabilidade para acolher o seu neto”, tendo receio de sozinho não o conseguir.
Por outro lado, como o avô materno referiu e consta do próprio relatório, o mesmo acompanhava a situação do seu neto, não só através da comunicação social, como também do que a sua filha lhe transmitia, nada se provando que o contrariasse.
Por isso, não se pode afirmar, para afastar esses requeridos convívios, que tal situação é momentânea, inesperada e pouco interessada.
Também não se invoque, para afastar tais visitas, a pouca vinculação que o menor tem com o avô materno.
Não se pode ignorar que este processo se iniciou quando o menor AA tinha apenas três meses de idade (nasceu a ../../2022 e deu entrada no hospital a 04.08.2022).
E até ao início do processo, embora o avô materno não tenha contactado com o menor AA muitas vezes, esteve com ele cerca de três vezes, por iniciativa de sua filha, perguntando o avô como ele se encontrava.
Daí que, se é verdade que a vinculação do menor com o avô não é estreita, até pela sua tenra idade, também não se pode coartar apenas por esse motivo, a possibilidade de esses laços serem fortificados.
Por fim, considera-se que a autorização destas visitas por parte do avô materno não configura, em nosso entender, qualquer violação de decisão de aplicação das medidas de coação.
Segundo o Ministério Público a autorização de visitas ao avô materno constitui uma tentativa de, por forma enviesada, ultrapassar as decisões judiciais designadamente a medida de coação de proibição de contactos e visitas por parte dos pais à criança AA.
Não se ignora que, no âmbito do processo crime, foi determinada, a título de medidas de coação, a proibição de contactos dos progenitores com o menor AA, por qualquer meio ou lugar, por si ou por interposta pessoa, bem como a proibição de se aproximarem da casa de acolhimento/residência/unidade hospitalar.
E, não obstante, já ter sido proferido Acórdão condenatório, o mesmo ainda não transitou em julgado, mantendo-se incólumes estas medidas de coação.
Ora, resulta do teor do aí decidido que a progenitora CC e BB estão proibidos de contactar o menor AA, quer diretamente, quer por interposta pessoa.
Ou seja, a medida de coação, enquanto medida processual penal que é, é aplicável à pessoa em causa – neste caso aos arguidos do processo crime (CC e BB).
Porém, essa medida de coação não pode ser estendida aos restantes membros da família materna, sob pena de se coartar o princípio da prevalência da família – bastaria que um membro da família ficasse proibido de contactos com um menor, para que todos os restantes ficassem também proibidos, sendo-lhes como que quase aplicada a mesma medida de coação, sem terem o estatuto de arguidos e sem haverem cometido qualquer ato danoso dos interesses do menor.
Claro que existe o risco de a progenitora tentar obter informações do menor AA através das pessoas que possam ser autorizadas a visitá-lo.
Porém, esse risco é o risco que existe de incumprimento de toda e qualquer medida de coação e sanção penal, cabendo ao Tribunal e às entidades próprias a fiscalização do cumprimento dessas medidas e a alteração do estatuto coativo caso esse incumprimento se verifique.
Não se pode, no nosso entender, com base nesse risco estender as medidas de coação, que são pessoais, a todo e qualquer familiar materno, sob pena de se violar o princípio da pessoalidade das sanções criminais.
Além disso, esse risco já existe mesmo quando se informou o progenitor MM onde o menor se encontra, bem como dos contactos telefónicos da pessoa responsável com quem o progenitor pudesse contactar (ainda que não presencialmente) para obter informações quanto ao menor, conforme doutamente promovido (cf. despacho de 28.02.2024 e promoção de 26.02.2024).
Ora, também aqui existe o risco de o progenitor HH poder transmitir informações do menor AA, de forma ainda mais manifesta, porquanto o progenitor revelou, pouca consciência, da situação do menor e dos próprios motivos que estiveram na base da proibição de contactos, conforme resultou da sua audição. Por outro lado, o avô materno demonstrou plena consciência das consequências que podem advir de a progenitora CC obter qualquer informação relativa ao seu filho AA. Daí que também seja importante garantir esses convívios para que se possa aferir se realmente o avô materno demonstra uma efetiva vontade de “lutar” pelo seu neto, a qual pode ser posta em causa se a sua filha CC violar as medidas de coação impostas.
Assim, considera-se que a autorização de convívios entre o menor AA e o avô materno GG são fundamentais para que se possa aferir se pode ser uma alternativa de vida para o menor AA, devendo as mesmas ocorrer, por ora, na Instituição onde se mostra acolhido e com supervisão, de modo a permitir não só uma maior análise das capacidades e competências, como também para evitar qualquer tentativa de transmissão de informação à progenitora.
Quanto à bisavó materna:
À semelhança do que supra se disse, também se considera que as suas condições pessoais não obstam à autorização de convívios com o menor AA.
Na verdade, a bisavó JJ, que tem 66 anos de idade, encontra-se ainda profissionalmente integrada, ainda que seja sua pretensão reformar-se em breve meses, o que lhe permitirá maior disponibilidade horária e, consequentemente, maior disponibilidade para auxiliar o seu filho GG.
Já quanto ao seu agregado familiar, tem a seu cargo também um neto com quatro anos de idade, que lhe foi entregue pela CPCJ ..., na sequência de problemas aditivos de sua filha mais nova, revelando todas as condições para a prestação desses cuidados (se não revelasse essa capacidade, certamente que a CPCJ não lhe teria entregue, aos seus cuidados, um outro neto de 4 anos).
E como disse e também já constava do relatório datado de fevereiro de 2023, a mesma já se havia disponibilizado para ser uma retaguarda de apoio ao seu filho GG, a quem apelida de filho de ouro, com quem mantém uma relação de entreajuda sempre que necessário. Na verdade, como consta do relatório e foi por si dito, sempre se disponibilizou para auxiliar o seu filho, caso lhe fosse entregue o AA, como também o fizera com a filha CC.
Além disso, consta também do teor do relatório social de abril de 2024, e foi por si corroborado em sede de audiência, que procurou manter contacto com o seu bisneto no Hospital, tendo-lhe sido vedada tal possibilidade, obtendo então informações através de sua neta CC.
Também havia mantido, à semelhança do avô materno, alguns contactos com o menor, antes do início deste processo, o que não permite concluir por um mero interesse atual e súbito.
E se, em face da sua tenra idade e dos poucos contactos estabelecidos, não foi possível, naturalmente, estabelecer qualquer vinculação afetiva, nada também pode impedir que a mesma possa ser estabelecida atualmente.
À semelhança do que também já se disse, considera-se que tais visitas não configuram qualquer violação de medidas de coação, sendo até uma oportunidade para aferir do efetivo interesse dos familiares na prossecução do bem-estar do AA, porquanto têm pleno conhecimento que qualquer violação das medidas de coação por parte da CC e por eles consentida, pode colocar em causa esses contactos.
Portanto, tendo em consideração o princípio da prevalência da integração em família biológica e que as visitas requeridas pelo avô e pela bisavó, pela estabilidade pessoal que apresentam, não constitui perigo para o bem-estar do menor AA, julga-se fundamental autorizar tais visitas, supervisionadas, de modo a que o Tribunal possa avaliar as suas competências pessoais e aferir da possibilidade de constituírem ou não uma real alternativa ao futuro do menor.
Nada nos autos indicia que o avô materno e a bisavó materna apresentam disfuncionalidades que comprometam a criação de uma relação afetiva gratificante e securizante para o menor. E se assim é, não se pode coartar a possibilidade de se estabelecer tal relação.
Claro que a autorização dessas visitas não pode permitir, por si só, concluir que o futuro do menor AA passa pela integração no seio familiar materno, porquanto tal conclusão depende de diversos fatores, entre os quais, o modo como o avô e a bisavó estabeleçam esses contactos, a vinculação que possam ou não criar com o menor e a própria postura da progenitora CC perante tais autorizações.
Mas julga-se que, negar estas visitas, é violar o princípio basilar do direito da criança de poder ter a possibilidade de se integrar na sua família biológica. É que “sem esse esgotar das intervenções possíveis junto da família natural, não se estará a observar o princípio da prevalência da família, o que também constitui um direito do próprio menor” (cf. Acórdão do TRG de 25.01.2024, proferido no âmbito destes autos).
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Pelo exposto decide-se autorizar os contactos entre o menor AA e o avô materno GG e a bisavó JJ, os quais devem ocorrer presencialmente (e não por videochamada) na Instituição, mediante supervisão de Técnicos, de modo a permitir não só uma avaliação das capacidades e competências, como também para evitar qualquer tentativa de transmissão de informação à progenitora CC e a BB.”
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2) Inconformado, o Ministério Público (daqui em diante, Recorrente), interpôs o presente recurso, composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):

“1-O presente recurso fundamenta-se na nossa discordância relativamente à douta decisão proferida a 10/05/2024, com o seguinte teor:
“autorizar os contactos entre o menor AA e o avô materno GG e a bisavó JJ, os quais devem ocorrer presencialmente (e não por videochamada) na Instituição, mediante supervisão de Técnicos, de modo a permitir não só uma avaliação das capacidades e competências, como também para evitar qualquer tentativa de transmissão de informação à progenitora CC e a BB.”. (sublinhado nosso).
2-Recordamos os factos dados como provados no douto acórdão proferido no âmbito do processo n.º 622/22.... do Juízo Central Criminal de ..., cuja factualidade esteve na base da instauração dos presentes autos de promoção e proteção a favor da criança AA (e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
3-Pelo douto acórdão condenatório proferido a 19/01/2024, no referido processo n.º 622/22...., foi decidido (o que parcialmente transcrevemos na parte relevante para os presentes autos, sem prejuízo de se dar por reproduzido todo o acórdão para todos os legais efeitos):
c) Condenar a arguida CC nas penas acessórias de proibição de contactos com o AA, por igual período de 5 (cinco) anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 152.º, n.º 4 e 5 do Código Penal;
d) Condenar a arguida CC na inibição do exercício de responsabilidades parentais relativamente ao AA pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art.º 152.º n.º 6 do Código Penal;
4-Recordamos, ainda, que, no que respeita aos contactos entre a criança AA, a mãe e o então pai registado, o Juízo Local Criminal de ... comunicou aos presentes autos, a 30/03/2023, que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 22/02/2023, transitou em julgado, pelo qual se decidiu no âmbito do inquérito n.º 622/22....: “b) revogar as exceções previstas na decisão recorrida à proibição de contactos decretada.”.
5-Por força do referido douto acórdão, que se realça, transitou em julgado, deixaram de existir exceções, à proibição de contactos entre a mãe e o então pai registado e a criança, seja na instituição onde se encontra acolhido, seja no hospital, seja onde for.
6-Mais, ainda, pelo douto acórdão condenatório proferido a 19/01/2024, no referido processo n.º 622/22...., foi decidido quanto às medidas de coação aos arguidos, designadamente, à arguida CC (o que foi comunicado aos presentes autos a 22/01/2024): “-Proibição de contactarem, por qualquer meio e em qualquer lugar, diretamente ou por interposta pessoa, (sublinhado nosso) com a vítima AA e de se aproximarem do menor; -Proibição de frequentarem, permanecerem e de se aproximarem da casa de acolhimento/residência da vítima AA atual e futura e/ou da unidade hospitalar ou outra unidade de saúde em que se encontre e/ou se venha a encontrar (cf. folhas 652/716 e 937/965). “
7-Ora, considerando que a mãe da criança AA, pelos referidos doutos acórdãos, está proibida, quer por si própria, quer por interposta pessoa, de contactar com a criança AA, a decisão sob recurso, que autorizou os contactos entre o criança AA e o avô materno GG e a bisavó JJ, viola ostensivamente o decidido quanto às medidas de coação aplicadas pelos suprarreferidos acórdãos proferidos (a 22/02/2023 e a 19/01/2024) no âmbito do processo n.º 622/22.....
8-Efetivamente, a decisão recorrida não se compagina, de forma alguma, com as medidas de coação aplicadas no referido processo criminal. Naturalmente que a decisão de proibição de contactos aplicada em sede de medidas de coação aplicada aos ali arguidos, realçando-se que tal proibição de contactos também se aplica aos contactos feitos “por interposta pessoa”, (sublinhado nosso) com a vítima AA, fica obviamente em causa e é desrespeitada, quando a decisão em recurso permitiu os contactos por interposta pessoa, ou seja, através do pai e da avó da arguida CC.
9-Por outro lado, e para além do mais, a autorização concedida é totalmente desajustada e infundada.
10- A pretensão de GG, avô materno da criança AA, e da bisavó é de todo infundada, porquanto, durante toda a sua vida, nunca os mesmos o visitaram, nem requereram qualquer visita, nem manifestaram qualquer interesse em ver a criança ou em aproximar-se da criança. Nunca contactaram a instituição ou os hospitais, para saber o estado de saúde do AA, se estava bem, se tinha de ser operado, se as operações tinham corrido bem, se corria perigo de vida, que sequelas ficariam para o futuro…
11-Com efeito, durante toda a vida da criança AA os requerentes às visitas nunca manifestaram uma real vontade e preocupação quanto ao seu destino, pois que: desde o seu nascimento nunca tiveram iniciativa de o visitar; o avô apenas esteve com o neto cerca de três vezes e por iniciativa da filha; bastaram-se com o conhecimento que iam tendo através da comunicação social ou através da filha sobre o estado de saúde do seu neto/bisneto; nunca cuidaram de o visitar ou tentar obter informações junto das instituições de saúde ou na instituição onde se encontra acolhido sobre o seu estado e saúde e outras informações; nunca se opuseram ao modus vivendi da sua filha e às condições a que sujeitava o filho recém-nascido, a quem não era prestados todos os cuidados adequados à sua tenra idade, revelador do desinteresse que sempre demonstraram pelo seu neto/bisneto.
12-A pretensão de visitas, por parte de GG e de JJ, é apenas uma forma de enviesada, de “por linhas travessas”, de ultrapassar as doutas decisões judiciais, designadamente, as medidas de coação já decididas judicialmente no âmbito do proc. n.º 622/22...., de proibição por parte dos arguidos, designadamente por parte de CC, de contactar ou visitar a criança AA, diretamente ou por interposta pessoa.
13- Ademais, resulta do relatório elaborado pelo ISS datado de 10/04/2024 que, e no que respeita ao avô materno: (“…) Acrescentou que sempre teve um bom relacionamento também com a sua filha CC e que continuam a manter um bom relacionamento, onde vão mantendo contatos diariamente e se juntam com alguma frequência em reuniões familiares, (…) considerando serem uma família muito unida e sempre se ajudaram uns aos outros, estando também a sua mãe na disposição de lhe prestar auxilio com o seu neto, se o mesmo vier para junto de si. (sublinhado e negrito nosso)
14-Relativamente à bisavó diz-se no aludido relatório que: “Acrescentou ainda que sempre teve e tem um bom relacionamento com a sua neta CC, foi sempre um apoio para a mesma, assim como a sua neta também a tem apoiado muito, quando precisa. (sublinhado e negrito nosso) (…) não tem muita disponibilidade para assumir permanentemente o seu bisneto.” (sublinhado e negritos nosso).
15-Ora, antes de mais, e desde logo daqui, é possível inferir que os requerentes às visitas mantêm um relacionamento próximo com a progenitora da criança AA, mesmo que o tenham tentado negar, ou seja, tem sido através da filha/neta que tem sabido do estado de saúde do neto. Ademais, o avô e a bisavô são próximos, contactando entre si e efetuando visitas regulares, pelo que, num juízo de prognose é de crer que, caso o avô seja autorizado a visitar e até a cuidar do seu neto que vá transmitir à filha informações sobre o filho desta, e vá permitir que esta contacte com o filho, até mesmo o visite, violando ostensivamente o determinado na decisão proferida no dia 19/01/2024, no âmbito dos autos n.º 622/22...., quanto às medidas de coação que determinou a proibição dos arguidos contactarem, por qualquer meio e em qualquer lugar, diretamente ou por interposta pessoa com a vítima AA quer o decidido quanto às penas acessórias de proibição de contactos com o AA (sublinhado e negrito nosso).
16-Por outro lado, esse risco não existirá no que respeita ao progenitor da criança, uma vez que este reside em ... e desconhecemos em absoluto se mantém qualquer tipo de contacto com a arguida, pelo menos inexistem elementos que apontem nesse sentido.
17- A decisão sob recurso, para além de violar ostensivamente os doutos acórdãos proferidos no processo n.º 622/22...., ao permitir os contactos do avô e a bisavô maternos com a criança, potencia um enorme risco para a criança AA, caso seja exposto ao contacto com a arguida CC.
18-Atente-se no parecer técnico do Instituto da Segurança Social, datado de 10/04/2024, no qual se refere expressamente “(…) pese embora haja o risco que de alguma forma a progenitora possa vir a ter alguma informação ou contato com o menor, não podemos de certa forma prejudicar a vida do menor AA” (sublinhado nosso).
19-Ora, foi exatamente o que os doutos acórdãos proferidos no âmbito do proc. n.º 622/22...., em sede de medidas de coação, quiseram evitar, os contactos diretos ou indiretos da arguida CC com a criança AA, e que a decisão agora proferida, fazendo tábua rasa dos doutos acórdãos supra citados, vem agora permitir, o que, para além de ilegal, por violar uma decisão judicial anterior e transitada (quanto às medidas de coação), é também totalmente injustificada, colocando a criança em risco por via dos contatos, ainda que indiretos, com a arguida CC.
20-O AA necessita quem lhe dê amor e colo, quem cuide e proteja; merece, pois, uma família que lhe dê formação e o ajude a desenvolver-se física, psíquica, social, e emocionalmente, com laços afetivos e que lhe permitam superar a violência a que foi sujeito em tão tenra idade.
21-O AA tem direito a uma família, que a família biológica não é capaz de lhe proporcionar. Resulta, pois, dos autos, que o projeto de vida do AA deverá ser a sua integração numa família, que não a biológica, por ser a única medida que protege e defende os interesses deste, e o Ministério Público pugnará sempre pela aplicação à criança AA, da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos dos art.ºs 35, n.º 1, alí. g), 38.º e 38.º A da LPCJP e 1978.º, n.º 1, alí. d) do CC.
22-Afigura-se, de resto, e por outro lado, que se fossem permitidas as requeridas visitas pelo requerente, as mesmas seriam altamente perturbadoras da vivência diária da criança e dos seus cuidadores, e, bem assim, potenciadores de tentativas de contactos diretos por parte da mãe-arguida com a mesma, pois, como dissemos, a pretensão de visitas visa apenas ultrapassar a proibição que a mãe tem de contactar ou de se aproximar da criança AA.
23-A arguida pretende utilizar o seu pai e a sua avó para manter o contacto com a criança, que as várias doutas decisões judiciais proibiram.
24-Por outro lado, inexistem nos autos elementos concretos e valoráveis que permitam concluir pela real intenção dos requerentes das visitas em querer constituir uma relação de afeto com a criança AA, quando nunca o fizeram anteriormente.
25-Neste tocante, veja-se ainda o que resulta do relatório elaborado pelo ISS, junto aos autos sob a referência ...70 datado de 24/07/2023 onde se lê, relativamente ao avó que: gostava de ser alternativa para acolher o seu neto, no sentido de ser um suporte para a sua filha, ficando a mesma a residir consigo e com o neto, pois não sendo desta forma, a sua situação atual, quer ao nível profissional e pessoal não lhe permite ter muita disponibilidade para conseguir acompanhar e cuidar do seu neto sozinho. Respeitante aos restantes familiares, designadamente a bisavó materna do AA, apesar de também ter manifestado vontade em ser alternativa para acolher o seu neto, presentemente não dispõe de disponibilidade, dado ter a seu cargo a sua mãe já com idade avançada e dependente, tendo ainda também o bisavô do AA, que apresenta alguns problemas de saúde, e ter também a seu cargo um neto de menor idade. “Face ao exposto, aparentemente, a família alargada, pese embora o anteriormente manifestado, parece não constituir uma alternativa viável para acolher o menor AA (…).” (sublinhados e negritos nossos)
26-Autorizar os convívios entre os requerentes e a criança AA é, na ótica do Tribunal, fundamental para que se possa aferir se aqueles podem constituir uma alternativa de vida da criança.
27- Contudo este agregado familiar além de nunca ter demostrado real vontade em estabelecer contactos com o neto/bisneto, justificou tal omissão, com a separação que ocorreu entre o avô materno e a companheira que, atualmente já se encontram reconciliados.
28-No relatório elaborado pelo ISS a 23/10/2023 junto sob a referência ...49 é possível ler-se: ”(…) o avô paterno tem vindo a manifestar, junto da sua filha e também já manifestado junto da Técnica, vontade para que possa ser a retaguarda familiar para acolher o neto, porém, até ao presente nada tem feito para mostrar esse seu manifesto, não tendo de forma alguma tentado efetuar qualquer aproximação junto do neto, nem mesmo um simples contato para a Casa de Acolhimento para saber noticias do seu neto.(sublinhado nosso).
29-Não olvidamos que, no relatório datado de 29/01/2024 elaborado pelo ISS fica dito que: (…) nada temos a opor ao pedido solicitado pelo avô materno, para que possa visitar o neto na Instituição, desde que estas visitas aconteçam de forma regular, para que avô e neto possam criar laços de afetividade e que este avô possa vir a revelar-se uma figura familiar presente na vida do menor, ou até alternativa para o seu projeto de vida futuro, tendo em conta que até então, o menor não teve praticamente qualquer contato/visita por parte do avô, ressalvando-se no entanto que, este avô poderá ser o contato entre o menor e a progenitora, estando esta impedida de visitar ou contatar o filho por qualquer meio. (sublinhado nosso).
30-Ora, não se compreende como é que num curto espaço de tempo, entre ../../2023 e janeiro de 2024 o avô materno passou a poder constituir uma alternativa para o projeto de vida da criança, quando são os próprios técnicos que assumem por um lado que a criança não teve praticamente qualquer contacto com a avó, e por outro lado assume o risco que existe de, caso tal suceda, este avô possa ser o contacto entre o menor e a progenitora.
31- Todavia, resultando dos autos que avô materno conta com a ajuda da mãe, bisavó da criança AA para dele cuidar, e se até vivia na casa desta no período que antecedeu a reconciliação com a atual companheira, não se compreende a razão pela qual aquele, em momento anterior à reconciliação.
32-Mais: poderá a possibilidade de integração da criança no agregado familiar do avô estar dependente da estabilidade do relacionamento amorosos que mantem com a companheira? Cremos manifestamente que não.
33-Seria, portanto, num cenário de enorme instabilidade e de incerteza que se estabeleceriam os pretendidos vínculos entre a criança e os requerentes, que poderiam claudicar a qualquer momento.
34- O princípio da prevalência da família, e no qual se estriba a decisão colocada em causa, não impõe que se esgote todas as possibilidades, mesmos as mais ténues, precárias e inopinadas dentro da família biológica.
35-Mas mesmo que se entenda que o cumprimento de tal princípio impõe que se esgote todas as possibilidades de integração da criança na família biológica tal só deverá suceder, tal aliás como assinalado pela Mma. Juiz quando resulte dos elementos factuais que daí não se coloca em causa o superior interesse do menor. Dito de outra forma, quando, tendo em conta o caso concreto e a isso não se oponha o superior interesse da criança, o que não sucede no caso concreto.
36-Ora, no caso, a eventual integração da criança na família biológica, in casu, do avô materno é absolutamente inviável, desde logo tendo em conta o decretado no processos-crime, quer quanto às medidas de coação, quer essencialmente quanto à inibição do exercício das responsabilidades parentais, quer quanto às penas acessórias de proibição de contactos.
37- Para além de que, consideramos face a tudo quanto fica dito supra que o avô não dispõe de reais condições para constituir-se como uma alternativa ao projeto de vida do neto, estando essa manifestação de vontade para que tal suceda dependente da estabilidade ou não do seu relacionamento amoroso, que conforme já referimos tem apresentado avanços e recuos, e que o próprio assumiu (de acordo com o que constante nos relatórios sociais) que, quando separado da atual companheira, não tinha condições e disponibilidade para sozinho cuidar do neto, perspetivava e pretendia que a filha fosse viver consigo.
38-Para além disso, transitado em julgado o decidido no processo crime n.º 622/22...., designadamente no que respeita às penas acessórias de proibição de contactos e inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança AA pelo período de 5 anos e no que tange à progenitora, os pretendidos contactos/visitas do avó materno com o neto e a eventual integração deste no seu agregado familiar iria inviabilizar e impedir o cumprimento do decidido no processo crime, violando frontalmente o aí decidido.
39-É certo que o acórdão condenatório ainda não transitou em julgado, mas conforme fica dito Acórdão proferido no âmbito destes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães datado de 25/01/2024: “Se a decisão em primeira instância for de condenação dos progenitores, deve considerar-se que, para efeito do PPP, a presunção de inocência deixou de existir, e foi substituída por uma presunção de culpabilidade.”
40- Pelo que, não fará sentido iniciar um caminho tendente a apurar da viabilidade de integração da criança AA no agregado familiar do avô materno, quando vigora (nos termos da referida presunção de culpabilidade) e relativamente à progenitora da criança com quem aquele convive regulamente, para além do mais, a pena acessória de proibição de contactos e inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança AA.
41-Ademais, permitir os contactos entre os requerentes às visitas e a criança por forma a perceber se o avô e a bisavó podem constituir uma alternativa ao projeto de vida da criança é colocar o avô na contingência de, caso o neto seja entregue aos seus cuidados, corte radicalmente relações com a sua filha durante 5 anos! Não cremos que, face a tudo quanto fica dito que o avô seja capaz de o fazer nem é de crer que alguém o consiga fazer.
42- Nesta fase processual em que nos encontramos, o alcance pretendido pela decisão sob recurso, com o estabelecimento de tais contactos, constituirá um forte revés para a estabilidade emocional da criança, que se vê vítima de um constante ziguezaguear de decisões judiciais antagónicas e contraditórias, com um muito negativo reflexo no projeto de vida da criança AA, que veria a estabilidade do seu projeto de vida comprometido, com avanços e recuos que não se compadecem com a necessidade de definição do seu projeto de vida num tempo que se afigure de razoável.
43-A decisão sob recurso padece de algum voluntarismo infundado, querendo acreditar nas boas intenções de duas pessoas (avô e bisavô) que nunca se interessaram pela criança e cujo súbito interesse processual surgiu após as decisões judiciais que proibiram os contactos e visitas da mãe do AA, e apenas como forma de as ultrapassar, o que, para além de ostensivamente ilegal, é merecedor do nosso mais vivo repúdio.
44-A decisão sob recurso viola os princípios contidos nos art.os 3.º e 4.º da LPCJP, violando a necessidade de uma intervenção judicial que proteja a sua saúde, o desenvolvimento físico, moral e psíquico do AA, na defesa do interesse superior da criança, da sua privacidade, no âmbito de uma intervenção precoce, proporcional e atual, em violação ao disposto nos art.os 3.º, 4.º, art.º 34º, 35.º, f), 37.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro).
45- A decisão sob recurso, datada de 10/05/2024, viola ostensivamente o decidido quanto às medidas de coação aplicadas aos arguidos no processo n.º 622/22...., de proibição por parte dos arguidos, designadamente por parte de CC, de contactar ou visitar a criança AA, diretamente ou por interposta pessoa.”
Pediu que, na procedência do recurso, seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que proíba quaisquer contactos ou visitas por parte do avô materno GG e da bisavó NN, com a criança AA.
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3) A Requerida CC[1] respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
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4) O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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5) foram dispensados os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso deve recair sobre a questão que pode ser sintetizada nos seguintes termos:
O Tribunal a quo, ao deferir os requerimentos de convívios com a criança apresentados pelo avô materno e pela bisavó materna incorreu em erro na aplicação do direito, mais concretamente das disposições legais citadas pelo Recorrente?
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III.
1) O despacho recorrido não contém uma enumeração atomizada dos factos que serviram de fundamento ao decidido. Podemos, no entanto, afirmar que os factos considerados para esse efeito estão nele descritos, em termos que não foram impugnados pelo Recorrente, que circunscreveu as razões do seu dissenso ao aspeto jurídico da questão enunciada.
São esses factos e, bem assim, os relativos ao iter processual enumerados no Relatório que constitui a Parte I. que vamos considerar na resposta à questão enunciada.
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2).1. O art. 69/1 da CRP, sob a epígrafe “Infância”, diz que “[a]s crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de agressão e contra o exercício abusivo da autoridade parental na família e nas demais instituições.” Para José de Melo Alexandrino, A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa, Volume II, A Construção Dogmática, Coimbra: Almedina, 2006, p. 501, o conceito aproxima-se da noção de desenvolvimento da personalidade do art. 26/2 da CRP, figura que corresponde a uma nova garantia fundamental, consagrada na revisão de 1997, que tem por objeto a proteção dos núcleos mais estreitos da personalidade ainda não adequadamente abrangidos pelo âmbito de proteção dos demais direitos constitucionalmente reconhecidos. Em termos próximos, cf. Rui Medeiros / António Cortês, “Art. 26.º”, Jorge Miranda / Rui Medeiros (Org.), Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 280 e ss.; e Joaquim Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 869.
Está aqui em causa um direito social típico, o direito da criança à proteção, que tem como contraponto deveres de prestação que se impõem ao Estado, mais concretamente aos órgãos legislativos, administrativos e judiciais através dos quais este prossegue os seus fins, e à sociedade (Joaquim Gomes Canotilho / e Vital Moreira, Constituição cit., p. 869).
O n.º 2 do mesmo art. 69 da CRP prevê a especial proteção que o Estado deve assegurar às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. Com isto define três situações típicas de perigo para as crianças: a orfandade, o abandono e a privação de um ambiente familiar normal. Joaquim Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição cit., p. 871, entendem que neste conceito não se contém a alusão a um modelo normativo de família, nomeadamente a família baseada no casamento, mas à falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança (situações de toxicodependência e alcoolismo, de prisão dos pais, etc.).
É neste contexto que surge a Lei de Promoção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1.09, e sucessivamente alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22.08, e pela Lei n.º 142/2015, de 8.09, que tem por objeto, de acordo com o respetivo art. 1.º, a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.
Como se salienta na Exposição de Motivos da proposta que deu origem à LPCJP, a formulação legal é tributária do art. 1918 do CC, na medida em que consagra o conceito de crianças e jovens em perigo, depois densificado, através da enunciação de exemplos no n.º 2 do art. 3.º, em detrimento do conceito, mais amplo, de crianças e jovens em risco (João Paulo Carreira, “As situações de perigo e as medidas de proteção”, AAVV, Direito Tutelar de Menores – O Sistema em Mudança, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, pp. 26-40), partindo, para tanto, do pressuposto de que nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança são legitimadores da intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e na autonomia da sua família. Por isso, a intervenção limita-se àquelas situações em que ocorre um perigo concreto para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem. O art. 5.º, a), da LPCJP define como criança ou jovem a pessoa com menos de 18 anos de idade, aderindo, assim, ao conceito do art. 1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo o qual criança é todo o ser humano com menos de 18 anos de idade. Importa, todavia, dizer que, do ponto de vista biopsicológico, o conceito de criança abrange o primeiro período de desenvolvimento do ser humano, até cerca dos 12 anos, enquanto o conceito de jovem compreende a fase de desenvolvimento subsequente, até à idade adulta. A única diferença que a LPCJP faz entre crianças e jovens consiste no reconhecimento de um papel ativo a estes no compromisso entre os pais, representantes legais ou quem tenha a guarda de facto, e as comissões de proteção ou os tribunais. Cf. art. 5.º, f).
A intervenção tem lugar mediante a aplicação, segundo os princípios orientadores consagrados no art. 4.º, em especial os da prevalência da família, da atualidade, da proporcionalidade, da responsabilidade parental e da audição obrigatória e participação, de uma medida de promoção e proteção, de entre as tipificadas no art. 35, as quais estão escalonadas na proporção direta do respetivo impacto sobre a vida da criança ou jovem. Como salienta Cláudia Antunes Martins, “A medida de acolhimento familiar em Portugal”, Lex Familiae, ano 11, n.ºs 21-22 (2014), pp. 5-20, no processo de escolha de uma medida de promoção e proteção, a entidade decisora deve dar prevalência àquela que evite a separação da criança ou do jovem dos seus pais ou do seu núcleo familiar, de modo a que não ocorra um corte abrupto com a sua realidade quotidiana e com as relações afetivas estruturantes, selecionando a medida de acolhimento residencial apenas em último recurso (art. 4.º, g), da LPCJP), salvo se essa solução for contrária ao seu superior interesse. É esta também a razão pela qual a medida de confiança a pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, apesar de elencada em último lugar, tem aplicação prevalecente sempre que, como será exposto na sequência, o tribunal – só o tribunal a pode decretar: art. 38, 2.ª parte – conclua pela impossibilidade de retorno da criança ou jovem ao seu meio natural de vida, estando verificados os demais requisitos para que possa ser confiada para adoção, com a consequente rutura com a família biológica.
O legislador distingue, no n.º 2 do art. 35, as medidas de proteção que podem ser executadas no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea e apoio para a autonomia de vida) das que são executadas em regime de colocação (acolhimento familiar e acolhimento residencial). A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e em regime de colocação no segundo e terceiro casos.
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2).2.  Os conceitos de risco e perigo a que aludimos são imprecisos e de difícil definição. De uma forma sintética, pode dizer-se que o indivíduo em risco é aquele que ainda não atingiu ou desenvolveu uma condição indesejada, mas apresenta maior probabilidade de a atingir, de futuro, quando comparado com o grupo a que pertence. Já o perigo será a iminência de concretização de uma ameaça, que coloca o indivíduo em situação limite de toda a sua integridade humana (A. C. Fonseca, “Crianças e Jovens em Risco: análise de algumas questões atuais”, AAVV, Crianças e Jovens em Risco – Da investigação à Intervenção, Coimbra: Almedina, pp. 11-37). A significância do dano pode ser entendida como um conjunto de eventos expressivos, graves e duradouros, que interferem com o desenvolvimento da criança e interrompem, alteram ou impedem o desenvolvimento físico ou psicológico. É expectável que uma criança nestas condições venha a ter muita dificuldade em ter uma visão positiva sobre si própria e sobre o seu futuro. Cf. “A league table of child maltreatment deaths in rich nations”, Innocenti Report Card”, n.º 5, September 2003, Florence: UNICEF Innocenti Research Centre.
De outra perspetiva, o conceito de necessidade surge como ponto de partida para uma interpretação da situação sinalizada. A definição das situações como de risco e/ou perigo deve radicar na interação das necessidades universalmente aceites com as necessidades culturalmente influenciadas, e passaria pelo estabelecimento de um padrão de cuidados mínimos, que constituiria referente relativamente ao qual se avaliaria a severidade e gravidade das situações (Maria Inês Cruz, O Perigo e a Tipologia do Abuso na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Lisboa: ISCTE – IUL, 2013, p. 24). Existiria uma situação de perigo quando estivesse em causa a saúde física ou psicológica da criança.
Por outro lado, os conceitos podem ser definidos “em função das representações sociais sobre os períodos de desenvolvimento (…) e as atitudes parentais adequadas”, tanto assim que “a decisão de se considerar um ato abusivo ou não pode ser afetada pelo nível de desenvolvimento” (M. Calheiros, A construção social do mau trato e negligência parental: do senso comum ao conhecimento científico, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2006, pp. 91-92). Partindo daqui, parece poder afirmar-se que uma intervenção, pelas ECMIJ’s, se houver risco, ou pelas CPCJ e, nos casos enunciados no art. 11.º da LPCJ, pelos tribunais, havendo perigo, deve ter lugar sempre que as necessidades de desenvolvimento, proteção e segurança de uma criança não sejam asseguradas pelo seu principal cuidador. O comportamento do principal cuidador tem assim uma relação direta com o desenvolvimento da criança e as ações e omissões registadas (Cruz, Maria Inês, O Perigo cit., p. 25).
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2).3. Como corolário do que escrevemos, o art. 3.º da LPCJ dispõe que:
“1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.”
O princípio a observar nesta sede é o do interesse da criança, na concretização do qual o tribunal deve apoiar-se em factos concretos, adquiridos no decurso do processo, a que preside o princípio do inquisitório (art. 986/2 do CPC, com referência ao art. 100.º da LPCJ), fazendo uma apreciação global de todas as circunstâncias pertinentes a uma situação justa e adequada.
Os direitos da criança sobrepõem-se aos direitos dos pais, de tal modo que as decisões são tomadas em benefício daquela e não em prejuízo destes. E porque a defesa dos interesses da criança é o objetivo da intervenção, não deve tratar-se o processo como um qualquer processo de partes[2], assente num modelo adversativo, assim se compreendendo as sérias limitações à publicidade que decorrem do disposto no art. 88 da LPCJ e, bem assim, do art. 164 do CPC, que é subsidiariamente aplicável, sobretudo quando esteja em causa a intimidade da criança, mesmo no confronto com os seus progenitores.
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2).4. O superior interesse da criança constitui o critério de decisão nesta matéria.
A este propósito, importa dizer que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e administrar os seus bens (art. 1878).
No âmbito do direito internacional, o interesse da criança ou do jovem é também fortemente enfatizado, designadamente na Base II da Declaração dos Direitos da Criança (aprovada pela Convenção das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959) em que se refere que “a criança deve beneficiar de uma proteção especial a fim de se poder desenvolver de uma maneira sã e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Também a Convenção da Haia relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção de Crianças, de 19 de Outubro de 1996 (aprovada pelo Decreto n.º 52/2008, de 13 de Novembro), afirma que os Estados membros reconhecem que a aplicação da Convenção e o reconhecimento das medidas tomadas pelas autoridades de um Estado Contratante poderão ser recusados se forem “manifestamente contrários à ordem pública do Estado requerido, tendo em consideração os melhores interesses da criança”.
A Convenção sobre os Direitos da Criança de 20 de novembro de 1989 (assinada em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90) acolheu o “superior interesse da criança como o princípio prevalecente na tomada de decisões.
Nem a lei nem os instrumentos internacionais definem o que deve entender-se por “interesse da criança ou do jovem”.
Por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o princípio só adquire relevância quando referido ao interesse de cada criança ou jovem, em concreto, defendendo-se mesmo que haverá tantos interesses quantos forem os menores.
O interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada um destes é, ele próprio, suscetível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias.
Para alguma doutrina, “o conceito de interesse da criança comporta uma pluralidade de sentidos. Não só porque o seu conteúdo se altera de acordo com o espírito da época e com a evolução dos costumes, ou porque é diferente para cada família e para cada criança, mas também porque relativamente ao mesmo caso, é passível de conteúdos diversos igualmente válidos, conforme a valoração que o juiz faça da situação de facto” (Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal, 2.ª Edição, Porto: Universidade Católica, 2003, p. 85).
Cabe, pois, ao julgador preencher valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado.
No fundo, significa que deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias de desenvolvimento físico e psíquico da criança, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade ou, como bem se refere em RC 16.03.2004 (0179/05), “quem, na verdade, define, em cada caso, o sentido dos conceitos intencionalmente deixados vagos na lei é o tribunal, no exercício da função que lhe cabe de a interpretar e aplicar, em face das realidades concretas da vida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 3, e 9.º, ambos do Código Civil.”
É ainda afirmado que “hoje reconhece-se o interesse do menor como a força motriz que há de impulsionar toda a problemática dos seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os seus legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspetos” (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 8/91 disponível em www.dre.pt)
O superior interesse da criança surge, assim, como um objetivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: - os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o Estado, ao adotar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos.
Na doutrina, foram ainda ensaiadas diversas definições do conceito, nomeadamente por Rui Epifânio / António Farinha (Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, Coimbra: Almedina, 1997, p. 376) que procuram explicar o “interesse do menor” como sendo “uma noção cultural, intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral.”
Outra tentativa de definição do conceito refere que “o interesse superior da criança deve ser entendido como o direito deste ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, definido através de uma perspetiva sistémica e interdisciplinar que não esqueça e não deixe de ponderar o grau de desenvolvimento sociopsicológico da criança” (Rodrigues, Almiro, “Interesse do Menor - Contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, pp. 18-19).
É um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado no caso concreto. Dito de outra forma, só pode ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspetiva sistémica e disciplinar, considerando que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias.
Em conclusão, o ordenamento jurídico configura o superior interesse da criança essencialmente como um critério orientador na resolução de casos concretos.
O interesse superior da criança não pressupõe a utilização pelo julgador de uma absoluta e total discricionariedade e, muito menos, de uma inadmissível arbitrariedade, conferindo ao juiz alguma dose de discricionariedade, mas no sentido de que a sua interpretação permite mais do que uma solução igualmente válida, primariamente concretizado através do recurso a valorações subjetivas.
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2).5. Assentes os pressupostos essenciais a tomar em consideração na resposta à questão enunciada, convém relembrar, por agora, que estamos perante uma criança – o AA – em benefício da qual foi decretada, em termos estritamente cautelares, uma medida de promoção e proteção de acolhimento residencial que dura há quase dois anos, tempo que corresponde há quase totalidade da sua vida.
A intervenção protetiva teve na sua génese atos graves, causadores de um perigo para a integridade física e emocional da criança, praticados pela progenitora e pelo companheiro desta – que então tinha a paternidade em relação à criança estabelecida por efeito de uma perfilhação que, entretanto, foi impugnada triunfantemente pelo Ministério Público. Em consequência desses atos, a progenitora foi condenada, em processo crime, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, em pena de prisão, suspensa na sua execução, e ainda nas penas acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais e de proibição de contactos com a criança, por um período de cinco anos, o que evidencia bem, a um tempo, o perigo que a mesma constitui para o filho e, a outro, o vazio existente no que ao exercício das responsabilidades parentais deste concerne.
Atualmente, o processo de promoção e proteção encontra-se na fase de instrução, na qual o Tribunal a quo se tem orientado pela definição de um projeto de vida para a criança alternativo ao que lhe devia ter sido proporcionado, desde o seu nascimento, pelos progenitores. Neste sentido, como resulta da descrição do iter processual, encontram-se em aberto várias possibilidades, que podem passar pela família biológica da criança, tanto do lado paterno como do lado materno, ou, não existindo aquelas, pelo encaminhamento para a adoção, o que pressupõe a aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Compreendem-se as cautelas do Tribunal a quo nesta matéria, as quais vêm posto travão aos sucessivos requerimentos apresentados pelo Requerente no sentido de uma opção – tendencialmente definitiva[3] – pela segunda via. É que, salvo nos casos de adoção do filho do cônjuge, a adoção não pode ser constituída sem que tenha existido uma prévia decisão de confiança, em que se afirme que é esse o projeto de vida adequado à criança ou jovem (art. 34/1 do RJPA, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8.09). Essa confiança pode revestir natureza administrativa, mediante decisão do organismo da segurança social, nos casos em que tenha havido prévio consentimento para a adoção ou em que o candidato a adotante seja já, por via de providência tutelar cível, o titular das responsabilidades parentais (arts. 34/2 e 36/8 do RJPA), ou judicial, mediante a prévia declaração de adaptabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção[4] em que seja decretada a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
A confiança judicial, pressupõe, no dizer do art. 38-A da LPCJP, que não existam ou se mostrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das cinco situações previstas no n.º 1 do art. 1978 do CC, na redação que foi introduzida pela referida Lei n.º 143/2015: a) se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos (alínea a)); b) se tiver havido consentimento prévio para a adoção (alínea b)); c) se os pais a tiverem abandonado (alínea c)); d) se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (alínea d)); e) se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (alínea e)).
Na doutrina e na jurisprudência mais recentes é largamente dominante o entendimento segundo o qual a prova de uma das circunstâncias das alíneas do art. 1978/1 não constitui presunção absoluta de que os vínculos afetivos próprios da filiação não existem ou estão seriamente comprometidos; de modo diverso, a inexistência ou o comprometimento destes constituiu um pressuposto autónomo relativamente às circunstâncias integradoras das alíneas a) a e) do art. 1978 do CC. A conclusão de que assim acontece, no termo do processo de promoção e proteção, pressupõe um exercício que passe pelas seguintes etapas: Aferição das dificuldades parentais; constatação da impossibilidade de mudança do comportamento parental; ponderação sobre o que é mais ameaçador para o desenvolvimento da criança: a permanência no contexto familiar ou a rutura com ele; resposta à questão de saber se os pais biológicos, com os seus comportamentos, comprometem seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação.
Do exposto resulta que a confiança de crianças ou jovens a terceiros com vista à adoção é a mais gravosa e intrusiva das medidas de promoção e proteção previstas: implica, ipso facto, a inibição do exercício das responsabilidades parentais e determina a separação física imediata e sem direito de visita entre pais e filhos (art. 1978-A do CC) e, sendo antecâmara necessária da adoção, leva, uma vez decretada esta, à extinção dos vínculos das relações familiares entre a criança ou jovem e os seus ascendentes e colaterais naturais (art. 1986 do CC). Por outras palavras, através da medida é subtraído aos pais o direito fundamental à educação e manutenção dos filhos, o que encontra justificação na sua funcionalização aos direitos fundamentais dos filhos: sendo aquele um direito que contribui para a plena realização pessoal dos pais, é também um dever para com os filhos. Daí o conceito de responsabilidade parental.[5]
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2).6. É este o contexto em que surge a questão decidenda: enquanto se encontra em acolhimento residencial, a aguardar que seja definido o seu projeto de vida, a criança deve ser privada, como pretende o Recorrente, de convívios com os familiares, mais concretamente o avô materno e a bisavó materna? Basta para justificar uma decisão nesse sentido os argumentos aduzidos pelo Recorrente no sentido de que aqueles convívios serão uma forma de a progenitor contactar com a criança por interposta pessoa e de que o avô materno e a bisavó materna devem ser liminarmente excluídos como alternativa ao encaminhamento da criança para adoção por só recentemente se terem apresentado como tal?
Como se percebe pelo verbo escolhido e destacado, entendemos que aquilo que está em causa é um direito da criança em acolhimento e, assim, separada dos pais e da família, em manter, regularmente, contactos com os mesmos e, bem assim, com as pessoas que lhe são afetivamente próximas, salvo se tal se mostrar contrário aos seus interesses, o que mais não é do que um reflexo do que se mostra reconhecido no art. 9.º/3, da Convenção sobre os Direitos da Criança, onde se estabelece o direito da criança separada dos pais em manter, regularmente, contactos com os mesmos, salvo se tal se mostrar contrário aos seus interesses.
Desde logo, importa dizer que o acolhimento residencial, como medida de promoção e proteção, é (rectius, deve ser) apenas uma etapa, de duração limitada, do percurso protetor. A casa de acolhimento deve ser um mero espaço de passagem e não um “lugar de moradia, território de referência para o quotidiano” da vida das crianças e para “a construção das suas identidades” (Ana Laura Martinez / Ana Paula Soares-Silva, “O momento da saída do abrigo por causa da maioridade: a voz dos adolescentes”, Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 14, n.º 2, Dez. de 2008, pp. 113 -132, acessível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v14n2/v14n2a08.pdf). A “prolongada proteção, promotora da dependência e da falta de poder da criança, tem, também, grandes implicações no desenvolvimento da criança” (Natália Fernandes, Infância e direitos: participação das crianças nos contextos de vida: representações, práticas e poderes, Braga: UM, 2005, p. 48, acessível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/6978). O ambiente familiar da casa de acolhimento é construído pela presença e proximidade, não assenta em relações de afeto espontâneas, mas no profissionalismo e dedicação dos que nelas servem. Deve cessar quando a reunificação familiar for possível ou quando se conclua pela sua inviabilidade e consequente redefinição de um projeto de vida alternativo, que passe por uma medida tutelar cível (v.g., a inibição ou limitação das responsabilidades parentais, com a subsequente instauração da tutela, o apadrinhamento civil ou mesmo o encaminhamento para a adoção).
A esta luz, compreende-se que o legislador, em prol dos princípios da proporcionalidade, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família, genericamente consagrados no art. 4.º, e), g) e h), d LPCJP, salvaguarde, no art. 53/3 e 4 da LPCJP, que: “Os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto da criança podem visitar a criança ou o jovem, de acordo com os horários e as regras de funcionamento da casa, salvo decisão judicial em contrário; [n]a falta ou ausência de idoneidade das pessoas a que se reporta o número anterior e nas condições ali referidas, o tribunal ou a comissão de proteção podem autorizar outros adultos idóneos, de referência afetiva para a criança, a visitarem-na.” Compreende-se também que, em cumprimento do mandamento conferido pelo n.º 1 do mesmo art. 53, o legislador preveja, no art. 21/1, k) e m), do DL n.º 164/2019, de 25.10, diploma que estabelece o Regime de Execução do Acolhimento Residencial, entre os vários direitos da criança em acolhimento residencial, que, salvo quando o superior interesse da criança ou jovem o desaconselhe, na execução da medida de acolhimento residencial dever-se-á atender à proximidade do agregado familiar de origem, por forma a não dificultar os contactos e visitas da família à criança ou ao jovem, promovendo as relações afetivas estruturantes, quer com a família nuclear, quer com quem tenha especiais relações de afeto. Como salientam Ana Teresa Leal / Chandra Gracias / Maria Oliveira Mendes, Regime de Execução do Acolhimento Residencial Anotado, CEJ: Lisboa, 2020, p. 51) “[e]sta alínea contém uma redação muito mais feliz do que a foi dada ao artigo 53.º, n.ºs 3 e 4, da LPCJP. De uma interpretação meramente literal desta última norma resulta que as visitas de adultos de referência para a criança só poderão acontecer na falta ou ausência dos pais, do representante legal ou de quem tiver a guarda de facto da criança, embora a mesma deva ser lida à luz dos princípios a que nos vimos referindo, o que determina que às pessoas mencionadas no n.º 4, acrescerão as referidas no n.º 3. Esta interpretação encontra agora consagração expressa e inequívoca na alínea aqui em análise.”
Como contraponto deste direito da criança, os pais e restante família têm o direito de contactar com a criança em datas e horários definidos, considerando as orientações do gestor do processo e as regras do regime de visitas da casa de acolhimento, sendo-lhes garantida privacidade nos contactos (art. 23/1, e), do mesmo diploma). Como é evidente, este direito deve ceder quando o superior interesse da criança desaconselhe os convívios.
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2).7. Isto dito, avançamos acrescentando que a progenitora está, por decisão judicial, que necessariamente tem de ser acatada, proibida de contactar a criança, “por si e por interposta pessoa.”
Os familiares mais próximos da criança são, para além do progenitor que recentemente entrou em cena, os avós, tanto os do lado paterno, como os do lado materno, sendo em relação a estes que vem colocada a questão.
Ressalta da matéria de facto que a criança não teve nunca qualquer contacto com estes seus familiares.
Afigura-se, no entanto, numa apreciação abstrata, que são eles quem se perfila, em primeira linha, para suprir o vazio existente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, bem quanto aos referentes familiares portadores de afetos. O progenitor – referimo-nos ao que, no presente, consta do registo como tal – é mesmo, no atual contexto, o titular exclusivo do exercício das responsabilidades parentais, atenta a inibição de que foi alvo a progenitora (art. 1913 do CC), apenas estando limitando pela medida de promoção e proteção de acolhimento residencial que está em vigor. Seguem-se-lhe os avós. E sabemos – sempre em abstrato – os que os avós são quem, muitas vezes, vale na promoção e proteção. Como reflete Paulo Guerra (Onde se fala em avós, afetos e direitos, disponível em https://observatorio.almedina.net/), com base na sua experiência de juiz de família e menores, “quantas institucionalizações se evitaram com o afago deste amor avoengo!”
Isto, repetimos, num plano abstrato que corresponde, digamos assim, ao desejável.
Mas o que releva aqui é o concreto: sendo certo que estes familiares, todos eles, individualmente e em conjunto, são potenciais responsáveis pela criança, pelo seu bem-estar e pelo seu desenvolvimento, será que o facto de nunca antes terem participado ou expressado vontade de participar desse processo é bastante para, à partida, os afastar?
Salvo o devido respeito, só uma visão determinista pode, com base apenas neste elemento, levar a semelhante conclusão: o que se pretende da intervenção protetiva não é atestar a falência da família natural da criança – aquela cujos laços de afetividade têm raízes biológicas –, mas recuperá-la até onde for possível. Só depois de, numa análise ponderada, se concluir pela irremediável falência da família natural da criança é que fica aberto o caminho para a definição de um projeto alternativo de vida que passe por encontrar outra família, meio possível de salvaguardar o direito constitucionalmente tutelado da criança a ter uma família.
Ora, para que aquele primeiro passo – a recuperação da família natural – seja dado, a intervenção protetiva não pode constituir-se como um obstáculo à aproximação da família à criança. Deve, pelo contrário, fomentá-la, com as necessárias cautelas, o que passa pela previsão de convívios, sem os quais não se podem estabelecer laços existenciais. Se a família responder afirmativamente, o caminho estará encontrado. Na hipótese contrária, haverá que partir para o caminho alternativo. Claro que esta é uma tarefa exigente. As dificuldades são potenciadas pela celeridade com que tem de ser realizada, de modo a respeitar o tempo da criança, que é escasso e flui rapidamente.
Tendo isto presente, concluímos, desde logo, que o argumento do Recorrente segundo o qual os convívios da criança com o avô materno e a bisavó materna devem ser recusados por estes nunca antes terem procurado a criança e o estabelecimento de uma relação de proximidade com ela é insubsistente.
E é insubsistente, também, porque se baseia numa análise feita em abstrato – e não em concreto – quanto ao juízo sobre a inconveniência dos convívios face ao superior interesse da criança, que o Recorrente dá como adquirido sem cuidar de o substanciar factualmente e indo mesmo em sentido oposto ao que foi expresso pelos técnicos que, no terreno, acompanham a criança e os seus familiares.
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2).8. Avançamos para o outro argumento – o de que o avô materno e a bisavó materna serão a interposta pessoa de que a progenitora se servirá para contactar com a criança.
Este afigura-se, ainda, mais frágil, baseado como está num juízo de prognose sobre factos futuros que não está minimamente sustentado em factos presentes.
Não pretendemos, com isto, negar que existe o referido risco. Afigura-se, no entanto, por um lado, que ele não é justificação bastante para se fechar a porta aos convívios, e, por outro, que está consideravelmente mitigado pelo cuidado que o Tribunal a quo, numa decisão que se apresenta como ponderada e equilibrada, suportada no parecer dos técnicos, teve em impor a supervisão técnica, que servirá não só de fator de dissuasão de comportamentos desadequados, como também para a avaliação da bondade da solução – que, nota-se, a qualquer momento pode ser revista.
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o presente coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o presente recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por o Requerente estar delas isento: art. 4.º/1, a), do RCP.
Notifique.
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Guimarães, 11 de julho de 2024

Os Juízes Desembargadores,
Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias
2.ª Adjunta: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade


[1] BB perdeu a qualidade de requerido na sequência da procedência da ação de impugnação da perfilhação, deixando, assim, de ter legitimidade para a prática de atos processuais.
[2] No sentido puro de Giuseppe Chiovenda, Principi di Diritto Processuale Civile, Napoli: Jovene, 1980, p. 579. Estando aqui perante um processo de jurisdição voluntária (art. 100 da LPCJ), em que não há propriamente um conflito de interesses entre pessoas que estão em posições antagónicas, mas mera controvérsia entre interessados, o conceito de parte deve ser usado num sentido diferente, como significando o sujeito titular das posições jurídicas ativas e passivas inerentes à relação processual e que, por isso, participa do contraditório instituído perante o juiz, podendo pedir, alegar e provar. Cf. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, II, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 428.
[3]  Cf. Gonçalo Oliveira Magalhães, “A (não) revisão da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção com fundamento na alteração das circunstâncias de vida dos pais da criança ou jovem”, Julgar Online, disponível em https://julgar.pt/.
[4] Na Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo DL n.º 314/78, de 27.10, entretanto revogada pelo art. 6.º, a), da Lei n.º 141/2015, de 8.09, previa-se a confiança judicial com vista a adoção como uma medida tutelar cível, que concorria com a medida de promoção e proteção. O RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8.09, não a prevê entre as medidas tutelares cíveis que enumera no seu art. 2.º. Apesar dessa lista não ser taxativa, certo é que o RJPA, em coerência com a redação que a Lei n.º 143/2015 deu ao art. 1978/1 do CC, só admite a confiança judicial decretada no âmbito de um processo de promoção e proteção. Com esta opção, pretendeu dar-se “maior coerência” e “maior segurança ao sistema”, evitando a duplicação das modalidades de encaminhamento judicial para a adoção. Cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 340/XII, pp. 2-3; e Lucília Gago, “O que se pode mudar no regime da adoção em Portugal”, 1.º Congresso do Direito da Família e das Crianças, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 171-196. A eliminação levantava, todavia, uma dificuldade: como proceder nos casos em que, não obstante, a verificação de uma das situações descritas no art. 1978/1 do CC, não há um perigo para o desenvolvimento da criança, por estar a ser cuidada por terceiro, com o qual criou uma situação de vinculação. Crê-se que terá sido a constatação desta fragilidade que levou à introdução da alínea d) do n.º 2 do art. 3.º da LPCJP, onde se considera que, em tais casos, existe uma situação de perigo. Neste sentido, cf. Guilherme de Oliveira, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 31, em http://www.guilhermedeoliveira.pt/styled-2/.
[5] Em atenção a estes efeitos, por imposição do art. 36/6, da CRP, a medida é necessariamente decretada por decisão judicial (art. 38 da LPCJP), no termo de um processo em que, pelas possíveis consequências, existe um incremento dos direitos e garantias processuais dos pais, que não devem ser inferiores aos previstos para os arguidos em processo penal. Compreende-se, portanto, que o art. 103/4 da LPCJP, numa redação introduzida pela Lei n.º 142/2015, imponha a constituição de advogado ou a nomeação de patrono aos pais na fase de debate judicial e que o art. 104/3, vinque que o contraditório é assegurado[5], o que pressupõe que os pais tenham a possibilidade de requererem diligências instrutórias e de se pronunciarem sobre o resultado das que foram determinadas na sequência de requerimento do Ministério Público ou oficiosamente e que vão servir para a formação da convicção do tribunal (art. 117 da LPCJP), com ressalva, todavia, da reserva do segredo de identidade relativo ao candidato a adotante a quem a criança possa ser confiada (art. 88/8 da LPCJP).