REVISÃO DA INCAPACIDADE
REMIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


I – A nulidade da sentença, com fundamento em ambiguidade que a torna ininteligível, apenas se verifica quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes;
II – Constando-se que apenas está em causa a discordância da recorrente quanto à idade do sinistrado a considerar no cálculo do capital de remição, a questão colocada não se insere no âmbito de nulidade da sentença, por ambiguidade que a torna ininteligível, mas sim no âmbito do erro de julgamento;
III – Conforme resulta da “observação” constante da portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro, na tabela a aplicar no cálculo do capital de remição deve tomar-se em conta a idade do sinistrado correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos;
IV – Assim, se a pensão fixada na sequência de um incidente de revisão da incapacidade for, tal como a inicialmente fixada, obrigatoriamente remível, o cálculo do capital de remição deve ser efetuado não com referência à data da alta clínica do sinistrado (17-04-2018), mas sim à data a partir da qual foi alterado o montante da pensão (13-01-2023).
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 1177/18.4T8STR.1.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I. Relatório
Por sentença de 29-09-2019 foi declarado que o sinistrado AA (nascido em ../../1960) se encontrava afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,12 (12%), e, em consequência, condenada a responsável Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Ramos Reais, S.A., a pagar àquele, a título de capital de remição de pensão anual e vitalícia, a quantia de € 9.273,03, vencida desde 18-04-2018.
No referido cálculo do capital de remição, e no que à taxa correspondente à idade mais próxima do sinistrado diz respeito, foi aplicada, de acordo com a portaria n.º 11/2000, de 13-01, a taxa de 11,769.
No seguimento, o capital de remição foi entregue ao sinistrado.

Entretanto, em 13-01-2023, o sinistrado veio requerer, nos termos do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portador.

O incidente correu os trâmites legais, tendo vindo a ser proferida sentença, em 05-03-2024, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julga-se procedente o incidente de revisão da incapacidade e, consequentemente:
1. Declara-se o sinistrado AA afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial global de 16,5000% (correspondente ao agravamento de 4,5000%), devida desde 13/01/2023.
2. Condena-se CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE RAMOS REAIS, S.A. a pagar ao sinistrado, o capital de remição de uma pensão anual de € 295,47 (duzentos e noventa e cinco euros e quarenta e sete cêntimos) e, porque obrigatoriamente remível, uma indemnização em capital no valor de € 3.477,39 (três mil, quatrocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos), devida desde 13/01/2021, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, calculados desde aquela data e até integral pagamento.
(…)».

A seguradora interpôs recurso da sentença, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«1. Por sentença judicial transitada em julgado e proferida nos autos principais, o sinistrado AA, nascido no dia ../../1960, ficou afetado de uma incapacidade permanente (IPP) de 12%, desde o dia 18/04/2018 (dia seguinte ao da alta), tendo a ora Recorrente sido condenada a pagar um capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €.9.273,03, calculado a partir do referido dia. Àquela data, teria 58 anos.
2. O sinistrado deu início ao presente incidente de revisão de incapacidade, alegando
uma recaída, por requerimento de 13.01.2023.
3. À data do mencionado requerimento, teria 63 anos.
4. Veio a apurar-se em sede de junta médica um agravamento na incapacidade do sinistrado, tendo por base a atribuição de um coeficiente global de incapacidade de 16,5000%, correspondente a um agravamento de 4,5000%.
5. Em face do resultado, o douto Tribunal julgou procedente o presente incidente de revisão de incapacidade, por Decisão de 05.03.2024.
6. Tendo a ora Recorrente sido condenada nos seguintes termos: “2. Condena-se CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS- COMPANHIA DE RAMOS REAIS, S.A. a pagar ao sinistrado, o capital de remição de uma pensão anual de €.295,47(duzentos e noventa e cinco euros e quarenta e sete cêntimos) e, porque obrigatoriamente remível, uma indemnização em capital no valor de €.3.477,39 (três mil, quatrocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos), devida desde 13/01/2021, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, calculados desde aquela data e até integral pagamento.” (sublinhado nosso)
7. É patente o lapso de escrita constante do ponto 2. da parte VI. DISPOSITIVO da douta Decisão, onde se refere a data a partir da qual é devido o capital de remição da pensão anual, porquanto o presente incidente de revisão teve início a 13/01/2023.
8. Sem conceder, da douta Decisão de 05.03.2024 resultam os cálculos do capital de remição, explanados nos termos seguintes: “ (…) o sinistrado tem direito a uma pensão anual no valor de €.1.083,39: €.9.380,00 x 70% x 16,5000%.
Importa ter em conta que, anteriormente, já havia sido fixada uma pensão com base numa IPP de 12 na importância de €.787,92, obrigatoriamente remível, sendo o capital de remição pago no valor de €.9.273,03.
(…)
Impõe-se assim deduzir a importância de €.787,92, à quantia acima encontrada de €.1083,39.
Obtemos, então, o valor final anual de €.295,47 (€.1083,39 - €.787,92), pelo que se conclui que o sinistrado é credor da pensão anual e obrigatoriamente remível de €.295,47 devida desde a data do pedido de revisão.
Sendo a referida pensão é obrigatoriamente remível (porque inferior ao valor correspondente a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida), tem o Sinistrado direito a uma indemnização em capital no valor de €.3.477,39 (€.295,47 x 11,769, de acordo com a Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro e por referência à idade mais próxima do sinistrado à data da alta médica), devida desde 13/01/2023 (data da entrada do requerimento que deu início ao presente incidente de revisão).
9. Ora, não se entende porque foi considerada a taxa de 11,769, fixada pela Portaria nº 11/200, de 13 de janeiro, correspondente à idade de 58 anos, se o capital de remição será devido desde “13/01/2023 (data da entrada do requerimento que deu início ao presente incidente de revisão).”
10. É entendimento jurisprudencial- veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-05-2008, Proc. nº 1660/2008-4, disponível no sítio da internet em www.dgsi.pt- , o seguinte: “No caso de pensão fixada em incidente de revisão da incapacidade, se aquela for obrigatoriamente remível, tal como a inicialmente fixada, o cálculo do capital de remição deve ser efectuado com referência à data a partir da qual foi alterado o montante da pensão.”(…)
11. Ora, a data determinante será o dia em que se iniciou o presente incidente de revisão,
ou seja, 13.01.2023.
12. A idade do sinistrado àquela data seria 63 anos e não 58, pelo que a taxa aplicável
em função da idade sempre seria a de 10,478, e não a de 11,769, constantes da Portaria nº 11/200, de 13 de janeiro.
13. O que resultaria num capital de remição de €.3.095,93 (€.295,47 x 10,478).
14. Salvo o merecido respeito, a douta Decisão padece de uma manifesta ambiguidade,
porquanto considera que o capital de remição deverá ser calculado tendo por base o dia em que o incidente de revisão de incapacidade foi deduzido (13/01/2023) mas decide aplicar uma taxa referente à primeira alta clínica do sinistrado (17/04/2018), em que o mesmo teria 58 anos de idade.
15. O que consubstancia um caso de nulidade de sentença, previsto no artigo 615º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil.
16. Além disso, o coeficiente global de incapacidade e consequente agravamento de 4,5000% foi atribuído em junta médica tendo já em consideração a aplicação do fator de bonificação de 1,5 em função da idade do sinistrado (63 anos) - veja-se o ponto 7 da factualidade apurada, constante da Decisão.
17. Pelo que deverá o presente recurso proceder totalmente! Nestes termos, e com o muito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser procedente, com todas as consequências legais».

Contra-alegou o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, concluindo:
«1. A recorrente interpôs recurso da Sentença proferida no âmbito do presente incidente de revisão de incapacidade/pensão, alegando, em suma (e admitindo como, se alcança da decisão recorrida que a referência ao ano de 2021 é uma manifesto lapso de escrita) que, no cálculo da pensão de revisão não deveria ter sido aplicada a taxa de 11,769, fixada pela Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro pois, à data da revisão o sinistrado já não tinha 58 anos mas sim, 63 anos.
2. Não assiste razão à recorrente, entendendo que a labora em erro porquanto, uma coisa é o cálculo da pensão, outra coisa é a data a partir do qual a mesma é devida.
3. O sinistrado BB, sofreu um agravamento do seu estado em virtude do acidente de trabalho sofrido a 9 de setembro de 2017 e em virtude desse acidente, inicialmente, foi atribuída uma Incapacidade Permanente Parcial de 12%.
4. No âmbito do incidente de revisão foi decidido que a Incapacidade Permanente Parcial agravou, tendo sido fixada em 16,5000%, isto é, o sinistrado teve um agravamento correspondente a 4,5000%, face ao fixado inicialmente.
5. Na sequência do agravamento, foi a pensão anual revista e, uma vez que, já tinha sido pago inicialmente o capital (já remido) de € 9.273,03, a decisão efetuou a respetiva operação com vista ao valor a pagar atualmente, tendo decidido ser devido o montante de € 3.477,39 (€ 295,47x11,769) desde a data de entrada do requerimento de revisão – 13 de janeiro de 2023.
6. No entender da recorrente o cálculo do capital de remissão deve ser efetuado com referência à data a partir da qual foi alterado o montante fixado a título de pensão pelo que, não deveria ter sido aplicada a taxa de 11,769, fixada pela Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro.
7. Porém, quando se efetua o cálculo da pensão revista, impõe-se (sempre) ter presentes os critérios inerentes aos feitos para fixação da pensão inicial. A atualização da pensão revista tem que ser feita como se calcular a pensão inicial, tendo por base entre outros, a idade do sinistrado à data do acidente. Ou seja, apesar de a pensão a pagar (após a revisão) ser só devida a partir da data de entrada do requerimento de revisão, a pensão é sempre fixada com base nos dados atinentes á pensão fixada inicial.
8. De realçar que não foi gerada uma nova pensão, apenas foi alterada por agravamento cujo facto gerador foi aquando do acidente de trabalho, sendo este o entendimento unânime Jurisprudencialmente.
9. Assim, conclui-se que, não assiste qualquer razão à recorrente, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura e tendo sido fixada de acordo com os critérios legais e devida, como decorre da mesma, desde 13 de janeiro de 2023, data em que deu entrada o incidente de revisão e calculada, com base nos critérios que determinaram a pensão inicial.
Conclui-se, desde modo, que não deverá vingar o recurso interposto pela recorrente.

Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo –, subidos os autos a esta Relação, elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso e Factos
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 3 e artigo 639.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação e decisão deste tribunal duas questões essenciais:
1. saber se a sentença é nula, por alegada “manifesta ambiguidade” [artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil];
2. determinar qual a idade do sinistrado a atender para o cálculo do capital de remição em consequência da revisão da incapacidade: (i) a idade mais próxima da data da alta médica, como se decidiu na sentença recorrida, (ii) ou a idade mais próxima da entrada do requerimento de revisão de incapacidade, como sustenta a recorrente.

Refira-se, em brevíssimo parêntesis, que na decisão da sentença final consta que a pensão revista é «devida desde 13/01/2021».
Afigura-se que se trata de lapso, uma vez que o requerimento de revisão da pensão deu entrada em tribunal em 13-01-2023: e, como tem sido entendido, julga-se que atualmente de forma uniforme, o incidente de revisão da incapacidade não produz efeitos, por virtude da alteração por ele efetuada e quanto à incapacidade do sinistrado e ao valor da pensão, em data anterior à sua dedução (por todos, veja-se o acórdão deste tribunal de 02-03-2017, proc. n.º 809/09.0TTSTB.E1, também relatado pelo ora relator e disponível em www.dgsi.pt).
Esse lapso poderia ter sido retificado na 1.ª instância, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, do Código de Processo Civil.
Não se localizando que o tenha sido, a final se procederá a essa retificação, no sentido de onde consta “13/01/2021” passar a constar “13-01-2023”.

A matéria de facto a atender é a que consta do relato supra, que aqui se tem por reproduzida.

III. Fundamentação
1. Da (arguida) nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença, por “manifesta ambiguidade” [artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil], uma vez que, por um lado, afirma que o capital de remição deverá ser calculado tendo por base o dia em que o incidente de revisão de incapacidade foi deduzido (13-01-2023), mas, por outro lado, decide aplicar uma taxa tendo por referência a idade (58 anos) do sinistrado mais próxima da sua alta clínica (verificada em 17-04-20218).

Diga-se que não se sufraga o entendimento da recorrente, que qualifica o invocado vício como nulidade da sentença, por ambiguidade que a torna ininteligível.
É certo que no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do atual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) se prevê a nulidade da sentença por “ambiguidade” que a torne ininteligível, o que constitui inovação em relação ao artigo 668.º do anterior Código de Processo Civil, em que tal vício constituía fundamento para ser requerido o esclarecimento ou reforma da sentença (cfr. artigo 669.º).
A propósito da ambiguidade, embora no domínio de anterior legislação processual, ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 151) – ensinamento que se mantém atual –, que uma sentença «(…) é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (…) hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos».
Estão em causa erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento (de facto ou de direito).
Ora, manifestamente que tal situação não se verifica no caso em apreço: a decisão recorrida não se presta a interpretações diferentes quanto à idade do sinistrado a considerar para efeitos de taxa a aplicar no cálculo da remição da pensão, já que, afigura-se inequívoco, considerou a idade mais próxima da data da alta médica.
Atente-se, para tanto, na seguinte passagem da sentença:
«Sendo a referida pensão é obrigatoriamente remível (porque inferior ao valor correspondente a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida), tem o Sinistrado direito a uma indemnização em capital no valor de € 3.477,39 (€ 295,47 x 11,769, de acordo com a Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro por referência à idade mais próxima do sinistrado à data da alta médica), devida desde 13/01/2023 (data de entrada do requerimento que deu início ao presente incidente de revisão)» (sublinhado nosso).
A recorrente pode discordar – como discorda – de tal conclusão: mas essa é uma questão que se prende com o erro do julgamento, e não com ambiguidade da sentença.
Por consequência, e sem necessidade de mais considerandos, entende-se por manifesto que não se verifica a arguida nulidade da sentença, com fundamento em ambiguidade que a torne ininteligível; e inserindo-se o invocado em erro de julgamento, seguidamente se analisará e decidirá o mesmo (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

2. Quanto à idade do sinistrado, e consequente taxa a aplicar, no cálculo do capital de remição
Como já se referiu, a 1.ª instância concluiu ser a idade relevante a da alta médica e, assim, como o sinistrado a essa altura tinha a idade aproximada de 58 anos aplicou a taxa de 11,769 prevista na portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro.
Ancorou-se para tanto, em síntese, que está em causa a revisão da incapacidade e, por via dela, da pensão devida, pelo que – se bem interpretamos – entende que só essa nova incapacidade releva, seja na fixação da pensão seja no cálculo do capital de remição.
Diversamente, a recorrente sustentou que sendo a pensão, por virtude da revisão da incapacidade, devida apenas a partir do requerimento que a impulsionou (que foi apresentado em 13-01-2023), também no cálculo do capital da remição terá que se considerar a idade do sinistrado mais próxima dessa data.
Adiante, desde já, que se sufraga este último entendimento.
Expliquemos porquê.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
Assim, a revisão da pensão reveste a natureza jurídica de ato modificativo da pensão anteriormente fixada e ao se atender ao agravamento, recidiva, etc., está-se de igual modo a tratar da incapacidade resultante do acidente de trabalho, embora agora em grau diferente.
E, mantendo-se a incapacidade, embora em grau diferente, também a pensão a estabelecer após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão atualizada no seu quantum, tendo em conta a alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado.
Esta conclusão afigura-se incontroversa.
E incontroversa se apresenta também a conclusão da sentença recorrida – até porque não é objeto de recurso – que a pensão revista é devida a partir da data em que foi requerida (sendo certo que não foi fixada data posterior).

Em relação à remição da pensão importa ter presente que ela visa, ao fim e ao resto, que a pensão fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional possa converter-se em capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a permitida pela mera perceção de uma renda anual (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2002, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º Volume, pág. 313 a 321).
A remição da pensão corresponde – através da entrega do respetivo capital, calculado em função da base técnica aplicável – à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo da vida.
E, como é bom de ver, a pensão já remida, ainda que se verifique qualquer uma das circunstâncias referidas que conduzam à alteração da incapacidade, e da respetiva pensão, não pode deixar de ser tomada em conta na fixação desta.
Daí que se o sinistrado já recebeu, por virtude da remição da pensão, um determinado capital, na fixação da pensão decorrente da revisão operada não poderá deixar de ter-se em conta não só o montante da pensão já paga, correspondente a essa anterior incapacidade, como também que a pensão revista apenas é devida a partir da requerida alteração.
Ora, assim sendo, mal se harmonizaria com a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil) que sendo uma pensão revista devida apenas a partir de determinada data, já para efeito de cálculo do capital de remição – que, reafirma-se, corresponde à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo da vida – se atendesse a data anterior, mais concretamente à idade do sinistrado na data da alta médica: seria alterar, por essa via, a data em que a pensão revista passava a ser devida!
Como se assinalou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-09-2008 (processo n.º 6006/2008-4, disponível em www.dgsi.pt), «[s]e o juiz em vez de mandar levar em consideração, nesse cálculo, a data em que foi alterado o montante da pensão, mandar levar em consideração a data em que foi fixada a pensão inicial, a sua decisão conduzirá a um enriquecimento ilegítimo do sinistrado, uma vez que este, no período compreendido entre essas duas datas, irá receber uma indemnização correspondente a uma incapacidade que ele efectivamente não tinha.
Em reforço desta interpretação, atente-se ainda no que consta em “Observação”, na portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro, quanto ao cálculo do capital de remição:
«Na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos».
Pois bem: a data a que se referem os cálculos só pode ser a data a partir da qual a pensão revista é devida e, em função do seu valor, é de remição obrigatória.
Aliás, para melhor se compreender o porquê de se afastar o entendimento de que no caso de pensão fixada em incidente de revisão da incapacidade, obrigatoriamente remível, tal como a inicialmente fixada, o cálculo do capital de remição seja efetuado com referência à data da alta, pense-se no seguinte exemplo: o sinistrado A sofre um acidente de trabalho, tem alta médica com 20 anos de idade e recebe uma pensão, obrigatoriamente remível; passados cerca de 40 anos requer a revisão da incapacidade (atente-se que na atual LAT não se fixa prazo de caducidade do direito de revisão), em razão do que lhe é fixada pensão, que é também obrigatoriamente remível: essa remição seria calculada como se o sinistrado tivesse 20 anos de idade, mas a pensão revista produziria efeitos quando ele já tem 60 anos, o que significa, em retas contas, que o inicio da alteração da pensão seria não aos 60 anos de idade do sinistrado (quando requereu a revisão), mas aos 20 anos de idade, quanto teve a alta médica, e, assim, em vez de uma taxa de 11,264 lhe iria ser aplicada uma taxa de 17,770, portanto, muito mais favorável; em termos práticos, o sinistrado iria receber uma pensão revista, através do respetivo capital da remição, durante cerca de 40 anos por uma incapacidade (revista) que não tinha!
Por sua vez, o sinistrado B, em idêntica situação do sinistrado A, mas a quem foi fixada uma taxa de incapacidade ligeiramente superior a este, que não permite a remição da pensão, esse iria apenas receber a pensão revista a partir dos 60 anos de idade, o que no final de vida daria certamente um valor bem inferior àquele que recebeu o sinistrado A, com menor incapacidade, mas cuja pensão tinha sido de remição obrigatória.
Crê-se que tal interpretação conduziria a situações incompreensíveis, injustas e, por isso, indesejadas, pelo que é de afastar.
Conclui-se, pois, mais uma vez, e volvendo ao caso que nos ocupa, que tendo o sinistrado requerido a revisão da pensão em 13-01-2023, e sendo nessa altura 63 anos a idade correspondente ao aniversário mais próximo do sinistrado, é de aplicar a taxa de 10,478, pelo que o montante do capital de remição é de € 3.095,93 (€ 295,47 X 10,478).
Procedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso.

3. Não são devidas custas no recurso, atenta a isenção de goza o sinistrado (artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do RCP).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o n.º 2 da parte decisória da sentença recorrida, e, sendo devida ao sinistrado, desde 13-01-2023, uma pensão anual e vitalícia de € 295,47 (duzentos e noventa e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), obrigatoriamente remível, condena-se a responsável/recorrente Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Ramos Reais, S.A, a pagar àquele, a título de capital de remição dessa pensão, a quantia de € 3.095,93 (três mil, noventa e cinco euros e noventa e três cêntimos), devida desde 13-01-2023, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, calculados desde esta data e até integral pagamento.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas, atenta a isenção de que goza o sinistrado.
Notifique.

Évora, 6 de junho de 2024
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.