RECUSA PELA SECRETARIA DA PETIÇÃO INICIAL
COMPROVATIVO DE PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
MENÇÃO DE RAZÃO DE URGÊNCIA
PROTESTO PELA REIVINDICAÇÃO NO PROCESSO EXECUTIVO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO DE REINVINDICAÇÃO
Sumário


I Juntando a autora com a sua petição inicial comprovativo do pedido de apoio judiciário, e sendo a primeira apreciação feita pela secção de processos, para efeitos do previsto no art.º 552º, n.º 9, segunda parte, do C.P.C., tem de decorrer de forma expressa e com clareza da peça que pretende beneficiar dessa prerrogativa, indicando a razão que lhe subjaz, designadamente quanto se faz referência à junção desse comprovativo.
II Tratando-se da reivindicação de imóvel penhorado em sede executiva, e embora referindo o art.º 840º, n.º 2, do C.P.C., e ainda que em sede de reclamação face à recusa da secção de processos mencione o prazo aí previsto de 30 dias como razão de urgência, não fazendo a autora qualquer menção ao termo de protesto e sua data, mantém-se a ausência de invocação de razão de urgência que possa levar à aceitação da peça.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Em 10/01/2024, AA veio propor ação de reivindicação de propriedade contra BB (e não Digo, conforme contestação apresentada pelo próprio) e CC, alegando ser legítima proprietária (sendo seu bem próprio) do prédio urbano, sito em Lugar ..., Sr. Dos ..., ..., destinado a habitação, com 2 pisos, e área total de 400 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...42º da freguesia ..., concelho ..., e que esse prédio foi penhorado âmbito do processo n.º 164/19.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda em ... no Juízo de Competência Genérica, tendo como Exequente o aqui Réu BB e Executado o aqui também Réu CC, seu marido.
Juntou auto de penhora e certidão do seu registo, para o que remete na p.i., e pediu, além do mais, o cancelamento deste registo.
O auto de penhora reporta-se a 25/11/2022; na certidão consta como data da penhora 26/10/2022.
Atribuiu à ação o valor de € 65.000,00.
Disse na petição inicial (p.i.) que junta “documentos comprovativos do pedido de apoio judiciário, pelo que, não faz juntar a competente taxa de justiça”.
Juntou com a p.i. recibo de entrega de documentos junto da Segurança Social referente a proteção jurídica (dispensa de taxa de justiça e demais encargos), com data de 8/1/2024, mencionando a ação de revindicação de propriedade.

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A secção de processos enviou à autora (A.) a seguinte notificação:
“Assunto: Artº 17.º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto
Nos termos do art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto com as alterações introduzidas pela Portaria 170/2017, de 13 de março, fica notificado, na qualidade de Mandatário, e relativamente ao processo supra identificado, da recusa da petição inicial apresentada (artº 558º, nº1 alínea f) do C.P.C. Ou seja, falta de apresentação da concessão do apoio judiciário).
Do ato de recusa da petição inicial poderá apresentar reclamação, nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do CPC. Decorrido o prazo para a reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respetiva baixa na distribuição.
Prazo: 10 dias”
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A A. veio responder; referiu que corre o processo administrativo, e que “versando a petição inicial, aqui objetivada, uma ação de reivindicação de propriedade de um imóvel oriunda de um processo executivo, por efeito de penhora, esta, tem um prazo substantivo de 30 (trinta) dias (cf. N.º 2 do Art. 840.º do CPC), para ser intentada. (…) Assim, perante um prazo tão curto, e, agravado pelas férias judicias, que não suspende aquele prazo, quer-nos parecer que é razão de urgência perfeitamente enquadrável na estatuição do N.º 5 do Art. 552.º do CPC. (…) No formulário informático do sistema CITIUS, prevê, em local próprio, a citação urgente, é certo, mas não estamos perante um caso desse tipo, pois, em causa não está a citação mas o registo da própria ação. Coisa diferente. (…) Da natureza da ação e do conteúdo da petição inicial, tal urgência (cf. N.º 5 do Art. 552.º do CPC) é evidente, contudo, penitenciamo-nos por não termos feito notar por um qualquer outro meio tal facto.” Mais apela ao art.º 6º, n.º 2, C.P.C.
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De seguida foi proferido despacho:
“AA instaurou a presente ação contra BB e CC.
Não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da ação juntando comprovativo do pedido de apoio judiciário apresentado em 8 de janeiro de 2024.
A secretaria, invocando o art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto com as alterações introduzidas pela Portaria 170/2017, de 13 de março, fica notificou a autora da recusa da petição inicial apresentada (artº 558º, nº1 alínea f) do C.P.C.), ou seja, falta de apresentação da concessão do apoio judiciário).
Veio a autora apresentar reclamação nos termos do art. 559º, do Cód. Proc. Civil invocando o disposto no art. 552º, n.º5, do Cód. Proc. Civil na medida em que basta apresentar o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido, desde que justificada por uma razão de urgência, para a admissão da petição.
Versando a petição inicial numa ação de reivindicação da propriedade de um imóvel oriunda de um processo executivo por efeito de penhora esta tem um prazo substantivo de 30 dias para ser intentada, pelo que pugna pela admissão da petição inicial.
Apreciando.
Nos termos do art. 558º, do Cód. Proc. Civil são fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos:
(…)
f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do beneficio do apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º9 do artigo 552º.
Por sua vez, o art. 552º, n.º9, do Cód. Proc. Civil determina que sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.
A autora, em 08/01/2024 requereu junto da Segurança Social a concessão do beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A presente ação foi instaurada em 10/01/2024.
Na petição inicial a autora limitou-se a juntar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, nada tendo alegado quanto à urgência que, nos termos do art. 552º, n.º9, do Cód. Proc. Civil pudesse justificar a possibilidade de apresentação da mesma sem que aguardasse, pelo menos, pela formação do ato tácito do referido apoio nem requerido a citação urgente.
Verificam-se assim, os pressupostos de recusa pela secretaria.
Em sede de reclamação veio a autora invocar, nesse momento, que se verifica uma situação de urgência nos termos do art. 840º, n.º2, do Cód. Proc. Civil.

Determina este preceito, sob a epígrafe “cautelas a observar no caso de protesto pela reivindicação” que:

1 – Se, antes de efetuada a venda, alguém terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio com a transmissão, lavra-se termo de protesto; nesse caso, os bens móveis não são entregues ao comprador e o produto da venda não é levantado sem se prestar caução. 
2 – Se, porém, o autor do protesto não propuser a ação de 30 dias ou a ação estiver parada, por negligência, durante três meses, pode requerer-se a extinção das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens e o embolso do preço; em qualquer desses casos, o comprador, se a ação for julgada procedente, fica com o direito de retenção da coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço, podendo o proprietário reavê-lo dos responsáveis, se houver de o satisfazer para a entrega da coisa reivindicada.
Tal normativo insere-se no âmbito do processo executivo e exige que o terceiro tenha protestado pela reivindicação da coisa.
Assim, carece de fundamento a reclamação apresentada, pelo que se mantém a decisão de recusa pela secretaria.
Notifique.”
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Inconformada, a A. apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)
“– I -
Dos factos supervenientes ao despacho com ref.: ...96
Como se constata pelo Documento-B1, foi, entretanto, concedido o apoio judiciário à Autora, pelo que, em nosso modesto entendimento, tal facto superveniente, faz sanar qualquer irregularidade, transformando em inutilidade a questão em apreço.
Assim, com fundamento no N.º 2 do Artigo 6.º do Código do Processo Civil, deverá ser tido em conta tal facto e determinar-se a aceitação da Petição Inicial.
Caso assim se não entenda, então.:
– II -
Os Factos
A) - Da Petição Inicial
1- Em requerimento com ref.: ...45, de 25-01-2024 veio, o aqui Recorrente ali Autor, interpor «” Acção de Reivindicação de Propriedade “».
2- Da natureza da ação de Reivindicação de Propriedade e da respetiva Petição Inicial, no seu articulado 2.º e seguintes, é feita um descrição clara da causa e do objecto da ação, do qual resulta se estar perante uma reivindicação de um imóvel (cf. Art. 840.º N.º 1, CPC.)
3- É do conhecimento do Tribunal, que uma ação com esta origem, tem, tão somente 30 (trinta) dias para ser intentada (cf. Art. 840.º N.º 2, CPC).
4- Do exposto no supra «ponto 1 e 2» (a condicionante de 30 (trinta) dias), o pedido de apoio judiciário requerido para intentar a acção, que pela sua natureza, não seria possível esperar pelo deferimento tácito.
5- No último dia do prazo (10-01-2024), intensou-se a presente ação e fez-se, especialmente, referir que se fazia juntar, e juntou-se, o recibo e o requerimento a requerer apoio judiciário.
6- Desta forma, estava preenchido o requisito do N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, porquanto, estávamos perante uma comprovada razão de urgência bem expressa articulado 2.º da Petição Inicial reflexo do Artigo 840.º N.º 2, do CPC.
B) - Da recusa da Secretaria
7- A Secretaria judicial, vem recusar a petição inicial alegando incumprimento da alínea f) do N.º 1 do Artigo 558.º do CPC.
8- No Documento-B1 , comprova-se que só em 31-01-2024 foi emitida a notificação da aqui Recorrente com a concessão do apoio judiciário, pelo que não podia em 10-01-2024 , data do registo da petição inicial ter apresentado tal concessão.
9- Na previsão normativa da alínea f) do N.º 1 do Artigo 558.º do CPC, com a remissão que faz para o N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, admite ao caso presente, que se baste com a apresentação do requerimento para a concessão do apoio judiciário, porquanto, estamos perante uma razão de urgência, por via da natureza da ação, tal como o expressamente previsto nesta última norma.
10- Previsão normativa essa, que a Secretaria Judicial não observou.
– III -
Do despacho em recurso
ref.: ...96
C) - 1.º Grupo de argumentos
11- Apresentada reclamação sobre a recusa da secretaria, nos termos do N.º 1 do Artigo 559.º do CPC, recaiu o despacho com ref.: ...96 aqui em recurso, que vem manter a decisão da secretaria em dois grupos de argumentos, que se extraem as premissas:
12- a) « … limitou-se a juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário …»
i)- O normativo N.º 9 do Artigo 552.º do CPC não exige qualquer outro documento, que não seja o comprovativo de se ter pedido o apoio judiciário.
13- b) « … nada tendo alegado quanto à urgência …»
i)- No formulário de apresentação da ação, « CITIUS », existe um campo para assinalar a citação urgente, é certo, mas não existe, pelo menos que saibamos, qualquer campo para assinalar ação urgente.
ii)- Entendemos, que a urgência de uma ação judicial se afere pela sua própria natureza, não sendo o juízo que a parte faz ou a classifica que lhe atribuiu aquela natureza.
iii)- Ora, no normativo aqui em pareço, N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, impõe como requisito qualquer razão de urgência.
iv)- A razão de urgência essa, que caso em apreço, só é possível determinar pelo conteúdo substantivo da própria ação, que no aqui presente, tal facto ressalta da natureza da ação exposto no articulado 2.º e seguintes da P.I., que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
v)- Mostram-se plena e objetivamente cumprido o requisito imposto pela norma do N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, no que à razão de urgência diz respeito.
14- c) «… nem requerido a citação urgente …»
i)- Desde logo, citação urgente e ação urgente não são uma e a mesma coisa.
ii)- Citação urgente prende-se com a interrupção do termo do prazo para interpor determinada ação, independentemente da natureza da ação.
iii)- Ação urgente, prende-se, tão só, com a natureza da ação, nada tendo a haver com o momento que é feita a citação, para o qual este acto não reveste de qualquer significância nem é determinante. A natureza da urgência da ação é independente do acto de citação.
iv)- O despacho recorrido lavrou em erro ao determinar que para o cumprimento do N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, estava dependente de se ter requerido a citação urgente.
15- d) «… sem que aguardasse pela formação do ato tácito do referido apoio …,»
i)- Tal facto, o de a Autora não ter esperado pela formação do acto tácito no apoio judiciário requerido, não é requisito da norma em questão, N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, nem podia.
ii)- Nem poderia ser, porquanto, o acto tácito só se forma após decorridos 30 (trinta) dias sobre o momento do pedido N.º 1 e N.º 2 do Artigo 25.º do RCP.
iii)- Ora, a aceitação da petição inicial condicionada ao acto tácito sobre o requerido apoio judiciário tronava-a automaticamente numa inutilidade, porquanto, o prazo para a interposição da ação de reivindicação oriunda dum processo executivo tem tão somente 30 (trinta) dias para ser interposta (cf. N.º 2 do Artigo 840.º do CPC.), que, se condicionada ao disposto no N.º 1 e N.º 2 do Artigo 25.º do RCP, a colocaria fora de prazo.
iv)- Elaborou em erro o despacho recorrido ao determinar que para o cumprimento do N.º 9 do Artigo 552.º do CPC, estava dependente de se ter esperado pela formação do acto tácito.
D) - 2.º Grupo de argumentos
16- Neste 2.º grupo de argumentos, vem o despacho recorrido, também, indeferir a reclamação apresentada e manter a decisão da secretaria, porquanto, segundo alega, o caracter de urgência prende-se com um processo executivo, e, só aí verificáveis os pressupostos para determinar o caracter de urgência.
17- Na petição inicial, a Autora, faz claramente evidenciar o porquê da ação que se intenta bem expresso no articulado 2.º e seguintes da P.I., que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
18- Ficou claramente demostrada na petição inicial a razão de ser da presente ação de reivindicação, bem como o caracter de urgência da mesma, com a indicação clara e precisa de onde imana quer em termos de processo, bem expresso no articulado 2.º e seguintes da P.I., que aqui se dá por inteiramente reproduzida, quer em termos de tribunal.
19- Ao contrário da forma de ver do despacho recorrido, e, embora o caracter de urgência imane de uma ação executiva, é precisamente por essa causa que lhe advém o carácter de urgência da ação de reivindicação intentada.
20- Sempre se está a menosprezar em toda a linha o espírito e a letra do N.º 2 do Artigo 6º do CPC, que pese embora se tenha solicitado, deveria ter sido observado pelo tribunal, porquanto, a feitura da justiça estará sempre primeiro que inócuos formalismos.
Assim, se não vê fundamento para dar como não cumprido o disposto no N.º 9 do Artigo 552.º do CPC.”
Pede o provimento do recurso e, em consequência, que seja revogado o despacho recorrido, sendo substituído por um outro que determine a aceitação da Petição Inicial e o prosseguimento dos autos.
Junta comprovativo da decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal.
Foi determinada a citação dos réus para os termos da ação e do recurso, tendo o réu BB apresentado contestação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1 (ex vi 663º, n.º 2), 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Todavia, não pode o Tribunal conhecer questões que não tenham prévia e/ou oportunamente sido suscitadas, uma vez que o nosso sistema recursivo visa apenas (re)apreciar decisões proferidas, com respeito pelo trânsito em julgado que sobre as demais tenha recaído –art.ºs 627º e 628º do C.P.C..
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se face à junção posterior da decisão que concede à autora o benefício de apoio judiciário, é inútil a apreciação da questão;
-se não há motivo legal para a recusa da p.i., devendo a mesma ser aceite em sede de reclamação para o juiz da recusa de recebimento levada a cabo pela secção de processos.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Assim delimitado o objeto da apelação, os factos a atender são os que constam do relatório e que se reportam à tramitação processual.
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IV MÉRITO DO RECURSO.

O art.º 558º, n.º 1, f), do C.P.C., dispõe que é fundamento de rejeição da petição inicial não ter sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do art.º 552º (cfr. art.º 14º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).
Este último menciona que “sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.”
Estas situações são alternativas como decorre claramente da utilização da conjunção “ou”, estando apenas em causa a verificação ou não da segunda hipótese. E não há qualquer confusão de situações, o Tribunal não faz efetiva referência à primeira delas, como iremos ver, na medida em que a A. não pediu a citação urgente a que se refere o art.º 561º nem alegou a iminência de termo de prazo de caducidade.
Temos então por assente que com a p.i. não foi comprovado o pagamento prévio da taxa de justiça, nem foi junto comprovativo da concessão de apoio judiciário, feito o respetivo pedido dois dias antes da entrada da ação.
Face ao primeiro argumento recursivo, entende-se que o recurso não é inútil, nem o despacho ficou prejudicado, pela junção posterior (derivado de decisão posterior) do comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário. De facto, o nosso sistema recursivo destina-se a apreciar as questões tal como elas foram colocadas ao Tribunal de 1ª instância. E esse Tribunal também não pode alterar as suas decisões, esgotado que esteja o poder jurisdicional – art.º 613º, n.ºs 1 e 3, C.P.C.; os pressupostos formais para a admissão da p.i. terão de estar verificados quando a mesma é apresentada, salvo casos em que seja admissível convite ao aperfeiçoamento nos termos do art.º 590º, n.º 3, C.P.C., que também não teria aqui aplicação já que a A. não tinha de facto ainda a decisão do pedido de apoio judiciário, não se tratando da falta de junção do comprovativo da decisão (trata-se da falta de decisão).
O art.º 6º, n.º 2, C.P.C. destina-se igualmente a sanar a falta de pressupostos suscetíveis de sanação – seria o caso, mais uma vez, de ter apenas ocorrido falta de junção do comprovativo da decisão já obtida, e não falta dessa mesma decisão, que se rege antes pelos artigos e pelos termos que iremos (re)analisar.
Ora, dúvidas também não parece haver que quem pretenda beneficiar desta situação prevista na segunda parte do n.º 9 citado tem de alegar a razão de urgência.
Sendo a primeira apreciação feita pela secção de processos, efetivamente tem de decorrer de forma expressa e com clareza da peça que pretende beneficiar dessa prerrogativa, indicando a razão que lhe subjaz.
A A. não o fez. Referiu a junção do pedido de apoio judiciário apresentado na S.S., em alternativa à “competente” taxa de justiça, e nada mais. Nesse local deveria acrescentar o motivo porque junta apenas o comprovativo do pedido. Justificava-se por isso a nosso ver inteiramente a recusa da peça pela secção de processos, já que esta não tem de retirar conclusões jurídicas da leitura da peça.
Pergunta-se então se o Tribunal, numa segunda fase e inclusive após esclarecimento em forma de resposta por parte da A., teria de (e poderia) verificar se pela leitura da peça decorre a razão de urgência, e se isso dispensaria aquela indicação expressa e clara que poderia justificar (se entendesse como nós) a decisão da secção, mas já não a sua manutenção em sede de reclamação.
Ora, lida a peça e lida a resposta à recusa, continua sem se evidenciar a razão de urgência.
De facto, a A. esclareceu que o imóvel foi penhorado em sede executiva e que, sendo seu bem próprio, o pretende reivindicar. E alude ao art.º 840º, n.º 2, C.P.C..
Como bem referiu o Tribunal recorrido, esse artigo exige que o reivindicante lavre naquele processo executivo termo de protesto, e o prazo de 30 dias para a propositura da ação de reivindicação conta-se desse termo.
A A. nada diz ou esclarece quanto à elaboração do termo e sua data, para que se pudesse cogitar a aplicação do prazo de 30 dias para a propositura da ação, não se entrando aqui na controvérsia relativamente à natureza desse prazo e efeitos da sua ultrapassagem. E porque efetivamente não estava em causa um pedido de citação urgente, tal enquadramento não tem aqui de ser feito. O Tribunal recorrido apenas em abstrato alude a essa possibilidade, tal como alude à formação do ato tácito apenas para referir que nada foi dito em abono da urgência na propositura da ação.
Neste recurso vem a recorrente aludir a 10-01-2024 como último dia do prazo para propor a ação, mas, além de o fazer pela primeira vez (e, como vimos, está vedado ao Tribunal de recurso apreciar “questões novas”), continua sem justificar essa afirmação com a referência à elaboração do termo de protesto e sua data. Veja-se ainda o art.º 841º C.P.C. para o caso de não formalização de termo de protesto, e ausência daquele prazo.
Assim sendo, nem o Tribunal recorrido numa fase posterior, lendo a peça e enquadrando juridicamente, e ainda que com apelo à resposta oferecida pela A., poderia ter concluído pela justificação de uma razão de urgência para a propositura da ação.
E assim sendo, não está cogitada nenhuma exceção à obrigatoriedade de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da decisão que concede o benefício de apoio judiciário, e, tendo feito o respetivo pedido, a A. teria de aguardar esta decisão.
É correta então a recusa da peça pela secção de processos e correta a decisão do juiz que manteve o seu não recebimento (cfr. artº.s 558º, n.º 1, f),, e 559º, n.º 1, C.P.C.).
Deve por isso improceder a apelação.
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As custas do recurso são a cargo da recorrente, porque vencida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário – cfr. art.º 527, n.ºs 1 e 2, C.P.C..
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da autora totalmente improcedente, e em consequência, negar provimento à apelação, confirmando o despacho recorrido que manteve o não recebimento da p.i..
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Custas do recurso a cargo da recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 11 de julho de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Rosália Cunha.
2º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)