NULIDADE DA SENTENÇA
CONCEITOS DE DOR E LESÃO
REGIME DO ARTIGO 135.º DO CPT
ALTERAÇÃO PELA RELAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - A nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
II - Os conceitos de dor e de lesão não são coincidentes, tratando-se de realidades distintas.
III - Resultando do regime previsto no artigo 135.º, do CPT, para além do mais, que o Tribunal deve integrar na sentença final a decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, impõe-se que seja então atendido ao que resultou desta última decisão em termos de lesões e incapacidades.
IV - O regime previsto artigo 662.º do CPC, seus n.ºs 1 e 2, alínea c), permite que o Tribunal da Relação altere a matéria de facto, caso disponha dos elementos necessários para o efeito.

Texto Integral

Apelação/processo n.º 2986/20.0T8VFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Autor: AA

Ré: A... - Companhia de Seguros, S.A.


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Nélson Fernandes (relator)

António Luís Carvalhão

Eugénia Pedro


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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. Nos presentes autos de processo especial por acidente de trabalho, decorrida a fase conciliatória sem que se tenha logrado acordo, veio AA dar início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, peticionando a condenação da Ré, A... - Companhia de Seguros, S.A., a reconhecer que o acidente que vitimou o A. é um acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões apresentadas e no pagamento ao A. nos seguintes termos:

a) de uma indemnização, pelo menos, no valor de €1.485,24 correspondente ao período de tempo em que aquele esteve com incapacidade temporária para o trabalho, fixado pelo GML;

b) do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €817,44, resultante da incapacidade permanente parcial de que ficou afetado;

c) da quantia de 30€, a título de despesas de transporte, resultante das suas deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga e ao Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, durante a fase conciliatória dos presentes autos;

d) os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o dia 20.10.2020 e até integral pagamento;

e) a prestar ao A. os cuidados médicos, cirúrgicos, farmacêuticos, hospitalares e quaisquer outros que sejam necessários e adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e da sua capacidade de trabalho.

Para tanto alega, em síntese, que: no dia 25 de maio de 2020, quando se encontrava a desempenhar as suas funções de carpinteiro de limpos, sob a direção da sua entidade patronal, na sede da empresa e, no serviço que estava a levar a cabo, ao subir para o empilhador sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda, tendo sofrido, em consequência, lesões, que foram causa direta e necessária de incapacidade temporária absoluta, no período compreendido entre o dia 26.05.2020 e 25 de julho de 2020 e incapacidade temporária parcial de 20%, de 26.07.2020 a 28.07.2020 e incapacidade temporária parcial de 10%, de 29.09.2020 a 19.10.2020; na perícia do GML foi considerado que apresenta sequelas, com atribuição de IPP de 9,6%; a responsabilidade por acidentes de trabalho encontra-se transferida para a Ré pela apólice nº ...88, em função da retribuição anual de €12.164,24, razão pela qual todas as quantias que tem direito são da responsabilidade da referida Ré.

A Segurança Social deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €1.170,46, respeitante ao período em que o Autor esteve com baixa médica subsidiada, de 29.05.2020 a 18.08.2020.

A Ré seguradora contestou, alegando, em síntese, que: foi participado um sinistro, descrevendo um episódio de dor lombar à direita, com irradiação para a coxa esquerda, tendo realizado Rx à coluna, com data da alta nesse dia; fez RMN lombar em 15.07.2020 e depois exame EMG na clínica da ... em 03.08.2020 e nova RMN lombar no Hospital ... em 08.09.2020; da conjugação destes elementos, resultou diagnóstico de patologia degenerativa da coluna lombar com abaulamentos discais circunferenciais, quer em L3-L4, quer em L4-L5, abaulamentos dos quais resultam protusões das raízes de L3 e L5, a sugerir contactos radiculares, justificativos das queixas apresentadas, não se vislumbrando lesões agudas de etiologia traumática.

Conclui que falta um elemento essencial para que se conclua pela existência de um acidente de trabalho, o diagnóstico de uma lesão traumática, já que uma crise sintomática (dor) ao subir para um empilhador (sem nenhum esforço especial), não tem como consequência previsível uma lesão lombar com ciatalgia.

Pugna pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

Respondeu também a Ré ao pedido de reembolso da Segurança Social, pugnando pela sua improcedência, não aceitando a ocorrência do evento descrito na petição e qualificado como acidente de trabalho, além de que não existem evidências de lesões agudas e/ou de etiologia traumática, pelo que não pode ser responsabilizada pelo reembolso do peticionado montante.

Proferido despacho saneador, fixou-se de seguida a matéria de facto assente, identificando-se ainda o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Ordenando-se o desdobramento do processo, no respetivo apenso veio a ser proferida decisão de fixação de incapacidade.

Realizada a audiência de julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

III – DECISÃO:

Assim sendo, e tendo em conta os considerandos tecidos, decide-se julgar procedente a presente ação e, em consequência:

1-a)- Declaro que o sinistrado AA sofreu um acidente de trabalho em 25.05.2020.

b)- Declaro que o sinistrado AA, se encontra afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 9,6%, em consequência do acidente de trabalho descrito nos autos, com efeitos desde 19.10.2020.

c)- Declaro que o sinistrado AA, em consequência desse acidente, ficou afetado de uma incapacidade temporária absoluta (ITA), entre 26.05.2020 e 25.07.2020; de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 20%, entre 26.07.2020 até 28.07.2020 e de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 10%, entre 29.09.2020 e 19.10.2020, data em que lhe foi dada alta.

d)- Condeno a R. A... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia fixada no valor de €817,44 (oitocentos e dezassete euros e quarenta e quatro cêntimos), devida desde o dia 20.10.2020 (dia seguinte ao da alta), acrescida de juros sobre o capital de remição, à taxa de 4%, desde aquela data e até integral pagamento..

e)- Condeno a R. A... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao sinistrado, pelos períodos de ITA e ITP´s, a quantia de €635,82 (seiscentos e trinta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente à diferença entre o valor que tinha direito a receber e o que já lhe foi pago pelo ISS nesse período, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

f)- Condeno a R. A... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao sinistrado a quantia de 30,00€ (trinta euros), a título de despesas com deslocações obrigatórias.

2- Julgo parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social IP e condeno a R. Companhia de Seguros no pagamento ao ISS da quantia de €850,21 (oitocentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de reembolso à Ré até efetivo e integral pagamento.

No mais, improcede o pedido.

Custas da ação pela Ré, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC e do pedido de reembolso do ISS, por este e pela R. seguradora, na proporção do decaímento.

Fixo o valor da ação em €13.950,11, nos termos do art.º 120º, nºs 1 a 3, do CPT e do pedido de reembolso em 1.170,46 nos termos do artigo 297º, nº1, do CPC.

Registe e notifique.


*

Oportunamente, após trânsito, proceda-se ao cálculo do capital de remição e conceda vista ao M.º P.º (artºs. 148.º/4 e 150.º do CPT).”

2. Apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões seguintes:

1) Não se conforma a recorrente com a sentença notificada a 7/2/2024 (refª Citius 131475995), proferida a 5/2/2024, que determinou que o recorrido sofreu um acidente de trabalho, em razão do qual sofreu lesões que motivaram situação de IT e sequelas de IPP de 9,6%, pelo que foi a recorrente condenada no pagamento das indemnizações e capital de remição correspondente, ao recorrido, bem como no pagamento do pedido de reembolso à ISS, I.P.;

2) O tribunal a quo julgou como provado, com o concreto ponto de facto “14.”, que o recorrido, quando se encontrava a subir para um empilhador, sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda;

3) A pretensa relação causal com a qual o facto “15.” inicia, apontando que “Em consequência…” impregna a douta decisão de ambiguidade e obscuridade, uma vez que consagra uma falácia de raciocínio tautológico, objectiva e logicamente incorrecto, que inquina toda a subsequente decisão, tornando-a ininteligível;

4) Pelo que, deve a nulidade ora arguida, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 alínea c) e n.º 4 do CPCiv ser conhecida e sanada, com a remoção do ponto de facto “15.”, atenta a duplicação do ponto de facto “14.” e a adequação dos concretos pontos de facto “16.” e “17.”;

Sem prescindir,

5) O concreto ponto de facto “15.” importa a aferição daquela sintomatologia, lombalgia, que é a manifestação álgica lombar, com irradiação para o membro inferior esquerdo, importando a duplicação do facto “14.” julgado provado;

6) Para além de inútil, a pretensa relação causal apontada por “Em consequência…” conduz o intérprete da douta decisão a ambiguidade e obscuridade, munindo a decisão de nulidade latente ex vi art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPCiv;

7) O julgamento do concreto facto “15.” provado está objectiva, abstracta e logicamente incorrecto, incorrendo o tribunal a quo numa falácia tautológica, não correspondente à realidade demonstrada;

8) Por conseguinte, por tudo o exposto e ainda o imposto pelos meios de prova Auto de Exame Médico, junto aos autos a 28/5/2021 (refª 11553672) bem como o Auto de Junta Médica, de 27/3/2023 (refª 126662172), deve o concreto ponto de facto “15.” ser eliminado do elenco dos factos provados;

9) A lombalgia com irradiação para o MIE, descritos como resultantes do acidente no concreto ponto de facto “14.” não são lesões, mas sim sintomas;

10) No caso em apreço, resultaram provados a manifestação de dor, não resultando provada na fundamentação nenhuma lesão traumática, nem sequer um evento traumático;

11) Pelo que, não só a indicação de “tais lesões” por referência à lombalgia com irradiação para a coxa esquerda, por objectiva, abstracta e concretamente errada e falaciosa, como todo o concreto ponto de facto “16.” deve ser removido do elenco dos factos provados, dado que assim o impõem os concretos meios de prova Auto de Exame Médico, junto aos autos a 28/5/2021 (refª 11553672) bem como o Auto de Junta Médica, de 27/3/2023 (refª 126662172);

12) Por conseguinte, pelos múltiplos fundamentos elencados, deve o concreto ponto de facto “16.” ser removido do elenco dos factos provados;

13) Neste seguimento, atenta a ausência da demonstração de lesão advinda do evento descrito, os concretos meios de prova Auto de Exame Médico, junto aos autos a 28/5/2021 (refª 11553672) bem como o Auto de Junta Médica, de 27/3/2023 (refª 126662172) impõem que o concreto ponto de facto “17.” seja removido do respectivo elenco;

14) Dos autos não resulta alegado e muito menos provado qualquer evento súbito, externo e anormal susceptível de consubstanciar um “acidente”, pois que o ato de subir a um empilhador é um acto normal da vida funcional do recorrido, sem que tenha por consequência provável e adequada a produção de dor lombar, quanto mais que esse putativo acidente tenha ocorrido no tempo e no local de trabalho;

15) Acresce que, a ausência de prova atinge ainda a invocada lesão traumática e as alegadas sequelas, as quais soçobram atenta a patologia lombar degenerativa que já padecia (cfr. concreto ponto de facto “18.” julgado provado) – essa sim, causa adequada, normal e expectável à produção das queixas álgicas do mesmo;

16) O direito à reparação que o recorrido peticiona tem por causa de pedir a ocorrência de lesões e sequelas advindas da ocorrência de um acidente de trabalho, pressupostos esses que aquele, a quem incumbia, nos termos do art.º 8.º e 10.º da LAT, de resto, como a regra geral do art.º 342.º do CCiv. impõe, não logrou demonstrar;

17) Com a sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto no normativo constante dos artigos 8.º, 10.º, 23.º, 39.º, 47.º e 48.º da LAT, art.º 342.º do CCiv. e art.º 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.”

Concluiu pelo provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.

2.1. Não contam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata e efeito suspensivo, pronunciando-se esse Tribunal, ainda, sobre as nulidades invocadas, sustentando que essas não se verificam.

3. Subido o recurso a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, por ter o Ministério Público intervenção no processo.


***

Respeitadas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) vício da nulidade invocado; (2) recurso sobre a matéria de facto / apreciação; (3) O direito do caso: saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito, a respeito da consideração de que ocorreu um acidente de trabalho e suas consequências.

III - Fundamentação

A) Na sentença recorrida consta, como “factos provados” o que seguidamente se transcreve:

“1º- À data de 25.05.2020, o A. AA trabalhava por conta da sociedade “B..., Ldª”, pessoa coletiva nº ...14, com o CAE Principal nº43320-R3 – montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia, com sede na Zona Industrial ..., ..., nº1033, ..., ..., desempenhando as funções de carpinteiro de limpos de 1ª. (alínea A) dos Factos Assentes)

2º- Na referida data, o Autor auferia a retribuição anual de €12.164,24 (€766,34x14 de vencimento base+€130,46x11 de subsídio de alimentação). (alínea B) dos Factos Assentes)

3º- A entidade patronal do A. tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho completamente transferida para a R. seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...88.- cfr. condições particulares da apólice junta a fls. 5 verso/6, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea C) dos Factos Assentes)

4º- O acidente foi participado à Ré seguradora pela entidade patronal do A. em 26.05.2020, constando na descrição do acidente aí efetuada o seguinte: “O sinistrado, ao subir a um empilhador, sentiu uma dor muito forte que lhe prendeu a perna esquerda.”- cfr. documento junto a fls. 3/4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea D) dos Factos Assentes)

5º- O A. foi submetido a EMG em 03.08.2020, este na clínica da ..., com relatório junto a fls. 13 a 15 e uma RMN da coluna lombar no Hospital ... em 08.09.2020, com relatório junto a fls. 15 verso. (alínea E) dos Factos Assentes)

6º- O A. foi submetido a perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga e constante de fls. 70 a 75, que concluiu que o A. apresenta sequelas do acidente descrito “atrofia muscular de 2 cm, sem limitação da mobilidade da anca e/ou do joelho, apenas referindo dor na face anterior da coxa esquerda na extensão total do membro”; que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 19.10.2020; que o A. ficou afetado com uma incapacidade permanente parcial de 9,6% e que esteve afetado com uma incapacidade temporária absoluta de 26.05.2020 a 25.07.2020, com uma incapacidade temporária parcial de 20% de 26.07.2020 a 28.07.2020 e com uma incapacidade temporária parcial de 10% desde 29.09.2020 a 19.10.2020. (alínea F) dos Factos Assentes)

7º- Realizada tentativa de conciliação, em 9 de novembro de 2021, como resulta do auto de fls. 94 a 96, a mesma frustrou-se porque, apesar do sinistrado ter aceitado que teve um acidente nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aí descritas, que esse acidente foi de trabalho, que a sua retribuição era a aí discriminada e que a responsabilidade relativa a acidentes de trabalho seus estava totalmente transferida para a R.seguradora, que as lesões e sequelas descritas e as incapacidades temporárias e permanentes delas resultantes referidas na perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga e constante de fls. 70 a 75 são consequência desse acidente e ter concordado com o grau final de Incapacidade Permanente Parcial, com os períodos de Incapacidade Temporária, data da alta, pelo que se conciliou;

a) a Ré seguradora:

aa) aceitou que a responsabilidade relativa a acidentes de trabalho do A. ocorridos ao serviço da sua entidade patronal estava totalmente transferida para si através de contrato de seguro titulado pela apólice aí identificado, que o sinistrado auferia a retribuição aí mencionada:

ab) não aceitou que o sinistrado teve um acidente nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aí descritas, nem que esse acidente seja de trabalho, por não preencher os requisitos de um acidente de trabalho, nos termos do disposto no artigo 8º da Lei nº98/2009;

ac) não aceitou que as lesões e sequelas descritas e as incapacidades temporárias e permanentes referidas na perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga e constante de fls. 70 a 75 são consequência desse acidente, não concordando com o grau final de Incapacidade Permanente Parcial aí fixado, nem com os períodos de Incapacidade Temporária, nem com a data da alta, pelo que não se conciliou. (alínea G) dos Factos Assentes)

8º- O A. sofreu um acidente de trabalho em 04.08.2003, do qual resultou uma IPP de 3,84% (já considerando o princípio da capacidade restante), atribuída no âmbito do processo nº220/04...., deste Juízo do Trabalho, como resulta de fls. 55 a 67 dos autos. (alínea H) dos Factos Assentes)

9º- O A. sofreu um acidente de trabalho em 16.04.1999, do qual resultou uma IPP de 4%, atribuída no âmbito do processo nº...9/99, deste Juízo do Trabalho, por sequelas de meniscectomia direita, como resulta de fls. 57 a 60 dos autos. (alínea I) dos Factos Assentes)

10º- O A. gastou a importância de €30 em despesas de transporte, com as suas deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, durante a fase conciliatória dos presentes autos. (alínea J) dos Factos Assentes)

11º- O A. AA é beneficiário do Instituto de Segurança Social de Aveiro, com o nº...38. (alínea K) dos Factos Assentes)

12º- O aludido beneficiário esteve de baixa médica subsidiada de 29.05.2020 a 18.08.2020 e por esse facto, o ISS pagou-lhe a quantia de €1.170,46, a título de subsídio de doença.- cfr. certidão junta a fls. 108, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (alínea L) dos Factos Assentes)


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13º- No dia 25 de maio de 2020, o A. encontrava-se a desempenhar as suas funções de carpinteiro de limpos e sob a direção da sua entidade patronal, na sede da empresa. (artigo 2º da p.i.)

14º- No serviço que estava a levar a cabo e ao subir para um empilhador sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda. (artigo 3º da p.i.)

15º- Em consequência, o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo, lesões melhor descritas no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. 70 a 75. (artigo 4º da p.i.).

16º- Tais lesões vieram a determinar para o A., de forma direta e necessária Incapacidade Temporária Absoluta no período compreendido entre o dia 26 de Maio de 2020 e 25.07.2020 - 61 dias e Incapacidade temporária parcial desde 26/07/2020 até 28/07/2020 (20 %), desde 29/09/2020 até 19/10/2020 (10%), num período de 24 dias. (artigo 5º da p.i.)

17º- Na sequência dos vários tratamentos que lhe foram ministrados, o A. teve alta definitiva em 19/10/2020, com sequelas que lhe determinaram um coeficiente de Incapacidade Permanente Parcial de 9,6%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades.

18º- O A. já apresentava alterações degenerativas da coluna lombar, prévias ao acidente, com abaulamentos discais circunferenciais quer em L3-L4, quer em L4-L5, e protusões das raízes de L3 e L5. (artigo 7º da contestação e parte do artigo 8º)

19º- O A. esteve de baixa médica subsidiada de 29.05.2020 a 28.07.2020, em consequência das lesões sofridas no acidente descrito na p.i. e, por esse facto, o ISS pagou-lhe a quantia de €850,21, a título de subsídio de doença. (pedido de reembolso)”

Por sua vez, consta de seguida o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:

- são as alterações degenerativas que justificam as queixas de dor lombar com irradiação pelos membros inferiores, que o A. apresenta. (parte do artigo 8º da contestação)”

B) - Discussão

1- Nulidade invocada da sentença

Invoca a Recorrente que, tendo-se dado como provado que o Recorrido, quando se encontrava a subir para um empilhador, sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda, a pretensa relação causal com a qual o facto “15.” inicia, apontando que “Em consequência…” impregna a douta decisão de ambiguidade e obscuridade, uma vez que consagra uma falácia de raciocínio tautológico, objetiva e logicamente incorreto, que inquina toda a subsequente decisão, tornando-a ininteligível, razão pela qual, diz, deve a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º, alínea c) e n.º 4 do CPC, ser conhecida e sanada, com a remoção do ponto de facto “15.”, atenta a duplicação do ponto de facto “14.” e a adequação dos concretos pontos de facto “16.” e “17.”. Invoca ainda, dizendo sem prescindir, que o concreto ponto de facto “15.” importa a aferição daquela sintomatologia, lombalgia, que é a manifestação álgica lombar, com irradiação para o membro inferior esquerdo, importando a duplicação do facto “14.” julgado provado, sendo que, para além de inútil, a pretensa relação causal apontada por “Em consequência…” conduz o intérprete da douta decisão a ambiguidade e obscuridade, munindo a decisão de nulidade latente ex vi art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC.

Constata-se que, antes da subida do presente recurso, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre tal invocação, fazendo constar designadamente o seguinte:

“(…) Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, não se nos afigura que ocorra tal nulidade, porquanto, como é para nós evidente e manifesto, os factos dados como provados nos pontos 14- e 15- não são repetidos e não encerram qualquer ambiguidade que integre a apontada nulidade. E salvo melhor opinião, na motivação vertida na sentença, o tribunal explicou em que alicerçou a sua convicção sobre tais factos, pelo que não se vislumbra a apontada nulidade. Não se vislumbra como tal matéria de facto encerra em si mesma qualquer ambiguidade que torne a sentença ininteligível.

A discordância da recorrente quanto a tais factos dados como provados, é questão que se prende com o mérito do recurso, mas não integra, a nosso ver, qualquer nulidade da sentença.”

Cumprindo-nos apreciar, em termos de enquadramento prévio, começaremos por relembrar, como o temos feito em outros Arestos, o seguinte:

Podendo a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, é nestes últimos casos que se torna, então sim, passível do vício da nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC – no fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo.

A propósito da previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que é invocada pela Recorrente – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, relembrando os ensinamentos de Alberto dos Reis[1], poderemos também dizer que tal vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. Refere-se a esse respeito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 26 de Janeiro de 2021[2], que “o vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”

Com o delimitado enquadramento, sendo momento de o aplicarmos ao caso, desde já avançamos que, sem prejuízo do que diremos mais tarde aquando da nossa pronúncia em sede de reapreciação da matéria de facto, em particular a respeito da redação que foi dada ao ponto 15.º da factualidade provada, não consideramos que ocorra a nulidade invocada pela Recorrente.

É que, importando aqui esclarecer que não está agora em causa o que possa naturalmente resultar da impugnação da matéria de facto que a Recorrente também faz no presente recurso, sobre a qual nos pronunciaremos mais tarde, não há que confundir, no que agora importa, o que consta do ponto 14.º da factualidade provada, pois que desse apenas resulta que, “no serviço que estava a levar a cabo e ao subir para um empilhador sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda”, com a circunstância de ser mais ou menos adequada a pronúncia que se fez constar de seguida no ponto 15.º, em que, efetivamente, a referência a que em consequência “o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo”, não se assume, também o entendemos, como o defende a Recorrente, como uma efetiva lesão (como mais tarde esclareceremos), importando, porém, ainda assim, ter presente que, constando desse ponto, logo de seguida, a menção “lesões melhor descritas no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. 70 a 75.”, ao conteúdo desse documento, então, pois que para o mesmo se remete, teremos também de atender.

Em face do exposto, centrada a apreciação apenas, assim, na questão que agora nos ocupa, assim da verificação sobre que ocorre ou não a analisada nulidade da sentença, a resposta é, assim o entendemos e decidimos, negativa.

Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença.

2. Matéria de facto

2.1. Impugnação da matéria de facto

Dirigindo a Recorrente o presente recurso à decisão proferida no âmbito da matéria de facto, sendo de considerar suficientemente cumpridos os ónus de impugnação estabelecidos no artigo 640.º do CPC, de seguida procederemos à apreciação.

Dirigindo a Recorrente o recurso à impugnação dos pontos 15.º a 17.º da factualidade provada, por se tratar de matéria relacionada, de seguida procederemos conjuntamente à sua apreciação.

Tais pontos têm a redação seguinte:

“15º- Em consequência, o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo, lesões melhor descritas no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. 70 a 75. (artigo 4º da p.i.).

16º- Tais lesões vieram a determinar para o A., de forma direta e necessária Incapacidade Temporária Absoluta no período compreendido entre o dia 26 de Maio de 2020 e 25.07.2020 - 61 dias e Incapacidade temporária parcial desde 26/07/2020 até 28/07/2020 (20 %), desde 29/09/2020 até 19/10/2020 (10%), num período de 24 dias. (artigo 5º da p.i.)

17º- Na sequência dos vários tratamentos que lhe foram ministrados, o A. teve alta definitiva em 19/10/2020, com sequelas que lhe determinaram um coeficiente de Incapacidade Permanente Parcial de 9,6%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades.”

Por o ponto 15.º estar relacionado com o ponto anterior, assim o 14.º, contata-se que desse consta, por sua vez: “No serviço que estava a levar a cabo e ao subir para um empilhador sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda. (artigo 3º da p.i.)”.

Sustenta a Recorrente que:

- a eliminação do ponto 15.º decorre dos meios de prova “Auto de Exame Médico, junto aos autos a 28/5/2021 (refª 11553672) bem como o Auto de Junta Médica, de 27/3/2023 (refª 126662172)”, sustentando que nomeadamente que a lombalgia com irradiação para o MIE, descritos como resultantes do acidente no concreto ponto de facto “14.” não são lesões, mas sim sintomas, e que no caso em apreço apenas resultaram provados a manifestação de dor, não resultando provada na fundamentação nenhuma lesão traumática, nem sequer um evento traumático, acrescentando de seguida que, pelos múltiplos fundamentos elencados, deve também o concreto ponto de facto “16.” ser removido do elenco dos factos provados;

- atenta a ausência da demonstração de lesão advinda do evento descrito, os concretos meios de prova Auto de Exame Médico, junto aos autos a 28/5/2021 (refª 11553672) bem como o Auto de Junta Médica, de 27/3/2023 (refª 126662172) impõem que o concreto ponto de facto “17.” seja removido do respetivo elenco;

- dos autos não resulta alegado e muito menos provado qualquer evento súbito, externo e anormal suscetível de consubstanciar um “acidente”, pois que o ato de subir a um empilhador é um ato normal da vida funcional do recorrido, sem que tenha por consequência provável e adequada a produção de dor lombar, quanto mais que esse putativo acidente tenha ocorrido no tempo e no local de trabalho, a que acresce que a ausência de prova atinge ainda a invocada lesão traumática e as alegadas sequelas, as quais soçobram atenta a patologia lombar degenerativa que já padecia (cfr. concreto ponto de facto “18.” julgado provado) – essa sim, causa adequada, normal e expectável à produção das queixas álgicas do mesmo.

Não constando dos autos contra-alegações, constata-se que da fundamentação sobre a matéria de facto, que se fez constar da sentença, resulta o seguinte (transcrição):

«(…) Quanto às lesões apresentadas pelo A. e períodos de IT´s referidos em 15º a 17º, foi valorado o relatório de perícia do GML, onde o senhor perito médico referiu que o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo aí se afirmando que elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre traumatismo descrito e o dano (…)”, tendo considerado que a data da consolidação ocorreu em 19.10.2020; que o sinistrado esteve afetado de uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) para o Trabalho entre 26.05.2020 e 25.07.2020; de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 20%, entre 26.07.2020 até 28.07.2020 e de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 10%, entre 29.09.2020 e 19.10.2020, e que do evento resultaram sequelas passível de valorização em termos de incapacidade perramente parcial, de 9,6%, conjugado com o que resulta do auto de exame por junta médica datado de 27.03.2023, do apenso “A”, onde os senhores peritos médicos, por maioria (perito do Tribunal e perito do sinistrado), se pronunciaram no sentido de que o sinistrado apresenta sequelas do acidente, sequelas neurológicas (alterações da coluna lombar com alterações sensitivas ao nível do membro inferior esquerdo), e confirmam os períodos de IT´s e o grau de desvalorização fixado pelo GML.

Os senhores peritos que intervieram na junta médica pronunciaram-se por maioria (perito do tribunal e do sinistrado), no sentido de que o Sinistrado apresenta sequelas do acidente dos autos, sequelas neurológicas com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada. Mais esclareceram que as lesões decorrentes do acidente (dor na coluna lombar e coxa esquerda) são objetiváveis através dos exames complementares de diagnóstico realizados: a RMN de 15.07.2020 (relatório junto a fls. 15 verso) e a EMG de 03.08.2020 (relatório junto a fls. 13), tendo esta demonstrado alterações da coluna lombar com alterações sensitivas ao nível do membro inferior esquerdo. (cfr. auto de exame por junta médica datado de 27.03.2023 e esclarecimentos prestados em 20.06.2023 e 05.07.2023).

Com esse fundamento, consideram o sinistrado afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 9,6%, enquadrando as sequelas no ponto 7 do capítulo III, da TNI, (Nevralgias e radiculalgias Persistentes e segundo a localização e a impotência funcional) e desvalorizando-as pelo mínimo previsto na tabela, já considerando a aplicação do princípio da capacidade restante (em virtude do acidente de trabalho anterior onde lhe foi atribuída IPP de 3,84%), desde a data da alta fixada em 19.10.2020.

Não existem elementos nos autos que permitam, fundadamente, um entendimento diverso do expendido maioritariamente pelos senhores peritos médicos, que de resto concordaram com a perícia médica singular do GML.

Como referem os senhores peritos, além das alterações degenerativas na coluna lombar, pré-existentes, o sinistrado apresenta sequelas neurológicas confirmadas por EMG, realizada em 03.08.2020, que revela alterações da coluna lombar com alterações sensitivas ao nível do membro inferior esquerdo.

E sublinha-se que o senhor perito da seguradora, que subscreveu a posição minoritária não deixa de admitir que do acidente possa ter resulta um agravamento temporário das lesões, apenas afastando a existência de sequelas permanentes.

Os senhores peritos que subscreverem a posição maioritária não tiveram dúvidas que o movimento físico descrito pelo sinistrado, ao subir para um empilhador, pode ter desencadeado, as queixas dolorosas agudas que motivaram necessidade de tratamento e interrupção laboral, que lhe causaram períodos de incapacidade temporária e sequelas permanentes (lesão neurológica com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada), não obstante o mesmo também apresentar lesões degenerativas na coluna lombar, que não são decorrentes do acidente descrito.

Aliás, com base em tal exame por junta médica, foi proferida decisão no apenso “A”, em18.09.2023, considerando o sinistrado afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 9,6%, enquadrando as sequelas no ponto 7 do capítulo III, da TNI, (Nevralgias e radiculalgias Persistentes e segundo a localização e a impotência funcional) e desvalorizando-as pelo mínimo previsto na tabela, já considerando a aplicação do princípio da capacidade restante (em virtude do acidente de trabalho anterior onde lhe foi atribuída IPP de 3,84%), desde a data da alta fixada em 19.10.2020. Mais aí se considerou que o sinistrado, em consequência do acidente descrito esteve afetado com incapacidade temporária absoluta (ITA) de 26.05.2020 até 25.07.2020, com incapacidade temporária parcial (ITP) de 20% de 26.07.2020 a 28.07.2020 e com incapacidade temporária parcial (ITP) de 10% de 29.09.2020 a 19.10.2020.

Como aí se referiu e aqui se reitera, não existem elementos nos autos que permitam, fundadamente, sustentar um entendimento diverso do expendido maioritariamente pelos senhores peritos médicos (perito do Tribunal e do sinistrado que intervieram na junta médica), não se vislumbrando fundamento para divergir do parecer maioritário destes senhores peritos, que assumiram que além das sequelas neurológicas confirmadas pela EMG, sublinhando-se que na conclusão do relatório da EMG de 03.08.2020, fls. 13, se refere “sinais sugestivos de radiculopatia L3/L4 moderada, crónica, mas também com evidência de desnervação aguda/reinervação subaguda”), que consideram ser decorrência do acidente descrito e compatíveis com essa descrição (o que afirmam poder concluir-se dos exames complementares de diagnóstico realizados), igualmente reconhecem que o sinistrado apresenta alterações degenerativas da coluna lombar (mas que não justificam todas as sequelas que apresenta), ainda esclarecendo que a atrofia muscular do membro inferior esquerdo não é consequência das cirurgias anteriores aos joelhos, já que a atrofia detetada é apenas ao nível da coxa, razão pela qual admitem que essa sequela é consequência da lesão neurológica/radiculopatia a nível de L3/L4.

Aliás, não pode deixar de registar-se que o médico ortopedista dos serviços clínicos da seguradora, que observou o sinistrado, também considerou existirem sequelas do acidente em causa (e não apenas um qualquer agravamento temporário), enquadrando-as, de resto, em sintonia com a posição maioritária dos senhores peritos em junta médica, no ponto 7 do capítulo III, da TNI, atribuindo-lhe uma IPP de 10%, como resulta do boletim clínico de fls. 7 verso e 8.

Quanto à patologia degenerativa que apresenta o A., ao nível lombar, referida em 18º, a mesma resulta dos registos clínicos juntos, designadamente da RMN realizada em 15.07.2020 e EMG de 03.08.2020, mas como os senhores peritos médicos que subscreveram a posição maioritária esclareceram no auto de exame por junta médica, de forma lapidar, além das alterações degenerativas (abaulamento discal ao nível de L3-L4 e L4-L5, com aparente compromisso radicular), prévias ao acidente, também apresenta sequelas neurológicas, que são consequência previsível e adequada de uma lesão lombar com irradiação para a perna. E esclarecerem igualmente que a atrofia muscular do membro inferior não é consequência das cirurgias anteriores efetuadas aos joelhos, já que a atrofia muscular que apresenta é apenas detetada ao nível da coxa esquerda.

E tais conclusões não foram fundadamente colocadas em causa, designadamente pelo depoimento da testemunha BB, neurorradiologista, que realizou o exame de RMN da coluna lombar, datado de 08.09.2020, junto a fls. 15 verso, afirmando que nesse exame não consegue ver qualquer lesão aguda, já que não tem edema, nem sinais de sofrimento ósseo, nem de rutura das estruturas ligamentares, mas como a mesma admitiu, sem qualquer hesitação, o seu exame foi realizado quatro meses depois da data do acidente descrito, razão pela qual qualquer lesão aguda podia estar já ultrapassada, pelo que não pode concluir-se do seu depoimento, de forma minimamente segura se existiu ou não qualquer lesão aguda quatro meses antes de ter realizado o exame.

A mesma esclareceu o que são abaulamentos discais (a que faz referência na conclusão do seu relatório da RMN) e os diversos graus que podem apresentar, referindo que os mesmos podem (ou não) ser causa de dor. (…)”

Cumprindo-nos apreciar, constata-se desde logo que, em face da citada motivação, o Tribunal recorrido deu especial relevância ao que resultou dos elementos periciais de que dispunha, em que se inclui a pronúncia dos Senhores peritos em sede de junta médica, circunstância essa que, diga-se, não nos merece propriamente reserva, como melhor esclareceremos infra.

No entanto, porém, a respeito deste logo do que se fez constar do ponto 15.º, com a natural salvaguarda do devido respeito, sem prejuízo ainda do que consideraremos mais tarde, não se nos afigura que a sua redação seja a mais adequada, assim quando dessa resulta que “o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo, lesões melhor descritas no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. 70 a 75”, pois que, tal como aliás o salienta a Recorrente, a menção “lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo”, diversamente do que aí parece ter sido considerado, não se assume propriamente como lesão.

É que, não sendo os conceitos de dor e de lesão propriamente coincidentes, a expressão “lombalgia” poderá afinal não se assumir como constituindo uma lesão propriamente dita, pois que, no rigor das coisas, se trata apenas do termo técnico e médico usado para designar a presença de dor na região da coluna lombar, geralmente entre as últimas costelas e acima dos glúteos, sendo acompanhada, com frequência, de dor que irradia para os membros inferiores, tratando-se assim de um sintoma e não propriamente de uma lesão ou doença, que, assim, se pode manifestar em presença de diversos quadros clínicos. Ou seja, confundir-se-ão assim, com tal enquadramento, aqui, duas realidades que, embora possam estar relacionadas, não se identificam, porém, como o são a lesão em si mesma e o sintoma ou sintomas de uma qualquer lesão.

No entanto, bem vistas as coisas, a fundamentação avançada pelo Tribunal recorrido, que antes transcrevemos, baseada no que teria resultado da prova pericial, falando é certo na existência de dor / lombalgia, faz no entanto expressa referência à ocorrência de efetivas lesões / sequelas, que se consideraram resultantes do evento que foi descrito como causa, assim quando se fez constar que “os senhores peritos médicos que subscreveram a posição maioritária esclareceram no auto de exame por junta médica, de forma lapidar, além das alterações degenerativas (abaulamento discal ao nível de L3-L4 e L4-L5, com aparente compromisso radicular), prévias ao acidente, também apresenta sequelas neurológicas, que são consequência previsível e adequada de uma lesão lombar com irradiação para a perna. E esclarecerem igualmente que a atrofia muscular do membro inferior não é consequência das cirurgias anteriores efetuadas aos joelhos, já que a atrofia muscular que apresenta é apenas detetada ao nível da coxa esquerda”, sendo que, porém, não obstante tal fundamentação, em particular os elementos que dessa resultam nesta matéria, o Tribunal recorrido, que aliás teve também por base o que tinha afirmado na decisão final proferida no apenso de fixação de incapacidade, tal não fez constar do ponto 15.º em reanálise, sendo que, se bem se percebe, ter-se-ia limitado a ter por base o que havia sido alegado na petição inicial, assim no artigo 4.º, no qual apenas consta a menção genérica de que, “em consequência desse acidente, o sinistrado sofreu as lesões essas melhor descritas nos elementos clínicos juntos aos autos, bem como no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. …, que se dão aqui por reproduzidos para todos os efeitos legais”. Dizemos genérica pois que, como facilmente se extrai, as lesões que aí se mencionam serão, então, as que constem do relatório da perícia para que aí se remete, lesões essas que, diga-se, a aqui Ré não aceitou existirem aquando da tentativa de conciliação, como resulta do respetivo auto.

Ora, na fase contenciosa, fazendo-se aliás constar, aquando do saneamento, identificando o objeto do litígio, que esse passaria, no que agora importa, por apurar a responsabilidade da Ré pelo acidente, “o que pressupõe se aprecie a existência de nexo causal entre as lesões e sequelas apresentadas e o acidente, designadamente se o A. já apresentava diagnóstico de patologia degenerativa da coluna lombar, com abaulamentos discais circunferenciais quer em L3-L4, quer em L4-L5, dos quais resultam protusões das raízes de L3 e L5, a sugerir contactos radiculares, prévias ao acidente, que lhe provocam as lesões e sequelas que apresenta”, a questão da existência ou não de lesões e inerente incapacidade foi, importa lembrá-lo, apreciada na decisão final que veio a ser proferida no apenso da fixação de incapacidade, resultando dessa decisão, afinal, elementos que, apesar de terem sido incluídos na motivação da matéria de facto que antes transcrevemos, não foram, porém, tidos em conta no momento em que o Tribunal recorrido se pronunciou em sede de matéria de facto, em particular na resposta que deu ao reanalisado ponto 15.º, pois que tal resposta, salvo o respeito devido, consideramos que sequer teve em conta o que resultou daquela decisão, assim no que se refere à pronúncia a respeito de lesões ou sequelas que teriam resultado do evento, em particular, designadamente, por de constatar que os Peritos médicos, que subscreveram a posição maioritária, esclareceram, no auto de exame por junta médica, nomeadamente, que, além das alterações degenerativas (abaulamento discal ao nível de L3-L4 e L4-L5, com aparente compromisso radicular), prévias ao acidente, o Sinistrado também apresenta “sequelas neurológicas, que são consequência previsível e adequada de uma lesão lombar com irradiação para a perna. E esclarecerem igualmente que a atrofia muscular do membro inferior não é consequência das cirurgias anteriores efetuadas aos joelhos, já que a atrofia muscular que apresenta é apenas detetada ao nível da coxa esquerda”. Resulta, ainda, da decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, para além do mais, que: o Sinistrado apresenta sequelas do acidente dos autos, sequelas neurológicas com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada”; “existem elementos nos autos que permitam, fundadamente, sustentar um entendimento diverso do expendido maioritariamente pelos senhores peritos médicos (perito do Tribunal e do sinistrado que intervieram na junta médica), não se vislumbrando fundamento para divergir do parecer maioritário destes senhores peritos, que assumiram que além das sequelas neurológicas confirmadas pela EMG, sublinhando-se que na conclusão do relatório da EMG se refere “sinais sugestivos de radiculopatia L3/L4 moderada, crónica, mas também com evidência de desnervação aguda/reinervação subaguda”), que consideram ser decorrência do acidente descrito e compatíveis com essa descrição (o que afirmam poder concluir-se dos exames complementares de diagnóstico realizados), igualmente reconhecem que o sinistrado apresenta alterações degenerativas da coluna lombar (mas que não justificam todas as sequelas que apresenta), ainda esclarecendo que a atrofia muscular do membro inferior esquerdo não é consequência das cirurgias anteriores aos joelhos, já que a atrofia detetada é apenas ao nível da coxa, razão pela qual admitem que essa sequela é consequência da lesão neurológica/radiculopatia a nível de L3/L4.” (sublinhados nossos).

Neste contexto, relembrando-se que estipula o artigo 135.º, do CPT, no que aqui importa, que “na sentença final o juiz (…) integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir (…)”, entendemos que, no caso, a resposta que foi dada ao analisado ponto 15.º da factualidade provada, diversamente do que consideramos que seria adequado, apresenta-se, pelas razões expostas, como deficiente e mesmo até contraditória com o que resultava já da decisão antes proferida no apenso de fixação de incapacidade, situação que não impede, porém, a nossa intervenção, incluindo oficiosa, em face do regime que resulta dos n.ºs 1 e 2, alínea c), do artigo 662.º do CPC, por entendermos que os autos contêm todos os elementos que, nos termos do n.º 1.

Atendendo-se, pois, ao que antes referimos, nomeadamente a necessária consideração dos elementos que mencionámos, incluindo a respeito das lesões / sequelas que teriam ou não resultado do evento, avançando então na apreciação, cai pela base, com salvaguarda do respeito devido, parte substancial da argumentação da Recorrente, como veremos de seguida.

Desde logo, teremos de ter presente que, vigorando é certo, neste âmbito, o princípio da livre apreciação da prova – este que, por apelo a Lebre de Freitas[3], significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova –, no entanto, porém, importará não esquecer que, estando em causa a natureza e força probatória do laudo pericial enquanto meio probatório – a prova pericial tem por objeto, como resulta do artigo 388.º do Código Civil (CC) a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial –, aos peritos médicos, por disporem para o efeito dos necessários conhecimentos médico-científicos, cabe-lhes a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade, cabendo por sua vez ao julgador, realizadas essas perícias, proferir decisão, mas atendendo a que, estando em causa um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade, não vinculando é certo o juiz, ao estarem também sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 389.º do CC e 607.º do CPC), no entanto, na decisão a proferir, deve “a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária”[4].

Assim o relembramos pois que, aplicando tais critérios ao caso, não encontramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida, não obstante a inadequada redação que foi dada em particular ao ponto 15.º da factualidade provada (nos termos que antes assinalámos), no que se refere à fundamentação que fez constar da sentença para motivar a decisão que proferiu em sede de matéria de facto, não tenha motivado e analisado a globalidade da prova produzida, não padecendo, assim, afastado que esteja o vício a que antes nos referimos, ou seja, dando ao facto a redação que entendemos ser a adequada, de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, em particular o que resultou da pronúncia dos Senhores Peritos que formou maioria em sede de junta médica, a que necessariamente teria de atender, aceitando-a ou não sendo o caso fundamentando a eventual divergência devidamente (em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levassem a conclusão contrária), sendo que, no caso, na consideração ainda dos demais elementos de que dispunha, em que se incluem os indicados pela Recorrente, afigura-se-nos também ajustada a afirmação desse Tribunal de que os Peritos que subscreverem a posição maioritária não tiveram dúvidas que o movimento físico descrito pelo sinistrado, ao subir para um empilhador, pode ter desencadeado, as queixas dolorosas agudas que motivaram necessidade de tratamento e interrupção laboral, que lhe causaram períodos de incapacidade temporária e sequelas permanentes (lesão neurológica com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada), não obstante o mesmo também apresentar lesões degenerativas na coluna lombar, que não são decorrentes do acidente descrito.

Ou seja, encontrando-se nessa fundamentação resposta bastante para se afastar o argumento da Recorrente de que no caso em apreço não resultou provada na fundamentação nenhuma lesão traumática, o mesmo se verifica, importa esclarecê-lo também, quando refere que não estaria demonstrada a ocorrência do evento, desde logo porque, diversamente do que parece sustentar, também a posição dos Peritos que formou maioria, como antes se avançou, foi no sentido de que movimento físico descrito pelo sinistrado, ao subir para um empilhador, pode ter desencadeado, as queixas dolorosas agudas que motivaram necessidade de tratamento e as sequelas permanentes (lesão neurológica com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada), afastando ainda, por último, de modo expresso, o argumento de que tais sequelas decorram, utilizando as suas palavras, “da patologia lombar degenerativa que já padecia (cfr. concreto ponto de facto “18.” julgado provado) – essa sim, causa adequada, normal e expectável à produção das queixas álgicas do mesmo”.

O que referimos anteriormente visa salientar que a convicção a que chegamos, e que antes mencionámos, encontra afinal adequado suporte precisamente na prova (em particular pericial) em que se baseou o Tribunal recorrido, como ressalta da motivação antes transcrita, sendo que, por outro lado, importa dizê-lo, tal convicção não resulta infirmada na alegação da Recorrente e nomeadamente na prova que expressamente indica.

Em face do exposto, improcedendo o recurso, altera-se, porém, pelas razões que mencionámos, oficiosamente, o ponto 15.º da factualidade provada, o qual passa a ter a redação seguinte:

“15º- O Autor apresenta, por decorrência da realização do movimento referido no ponto anterior (14.º), lesão neurológica com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada”.

2.2. Por decorrência do decidido no ponto anterior, o quadro factual a atender é aquele que foi fixado em 1.ª instância, mas com a alteração a que procedemos anteriormente de forma oficiosa.

3. Dizendo de Direito

Em face do que resulta das conclusões, que como sabemos delimitam o objeto do recurso (salvo questões de conhecimento oficioso), no pressuposto de que obteria ganho na impugnação da matéria de facto porque antes pugnou, assim no sentido de ver alterada a matéria de facto, mas que como o vimos antes não logrou alcançar, constata-se que a Recorrente se limita a afirmar (conclusões 16.ª e 17.ª) que “o direito à reparação que o recorrido peticiona tem por causa de pedir a ocorrência de lesões e sequelas advindas da ocorrência de um acidente de trabalho, pressupostos esses que aquele, a quem incumbia, nos termos do art.º 8.º e 10.º da LAT, de resto, como a regra geral do art.º 342.º do CCiv. impõe, não logrou demonstrar” e que “com a sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto no normativo constante dos artigos 8.º, 10.º, 23.º, 39.º, 47.º e 48.º da LAT, art.º 342.º do CCiv. e art.º 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.”

O que referimos anteriormente visa evidenciar, salvo o devido respeito, visto o teor da sentença, que não cuidou a Recorrente, nomeadamente para o caso de não lograr alcançar a alteração da matéria de facto por que pugnou, de dirigir àquela sentença, nessa eventualidade, no que à aplicação do direito diz respeito, qualquer efetivo argumento jurídico tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra – no caso aquela que menciona na supra mencionada conclusão. Ora, como é comummente afirmado, impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).

Ainda assim, não deixaremos de nos pronunciar nos termos seguintes:

Fez-se constar da sentença recorrida, no âmbito da aplicação do direito, depois de abundante pronúncia em termos de enquadramento teórico e legal da questão, na sua aplicação ao caso, nomeadamente (transcrição):

«(…) Volvendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto apurada que: No dia 25 de maio de 2020, o A. encontrava-se a desempenhar as suas funções de carpinteiro de limpos e sob a direção da sua entidade patronal, na sede da empresa; - No serviço que estava a levar a cabo e ao subir para um empilhador sentiu uma dor na região lombar direita e na coxa esquerda; Em consequência, o A. sofreu lombalgia com irradiação para o membro inferior esquerdo, lesões melhor descritas no relatório da perícia de avaliação de dano corporal levada a cabo no Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga de fls. 70 a 75; Tais lesões vieram a determinar para o A., de forma direta e necessária Incapacidade Temporária Absoluta no período compreendido entre o dia 26 de Maio de 2020 e 25.07.2020 - 61 dias e Incapacidade temporária parcial desde 26/07/2020 até 28/07/2020 (20 %), 3 dias, e desde 29/09/2020 até 19/10/2020 (10%), num período de 21 dias; Na sequência dos vários tratamentos que lhe foram ministrados, o A. teve alta definitiva em 19/10/2020, com sequelas que lhe determinaram um coeficiente de Incapacidade Permanente Parcial de 9,6%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades.

No enquadramento descrito, consideramos que o movimento físico de subir ao empilhador (que realizou no exercício das suas funções e por causa delas, no tempo e local de trabalho), que origina uma lesão no corpo ou uma perturbação funcional é, em si mesmo, uma causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima e súbita, já que atua num espaço de tempo breve.

Pelo que, no caso dos autos, dúvidas não há que estamos perante um evento naturalístico (uma causa externa resultante de ter subido ao empilhador para executar as suas funções, que motivou a dor lombar descrita nos autos, com irradiação para o membro inferior), encontrando-se preenchidos todos os requisitos para a caracterização do acidente dos autos como acidente de trabalho, ou seja, o evento, o local e horário de trabalho e o nexo de causalidade entre o primeiro e a lesão e a redução na capacidade de ganho, pelo que concluímos que a sinistrada foi vítima de acidente, à luz da caracterização supra exposta. Com efeito, o referido acidente ocorreu no quadro da sua atividade profissional, no âmbito de uma operação que, para a entidade patronal, o sinistrado levava a cabo e produziu uma lesão corporal que lhe reduziu a sua capacidade de trabalho.

A este propósito, ainda que no quadro da anterior Lei de Acidentes de Trabalho, Lei nº100/97, de 13.09, mas que mantém plena atualidade (face à definição constante do artigo 8º da LAT) e com inteira pertinência para a situação dos autos, pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.10.2011, in www.dgsi.pt, onde se refere:

(…)

No caso dos autos, veja-se que o A. logrou demonstrar, como lhe competia, que a lesão foi constatada no local de trabalho, pelo que se presume que a mesma é consequência de acidente de trabalho, nos termos do artigo 10º, nº1 da Lei nº98/2009, de 04.09.- cfr. a este propósito Ac. TRP de 05.10.2015, publicado in www.dgsi.pt.

E a Ré não logrou afastar tal presunção de que beneficia o A., razão pela qual o autor tem direito à reparação dos danos derivados desse mesmo acidente. (…)»

Em face desta pronúncia, e desde logo, na consideração também do que resulta da apreciação realizada no presente recurso em sede de reapreciação da matéria de facto, em que improcedeu o recurso a essa dirigido, mas com alteração oficiosa de um ponto da matéria de facto, desde já afirmaremos que, em face do quadro factual provado (incluída já tal alteração), sobre o qual deve incidir a aplicação do direito, não encontramos fundamento para divergirmos da solução a que chegou o Tribunal recorrido, no âmbito da aplicação do direito, muito embora com a precisão de que, em conformidade com a alteração a que se procedeu em sede de matéria de facto, o Autor apresenta, por decorrência do acidente, “lesão neurológica com radiculopatia em L3/L4 e atrofia muscular da coxa esquerda associada”.

Não obstante a clara suficiência do que se escreveu na sentença, de resto por apelo a pertinente Doutrina e Jurisprudência, para justificar o julgado, admitindo-se que por essa razão possamos cair em algum risco de repetição, sempre diremos o seguinte em termos de melhor justificarmos a nossa posição.

Consagrando o artigo 2.º da LAT o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos nessa lei e demais legislação regulamentar, teve o legislador a preocupação de aí consagrar o próprio conceito de acidente de trabalho, assim expressamente no n.º 1 do seu artigo 8.º – “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” –, sem prejuízo da extensão aos casos previstos no seu artigo 9.º.

Em termos sintéticos, como o temos dito em outros arestos, tem sido entendido que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, ocorrido no local e no tempo de trabalho – entendendo-se estes de acordo com o sentido mais amplo considerado na lei –, do qual resulte, para o trabalhador, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou a redução na sua capacidade de ganho. Pressupõe deste modo a caracterização de um acidente como de trabalho, a verificação de um elemento espacial, em regra o local de trabalho, um elemento temporal, em regra correspondente ao tempo de trabalho, e um elemento causal, este, por um lado, referente ao nexo de causa efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, e, por outro, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

Ora, por referência ao referido conceito, aplicado ao caso, tendo por base a factualidade provada, em que a alteração a que procedemos oficiosamente não assume relevância, não poderemos deixar de concluir que, tal como o entendeu o Tribunal recorrido, provou-se a ocorrência do evento, ónus que como o dissemos impendia sobre o Autor, ocorrido no local e tempo de trabalho, que, em face do quadro normativo aplicável, terá de ser qualificado como acidente de trabalho – carecendo assim de fundamento bastante, sem necessidade de outras considerações, os argumentos da Recorrente no sentido de tentarem evidenciar que não seria este o caso.

Em face do exposto, não se verificando fundamento que justifique o afastamento do julgado em 1.ª instância, resta-nos concluir, sem necessidade de outras considerações, pela improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Decaindo, a Recorrente responde pelas custas no recurso (artigo 527.º do CPC)


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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

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IV. Decisão:

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, com alteração oficiosa do ponto 15.º da matéria de facto, em declarar improcedente o recurso, com a consequente confirmação do decidido na sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 28 de junho de 2024

(assinado digitalmente)

Nélson Fernandes (relator)

António Luís Carvalhão

Eugénia Pedro


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[1] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.

[2] Processo 2350/17.8T8PRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt,

[3] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196

[4] Entre muitos, veja-se o recente acórdão desta Secção de 30.05.2018, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho.