ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
PREVENÇÃO GERAL
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
1 – São elementos do crime de associação criminosa os seguintes: a existência de uma pluralidade de pessoas, pelo menos três; uma certa duração ou permanência temporal do grupo; um mínimo de estrutura organizativa, que serve de substrato material à existência de algo que supera os agentes; a formação de uma vontade coletiva; um sentimento de ligação por parte dos membros do grupo (com vista à obtenção de lucro, em grau diverso consoante a importância do membro na estrutura organizativa, através da prática de furtos à residência).
2 – As finalidades de prevenção geral têm vindo a aumentar no que respeita ao crime de associação criminosa. Gerando, por força de tal e em íntima conexão com o bem jurídico por si protegido – a paz pública, insegurança nas comunidades onde são praticados espera-se, por banda da Justiça, um combate firme com o objetivo de se evitar a sua proliferação com as nefastas consequências para a sociedade e os indivíduos que a integram.

Texto Integral

Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum coletivo n.º 1/16.7P3LSB-L do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 9, em que são arguidos AA, BB, CC, DD e EE (e também FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU), melhor identificados nos autos, foi proferido acórdão a 18.03.2022, que decidiu nos seguintes termos (transcrição):
1. Absolver os arguidos QQ; RR; SS; TT e UU, cada um deles, da prática de um crime de associação criminosa, na modalidade de adesão ulterior, p. e p. pelo artº 299º, nº 2 do CPenal;
2. Condenar os arguidos FF; GG; HH e EE, cada um deles, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática de um crime de associação criminosa, na modalidade de adesão ulterior, p. e p. pelo artº 299º, nº 2 do CPenal;
3. Condenar os arguidos II; JJ; KK; LL; MM; NN; CC; DD; BB; AA; OO e PP, cada um deles, na pena de 3 anos de prisão efectiva pela prática de um crime de associação criminosa, na modalidade de adesão ulterior, p. e p. pelo artº 299º, nº 2 do CPenal.
2. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE não se conformaram com as respetivas condenações e interpuseram recurso do acórdão.
*
(…)
a) Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (arguidos AA, BB, CC, DD e EE)
Em primeira linha pugnam os recorrentes AA, BB, CC, DD e EE pela nulidade da decisão por falta de fundamentação, concretamente, por ausência de exame crítico da prova que permita perceber o porquê de se ter dado como provado os factos 1 a 5, 6, 9, 10 a 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 36, 39, 40 a 44.
De forma menos expressiva, também o faz o recorrente EE, desta feita por referência aos factos provados em 9, 10, 11, 12, 13, 14, 24, 39, 40, 41, 42 e 43, que considera não se mostrarem fundamentados, constituindo meras conclusões.
Por força do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP, sobre os requisitos da sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Como é sabido, fundamentar é justificar, apresentar as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro. E esta fundamentação abarca quer a decisão incidente sobre os factos quer a solução jurídica encontrada e aplicada.
Em suma, implica tornar possível sindicar a bondade da decisão recorrida.
Porém, fundamentar não significa autonomizar exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do preceito em análise por referência à expressão “concisa” aí contemplada.
Dito de outra forma, apenas a absoluta falta de fundamentação constitui nulidade.
Ora, analisada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância afigura- -se-nos não assistir razão aos recorrentes, sendo a mesma tudo menos insuficiente, não suscitando quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio percorrido, ou seja, que os crimes pelos quais os arguidos se mostram condenados por acórdão proferido no processo principal (arguido AA: um crime de falsificação de documentos, na forma tentada, um crime de furto simples, três crimes de furto qualificado e um crime de furto qualificado; arguido BB: quatro crimes de furto qualificado, um crime de furto simples e um crime de furto qualificado tentado; arguido CC: três crimes de furto qualificado; arguido DD: dois crimes de furto qualificado e um crime de falsificação de documento agravada; arguido EE: um crime de falsificação de documentos agravada, catorze crimes de furto qualificado, um crime de furto qualificado, na forma tentada e um crime de furto simples) foram praticados no âmbito de uma organização destinada à prática de crimes.
Assim, e pese embora os recorrentes considerem que as testemunhas inquiridas sobre a existência desta associação não têm conhecimento direto dos factos e que o relatório Europol não pode valer como meio de prova, certo é que o tribunal a quo analisou criticamente todos os elementos de prova relevantes, explanando a sua convicção quanto à credibilidade daquilo que lhe foi dado a julgar e que de facto importa em face do objeto do crime em apreciação.
Com efeito, resulta da respetiva fundamentação de que forma foi obtido o raciocínio quanto à atividade dos arguidos, assinalando a decisão recorrida, além do mais, “que, por força do circunstancialismo de nos presentes autos apenas se estar a cuidar de apurar da responsabilidade criminal dos arguidos no que diz respeito ao crime de associação criminosa, na modalidade de adesão ulterior, atenta a concreta configuração do mesmo, necessariamente, teremos que o fazer em íntima conexão com a factualidade já considerada como provada e não provada no âmbito dos autos principais nº 1/16.7 P3LSB, de que os presentes constituem Apenso e, por força de tal, a motivação da decisão de facto a esgrimir nos presentes autos tem, forçosamente, de se socorrer da motivação da decisão de facto exarada naqueloutros pois que só assim se consegue apreender e compreender, em toda a sua plenitude, a actuação dos ora arguidos.”
Ou seja, resulta da fundamentação em análise que o tribunal a quo cumpriu escrupulosamente as exigências previstas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, o que não equivale a ter conformado a sua valoração de acordo com os argumentos aduzidos pelos recorrentes, mas antes de acordo com a factualidade tida como assente que bem explicita e pormenorizada está.
Questão diferente é a eventual discordância quanto ao raciocínio devidamente explanado, a qual corresponderá, não a uma insuficiência de fundamentação, mas a impugnação sobre a matéria de facto.
Melhor dizendo, quando uma decisão se baseia num raciocínio erróneo, de acordo com as regras da experiência comum, mas que é explicado, a decisão não é nula, apenas errada, justificando apenas o recurso em matéria de facto.
Nessa medida, julgamos não verificada a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, improcedendo os recursos nesta parte.
b) Da impugnação da decisão sobre matéria de facto (arguidos AA, BB, CC, DD e EE)
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»).
- mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato).
Sendo oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n. º 2 do CPP, certo é que os mesmos devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, sendo eles os seguintes:
- Do vício da alínea a), do n.º 2 do art. 410.º do CPP insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão do de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher ” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª ed. 2020, Editora Rei dos Livros, p. 75);
- Do vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão” (in op. cit. p. 78);
- Do vício da alínea c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP erro notório na apreciação da prova – “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum (...) de onde resulta que o “tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das lege artis” (in op. cit. p. 81).
Entendem os recorrentes AA, BB, CC e DD que o acórdão posto em crise padece do vício a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, a saber, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Assentam tal constatação na afirmação de que “na fundamentação da matéria de facto do acórdão agora recorrido, não se justifica de que forma se chegou à convicção que formou acerca dos recorrentes”, com isso pretendendo colocar em crise os factos provados em 1 a 5, 6, 9, 10 a 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 36, 39, 40 a 44.
Ou seja, na perspetiva dos recorrentes “os factos contidos nestes pontos padecem de contradição insanável, já que a enumeração e análise dos meios de prova apresentados como fundamentos da convicção do Tribunal não justificam aquelas afirmações, relativamente aos aqui recorrentes”.
Ora, olhando a essa alegação pelos recorrentes torna-se evidente que aquilo que efetivamente resulta é a discordância sobre a decisão, pretendendo aqueles ignorar que o iter seguido pelo tribunal a quo para dar como provados aqueles factos não pode ser entendido de forma isolada, mas antes de forma vinculada com a factualidade relativa aos autos principiais.
Nessa medida, não se vislumbra no texto da decisão recorrida a existência de qualquer contradição, antes se mostrando a factualidade provada devidamente fundamentada na motivação explanada no acórdão condenatório, ou seja, por resultado do enlace com matéria já considerada como provada no âmbito dos autos principais n.º 1/16.7 P3LSB, de que os presentes constituem apenso.
Segundo esse raciocínio, que permite efetivamente compreender, interpretar e relevar a frequência dos crimes, os contactos entre os arguidos e a partilha de experiência de investigadores nacionais e internacionais sobre a associação criminosa “...”, não vislumbramos na matéria em questão qualquer incompatibilidade de modo a concluir pela verificação do dito vício.
Ao invés, antes concluímos que a decisão se mostra devidamente esclarecida, sem qualquer colisão entre os fundamentos invocados.
Por outro lado, e no âmbito dessa abordagem necessariamente global, não se subscreve a alegação introduzida pelos recorrentes AA, BB, CC, DD e EE quanto ao caráter genérico e conclusivo dos factos provados em 1 a 6, 11, 14, 17 a 19 e 21, e pelo recorrente EE quanto aos factos provados em 9, 10, 11, 12, 13, 14, 24, 39, 40, 41, 42 e 43, sendo evidente que a sua compreensão não pode ser encontrada de forma isolada, mas antes no âmbito do raciocínio a que supra se aludiu.
Nessa medida, inexiste qualquer base legal para a sua expurgação, ou para que se considere a violação dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP e 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, não vendo nós na sua redação qualquer impossibilidade em serem contraditados, se e quando de forma não fragmentada.
Para além do mais, e por mera por cautela (conforme afirmam), vêm os recorrentes AA, BB, CC, DD e EE impugnar os factos dados como provados em 10, 11, 14, 17 a 19, 21 a 23, 36, 39 a 44, o que entendem realizar de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º 3 do CPP.
De forma menos clara, pretende também o arguido EE colocar em crise a factualidade a si respeitante, sendo tanto, e conforme as respetivas conclusões de recurso, a referente aos factos provados em 9, 10, 11, 12, 13, 14, 24, 39, 40, 41, 42, 43.
Porém, quanto a este último segmento, importa, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), não apenas que os recorrentes enumerem/especifiquem os pontos de facto que consideram incorretamente julgados, mas também que indiquem as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, assim como que especifiquem, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada, sendo ainda, quando for o caso, as provas que devem ser renovadas.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a suprir eventuais erros. Por conseguinte, se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis, a mesma será inatacável.
Fundamentalmente, pretendem os recorrentes que este tribunal de recurso reavalie a prova produzida no que a eles importa, almejando colocar em crise a circunstância de se ter concluído no sentido da sua adesão à organização criminosa em julgamento no presente apenso
Porém, e desde logo, não invocam em seu apoio meios de prova que não tivessem sido considerados pelo tribunal a quo, mas antes questionam a avaliação que o tribunal fez daqueles, ignorando a circunstância que a decisão de recurso de impugnação da matéria de facto não determina nem admite a realização de um novo julgamento, de modo a fazer substituir o entendimento do tribunal a quo pelo entendimento do tribunal superior.
Demitem-se, nessa medida, de dar cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, inviabilizando a pretendida impugnação.
Verdadeiramente, pretendem descuidar a circunstância de que factualidade posta em crise não pode ser observada de forma isolada, mas antes deve ser analisada conjuntamente, ou seja de acordo com todos os elementos de prova efetivamente recolhidos.
Com efeito, olhando à decisão recorrida e sendo verdadeiro que a existência da organização é retirada, muitas das vezes, das caraterísticas da atividade criminosa dada como provada no processo principal (pluralidade de crimes, de locais da atividade criminosa, de agentes com contactos entre si, de envio de transferências monetárias para diversas pessoas sem ligações pessoais conhecidas), não se basta a respetiva motivação apenas nesse apelo.
Avançou-se, pois, relativamente àquilo que já resultava do processo principal, o que os recorrentes pretendem desconsiderar ao procurarem que a fundamentação agora exarada não coincide nem encontra apoio naquela que foi traçada no acórdão referente aos autos principais.
Deveras, e tendo o presente julgamento como objeto o crime de associação criminosa, acrescentou-se a informação constante do relatório da Europol e dos depoimentos de VV, WW e XX sobre experiências de investigações de uma associação criminosa com origem no país de origem dos arguidos – ..., e do depoimento de YY, especificamente quanto ao recorrente EE, elementos esses que não só se encaixam totalmente nos factos dados como provados relativos ao processo principal como também permitem sustentar os factos dados como provados que integram a prática pelos arguidos de um crime de associação criminosa.
Por outro lado, e ao contrário do afirmado pelos recorrentes AA, BB, CC, DD e EE, não é verdadeiro que o tribunal a quo “juntou todos os arguidos no mesmo saco”, sendo disso prova direta a circunstância de ter deixado esclarecido quem efetivamente pretendeu e logrou a contestada “dissimulação”, sendo entre eles o recorrente BB, o que, salvo melhor opinião, não é excluído no processo principal quanto a todos os arguidos mas apenas quanto a alguns deles.
Ou seja, observada a decisão recorrida e respetiva fundamentação, é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável e verosímil o entendimento do tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, existindo as provas para a decisão tomada e não se detetando qualquer violação de normas de direito probatório, concretamente, no que se refere à informação constante do relatório da Europol, porquanto conjugada com o teor do depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, com especial acuidade, as testemunhas VV, WW e XX.
Por conseguinte, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que os arguidos recorrentes pretendem ver como não provados é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo estas sido apreciadas segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do CPP.
Destarte, não merece qualquer censura, visto que a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo.
Impondo-se julgar assente a factualidade provada, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto e a invocação dos vícios a que se refere o art. 410.º, n.º 2 CPP, bem como a alegada violação do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP, tendo por não verificada qualquer nulidade que comprometa o decidido.
c) Do não preenchimento dos elementos do tipo legal do crime de associação criminosa (arguidos AA, BB, CC, DD e EE)
No pressuposto de que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes no acórdão condenatório, concluem os recorrentes que não se encontram preenchidos os elementos do tipo de ilícito pelo qual se mostram condenados.
Para o que importa, disciplina o art. 299.º do CPenal nos seguintes termos:
1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
(…)
5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo.
Mostra-se definitivamente assente a matéria de facto, de onde decorre, nos termos sustentados pelo acórdão recorrido, o preenchimento de todos elementos do crime de associação criminosa, a saber:
- a existência de uma pluralidade de pessoas, pelo menos três, sendo in casu em número superior;
- uma certa duração ou permanência temporal do grupo, que atuou em território nacional por largos meses;
- um mínimo de estrutura organizativa, que serve de substrato material à existência de algo que supera os agentes;
- a formação de uma vontade coletiva;
- um sentimento de ligação por parte dos membros do grupo (com vista à obtenção de lucro, em grau diverso consoante a importância do membro na estrutura organizativa, através da prática de furtos à residência).
Assim sendo, na inexistência de causas de justificação e de exclusão da culpa, nenhum reparo cumpre realizar ao enquadramento jurídico-penal operado pelo tribunal a quo, falecendo, consequentemente, a alegação relativa ao erro no preenchimento do tipo legal imputado aos recorrentes.
c) Do quantum da pena e sua suspensão (arguido EE)
O recorrente EE considera que “a medida da pena a arbitrar deverá ser a mínima prevista, de um ano de prisão, a declarar-se suspensa por igual período”.
Como é sabido as finalidades de aplicação de uma pena decorrem essencialmente da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da preocupação em se atingir a reinserção do agente na comunidade - artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal. Posto que, se terá de atender ao art. 71.º do Código Penal, que dispõe, no seu n.º 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção.
No que respeita ao relacionamento entre aqueles dois critérios, defende Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 215), que à culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção geral de integração e especial socialização, que deve ser determinada abaixo daquele máximo, a medida da pena.
Segundo o art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, “na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...)”. Com efeito, os princípios da proibição da dupla valoração e do ne bis in idem implicam que não sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias que outrora foram consideradas a propósito do tipo de crime.
Nesse pressuposto, o tribunal a quo analisou os factos praticados pelo arguido com vista à subsunção dos mesmos dentro dos concretos fatores da medida da pena, tendo considerado a culpa, que classificou de muito elevada, assumindo a modalidade de dolo direto; a ilicitude elevada, revelada nos factos e sua forma de comissão; a total ausência de responsabilização para a gravidade da sua conduta; as elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir; o seu grau de envolvimento na estrutura e atividade do grupo criminoso; a ausência de integração familiar e profissional; a existência de antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património, tendo sido condenado no âmbito dos autos principais na pena única 8 anos e 3 meses de prisão.
A seu favor, relevou o grau de licenciatura.
Assim, tudo visto e ponderado, tendo presente a moldura penal abstratamente aplicável (entre 1 a 5 anos de prisão) e as concretas necessidades de prevenção geral e especial associadas, julgou o tribunal a quo adequado, suficiente e proporcional condenar o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Aqui chegados, e no seguimento do acórdão do STJ de 19.05.2021 (Proc. 10/18.1PELRA.S1., disponível em http://www.dgsi.pt), regista-se que «no que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.»
Dessa forma, analisada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância quanto à medida da pena, afigura-se-nos que o tribunal a quo individualizou, de forma correta, as diversas circunstâncias relevantes no que respeita ao crime em apreço e no que diz respeito à prevenção especial. Destacou, de igual modo, as finalidades de prevenção geral que, no que respeita ao crime de associação criminosa “tem vindo a aumentar gerando, por força de tal e em íntima conexão com o bem jurídico por si protegido – a paz pública, insegurança nas comunidades onde são praticados esperando-se, por banda da Justiça, um combate ao mesmo firme com o objetivo de se evitar a sua proliferação com as nefastas consequências para a sociedade e os indivíduos que a integram”.
Todos esses fatores, detalhadamente analisados pelo tribunal a quo, não se de molde a considerar o requerido pelo arguido, no sentido da redução da pena para o mínimo legal, esquecendo o recorrente que a aplicação de uma pena tem também uma finalidade de prevenção geral positiva, pelo que a sua pretensão não poderia ser compreendida pela comunidade como justa, antes perdendo qualquer função tutelar.
Assim considerando, e compreendendo a “mensagem” do tribunal recorrido, não se nos oferece proceder a qualquer reparo à pena aplicada, porquanto se mostra justa, adequada às finalidades de prevenção, e proporcional à culpa e personalidade do arguido.
Pugna ainda o recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão em que se mostra condenado.
De acordo com o disposto no artigo 50.º n.º 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E, segundo o n.º 5 da mesma disposição legal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Perante este regime qualquer uma das penas, por não ultrapassar 5 (cinco) anos de prisão, é suscetível de suspensão.
Não obstante, assim não o considerou o tribunal a quo, o que fundamentou, quanto a todos os arguidos condenados, nos seguintes termos:
“Ora, no caso objecto dos presentes autos e lançando mão das considerações supra expendidas quanto ao que, relativamente a cada um dos arguidos milita contra e a seu favor, somos de entendimento de que as necessidades de reprovação e de prevenção geral do crime ora em apreço obstam, inequivocamente, à suspensão de tais penas e sendo certo que todos os arguidos têm já antecedentes criminais registados antes se impondo sinalizar à comunidade o efeito dissuasor das penas de quem incorre neste tipo de criminalidade.
Acresce que os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento ou confessaram de algum modo os factos objecto dos presentes autos o que para nós espelha inequivocamente a falta de auto-responsabilização de cada um deles em relação aos factos por si perpetrados.
Ademais, os arguidos não têm qualquer estabilidade profissional ou familiar em território nacional.
Em resumo, atendendo ao circunstancialismo da prática dos factos, à sua gravidade, ao alarme social que condutas como a dos autos são idóneas a causar, a falta de responsabilização dos arguidos e, bem assim, as necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer, crê-se que a simples ameaça da pena de prisão se mostra manifestamente insuficiente para satisfazer as necessidades da pena, pelo que, opta-se por não suspender as penas de prisão em questão.
Subscrevendo nós a argumentação expendida pelo tribunal a quo de modo a concluir pela não suspensão da pena de prisão, somos particularmente atentos à circunstância de não se identificar no arguido qualquer juízo de autocensura, o que, por si só, é incompatível com qualquer juízo de prognose favorável.
Nessa medida, não se pode dizer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim considerando, e salientando as necessidades de reprovação e de prevenção geral do crime pelo qual o arguido surge condenado, julgamos que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, nada havendo a alterar ao decidido pelo tribunal a quo.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos apresentados pelos arguidos AA, BB, CC, DD e EE mantendo-se na íntegra a decisão do tribunal a quo.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC´s.
Notifique.
*
Lisboa, 11 de julho de 2024
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Carla Francisco
Alda Tomé Casimiro