ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FIXAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
JUÍZOS DE EQUIDADE
CRITÉRIO DE REVOGAÇÃO DA DECISÃO
Sumário


1. Uma indemnização fundada em juízos de equidade apenas deve ser revogada ou alterada se, face à concreta factualidade assente, o juízo discricionário ínsito à liberdade decisória que enforma a sentença afrontar, de modo manifesto, as regras do senso comum, distanciando-se manifesta e exageradamente do sentimento jurídico dominante expresso na jurisprudência de casos idênticos.
2. Tendo-se provado que a autora realizou mais de 40 sessões de medicina física e de reabilitação, acompanhadas por tratamentos medicamentosos; que realiza tratamentos de homeopatia com vista a aliviar a dor de que padece; que sofre de uma dor crónica na cervical e de limitações físicas relevantes, que condicionam a sua autonomia e independência; que antes do acidente, a autora era uma pessoa alegre e bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais e amante da vida ao ar livre; que em consequência do acidente tornou-se uma pessoa irritável, vive em estado de angústia e depressão, nunca mais fez caminhadas; não consegue cozinhar de forma autónoma e independente; que a autora sofreu um défice funcional temporário total de 1 dia, um défice funcional temporário parcial de 195 dias; um quantum doloris de 4, padecendo de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixado em 5 pontos, tendo 41 anos à data do acidente, e sendo cozinheira independente com salário mensal declarado à segurança social de €628,83, afigura-se adequado manter as indemnizações fixadas pela 1ª instância de €15.000 a título de dano biológico e de €18.000 a título de danos não patrimoniais.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

AA instaurou a presente ação contra «EMP01..., SA».
Alegou que no dia 5 de setembro de 2016 pelas 18h30m, na Praça..., na localidade de ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-CI-.. conduzido por BB, propriedade de «EMP02..., Lda», o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-DB-.., propriedade e conduzido por CC e o veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-DU-.., propriedade e conduzido por DD.
A autora seguia como passageira no DB, no lugar da frente ao lado do condutor.
Foi a seguinte a dinâmica do acidente: o DB circulava na rotunda que circunda a Praça..., na localidade de ..., no sentido norte – sul, dirigindo-se para a saída que dá para a Rua ....
Imediatamente atrás de si circulava o DU, e atras deste o CI.
A certa altura, o condutor do DB ao aperceber-se da existência de um peão a atravessar a passadeira existente nessa rotunda, no cumprimento da obrigação de cedência de passagem imobilizou o seu veículo.
O condutor do DU também parou a sua viatura atrás do DB.
Quando o DU se encontrava totalmente parado veio a ser violentamente embatido pelo CI. Com a violência do embate o DU foi projetado para a frente tendo embatido com a sua frente na traseira do DB.
A eclosão do acidente ficou a dever-se única a exclusivamente à conduta do condutor do CI que não manteve a distância de segurança do veículo da frente, pelo que não logrou evitar a colisão.
Por contrato de seguro válido e eficaz à data do acidente, titulado pela apólice n.º ...85, o titular do CI transferiu para a ré a responsabilidade civil pela indemnização dos danos decorrentes da circulação da viatura.
A ré já pagou ao proprietário do DB a indemnização pelos danos patrimoniais para o mesmo decorrentes do acidente.
Em consequência do acidente, a autora sofreu danos corporais relevantes.
Após o embate, queixou-se de dores ao nível da coluna cervical e do braço esquerdo.
Foram chamados os bombeiros, e a autora foi imobilizada em plano duro e com colar cervical, e foi transportada para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., na cidade ..., onde ficou internada.
Realizou um RX e um TAC à coluna.
Teve alta cerca da 01h:00m do dia seguinte, com indicações de repouso e de tomar medicação analgésica, uma vez que sofreu um traumatismo vertebro-medular, provocando uma lesão ao nível dos tecidos moles da cervical.
A autora continuou a sentir dores e dificuldade na realização de alguns movimentos, nomeadamente ao nível da rotação do pescoço e da cervical e dores no seu braço esquerdo.
Como as dores não passavam, a autora recorreu aos serviços médicos do Hospital ... em ..., onde fez um RX e uma ressonância magnética à coluna cervical, sendo detetada uma fratura no braço esquerdo e uma lesão C5/C6.
A autora realizou mais de 40 sessões de medicina física e de reabilitação.
A autora, não obstante os tratamentos que faz, padece de uma dor crónica na sua cervical que se exponencia com qualquer esforço.
Para minimizar as dores, a autora tem feito tratamentos de homeopatia.
Ficou com bastantes limitações, condicionando a sua autonomia e independência, impedindo-a de fazer a sua vida habitual.
Encontra-se a ser acompanhada em neurologia.
Até à data do acidente a autora nunca tinha sentido qualquer limitação ou constrangimento no desempenho da sua função de cozinheira ou na execução das tarefas domésticas.
Não consegue elevar os braços acima da sua cabeça.
A autora era a única cozinheira do estabelecimento comercial denominado EMP03..., em ..., pertencente a si e ao seu marido. Por essa razão, o estabelecimento esteve fechado durante duas semanas, implicando um prejuízo de cerca de €3.000.
Não conseguiu voltar a cozinhar.
Teve de contratar uma cozinheira, a quem paga €650,00 mensais.
Em 2017 a autora contratou uma ajudante de cozinha a quem paga €120 por semana.
A autora esteve de baixa médica desde ../../2016 até ../../2017, tendo uma perda salarial de €5.633,33, considerando o rendimento mensal de €1.000 líquidos.
É ainda expetável que, por força das lesões sofridas, a autora tenha de se sujeitar a futuras terapêuticas, carecendo de acompanhamento médico, fisiátrico e medicamentoso regular.
Os danos não patrimoniais sofridos pela autora são também elevados, ascendendo a €30.000,00.
A autora auferia uma quantia mensal não inferior de €1.000 no exercício das suas funções de cozinheira.
A autora encontra-se impedida de desempenhar as tarefas domésticas inerentes ao seu agregado familiar.
Viu-se obrigar a contratar uma pessoa para realizar as tarefas domésticas, cerca de 12 horas por semana a quem paga semanalmente entre €50 e €60. Desde ../../2018, a autora já gastou com a contratação da empregada doméstica a quantia de €3.960,00.
Por fim, afirma que tem a sua capacidade de ganho afetada.
Em despesas médicas e medicamentosas, transportes e outros gastou €1.731,85.
Pede que seja a ré condenada a pagar à autora as seguintes quantias:
- €6.000,00 pelo encerramento do restaurante pelo período de 15 dias;
- €5.633,33 a título de indemnização pelas perdas salariais incorridas durante o período do ITA;
- €9.010,00 a título da indemnização pelo dano patrimonial incorrido com a contratação de uma cozinheira;
- €3.960,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial incorrido com a contratação de uma empregada doméstica;
- €30.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
No valor global de €56.335,18, a que deve acrescer as quantias a liquidar em ampliação do pedido ou em execução de sentença.
A essa quantia devem acrescer juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Regularmente citada contestou a ré aceitando quer a ocorrência do acidente, quer a sua responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos dele emergentes.
Não aceita, contudo, a dinâmica do acidente tal como a autora o descreve.
Alega que a autora sempre recusou ser observada ou tratada pelos médicos e nas clínicas com quem celebra contratos de prestação de serviços médicos, com vista a garantir a assistência médica aos sinistrados que a estas tenham direito.
Em setembro de 2016, a autora padecia de uma hérnia discal mediana/para mediana esquerda em C5-C6, que não tem nexo causal com o acidente em apreço.
Impugna, por desconhecimento, a matéria alegada pela autora, considerando, em todo o caso, excessivos, os valores reclamados.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento e, nessa sequência, foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, julgo a presente ação que AA instaurou contra «EMP01..., SA» parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de €44.522,15 (quarenta e quatro mil quinhentos e vinte e dois euros e quinze cêntimos): a título de indemnização por danos não patrimoniais (€18.000,00) e de danos patrimoniais (€26.522,15);
b) Ao valor mencionado acrescem juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
c) Absolve-se a ré do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento pela autora e pela ré.
Registe e notifique.

Inconformada com a decisão, a ré apelou, formulando as seguintes conclusões:
I. A decisão sobre a matéria de facto relativamente ao ponto 34 dos factos provados não foi a mais correta, uma vez que a prova produzida (ou melhor, não) não consente, no entendimento da R., que aquela seja a boa decisão a esse propósito;
II. Na verdade, e como se pode ver designadamente do depoimento de CC, marido da A., e das próprias declarações de parte desta A., transcritos praticamente na sua totalidade nestas linhas (sendo que é totalmente evidente que o depoimento de EE, também transcrito, não «conta», por pouco que seja, para esta ou outra qualquer matéria), não parece que os autos contenham mais que a mera alegação da A. constante de 96 a 98 do petitório que não permite que se «conclua» (sem prescindir da impugnação e da constatação de que alegação não corresponde a prova, naturalmente – e isto para além de que é óbvio que aquela A. não juntou, em nenhum momento, nenhum documento que servisse para o demonstrar) mais do que a A. terá alegadamente suportado o pagamento da quantia de €650,00 durante 6 meses (entre a data do acidente e março de 2017);
III. De sorte que, nem a formulação daquele ponto 34 dos factos provados corresponde ao alegado no petitório, nem – muito menos – à prova produzida (o marido da A. até disse que essa cozinheira esteve ao serviço da A. por 9 meses e com um salário de €900,00/mês (?!!!) e esta A., não falando em valores, mencionou «quase um ano», o que veio ser decalcado naquela formulação decidida), para lá de que não se vislumbra ser possível fazer ascender à «categoria» de facto (provado ou não) a expressão «quase um ano» (e subsequentemente, em termos de decisão, «deixar cair» o «quase» e «transformá-lo» num ano, como aconteceu);
IV. Acresce dizer, até por comparação com outras declarações designadamente do A. marido (p. ex. quanto aos alegados lucro e faturação do restaurante, à remuneração da A. e gorjetas), mas também com a inferior remuneração da A. e na qualidade de trabalhadora independente (facto provado nº 28) e ainda a ausência de qualquer menção no ofício da Segurança Social (entrado nos autos no dia 20.07.2018 – refª ...29) à dita D. FF que nem assim esses valores e duração contratual alegados (€650,00 e 6 meses) têm a mínima viabilidade de serem verosímeis;
V. Aliás, e nesse seguimento, importa também notar, por relevante, que o RMMG entre as datas mencionadas naqueles artigos da p. i. era de €530,00 até 31.12.2016 e passou a €557,00 no ano de 2017, pelo que, sendo o caso de se entender que à A. é devida alguma indemnização a este título e relegar tal questão para incidente de liquidação – sim, porque não há, pelo menos, qualquer «quantidade de dano» provada -, então o mais justo parece ser considerar uma média entre esses dois referenciais (média essa de €543,50), pelo período de 151 dias (cfr. factos provados nº 29 e 38) e não já sequer pelos 6 meses alegados no petitório;
VI. Mas, como dito, a R./recorrente entende que o problema não se situa no âmbito do incidente de liquidação (onde entende que nem se deverá chegar), porque é nítida a falência da prova da A. a este respeito (e tal configuraria apenas uma espécie de «segunda oportunidade» de prova), mas antes em tal factualidade dever ser dada como não provada;
VII. Ainda assim, e para a hipótese de se entender diversamente, então a redação daquele ponto da matéria de facto não deverá ultrapassar a seguinte (filiando-se rigorosamente nos limites avançados pela A. no petitório, obviamente):
- provado que «Teve de contratar uma cozinheira a quem pagou quantia não apurada, mas não superior a €650,00 mensais, durante um período de tempo que também não foi possível apurar, mas não superior a 6 meses.»
Posto isto,
B) Da discordância com a decisão de mérito.
B.1) Da indemnização arbitrada à A. pelo alegado dano decorrente da contratação de uma cozinheira para o restaurante.
VIII. Pelo já avançado, a recorrente discorda e entende que a sentença não andou bem no tocante à indemnização que, nesta parte, decidiu conceder à A., sendo certo que se entende, salvo sempre o devido respeito, que violou o disposto nos artigos 342º, nº 1 do Cód. Civil, mas também, sendo o caso, nos nºs. 1 e 2 do artigo 609º do C. P. C.;
IX. De sorte que a R./recorrente entende que deve ser absolvida dessa parte do pedido da A. ou, quando muito, e se assim não se entender (o que se admite apenas para efeitos deste raciocínio), apenas condenada no que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação e limitado ao período alegado de 6 meses e a um salário de €650,00/mês (embora não pareça que, mesmo assim, o montante e ou a duração devam sequer chegar a esses limites, mas antes ficar-se pelos 151 dias/5 meses e €543,50/mensais).
Segue-se que
B.2) Da indemnização arbitrada à A. pelo DFPIF-P (vertente dano patrimonial).
X. Relativamente a esta parcela da indemnização, a R./recorrente não pode acompanhar o raciocínio da douta sentença e desde logo porque não logra perceber de que forma terá(ão) sido «usado(s)» o(s) mencionado(s) juízo(s) de equidade;
XI. Com efeito, é muito lacónico (demasiado até) e «conclusivo» aquele parágrafo da pág. 19 da douta sentença, na medida em que, e sabido que a nossa jurisprudência tem vindo a usar de forma consistente e muito habitual, para dizer o menos, as fórmulas de cálculo como ponto de partida para uma decisão temperada depois pelo(s) tal(ais) juízo(s) de equidade, não consente que se perceba como afinal se «chegou lá», com que salário anual, por que período de tempo, se houve ou não «desconto» pela antecipação de pagamento/recebimento, etc.,
XII. Portanto, pura e simplesmente não se nos afigura possível, só com isto, avaliar se é justa ou não a quantia fixada a este título pela douta sentença, pelo que teremos de tentar sindicar com recurso a essas fórmulas de cálculo;
XIII. E para tal, utilizar-se-á aquela porventura mais simples do Sr. Conselheiro Sousa Dinis («Dano corporal em acidentes de viação, CJ, Ano IX, Tomo I, pág. 5), bem como, apenas para efeitos de um primeiro raciocínio, um salário mensal de €628,83, 12 meses (facto provado nº 28), o DFPIF-P de 5 pontos e um lapso temporal até ao limite da idade ativa (70 anos);
XIV. Assim, e mesmo que não se considere (ainda que apenas para efeitos deste raciocínio) qualquer «desconto» justificado pelo pagamento/recebimento de uma só vez e desde já, temos que o montante a que aquela fórmula permite chegar seria de €10.941,64 [= €628,83 x 12 meses = €7.545,96 x 29 anos (= 70 – 41) x 5 pontos (5%)];
XV. E, mesmo que se considerasse (o que não parece adequado neste caso) a esperança média de via de 83 anos, o montante a ter em conta seria de €15.846,52 [= €628,83 x 12 meses = €7.545,96 x 42 anos (= 83 – 41) x 5 pontos (5%)];
XVI. Contudo, neste como no outro caso, e tal como referido, é mister que seja efetuada uma dedução devida pela antecipação (e longa) do pagamento/recebimento desta parte da indemnização que se entende não deva ser menos de ¼ (ou 25%);
XVII. Mas também, dado que a A. é/era trabalhadora independente e a remuneração a atender não pode ser senão a líquida (vide, por todos, o ac. do STJ de 21.01.2021; proc. nº 6705/14.1T8LRS.L1.S1; Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; consultável em www.dgsi.pt ), que àquele rendimento da A. comunicado pela Segurança Social deve igualmente ser deduzida pelo menos a contribuição obrigatória para aquela Segurança Social de 11%, o que faz com que a remuneração relevante/líquida não possa/deva ser superior a €559,66/mês, com as inerentes consequências nos cálculos subsequentes (e tudo o mais);
XVIII. Ora, vistos todos os factos e fatores e ponderados (ainda que de forma meramente indicativa) dois «tipos» de cálculo, chega-se a um valor que se admite, temperado com o recurso à equidade, possa chegar a um máximo de €10.000,00 (até porque convém não esquecer que a douta sentença também condenou a R., autonomamente, numa quantia muito significativa e, salvo o devido respeito, exagerada – €18.000,00 - respeitante a danos não patrimoniais;
XIX. Várias são, aliás, as decisões jurisprudenciais (de que são exemplo o Acórdão do STJ de 29/10/2019 com o n° de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, o Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e o Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 987/11.9TBPDL.L, bem como os Acs. Do STJ de 20/11/2014, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, do TRP de 05/05/2014, proc. nº 779/11.4TBPNF.P1 e do TRC de 21/01/2020, com o nº de proc. 5370/17.9T8VIS. C1) de que se extrai, com muita facilidade, terem sido arbitradas indemnizações inferiores àquelas aqui arbitradas à A. a este título para DFPIF-P superiores àquele da A. (mas havendo a ponderar nesses casos outros fatores como p. ex. muito superiores vidas ativas e, naturalmente, esperanças médias de vida dos lesados) ou até bem mais elevados que o daquela.
Finalmente,
B.3) Da indemnização arbitrada à A. a título de danos não patrimoniais.
XX. Também no que concerne aos danos não patrimoniais, parece à R., vista designadamente e por comparação com decisões jurisprudenciais dos Tribunais Superiores (de que constituem exemplo os Acórdãos do S.T.J., datado de 23.02.2012 e proferido no âmbito do processo n. 31/05.4TAALQ.L2.S1 e da Relação de Lisboa de 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L-71, particularmente no que toca à gravidade das lesões/sequelas, em especial intervenções cirúrgicas, e à idade dos lesados, o que significa que ficaram/ficarão a padecer durante mais tempo dessas sequelas), que o montante arbitrado peca por excessivo;
XXI. Assim, é a R. de opinião que os danos não patrimoniais da A. devem ser fixados em não mais de €12.500,00;
XXII. A sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 342º, nº 1, 494º, 496º, nº 4, 562º, 564º e 566º do Código Civil, devendo ser revogada e alterada nos moldes defendidos nestas linhas.
Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio,
XXIII. Ademais, não parece que se possa/deva esquecer e deixar de fazer uma espécie de «análise de «conjunto», o mesmo é dizer que não pode deixar de se fazer a soma entre a verba respeitante ao dano patrimonial e aqueloutra referente ao dano não patrimonial para avaliar da justeza da decisão e do próprio uso da equidade da sentença (que se traduziu num total – que se entende ser exagerado - de €33.000,00 a esses títulos);
XXIV. De resto, e como sabido, os Tribunais Superiores têm vindo a entender e decidir que o chamado dano biológico inclui, para além de uma vertente patrimonial, também uma perspetiva não patrimonial, o que vale por dizer que se corre o sério risco de se verificar, pelo menos numa parte, uma duplicação;
XXV. De sorte que, feita essa aproximação e também por aí, entende a R. que uma verba total correspondente à soma das parcelas antes avançadas de uma forma isolada, por assim dizer, ou seja, a quantia total de €22.500,00 (= €10.000,00 + €12.500,00) corresponde a uma indemnização/compensação à A. mais justa e adequada no caso concreto.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, quer de facto, quer de direito, Vossas Excelências farão inteira justiça.
Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.

As questões a decidir são, assim:

- apurar se deve manter-se como facto assente o constante do ponto 34, ou se tal facto deve passar a ser considerado não provado ou, pelo menos, se deve ser alterada a redação de tal ponto e em que termos;
- apurar da correção do montante fixado a título de indemnização por dano biológico;
- apurar da correção do montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

1. No dia 5 de setembro de 2016, pelas 18h30m, na Praça..., na localidade de ..., freguesia ... ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-CI-.., propriedade de «EMP02..., Lda.» e conduzido por BB, o veículo ligeiro de passageiros de marca ... com a matrícula ..-DB-.., propriedade e conduzido por CC e o veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., com a matrícula ..-DU-.., propriedade e conduzido por DD.
2. A autora circulava como passageira no DB, no lugar da frente do lado direito.
3. O veículo DB circulava na rotunda dirigindo-se para a saída para a Rua ..., circulando atrás de si o veículo com a matrícula DU e, imediatamente atrás deste o CI.
4. O condutor do DB apercebeu-se da existência de um peão a atravessar a passadeira para peões existente nessa rotunda tendo imobilizado a viatura, tendo-se o DU imobilizado logo atrás.
5. Quando o DU se encontrava totalmente parado foi embatido na sua traseira pelo CI.
6. Tendo sido projetado para a frente vindo a bater com a sua frente na traseira do DB.
7. A responsabilidade pela eclosão do acidente resultou da conduta do condutor do CI.
8. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...85, válido e eficaz à data do acidente o titular do CI tinha transferido para a ré a responsabilidade civil emergente da circulação da viatura.
9. Após o embate a autora ficou com dores ao nível da coluna cervical e do seu braço esquerdo.
10. Foram acionados os meios de socorro, tendo os Bombeiros da ... procedido à imobilização da autora em plano duro e com colar cervical.
11. A autora foi transportada para o Centro Hospitalar ..., E.P.E, onde ficou internada para observações no serviço de urgência.
12. Tendo-lhe sido ministrados os primeiros cuidados médicos e medicamentosos.
13. Realizou um RX e um TAC à coluna.
14. A autora teve alta à 01h do dia seguinte, com indicações de repouso e de tomar medicação analgésica.
15. Em consequência do embate sofrido a autora sofreu um traumatismo vertebro-medular, provocando uma lesão ao nível dos tecidos moles cervical.
16. A autora continuou a sentir dores e dificuldade na realização de alguns movimentos, nomeadamente ao nível da rotação do pescoço e da cervical e dores no seu braço esquerdo.
17. A autora, como as dores não passavam apesar da medicação analgésica, recorreu aos serviços médicos do Hospital ... sito em ..., onde fez, um RX ao braço esquerdo e uma ressonância magnética à coluna cervical.
18. Tendo-lhe sido detetada uma fratura no braço esquerdo e uma lesão no C5/C6.
19. A lesão referida em 18 é consequência do embate sofrido pela autora.
20. Nessa sequência a autora realizou mais de 40 sessões de medicina física e de reabilitação, acompanhadas por tratamentos medicamentosos.
21. A autora realiza tratamentos de homeopatia com vista a aliviar a dor de que padece.
22. A autora padece de uma dor crónica na cervical.
23. E de limitações físicas relevantes, que condicionam a sua autonomia e independência.
24. A autora encontra-se a ser acompanhada na especialidade médica de neurologia.
25. A autora não consegue levantar os braços mais do que a sua cabeça, pelo que não é capaz de abrir armários que estão colocados acima da altura da sua cabeça, colocar roupa a secar no estendal, esfregar o chão, pegar nos sacos de compras, dar banho aos filhos, pegar nos filhos ao colo, mexer uma panela, descascar batatas, etc.
26. As dores de que a autora padece agudizam-se com as mudanças de temperatura, quando permanece algum tempo de pé, quando precisa de torcer o tronco, quando caminha mais de 200 metros, quando conduz.
27. A autora era a única cozinheira do estabelecimento comercial denominado “EMP03...” sito em ....
28. Declarando à segurança social, na qualidade de trabalhadora independente o montante de 628,83 € (30 dias).
29. A autora esteve de baixa médica desde ../../2016 a ../../2017.
30. Antes do acidente a autora era uma pessoa alegre e bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais e amante da vida ao ar livre.
31. Em consequência do acidente tornou-se uma pessoa irritável, vive em estado de angústia e depressão, nunca mais fez caminhadas.
32. A autora não consegue cozinhar de forma autónoma e independente.
33. A seguir ao acidente, e uma vez que a autora não conseguia cozinhar, o restaurante teve de estar fechado cerca de duas semanas.
34. Teve de contratar uma cozinheira a quem pagou €650,00 mensais durante quase um ano.
35. No futuro a autora terá de se sujeitar a terapêuticas, carecendo de acompanhamento médico, fisiátrico e medicamentoso regular, que importarão despesas.
36. A autora ficou com sequelas permanentes decorrentes do embate.
37. A consolidação médico legal ocorreu a 18/03/2017.
38. A autora sofreu:
- Um défice funcional temporário total de 1 dia.
- Um défice funcional temporário parcial de 195 dias;
- Período de repercussão temporária na atividade profissional total – 151 dias;
- Um quantum doloris de 4;
39. Padecendo de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica em 5 pontos.
40. As sequelas descritas são em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforço suplementares.
41. A autora tinha 41 anos à data em que ocorreu o acidente. Vive com o marido e três filhos.
42. Em despesas médicas, medicamentosas e de transporte a autora gastou pelo menos €578,00.

Factos não provados:

Com relevância para a decisão nada mais se provou, designadamente que:

a) A autora, em despesas médicas, medicamentosas e de transporte, gastou €1.731,85.
b) A autora não tem relações sexuais com o seu marido como tinha antes do acidente.
c) A autora viu-se obrigada a contratar uma empregada para fazer a limpeza da casa e tratar da roupa a quem paga entre €50 a €60 mensais, tendo até ../../2018 despendido a quantia de €3.960,00.
d) A autora necessitará de ajuda até ao fim da vida.
e) A autora auferia no restaurante um vencimento de €1.000 mensais.
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B. Fundamentos de direito. 

A recorrente impugnou o ponto 34 da matéria de facto provada, defendendo que o mesmo deve ser considerado como não provado ou, pelo menos, deverá ser alterada a sua redação, de modo a que fique a constar da mesma que a autora teve de contratar uma cozinheira, a quem pagou quantia não apurada, mas não superior a €650 mensais, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas não superior a 6 meses.

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta desta norma que ao apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
No que toca à especificação dos meios probatórios, estabelece o artigo 640º, nº2, alínea a), que: “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Analisado o teor do recurso, tais exigências formais mostram-se cumpridas.
Relembremos, por facilidade expositiva, a redação do referido ponto 34 dos factos provados:
34. (A autora) Teve de contratar uma cozinheira a quem pagou €650,00 mensais durante quase um ano.
O tribunal recorrido não fundamentou especificamente a sua convicção quanto a este ponto, transcrevendo os excertos de depoimentos que reputou relevantes.
O marido da autora referiu (minuto 11.11 a 11.27) que tiveram uma D. FF, cozinheira, a trabalhar para eles 9 meses. Mais referiu (minutos 16.35 a 16.47) a mesma ganhava €900,00.
A autora, em declarações de parte (minuto 10.58) referiu que a citada cozinheira FF esteve lá um tempo, quase um ano. – sic, período de tempo que repetiu ao minuto 19.47, quando instada pelo mandatário da ré.
Aqui chegados, impõem-se algumas considerações.
A alegada referida cozinheira FF não foi ouvida como testemunha, a despeito de, na petição inicial, aparecer como a apresentar. Com exceção do marido da autora, ninguém referiu o vencimento daquela, tendo referido €900 mensais. Não resulta da transcrição das declarações junta com o recurso que, em sede de declarações de parte, haja sido perguntado à autora quanto é que ganhava a alegada FF, e como lhe pagavam (numerário? Sempre? Não houve vez nenhuma que houvesse sido paga em cheque? Não há rasto documental de qualquer dos pagamentos ao longo desses meses? O restaurante tinha contabilidade? Tal alegado pagamento apareceu expresso contabilisticamente? Houve descontos para a segurança social relativamente à citada senhora? Em sede de IRS ou IRC tal alegado pagamento aparece declarado como despesa do restaurante ou da autora e/ou do seu marido?).
Competia à autora fazer a prova da referida contratação, do período de tempo que a mesma durou, e qual o montante que pagaram à alegada cozinheira.
Entendemos que não foi feita prova bastante. Ficamos com dúvidas que, nos termos do artº 342º, nº1, do Código Civil, oneram a autora.
Dissentimos, assim, do tribunal recorrido, e consideramos tal facto nº 34 como não provado, procedendo desta forma, nesta parte, a pretensão da recorrente.
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A recorrente insurge-se, depois, contra a decisão de mérito proferida.
Como consequência lógica da deliberação que considerou não provado o facto nº 34, tem a indemnização de €7.800,00 fixada na decorrência de tal pressuposto, ora inverificado, de ser revogada, por ausência de prova do respetivo facto constitutivo do direito à indemnização, o que se delibera.
Contesta depois a recorrente o montante da indemnização de €15.000,00 fixada na sequência do défice da integridade física de que ficou a padecer a autora, defendendo a recorrente que tal indemnização não deverá ultrapassar €10.000,00.
Questiona, igualmente, o montante da indemnização a título de danos não patrimoniais, que o tribunal recorrido fixou em €18.000,00 e que, defende a recorrente, não deveria ultrapassar o valor de €12.500,00.
Vejamos se é assim, seguindo de perto, por razões de uniformidade decisória e coerência expositiva, a nossa opinião geral sobre o assunto, já expressa em acórdãos anteriores.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016, processo nº 175/05.2TBPSR.E2.S1, refere-se o seguinte:
“A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis diminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspetivas de evolução no campo profissional plausivelmente afetadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis diminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido”.
Ou seja, a limitação funcional em que se consubstancia o denominado dano biológico tem como fundamento a efetiva redução das capacidades físicas e psicológicas do sinistrado, constituindo grave lesão do direito fundamental do lesado à sua integridade física, da qual pode derivar, ou não, conforme os casos, a correspondente perda da capacidade de ganho.
(Sobre esta matéria, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2017 (relator Oliveira Vasconcelos), proferido no processo nº 1862/13.7TBGDM.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2019 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 2706/17.6T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2021 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 730/17.8T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 2545/18.7T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 (relator Hélder Almeida), proferido no processo nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2013 (relator Salazar Casanova), proferido no processo nº 565/10.9TBPVL.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2011 (relator Gregório de Jesus), proferido no processo nº 7449/05.0TBVFR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 298/06.0TBSJM.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2011 (relator Vieira Cunha), proferido no processo nº 26422/18.2T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 5986/18.6T8LRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 2517/16.6T8AVR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 9957/19.7T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 1046/15.0T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022 (relatora Maria da Graça Trigo), proferido no processo nº 1082/19.7T8SNT.L1.S1,  - tudo apud  AcSTJ de 1 de março de 2023, processo nº 10849/17.0T8SNT.L1.S1.
Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho futuro, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objetivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enunciados na precedente alínea.” – cfr. AcSTJ de 14/09/2023, processo nº 1974/21.3T8PNF.P1.S1.
Considerar que o dano biológico se confunde exclusivamente com a perda da capacidade de ganho consubstancia uma interpretação excessivamente restritiva.
O que se trata aqui, é “da aplicação unicamente de juízos de equidade, nos termos gerais do artº 566º, nº 3, do Código Civil, que permitam calibrar um montante indemnizatório que abranja a menor potencialidade do acidentado no desempenho das funções laborais que, não obstante as lesões sofridas e respetivas sequelas, consegue desenvolver na mesma área económica ou empresarial. O sinistrado é, deste modo, compensado no âmbito do próprio dano biológico, pelo esforço acrescido ou suplementar que implica agora o desempenho da sua atividade laboral, que mantém em posição profissional (categoria) similar à que antes do acidente detinha, bem como pela perda de potencialidade para se alcandorar a um patamar superior de rentabilidade relativamente à sua atual prestação, com reflexo necessário na diminuição de nível remuneratório a que poderia, noutras circunstâncias e com razoável probabilidade, ascender.” – cfr. AcSTJ de 1/03/2023, processo nº 10849/17.0T8SNT.L1.S1.        

O mesmo STJ, em acórdão de 21/04/2022, processo nº 96/98.9T8PVZ.P1.S1, fez as seguintes considerações:
Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, suscetível de afetar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
(…) Com efeito, uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional, mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida. Pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético.
O lesado não pode ser objeto de uma visão redutora e economicista do homo faber. A incapacidade permanente (geral) de que está afetada a vítima constitui, nesta perspetiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional.
A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo direto na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho
Como decorre da sentença recorrida, a questão do dano biológico foi apreciada na perspetiva da perda da capacidade de ganho.
A autora tinha 41 anos à data do acidente (facto provado 41), era cozinheira (facto provado 27), e declarava à segurança social como vencimento mensal €628,83 (facto provado 28). Provou-se ainda que em consequência do acidente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 5 pontos (facto provado 39), e que as sequelas que sofreu são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforço suplementar (facto provado 40).
Cada caso tem as suas especificidades próprias, não sendo possível estabelecer um princípio decisório universal. Não obstante, fazendo um brevíssimo respigado jurisprudencial sobre decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça relativo a défice funcional igual ou parecido, verificamos o seguinte
- No AcSTJ de 4/07/2023, processo nº 342/19.1T8PVZ.P1.S1, a uma sinistrada com 45 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário líquido mensal de €2.859,19, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €35.000,00.
- No AcSTJ de 18/01/2023, processo nº 700/18.9PASNT.L1.S1, a um sinistrado com 31 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário líquido mensal de €998,35, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €35.000,00.
- No AcSTJ de 11/11/2021, processo nº 730/17.8T8PVZ.P1.S1, a uma sinistrada com 38 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário base mensal de €6.597,00, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €58.000,00.
- No AcSTJ de 23/03/2021, processo nº 1989/05.9TJVNF.G1.S1, a um sinistrado com 19 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário ilíquido mensal de €365, catorze vezes por ano, acrescido de €2,5 diários de subsídio de alimentação, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €12.000,00.
- No AcSTJ de 11/03/2021, processo nº 1330/17.8T8PVZ.P1.S1, a um sinistrado com 38 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário médio mensal de €1403 (rendimento anual de €16.942,62 + €2.700,00), foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €30.000,00.
- No AcSTJ de 17/12/2019, processo nº 2224/17.2T8BRG.G1.S1, a um sinistrado com 60 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário líquido mensal de €800,00 foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €10.000,00.
- No AcSTJ de 7/06/2018, processo nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, a um sinistrado com 29 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, em que o tribunal, com recurso à equidade, tomou como referência um salário médio mensal de €905,00, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €26.381,91.
- No AcSTJ de 5/12/2017, processo nº 1452/13.4TBAMT.P1.S1, a um sinistrado com 49 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário médio mensal ilíquido de €2.193,32, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €12.000,00.
- No AcSTJ de 25/05/2017, processo nº 868/10.2TBALR.E1.S1, a um sinistrado com 19 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, com sequelas que implicaram a perda do posto de trabalho e incapacidade permanente para a profissão habitual, com um salário base mensal de €455,40 foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €24.961,74.
- No AcSTJ de 16/06/2016, processo nº 1364/06.8TBBCL.G1.S2, a uma sinistrada com 40 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal ilíquido de €375,00 e subsídio de alimentação no valor de €49,50 foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €25.000,00.

Nesta Relação, podemos encontrar os seguintes acórdãos com casos (tanto quanto possível) similares:
- AcRG de 9/11/2023, processo nº 2984/22.9T8GMR.G1, a uma sinistrada com 26 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal de €1.201,48 e subsídio de alimentação no valor de €109,71, acrescidos de €387 médios mensais a título de trabalho suplementar, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €22.500,00.
- AcRG de 12/10/2023, processo nº 1557/20.5T8GMR.G1, a um sinistrado com 23 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal base de €582,00 e subsídio de alimentação no valor de €80,24, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €35.000,00.
- AcRG de 11/05/2023, processo nº 1236/18.3T8VRL.G1, a uma sinistrada com 20 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal desde ../../2022, de €1.069,04, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €32.000,00.
- AcRG de 6/10/2022, processo nº 4017/20.0T8GMR.G1, a um sinistrado com 19 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal de €635,00, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €20.000,00.
- AcRG de 29/09/2022, processo nº 2690/19.1T8GMR.G1, a uma sinistrada com 46 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal líquido de €803,63 + €827,63 foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €12.500,00.
- AcRG de 28/04/2022, processo nº 330/17.2T8BRG.G1, a um sinistrado com 34 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal de €1.545, acrescido de €4,27 a título de subsídio de alimentação por dia útil, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €38.000,00.
- AcRG de 3/10/2019, processo nº 225/17.0T8CBC.G1, a um sinistrado com 36 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, cujas sequelas são compatíveis para o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um salário mensal líquido de €702,48, foi fixada a título de dano biológico uma indemnização de €13.000,00.
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o tribunal recorrido fixou por défice funcional permanente (indemnização que, nos termos supra expostos, entendemos dever ser subsumível ao dano biológico) em €15.000,00.
Defende a recorrente que tal valor deve ser reduzido para €10.000,00.
Consideramos, nos termos supra expostos, que a indemnização a fixar deve ser buscada dentro de critérios de equidade e não com recurso estritamente a tabelas matemáticas, tendo sempre como farol decisório a factualidade provada.
Atenta a factualidade provada, no cotejo com as considerações que supra expusemos, considerando ainda a idade da autora/recorrida, o seu défice funcional permanente, a sua retribuição, e o recebimento imediato da prestação, afigura-se-nos que o montante fixado pelo tribunal recorrido não excede os parâmetros indemnizatórios jurisprudencialmente fixados, não afrontando critérios de justiça relativa (sendo certo que só a ré apelou, pelo que esta Relação só poderia manter ou descer tal montante, nunca aumentá-lo).
Improcede, assim, a pretensão da recorrente quanto a este ponto, mantendo-se a indemnização de €15.000, a título de dano biológico.
A recorrente insurge-se, seguidamente, quanto ao valor de €18.000,00 atribuído a título de danos não patrimoniais, defendendo que a indemnização a tal título não deve exceder os €12.500,00.
Importa realçar, desde logo, que a recorrente põe em causa somente o montante da indemnização arbitrada, tornando-se supérfluas, por isso, considerações doutrinais aprofundadas sobre o caráter da indemnização e respetivos requisitos.
A fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais pressupõe, nos termos do artº 496º, nº 1, do Código Civil, que aqueles, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo calculados, essencialmente, com base na equidade, de acordo com o nº 4 do mesmo preceito.
Por outro lado, e como assinala o STJ no seu recente acórdão de 14 de março p.p., processo nº 1008/19.8T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais sem indicação diversa, “Quando se trata de fixar indemnização por danos não patrimoniais está em causa, não propriamente, o seu ressarcimento, visto que, por sua natureza são insuscetíveis de avaliação económica, mas um esforço de compensação. Quer dizer, a função da indemnização, nestes casos, traduz-se em facultar ao lesado uma compensação pelo sofrimento, angústia ou incómodos relevantes que suportou em consequência do facto produtor dos danos”.
Na fixação de indemnização a este título, incumbe ao julgador uma dupla dimensão valorativa: tem não só de atender às especificidades do caso concreto, como também a critérios de justiça relativa, decorrentes do que foi fixado em casos tendencialmente idênticos.
Mas, a utilização de critérios de equidade na fixação da indemnização não impede que se tenham em conta as exigências decorrentes do princípio da igualdade e a inerente uniformização de critérios, pelo que devem sempre ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados pela jurisprudência em casos análogos. - cfr. AcRG de 11/05/2023, processo nº 1236/18.3T8VRL.G1.
Fazendo então um curto respigado jurisprudencial relativo a casos tendencialmente idênticos, em busca de critérios de justiça relativa, e servindo-nos dos exemplos já supracitados noutro âmbito, verificamos o seguinte:
- No AcSTJ de 4/07/2023, processo nº 342/19.1T8PVZ.P1.S1, a uma sinistrada com 45 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, um quantum doloris de 3 em 7, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1 em 7, perturbações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objetos pesados, irritabilidade, desconforto constante, baixa capacidade de atenção e concentração, e baixa tolerância à frustração, foi fixada a indemnização por danos morais em €20.000,00.
- No AcSTJ de 18/01/2023, processo nº 700/18.9PASNT.L1.S1, a um sinistrado com 31 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, em que o sinistrado ficou a padecer de sequelas, como sejam cicatriz na face anterior da clavícula esquerda, com tumefação exuberante e dolorosa à palpitação, acompanhadas de mobilidades do ombro esquerdo dolorosas, grelha costal esquerda dolorosa à palpação profunda e aquando da realização de esforços acrescidos; cicatriz na face lateral do pé esquerdo com 13 cm de comprimento, em que o quantum doloris foi fixado no grau 4 em 7, em que o dano estético foi fixado no grau 2 em 7, com uma repercussão permanente nas atividades desportivas de lazer fixada no grau 2 em 7, com repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 1 em 7, foi mantida a indemnização de €20.000,00 fixada pela 1ª instância a título de dano não patrimonial.
- No AcSTJ de 11/11/2021, processo nº 730/17.8T8PVZ.P1.S1, a uma sinistrada com 38 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, em que aquela ficou a padecer de cervicalgias e lombalgias, sentindo também parestesias nos membros superiores, de dores a nível cervical e lombar que se agravam quando passa muito tempo ao computador e quando conduz de forma continuada por longos períodos, em que a autora sofreu dores de grau 2 numa escala de 7, em que as sequelas determinam que tome analgésicos em SOS na fase de agudização das dores, manteve-se a indemnização de €15.000,00 fixada pela 1ª instância a título de danos não patrimoniais.

- No AcSTJ de 23/03/2021, processo nº 1989/05.9TJVNF.G1.S1, a um sinistrado com 19 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, em que o autor ficou a padecer de cicatrizes e instabilidade dos joelhos, em que sofreu dores fixadas no grau 3 numa escala de 7, em que ficou a padecer de dano estético de grau 1 numa escala de 7, em que tem dificuldade em subir ou descer escadas, em que deixou de entrar em competições desportivas, que corresponde a prejuízo de afirmação pessoal de grau 1 numa escala de 5, foi fixada em €25.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
- No AcSTJ de 11/03/2021, processo nº 1330/17.8T8PVZ.P1.S1, a um sinistrado com 38 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, em que as sequelas sofridas pelo autor têm repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 7, em que ficou a padecer de dano estético de grau 2 numa escala de 7, em que sentiu dores fixadas no grau 5 numa escala de 7, foi fixada indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €32.500,00.
- No AcSTJ de 17/12/2019, processo nº 2224/17.2T8BRG.G1.S1, a um sinistrado com 60 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, em que o autor ficou a padecer de queixas cérvico-lombálgicas e rigidez da coluna cervical e dorso-lombar, em que necessita de tomar medicação ocasional, em que o quantum doloris que sofreu foi fixado no grau 4 de uma escala de 7, foi fixada uma indemnização de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- No AcSTJ de 7/06/2018, processo nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, a um sinistrado com 29 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, em que o autor não conseguiu finalizar o ano do curso universitário que também frequentava, em que perdeu um ano letivo, em que tem dificuldades de ereção, em que o quantum doloris foi fixado no grau 4 numa escala de 7, que deixou de poder praticar desporto, foi mantida a indemnização por danos não patrimoniais no valor de €50.000,00.  
- No AcSTJ de 5/12/2017, processo nº 1452/13.4TBAMT.P1.S1, a um sinistrado com 49 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, em que o autor se sujeitou a prolongados e dolorosos tratamentos, sendo o quantum doloris fixado no grau 4, em que esteve internado um mês e teve de se deslocar de cadeira de rodas e de canadianas durante vários meses, em que toma esporadicamente medicação para dores, que terá de tomar para o resto da vida, em que apenas pode praticar algumas atividades desportivas, sofrendo repercussão permanente nas referidas atividades e de lazer fixada no grau 3 de 7, em que possui cicatrizes que o marcam e desfeiam, tendo marcha claudicante, sofrendo um dano estético permanente de 2 pontos numa escala de 7, foi-lhe fixada a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €12.500,00.
- No AcSTJ de 25/05/2017, processo nº 868/10.2TBALR.E1.S1, a um sinistrado com 19 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, em que o autor foi sujeito a 4 cirurgias e 125 sessões de fisioterapia, que sofreu um quantum doloris fixado em grau 4 numa escala de 7, que ficou a padecer de um dano estético fixado no grau 4 numa escala de 7, com repercussão nas atividades desportivas e de lazer fixadas no grau 3 em 7, e com uma repercussão na atividade sexual de grau 2, carecendo de apoio psicológico, foi-lhe fixada uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de €50.000,00.
- No AcSTJ de 16/06/2016, processo nº 1364/06.8TBBCL.G1.S2, a uma sinistrada com 40 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, em que a autora teve internamento hospitalar, em que o quantum doloris é fixável no grau 4 numa escala de 7, em que após o acidente sofreu um agravamento do estado depressivo, passando a sentir um estado de fadiga constante, sofrendo de lombalgias e dorsalgias que lhe causam sofrimento e mal-estar, foi-lhe fixada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €20.000,00.

Nesta Relação, podemos encontrar os seguintes acórdãos com casos (tanto quanto possível) similares:
- AcRG de 9/11/2023, processo nº 2984/22.9T8GMR.G1, a uma sinistrada com 26 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, que sofreu um quantum doloris de 3 pontos numa escala de 7, que sofreu intervenção cirúrgica e tratamentos pelo período contínuo de 15 meses, que deixou de se poder dedicar a atividades desportivas, com repercussão permanente na atividade de afirmação pessoal de lazer da autora valorizável em 2 pontos numa escala de 7, foi-lhe fixada uma indemnização a título de danos não patrimoniais de €20.000,00.

- AcRG de 12/10/2023, processo nº 1557/20.5T8GMR.G1, a um sinistrado com 23 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, que ficou com cicatrizes, que sofreu dores fixadas no grau 4 de uma escala de 7, que ficou com um dano estético fixado num grau 3 numa escala de 7, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixada no grau 2 numa escala de 5, em que o autor perdeu imunidade, estando sujeito a infeções graves, foi-lhe fixada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €25.000,00.
- AcRG de 11/05/2023, processo nº 1236/18.3T8VRL.G1, a uma sinistrada com 20 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, em que a autora carece de consulta anuais, vitaliciamente, por força das lesões sofridas, em que a autora sofreu um quantum doloris fixado no grau 3 em 7, que focou a padecer de dano estético fixado no grau 3 em 7, com uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixada no grau 1 em 7, em que a autora carece de tomar medicação analgésica, foi mantida a indemnização por danos não patrimoniais no montante de €27.500,00.
- AcRG de 6/10/2022, processo nº 4017/20.0T8GMR.G1, a um sinistrado com 19 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, em que o autor permaneceu durante 90 dias completamente imobilizado na cama, virado para o teto, em que padeceu de um quantum doloris fixado no grau 5 de uma escala de 7, em que ficou a padecer de um dano estético permanente fixado no grau 3 numa escala de 7, foi-lhe fixada uma indemnização de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- AcRG de 29/09/2022, processo nº 2690/19.1T8GMR.G1, a uma sinistrada com 46 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, em que a autora ficou com cicatrizes, com dano estético fixável em 3 pontos numa escala de 7, em que a autora ficou com a cara desfigurada mais de 6 meses, foi-lhe mantida a indemnização de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- AcRG de 28/04/2022, processo nº 330/17.2T8BRG.G1, a um sinistrado com 34 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, que padeceu de um quantum doloris fixado em grau 3 numa escala de 7, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixada no grau 3 e com uma repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 2, foi-lhe fixada a indemnização de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- AcRG de 3/10/2019, processo nº 225/17.0T8CBC.G1, a um sinistrado com 36 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, em que o autor padeceu de um quantum doloris fixado no grau 4 numa escala de 7, com repercussão permanente em atividades físicas e de lazer fixada no grau 3 numa escala de 7, com um dano estético permanente fixado no grau 2 de uma escala de 7, foi-lhe fixada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €2.500,00 correspondente ao pedido formulado pelo autor.
Retornando ao caso dos autos, verificamos que, com relevo para este segmento da decisão, provou-se que: a autora realizou mais de 40 sessões de medicina física e de reabilitação, acompanhadas por tratamentos medicamentosos; a autora realiza tratamentos de homeopatia com vista a aliviar a dor de que padece; a autora padece de uma dor crónica na cervical e de limitações físicas relevantes, que condicionam a sua autonomia e independência; antes do acidente, a autora era uma pessoa alegre e bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais e amante da vida ao ar livre; em consequência do acidente tornou-se uma pessoa irritável, vive em estado de angústia e depressão, nunca mais fez caminhadas; não consegue cozinhar de forma autónoma e independente; a autora sofreu um défice funcional temporário total de 1 dia, um défice funcional temporário parcial de 195 dias; um quantum doloris de 4, padecendo de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixado em 5 pontos.
No cálculo dos danos não patrimoniais decorrentes de acidente de viação, estando em causa critérios de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, sendo que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Por outro lado, “A equidade, como justiça do caso concreto, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio. Perante decisões recorridas fundadas na equidade, é adequado um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não se justificará a revogação.” – cfr. AcSTJ de 18/01/2023, processo nº 700/18.9PASNT.L1.S1.
À luz dos citados critérios, cotejados com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que acima citámos, entendemos que os €18.000,00 fixados pela 1ª instância ainda se mantêm dentro dos limites aceitáveis, não podendo tal quantia ser considerada manifestamente (sublinhamos o advérbio) exagerada.
Por outro lado, não há aqui qualquer dupla valoração, qualquer duplicação de valores indemnizatórios, entre os dois segmentos (dano biológico e danos não patrimoniais), que nos termos supra expostos, assentaram em pressupostos fácticos distintos.
Delibera-se, assim, manter o decidido neste ponto, improcedendo o recurso nesta parte.
Uma última nota para esclarecer que, por não ter sido impugnado, está-nos vedado tecer considerações sobre o decidido na sentença sobre o momento a partir do qual são devidos juros sobre tal quantia fixada a título de danos não patrimoniais.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, revogando a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à autora a quantia de €7.800,00 decorrentes dos custos com a alegada contratação de uma cozinheira;
Mais se julga improcedente o recurso na parte restante, confirmando-se o decidido na sentença quanto ao montante das demais indemnizações devidas.
Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento – artº 527º, nº1, e 2, do CPC.
Notifique.
Guimarães, 11 de julho de 2024.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Lígia Paula Venade.
2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães.