PER
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
Sumário

I–O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização.

II–Por força do disposto no artº 195º, nºs 1 e 2, do CIRE, o plano de revitalização apresentado pelo devedor deve, além de indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução e conter todos os elementos relevantes de modo a garantir a possibilidade de ponderação das vantagens que se estima resultarem da sua aprovação, quer pelos credores, quer pelo tribunal.

III–Prevendo-se no plano a venda de um posto de abastecimento de combustível, por um determinando valor mínimo que será utilizado para pagamento a dois credores que beneficiam de hipoteca sobre o mesmo e o restante aos demais credores sem que resulte ter tido lugar uma avaliação fidedigna relativa ao valor comercial de tal imóvel, nem tão pouco a data em que a escritura seria realizada, tem que se considerar que o mesmo não observa o disposto no normativo referido em II- e, como tal, não pode ser homologado.  

IV–O princípio da igualdade dos credores estabelecido no artº 194º do CIRE é um princípio estruturante na regulação do plano de revitalização e que, muito embora não tenha carácter absoluto, só pode ser derrogado por “razões objectivas “, justificadas no próprio plano.

V–A ofensa, pelo plano, do princípio da igualdade dos credores constitui uma violação não negligenciável e, consequentemente, determina que o mesmo não possa ser homologado.

Texto Integral

Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


M …, LDA, pessoa colectiva n.º …, com sede …, apresentou-se a processo especial de revitalização.

Em 25/07/2023, o Sr. Administrador Judicial Provisório (AJP) apresentou a lista definitiva de créditos na sequência da decisão de 13/07/2023 que recaiu sobre as impugnações apresentadas relativamente à lista provisória junta aos autos em 23/06/2023.

O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o Sr. AJP nomeado e a devedora, publicitado em 30/08/2023.

Concluídas as negociações, em 30/09/2023 foi junta e publicada uma primeira versão do plano de recuperação e, em 16/10/2023, foi junta uma nova versão do plano, publicitada em 18/10/2023.

Em 18/10/2023, a devedora juntou uma “errata” com vista ao esclarecimento da proposta de pagamento apresentada ao credor P…, S.A., para ser integrada no plano de recuperação e considerada na votação.

Em 27/10/2023, o credor Banco B…, S.A., veio requerer a não homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora ao abrigo dos artigos 17.º-F, n.º 3, 215.º e 216.º do CIRE ou, subsidiariamente, que se faça constar de forma expressa na sentença a proferir que as medidas constantes do plano não são aplicáveis, nem vinculam o credor, por a mesma não consentir na derrogação dos artigos 194.º e 216.º, n.º 1, alínea a) do CIRE.

Em 29/10/2023, o credor Banco C…, S.A., veio também requerer a não homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora nos termos dos artigos 17-F nº 7, 194.º a 197.º, 198.º n.º 1, 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, todos do CIRE, por violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo, entre elas o princípio da igualdade previsto no art.º 194.º do CIRE.

Em 31/10/2023 foi remetido ao tribunal o resultado da votação pelo Sr. AJP, de acordo com o qual o plano foi aprovado.

Em 20/11/2023, o Sr. AJP apresentou o parecer a que alude o art.º 17.º- F, n.º 6, parte final, do CIRE, aí concluindo pela viabilidade do plano.

Em 01/12/2023 foi proferida sentença que decidiu não homologar o plano de recuperação apresentado pela requerente.
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Inconformada, apelou a credora, a qual, na sequência do convite efectuado pela então Exma Sra Desembargadora a quem o recurso foi inicialmente distribuído, sintetizou as CONCLUSÕES formuladas da seguinte forma:
1–A decisão aqui recorrida veio decidir pela não homologação do Plano, por entender que a proposta de plano apresentada viola, de forma não negligenciável, as normas aplicáveis ao conteúdo do Plano, bem como do princípio da igualdade entre credores, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 194.º e 195.º, n.º 1 e 2, alíneas b), in fine, d) e f) do CIRE.
2–O Tribunal a quo entendeu e decidiu que:“Os requerimentos apresentados em 31/10/2021, 03/11/2023, 10/11/2023, 14/11/2023, 15/11/2023, 16/11/2023, 20/11/2023, 21/11/2023 e 23/11/2023, após a apresentação nos autos do resultado da votação, constituem a prática de atos que a lei não admite ou prevê, pelo que configuram um exercício manifestamente abusivo e impertinente do direito ao contraditório, razão pela qual determino o seu desentranhamento e devolução aos seus apresentantes (…) e ainda que “decido não homologar o plano de recuperação apresentado pela M …, LDA.”.
3–A Recorrente notificada da sentença não se conformando com o sentido da mesma, vem interpor o presente recurso, considerando que, a decisão se mostra desenquadrada nos factos previstos no Plano, tendo o Tribunal a quo feito um errado enquadramento dos termos do Plano de Recuperação da mesma forma que, não fez a mais correcta interpretação e aplicação das normas legais que lhe são aplicáveis, nem subjacentes à finalidade do mesmo – recuperar e revitalizar a empresa com dificuldades financeiras, devendo a decisão recorrida ser devidamente alterada.
4–O Tribunal a quo recusou e limitou o exercício do contraditório à aqui Recorrente, tendo ordenado o desentranhamento de todos os requerimentos juntos aos autos, após a apresentação nos autos do resultado da votação, sem que tenha legalmente fundamentado.
5–Quanto a esta matéria da decisão proferida, considerando a Lei aplicável, certo é que até à decisão de homologação do Plano de Recuperação ou recusa da mesma, nada impede que a Devedora/Recorrente apresente a sua resposta aos pedidos de não homologação ou, mesmo exerça o seu contraditório com a aplicação do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 17º do CIRE e ainda que sejam prestados todos esclarecimentos tidos por convenientes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, o que limitou e violou o exercício do contraditório à Recorrente relativamente aos pedidos de não homologação apresentados nos autos.
6–Por falta de fundamento legal do entendimento acolhido pelo Tribunal a quo e por violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3º, n.º 3 do CPC e aqui aplicável, para todos os efeitos, deverá a decisão do desentranhamento ser devidamente alterada, e consequentemente, por cumprimento do princípio do contraditório, previsto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, serem admitidos os requerimentos juntos aos autos pela Devedora que foram apresentados em resposta aos pedidos de não homologação. Prosseguindo,
7–O Tribunal a quo considerou não se encontrarem reunidas as condições necessárias à homologação do Plano de Recuperação, na medida em que o referido Plano não contém todos os elementos relevantes para efeitos de aprovação, como o exige o artigo 195.°, n.°s 1 e 2, do CIRE, e que o mesmo prevê diferenciações entre os credores sem que sejam devidamente elucidadas e esclarecidas as razões para o tratamento privilegiado de uns em detrimento de outros, dessa forma violando o princípio da igualdade dos credores a que alude o artigo 194.°, do CIRE. Para tanto,
8–Entendeu o Tribunal a quo que, relativamente à venda do imóvel, o Plano de Recuperação não fundamenta, nem faz prova do valor mínimo para efeitos de venda do mesmo - € 1.200.000,00, da mesma forma que, o Plano omite o prazo máximo para a celebração da competente escritura de compra e venda, o que não corresponde à verdade.
9–Conjugando todas as condições do Plano de Recuperação e medidas de incidências sobre o activo, não existem dúvidas que, os Credores L…, SARL e Caixa C…, CRL são os únicos Credores garantidos com a venda do imóvel, e que os mesmos Credores (garantidos), pelo sentido de voto expresso no processo, aceitaram os termos e as condições da venda do mesmo,
10–Os únicos Credores que numa possível venda extra-judicial ou judicial (executiva ou no âmbito de qualquer outro processo judicial) são ouvidos a tomarem posição do valor base de venda do imóvel e a aceitarem quaisquer outras condições.
11–A par disso, nos termos do mesmo Plano, foi dada a possibilidade a todos os Credores de exercerem o direito de opção de compra do activo, pelo mesmo valor ou valor superior e ainda consta da mesma proposta as condições de venda e data para a realização da escritura.
12–Relativamente ao prazo para efeitos da escritura da venda do imóvel, considerando o “efeitos gerais” do Plano de Recuperação, as medidas previstas produzem efeitos com referência à data da sentença de homologação, tal como previsto na página 14 do Plano, prevendo a opção de compra aos demais Credores – “deverá ser acionada nos 5 dias úteis após a publicação da sentença homologatória do Plano de Recuperação e acompanhado de cheque visado, emitido a favor da recuperando, no valor de 10% da oferta.”
13–A escritura da venda do imóvel era agendada no imediato com referência à data da sentença da homologação e com o conhecimento de todos os Credores, sendo a escritura celebrada no imediato, após sentença de homologação,
14–e que considerando as datas e prazos envolvidos na proposta em nada impediam os Credores (de eventualmente) alegarem o incumprimento dos termos do Plano, sem esquecer nesta matéria o que se encontra previsto no artigo 218º do CIRE.
15–Entendeu ainda o Tribunal a quo que o Plano de Recuperação privilegia Credores garantidos relativamente a garantias prestadas e para tanto, a decisão recorrida suscita diversas dúvidas/questões, mas que pela sua natureza, as mesmas se encontram respondidas pelos termos do Plano.
16–Relativamente à omissão da valorização do activo proposto a entregar/transmitir/ceder à P…, S.A. não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo, considerando que os activos cedidos e entregues ao Credor não são, nem nunca foram da propriedade da Devedora, antes da propriedade da Credora – P…, S.A., e o mesmo acontece em relação ao posto do estabelecimento comercial sito na Av. de R…, pelo que a transmissão do direito de ocupação da via pública, vem reconhecer à Credora um direito do qual já é titular, sem perturbar as garantias que tenham sido prestadas pela Devedora sobre o alvará desse Posto.
17–O Plano não tem que considerar o valor daquele activo que não é da propriedade da Devedora, tal como nunca foi, nem o valor do activo será considerado para efeitos de comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano, inexistindo, qualquer situação de benefício e/ou de favor injustificado da P…, S.A. em detrimento dos demais Credores garantidos.
18–Considerando a proposta à Credora P…, S.A. (página 19 do plano de recuperação), a mesma é clara relativamente ao perdão apresentado à Credora, inexistindo qualquer pagamento integral do crédito, tendo as partes aceite a entrega dos activos (propriedade da P…, S.A.) que são da propriedade da P…, S.A., numa perspectiva de resolução dos litígios pendentes entre as partes – ações judiciais pendentes e instauradas pela Devedora e pela P…, S.A., mantendo-se as garantias dos Credores (penhor), sem qualquer alteração.
19– Apenas está em causa o direito de ocupação da via pública, sendo que a P…, S.A. já é titular do direito de exploração do estabelecimento em causa e estando apenas em causa a transmissão do direito de ocupação da via pública, não existem dúvidas que as garantidas dos Credores – B…P e B…C (Alvará de exploração do Posto de abastecimento de combustíveis e todas as licenças e alvarás e todos os móveis pertencentes ao estabelecimento sito na Rua Frei …) permanecem inalteradas,
20–e em relação ao alvará de exploração do Posto de M…, o mesmo é titulado pela Credora P…, S.A, sendo o Posto explorado por outra Entidade e que em nada interfere com as garantias prestadas aos demais Credores (garantidos).
21–Não se verifica qualquer situação de desigualdade entre Credores, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 194º do CIRE, tendo a Credora tratados os seus Credores todos de forma igual, inexistindo qualquer tratamento diferenciados, considerando a situação de cada um dos Credores reclamantes.
22–O Plano de Recuperação apresentado não padece de qualquer nulidade “venire contra factum proprium”, não podendo ser ponderada qualquer situação de liquidação antecipados dos activos da Devedora, nem de situação menos favorável aos Credores do que a interviria na ausência de qualquer plano de recuperação, tendo a Devedora mantido toda e qualquer garantia já prestada aos credores e o Plano não oferece nem mais nem menos do que aquilo que os credores receberiam em sede de liquidação da empresa (plano de liquidação), e o que ficou bem nos termos do plano.
23–Relativamente à actividade desenvolvida pela Devedora, a recuperação da empresa terá por base a rentabilidade do seu negócio, a racionalização dos custos e a adequação do passivo à expetativa de meios libertos, com o cumprimento dos compromissos assumidos com todos os fornecedores e clientes, bem como a manutenção dos postos de trabalho atuais, o que ficou bem claro nos termos da proposta apresentada aos Credores.
24–A finalidade da proposta apresentada baseia-se num conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar um fluxo financeiro superior ao que seria possível caso estas medidas não fossem implementadas, dessa forma, permitem assegurar um maior nível de ressarcimento das dívidas aos credores (por comparação com a que decorreria da ausência de plano e consequente liquidação) e tal como previsto no Plano, a recuperação da empresa passa pela renegociação da dívida em termos de prazos e preço; pela reestruturação da atividade através da prestação de serviços de consultoria e gestão dos postos de abastecimento de combustíveis, carregamento eléctrico e lojas de conveniência/cafetarias para as empresas associadas, nomeadamente, Petro…, Lda, N…, Lda e P…, Lda, pelo ajustamento dos custos operacionais à nova realidade com redução de FSE e eliminação total dos custos com o pessoal fixos, com recurso a outsourcing; e pela alienação de activo extraexploração para redução da divida, Cfr. página 7 do Plano de Recuperação.
25–Não se alcança o fundamentado pelo Tribunal a quo quando fundamenta que “Em segundo lugar, a devedora diz que é no posto de abastecimento da Av. de R… que a sua atividade está centrada e que a receita obtida por via deste posto será canalizada integralmente para o pagamento aos credores nos termos do plano de recuperação (cfr.1.° parágrafo da pág. 8 do plano)”, considerando que, o mesmo não se encontra previsto no Plano de Recuperação –, nem cfr.1.° parágrafo da pág. 8 do plano (versão final do Plano),
26–além disso, não considerou o Tribunal a quo o parecer junto aos autos pelo administrador judicial quando este veio justificar no seu parecer a viabilidade da empresa.
27–O mesmo não se aceita, nem tem qualquer fundamento o alegado na decisão recorrida quando refere relativamente ao “direito de ocupação de via pública”, considerando que, a Devedora, mesmo sem a homologação do Plano diligenciou junto das Entidades Públicas competentes para efeitos do controlo prévio municipal pela aprovação prévia à mesma, Cfr. Documentos n.º 1 a 5 que ora se juntam aos presentes autos, por se mostrarem supervenientes ao Plano de Recuperação e mais do que isso, a prévia autorização não carecia de ser junta ao Plano de Recuperação, nem existe fundamento para tal, seria sempre um fundamento de incumprimento do Plano, caso a autorização não seja concedida e/ou aprovada.
28–Ainda no seguimento da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal a quo conclui que: “(…) o plano não esclarece de que forma pretende a devedora manter a sua atividade e "libertar meios financeiros para fazer face aos compromissos do dia a dia e, ainda, gerar um excedente de tesouraria para fazer face aos acordos assumidos com os credores neste âmbito”, como se afirma na página 7 do plano”, tal conclusão não poderá ser retirada.
29–A Devedora no Plano apresentado fundamentou toda e qualquer medida de recuperação apresentada e num cenário/impacto expectável das alterações propostas, prevendo o mesmo na página 23 do Plano que “A manutenção da atividade da requerente permitirá a todos os credores, sem exceção, verem os seus créditos ressarcidos num montante que, com toda a certeza, não seria possível num cenário de encerramento da empresa e liquidação dos seus ativos; Acresce ainda que, mantendo-se em atividade, a empresa irá manter relações comerciais com os seus credores e dessa forma permitir a criação de valor.”, além do referido no parecer apresentado pelo administrador judicial e ainda na página 7 do Plano em que a Devedora refere os termos da sua recuperação. Mais,
30–Ao contrário do fundamentado pela decisão recorrida, a proposta de restruturação apresentada aos Credores não beneficia a P…, S.A. em detrimento dos Credores Banco B…C e o Banco C…P, não prevendo a mesma o pagamento integral do crédito à P…, S.A. (página 19 do plano de recuperação), antes o perdão do crédito mediante aceitação as partes, numa perspetiva de resolução dos litígios pendentes.
31–Relativamente à garantia dos Credores (penhor), a verdade é que a mesma se mantem, sem qualquer alteração, não estando em causa a transmissão do alvará do posto de combustível de “posto da Av. de R…”, antes o direito de exploração do estabelecimento comercial, este que é da titularidade da Credora P…, S.A, pelo que a transmissão daquele direito de ocupação da via pública, é apenas o reconhecimento do direito que já é da Credora P…, S.A. e em nada interfere com a garantia dos Credores reclamantes e impugnantes deste Plano.
32–A proposta apresentada aos Credores garantidos, não se mostra ferida de qualquer ilegalidade, nem contrários às normas aplicáveis ao caso em concreto, nem fere qualquer princípio basilar aplicável a este tipo de processo, nem mesmo o princípio da igualdade plasmado no artigo 194º do CIRE,
33–Nem a proposta apresentada aos Credores garantidos afecta de forma manifestamente excessiva, nem é desproporcional e desrazoável aos direitos de crédito e as respetivas garantias em benefício de um Credor, mantendo-se as garantias (penhor) do B…C e do B…P inalteradas, não estando em causa o alvará (objecto de penhor), antes a transmissão do direito à ocupação da via pública de que em bom rigor já era titular da Credora P…, S.A e financeiramente, a proposta apresentada, Cfr. páginas 17 a 19 do Plano de Recuperação e da errata admitida nos autos, permite aos Credores B…C e B…P serem ressarcidos dos seus créditos, mantendo-se inalteradas as garantias já prestadas, ao passo que a Credora P…, S.A..
34–É certo que, ao abrigo do artigo 194.º do CIRE, o Plano de Recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, e as razões objectivas que podem justificar o diferente tratamento dos credores, não são enumerados pelo legislador, constituindo um conceito aberto que tem de ser integrado em função das circunstâncias verificadas, impondo sempre uma avaliação casuística.
35–Como resulta outrossim do artigo 194º, do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objetivas que justifiquem o tratamento diferenciado, o que aconteceu no caso em concreto.
36–No caso em concreto, no Plano de Recuperação existem e foram apontadas as razões objectivas capazes de fundamentar a distinção de tratamento entre os credores, e para que se verifique a violação do princípio da igualdade terá de ser aferida pela dimensão da diferença de tratamento proposta.
37–O tratamento diferenciado é justificado no plano: “O princípio da igualdade entre credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, foi tido em plena consideração conforme dispõe o art.º 194º do CIRE.”, ou seja, no que diz respeito ao Credor P…, S.A., e considerando para todos os efeitos a natureza da actividade exercida entre o Credor e a Devedora, e ainda o facto de o mesmo se considerar como o maior Credor no âmbito do presente PER, consubstanciam factores suficientes para considerar o tratamento diferenciado.
38–E ainda que, relativamente ao princípio da igualdade entre Credores, o mesmo encontra-se devidamente esclarecido nos autos, sendo o único tratamento diferenciado justificado no plano: Derrogação do princípio da igualdade relativamente ao pagamento de juros remuneratórios às instituições financeiras e entidades financiadoras, não se verificando o mesmo relativamente aos fornecedores e outros credores comuns, atento o respetivo escopo financeiro e o grau de envolvência e risco. Efectivamente, os créditos de fornecedores e credores comuns têm origem em fornecimentos de bens e serviços, cujo valor inclui o “lucro” da sua actividade, em paridade com os juros remuneratórios para os credores financeiros que constituem a remuneração do capital que se mantém na disponibilidade da devedora.” (Sublinhado nosso) e ainda conforme ponto 5.3 que ora se transcreve: “O princípio da igualdade entre credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, foi tido em plena consideração conforme dispõe o art.º194ºdoCIRE.”.
39–O presente Plano não faz qualquer tipo de tratamento desfavorável quanto aos Credores garantidos identificados, tratando o que é igual, e considerando as condições de cada tipo de credor e respetiva categoria, e a não homologação do Plano não tem qualquer fundamento factual ou legal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215.º do CIRE, nem a decisão proferida apresenta qualquer fundamento para a não homologação do Plano.
40–Além disso, o Plano de Recuperação apresentado não padece de qualquer nulidade “venire contra factum proprium”, nem poderá ser aqui ponderada qualquer situação de liquidação antecipados dos activos da Devedora, nem de situação menos favorável aos Credores do que a interviria na ausência de qualquer plano de recuperação, tendo a Devedora mantido toda e qualquer garantia já prestada aos credores e o plano de recuperação não oferece nem mais nem menos do que aquilo que os credores receberiam em sede de liquidação da empresa (plano de liquidação), e o que ficou bem nos termos do plano.
41–Para efeitos do disposto no artigo 216º do CIRE, não basta ser alegado que, a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que interviria na ausência de qualquer plano, terá que ser demonstrado, o que não acontece nos presentes autos, nem os Credores fizeram qualquer demonstração, nem tal situação se verifica no caso em concreto.
42–E acerca da mesma matéria, em face das justificações apresentadas para a diferenciação no tratamento de credores, não se encontrar violado o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, cumprindo o Plano Recuperação os princípios basilares do PER, tratando de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, conforme as medidas muito bem evidenciam, sem que exista qualquer fundamento para a recusa da homologação do Plano de Recuperação, nem o Plano acarreta qualquer violação não negligenciável das normas aplicáveis quanto ao seu conteúdo. Por fim,
43–A decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto a esta matéria é claramente desajustada e desenquadrada face o exposto e descrito no Plano de Recuperação apresentado nos autos, devendo a mesma ser devidamente alterada com a sua substituição pela sentença de homologação do Plano com vista à recuperação da actividade da Devedora.
Terminou peticionando que o recurso seja julgado procedente e revogada a decisão recorrida no sentido da homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Recorrente.
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O credor Banco B…C…, SA, contra-alegou e notificado das conclusões aperfeiçoadas, apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
1.–Quanto as conclusões 1º a 6º do recurso apresentado sempre se dirá que caso se venha a decidir pela manutenção dos requerimentos da Recorrente, apresentados, segundo a mesma, ao abrigo do exercício do principio do contraditório, de igual forma se deverão manter os requerimentos a que a Recorrente responde e que são do Banco B…C e do B…P.
2.–O plano de recuperação, da mesma forma que o plano de insolvência, deve obedecer ao princípio da igualdade previsto no Artigo 194º do CPC, o que no caso não sucede como se demonstrará.
3.–O plano apresentado é um plano misto de liquidação antecipada, para alguns credores garantidos, com pagamento com activos da ora Recorrente, e para outros a sujeição a um plano faseado de pagamento da dívida.
4.–Quanto as conclusões 7º a 15º sempre se dirá quanto ao credor LC Assets 2, SARL dá-se a possibilidade de ter uma liquidação antecipada no processo de revitalização e de ser pago com a alienação do Posto de Abastecimento de Ouressa em praticamente metade do seu crédito, sendo certo que do plano nenhuma avaliação consta desses activos ficando os credores sem conhecimento se o valor de venda anunciado de estabelecimento é adequado com o valor real do mesmo e se a venda não é mais que uma real dissipação de património da Recorrente, em beneficio de alguns dos credores, sendo certo que este credor ainda consegue salvar perto de metade do crédito reclamado.
5.–Quanto ao credor Caixa C…, CRL este credor garantido beneficia igualmente de uma liquidação antecipada em resultado da alienação do activo Posto de Abastecimento de O…, com o recebimento de € 200.000,00 e a forma de imputação do valor segundo o plano deverá ser feita para responsabilidades da Recorrente e para a responsabilidade de uma terceira sociedade estranha ao plano, sendo certo que do plano nenhuma avaliação consta desses activos ficando os credores sem conhecimento se o valor de venda anunciado de estabelecimento é adequado com o valor real do mesmo ou se a venda não é mais que uma real dissipação de património da Recorrente, em benefício de alguns dos credores, sendo certo que este credor ainda consegue salvar perto de metade do crédito reclamado.
6.–Andou bem o tribunal a quo na decisão recorrida quanto a esta matéria.
7.–Quanto às conclusões 16º a 19º relativamente ao credor P… estabelece o plano a entrega à P…, S.A. dos postos da Tapada …, A… e É…, após a aprovação do plano, a cedência de 50% Alvará de Exploração do Posto do M…, propriedade da M…, após a aprovação do plano, Recorrente propôs-se a transmitir a favor da P…, S.A. do direito de ocupação de via pública propriedade da M…, Lda, sita na Rua Frei …, denominado de “Posto da Av. de R…”, tudo obviamente sem apresentar quaisquer avaliações dos bens que destinavam a ser transmitidos.
8.–O que serve por dizer que a parte mais importante do estabelecimento da Av de R…, as bombas de combustível que estão na via publica, é igualmente cedido a P…, ou o núcleo central que faz gerar negócio do estabelecimento.
9.–A Recorrente não é nenhuma entidade publica, não é Câmara Municipal de Lisboa para dispor sobre quem pode ou não ocupar a via pública da Cidade de Lisboa, se cede a ocupação do que é seu, ou pelo menos explora na sua actividade comercial, e se encontra na via pública – leia-se “bombas de combustível”, seja ele fóssil ou elétrico, a Recorrente esta a ceder o coração do estabelecimento comercial e o alvará associado à P…
10.–Andou aqui bem o Tribunal “a quo” na decisão recorrida quanto a esta matéria.
11.–Quanto ao alegado nas conclusões Artigos 20º a 26º - a Recorrente no plano promete manter como garantia do mesmo é o que oferece de bandeja ao credor P… a saber: a parte nuclear do estabelecimento comercial sito Av. Frei …, os postos de combustível.
12.–Com efeito a garantia do penhor constituído pela Recorrente a favor do ora Recorrido incide através de Alvará de Autorização de exploração de Posto de Abastecimento de Combustíveis com o nº 376/UT/2009 emitido em 18/08/2009 pela Câmara Municipal de Lisboa com validade até 18/08/2029 que é composto por lavagem automática, instalações para funcionários, zona de ar e de água, e duas ilhas de abastecimento de combustíveis, abrangendo a respectiva chave e direitos sobre o local, todas as licenças e alvarás e todos os móveis pertencentes ao estabelecimento e nele existentes sito na Avenida Frei  …, em Lisboa, como melhor poderá constatar-se pelos próprios penhores juntos com a reclamação de créditos que foram constituídos pela Recorrente em 2013 e 2014 e que se encontram juntos aos autos.
13.–Sendo certo que o penhor constituído a favor do B…P sobre tal alvará é posterior (2015) ao do ora Recorrido, e a existir contrato de penhor a favor da P… é certamente posterior ao do ora Recorrido.
14.–Ou seja de uma penada a Recorrente subtrai e esvazia a garantia do penhor prestado ao Banco B…C entregando o objecto dessa garantia à P…
15.–Pelo que se conclui que o plano padece de nulidade insanável “venire contra factum proprium” um autêntico exercício de abuso de direito por parte da Recorrente cfr Artigo 334º do Código Civil, por um lado acena no plano ao Banco B…C com a manutenção das garantias reais (penhor sobre alvará e estabelecimento da Avenida de R…) por outro lado, mais a frente no documento, pega no coração do Estabelecimento e dá-o em pagamento a P…, sem claramente o dizer, num jogo de palavras, em beneficio claro de um credor relativamente aos demais (os que ficaram prejudicados para alem do B…C, o B…P).
16.–Se a consequência destas cláusulas do plano não fossem a nulidade (Artigo 220º do Código Civil) que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, sempre se diria, como se diz, que as mesmas demonstram um uso reprovável do processo, para além de violarem manifestamente os Artigos 194 e 195º do CIRE e o nº 1 do Artigo 229 do Código Penal.
17.–O plano proposto apresenta uma violação não negligenciável das normas aplicáveis, violando o princípio da igualdade dos credores, consignado no art.º 194.º do CIRE, ao tratar de forma diferente e desproporcionada os credores garantidos, sem qualquer justificativo, uns merecem ser pagos, outros pagos em prestações com o que sobrar da liquidação antecipada dos activos da sociedade feita para alguns dos credores garantidos.
18.–Mas mais, trata de forma diferente credores igualmente garantidos, a Recorrente dá à P… de bandeja o pagamento dos seus créditos com os seus estabelecimentos, entre os quais o núcleo do Estabelecimento da Avenida de R…, que tinha sido dado em penhor ao Banco B…C, ficando deste modo o Banco B…C totalmente prejudicado na garantia que lhe havia sido prestada, facto com o qual não pactua, rejeitando-o.
19.–Andou também nesta matéria bem o tribunal a quo na decisão recorrida.
20.–Quanto as conclusões 27º a 43º - o ora Recorrido desconhece quem foi o Autor dos referidos documentos, que não se encontram assinados, desconhecendo em absoluto a veracidade ou não do respectivo conteúdo, a que é completamente alheio e do qual não foi Autor, impugnando-se a genuidade, veracidade e autenticidade dos documentos 1 a 5 juntos com as alegações de recurso.
21.–Por outro lado, mesmo que por hipótese académica assim não se admita tal impugnação, sempre se dirá que o primeiro documento tem data de 30 de Novembro, muito posterior ao depósito do plano, e os restantes são contemporâneos 4 de Dezembro- da sentença de não homologação ora recorrida e que tais documentos, a serem verdadeiros, servem apenas para reforçar a tese do Banco B…C e do B…P quanto a necessidade de autorização camarária para ocupação da via pública, que nunca poderia ser dada pela ora Recorrente, cláusula que torna o plano nulo.
22.–Melhor que as palavras do ora Recorrido só as palavras da sentença recorrida quanto a esta matéria.
23.–Não pode deixar de se fazer referência à circunstância do legislador ter estipulado expressamente no artº 17º-D/10 que “durante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10 entre as quais se encontra o Décimo princípio – “As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros”.
24.–O Recorrido não antevê que a Recorrente possa gerar o que quer que seja de negócio ou valor sem estabelecimentos comerciais, praticamente são todos alienados, senão todos, e que exista no plano apresentado um plano de negócios viável e credível.
25.–Nem que a Recorrente possua capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação nem as medidas que se propõe implementar.
26.–Atendendo ao supra exposto, o plano apresentado pela Recorrente coloca o ora Recorrido numa situação menos favorável do que a interviria na ausência de qualquer plano, pelo que deverá ser recusada a sua homologação por este Tribunal, nos termos do artigo 216.º, n.º 1, alínea a) ex vi o artigo 17.º-F, n.º 7 do CIRE-.
Terminou peticionando que seja o recurso julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os Vistos das Exmªs Adjuntas.
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II– OBJECTO DO RECURSO

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela apelante, importa decidir:
a)-como questão prévia - da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante nesta fase de recurso;
b)-se o despacho que determinou o desentranhamento dos requerimentos da requerente/apelante juntos aos autos em 10/11/2023, 15/11/2023 e 16/11/2023 deve ser revogado e
c)-da existência de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de revitalização apresentado como fundamento da sua não homologação.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

a)-Questão prévia: Da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso   
Com as alegações de recurso, veio a requerente/apelante requerer a junção de 5 documentos, invocando que, após a aprovação do Plano pelos Credores, e com vista à implementação das medidas previstas no mesmo, diligenciou junto das Entidades Públicas competentes, para efeitos do controlo prévio municipal, pela respectiva aprovação prévia.

Os documentos em causa tratam-se:
- de um requerimento dirigido pela mesma ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 30/11/2023 no qual a devedora, na qualidade “de arrendatária”, requereu “averbamento da autorização de utilização nº 376/UT/2009, emitida em 18/Ago/2009, por motivo de:
X Transmissão, a qualquer título, da propriedade.
(…)
Identificação do imóvel
Local Avenida Frei …
(…)
Observações
Declara, pelo presente que, nesta data, entregaram o estabelecimento comercial, composto por posto de abastecimento de combustível, sito na Avenida Frei …, à sociedade P…, SA, (…)”;
-Do comprovativo da recepção do pedido pela “Loja Lisboa Online”;
-Do início do “Procedimento de Apreciação Genérica – Averbamentos ao Alvará de Utilização decorrentes de Legislação Específica” junto da Câmara Municipal de Lisboa;
-da respectiva guia de pagamento da “taxa instrutória” respeitante a tal pedido de averbamento e
-do comprovativo do pagamento efectuado em 04/12/2023 relativo a tal taxa.  
Nos termos do disposto no artº 651º, do C.P.Civil, aplicável ex vi do artº 17º do CIRE, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o referido artigo 425º do mesmo diploma que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Conforme se decidiu no Ac. Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1, relator: Teles Pereira), o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt:
I- Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II- Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III- Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
(…)
VI- Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”.

Estamos perante documentos objectivamente supervenientes e entende-se como razoável que a devedora só tenha requerido o averbamento da “transmissão” ao alvará de utilização após a aprovação do Plano de Recuperação pelos credores, onde tal “transmissão” se encontrava prevista.

Assim e por poderem assumir relevo para a decisão da causa, admite-se a junção dos documentos em apreço.
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b)–De Facto

Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir e como decidiu o tribunal a quo, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido e ainda os seguintes, resultantes dos termos dos autos:
1–O acordo de pagamento aprovado apresenta o seguinte teor:
“(…)
3.–ENQUADRAMENTO E OBJETIVOS NO ÂMBITO DO "PER"
3.1.- Enquadramento
A M…, Lda. é uma empresa cuja revitalização passará pela reestruturação das obrigações perante os seus credores, permitindo, sem o sufoco que o endividamento atual implica, o crescimento da atividade e a sustentabilidade do negócio, assente nos seguintes vetores:
Renegociação da dívida em termos de prazos e preço;
Otimização da operação do Posto da Av. de R…com a cedência de exploração sob bandeira PRIO;
A exploração atual deste posto, na data de elaboração do plano, tem evoluído de acordo com as previsões fornecidas pela operadora PRIO de 9.000 litros dia e que estima vendas diárias de 12.000 litros a partir de dezembro de 2023 e de pelo menos 15.000 litros dia a partir de 2025. Como o rendimento da M… varia em função dos litros vendidos neste posto, a conta de exploração apresenta esta mesma evolução dos meios libertos para pagamento aos credores.
A margem bruta média gerada por este contato é de 0,096€ por litro vendido no posto, sendo que os custos fixos são muito reduzidos e variáveis não tem qualquer relevância, daí que os meios libertos são quase coincidentes com a margem bruta recebida pela cedência do posto.
Ajustamento dos custos operacionais à nova realidade com redução de FSE e eliminação total dos custos com o pessoal;
Alienação de ativo para liquidação de divida.
A Gerência está convicta de que, no âmbito do presente Processo Especial de Revitalização, concretizado numa reestruturação de dívida financeira e organização da empresa, conseguirá libertar meios financeiros para fazer face aos compromissos do dia a dia e, ainda, gerar um excedente de tesouraria para fazer face aos acordos assumidos com os credores neste âmbito.

3.2.- Elaboração das Contas Previsionais
Após o diagnóstico profundo da atividade da M…, Lda. e da reflexão estratégica efetuada em conjunto com a Gerência, foi elaborado o cenário da evolução das rubricas de exploração, em bases prudentes, e assente nos vetores acima enunciados.
O volume de negócios estimado para o ano de 2022 ascendeu a € 26.056.459, o que representou um acréscimo nas vendas face ao ano de 2021.
Face ao novo cenário em que se encontra a empresa, tendo em atenção que a sua atividade será drasticamente reduzida depois da quebra contratual com a P…, a gerência viu-se forçada a uma alteração radical no negócio da M…

3.3.-Objetivo, Finalidade do Plano de Recuperação e Medidas de Reestruturação
A recuperação da empresa terá por base a rentabilidade do seu negócio, a racionalização dos custos e a adequação do passivo à expetativa de meios libertos, com o cumprimento dos compromissos assumidos com todos os fornecedores e clientes, bem como a manutenção dos postos de trabalho atuais.
A finalidade deste plano de recuperação é de apresentar um conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar um fluxo financeiro superior ao que seria possível caso estas medidas não fossem implementadas e que, dessa forma, permita assegurar um maior nível de ressarcimento das dívidas aos credores (por comparação com a que decorreria da ausência de plano e consequente liquidação).
Os objetivos da implementação deste plano e das medidas nele previstas, são os seguintes:
a)- Cumprir com as obrigações assumidas neste plano perante os credores;
b)- Ajustar a estrutura de custos à nova realidade da empresa;
c)- Redefinir a estrutura de recursos humanos de acordo com a evolução do negócio;
d)-Na persecução destes objetivos, a Gerência pretende implementar medidas conducentes a estes propósitos, nomeadamente:
Implementação do plano estratégico elaborado pela Gerência, apoiada pela equipa de consultores que a assistiu neste PER, cujos objetivos estão aqui vertidos neste plano de recuperação e com responsabilidades definidas e controlo da sua evolução no tempo para eventuais ajustes;
Correção de todos os erros estratégicos, nomeadamente as políticas comerciais que conduziram a empresa à sua atual situação de debilidade financeira e económica.
Alienação do ativo denominado Posto de Abastecimento de O…, atualmente explorado pela BP com contrato até 2035, pelo montante de €1.200.000, cujo produto da venda será para liquidação aos credores hipotecários, nomeadamente L… 2 e Caixa C….
(…)

A.–Credores Garantidos

A1.-Instituições Financeiras
L…, SARL
Pagamento de 950.000,00 € (novecentos e cinquenta mil euros) correspondente a 44,8% do crédito reclamado, reconhecido na lista de credores da revitalizanda, em resultado da alienação do ativo Posto de Abastecimento de O…, previsto neste plano e melhor descrito no ponto 8.2;
O pagamento será efetuado no momento da escritura prevista no ponto 8.2;
Perdão da dívida remanescente.
Caixa C…, CRL
Pagamento de 200.000,00 € (duzentos mil euros) correspondente a 21,30% do crédito reclamado e reconhecido na contabilidade da revitalizanda, em resultado da alienação do ativo Posto de Abastecimento de O…, previsto neste plano e melhor descrito no ponto 8.2;
O pagamento será efetuado no momento da escritura prevista no ponto 8.2 e o mesmo ser afeto à regularização integral da GB n.º 71000540921 titulada pela revitalizanda M…, honrada e paga pelo montante total de capital € 170.000,00 e, a haver valor remanescente, poderá então ser aplicado à amortização extraordinária do financiamento titulado pela Petro… que se encontra também garantido por este ativo a alienar.
Quanto às demais responsabilidades reclamadas e reconhecidas da Caixa C…, face à sua natureza titularidade por terceiros, devem ser devidamente excluídas e não ser aqui aplicável qualquer alteração às atuais condições contratuais em vigor (e/ou ser encarada qualquer novação de dívida) por imposição unilateral decorrente da aprovação e homologação deste PER – para além das elencadas no ponto anterior referente à possível amortização extraordinária no financiamento titulado pela Petrolinos com a venda do ativo / imóvel com hipoteca a favor deste credor, mantendo-se sem qualquer alteração, todas as demais condições e garantias contratadas, nomeadamente as garantias pessoais ou reais prestadas pela aqui revitalizada.
Restantes Credores Garantidos
Os juros remuneratórios e de mora vencidos e não pagos desde a data de prolação do despacho de nomeação do AJP até ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano serão recalculados à taxa prevista neste Plano capitalizados e reembolsados nas mesmas condições que o capital;
Perdão de comissões, despesas e quaisquer outros encargos incluídos na dívida reclamada;
Reembolso da dívida consolidada à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do PER, em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas;
O pagamento de juros será feito numa base mensal e postecipada, sem carência, com base numa taxa Euribor 12M acrescida de um spread de 2,00%;
O vencimento da primeira prestação de juros e capital ocorre 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do PER;
Manutenção das garantias prestadas pela signatária e garantes;
(…)

7.1.– Âmbito das Derrogações ao CIRE

No âmbito do presente plano e nos termos do art.º 194º do CIRE foram derrogados os preceitos legais abaixo elencados:
Derrogação do princípio da igualdade relativamente ao pagamento de juros remuneratórios às instituições financeiras e entidades financiadoras, não se verificando o mesmo relativamente aos fornecedores e outros credores comuns, atento o respetivo escopo financeiro e o grau de envolvência e risco. Efectivamente, os créditos de fornecedores e credores comuns têm origem em fornecimentos de bens e serviços, cujo valor inclui o “lucro” da sua actividade, em paridade com os juros remuneratórios para os credores financeiros que constituem a remuneração do capital que se mantém na disponibilidade da devedora.
(…)

8.2.–Medidas de incidência sobre o Ativo

Como medida de revitalização fica prevista a venda do posto denominado “Posto de Abastecimento de O…”, prédio urbano situado na Parcela b – Casal de O… – …, descrito sob o nº .... na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, Freguesia …, no montante mínimo de € 1.200.000, sendo o valor aplicado na amortização da dívida aos credores hipotecários, no valor de € 950.000,00 e €200.000,00, respetivamente, L…e Caixa C… e o remanescente para fundo de maneio, integralmente aplicado no pagamento mensal aos credores previstos no plano.
No plano fica prevista a venda à B… P…, que atualmente explora o posto com contrato até maio de 2033 e o valor tem por base uma proposta formal e sustentada por avaliação feita por uma entidade independente e que, ambas, serão disponibilizadas a todos os credores nos autos
2–Relativamente à credora P…,na “errata”junta em 18/10/2023, prevê-se o seguinte:
«a)- O crédito reclamado pela P…, S.A. e reconhecido neste PER, será integralmente perdoado;
b)- Contra a entrega dos ativos nos pontos d), e) e f) abaixo, a P…S.A., desiste das ações judiciais em curso contra a Devedora e da reclamação de danos e prejuízos incorridos;
c)- A Devedora desiste igualmente das ações judiciais e procedimentos instaurados contra a P…, S.A.,
d)- A Devedora transmite a favor da P…, S.A., do direito de ocupação de via pública propriedade da M…, Lda., sita na Rua Frei …, denominado de “Posto da Av. de R…”, após a aprovação do plano;
e)- Fica prevista no plano a entrega à P…, S.A., dos postos da Tapada …, A… e É…, após a aprovação do plano;
f)- Cedência dos 50% Alvará de Exploração do Posto do M…, propriedade da M…, após a aprovação do plano.»
*

c)-Do recurso interposto do despacho que não admitiu os requerimentos da requerente/apelante de 10/11/2023, 15/11/2023 e 16/11/2023
Veio a devedora interpor recurso do despacho proferido na mesma data e imediatamente antes da sentença que recusou a homologação do plano, despacho esse que determinou o desentranhamento dos requerimentos apresentados por aquela em 10/11/2023, 15/11/2023 e 16/11/2023. No primeiro dos requerimentos, a credora, ora apelante, pronunciou-se no que concerne ao pedido de não homologação do plano apresentado em 27/11/2023 pelo credor Banco B… Portugal, SA., no segundo pronunciou-se relativamente ao pedido de não homologação apresentado pelo mesmo credor e pelo credor Banco C… Português, SA, em 27/11/2023 e no requerimento apresentado em 16/11/2023 pronunciou-se novamente quanto ao invocado pelo Banco C…P para sustentar o pedido de não homologação por si formulado.
Até à decisão de homologação do Plano de Recuperação ou recusa da mesma, considerando a lei aplicável, nada impede que, a Devedora/Recorrente apresente a sua resposta aos pedidos de não homologação ou, mesmo e no exercício do contraditório com a aplicação do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 17º do CIRE sejam prestados todos esclarecimentos tidos por convenientes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, pelo que os requerimentos em causa são admissíveis.
Na resposta ao recurso, sustentou o Banco B…C Português, SA, que, caso se venha a decidir pela manutenção dos requerimentos da devedora/requerente, de igual forma deverão ser admitidos os requerimentos “a que a recorrente responde e que são os do Banco B…C e do B…P”.   
Ora, além de nos requerimentos que apresentou a devedora se pronunciar relativamente aos pedidos de não homologação do plano deduzidos pelos dois credores e não especificadamente quanto aos requerimentos apresentados pelo Banco B…C em 03/11/2023, 14/11/2023, 20/11/2023, 23/11/2023 e pelo BCP em 31/10/2203 e 21/11/2023, o que é certo é que estes credores não interpuseram recurso do despacho que não admitiu a junção e ordenou o seu desentranhamento dos autos. Assim, nesta parte o despacho transitou em julgado, pelo que nada há a determinar por parte deste tribunal no que aos mesmos concerne.
Pelo exposto, há que julgar procedente o recurso interposto pela apelante M …, Lda, relativo ao despacho que não admitiu a junção aos autos dos requerimentos apresentados pela mesma em 10/11/2023, 15/11/2023 e 16/11/2023, revogando-se tal despacho e, em consequência, admitindo-se a junção aos autos dos requerimentos em apreço.
*

d)-Dos fundamentos invocados para a não homologação do Plano de Revitalização
O Processo Especial de Revitalização – artigos 17.º-A a 17.º-J do CIRE (redacção da Lei n.º 16/2012 de 20/04, com as alterações introduzidas pelos Decs. Lei nº 26/2015, de 06/02, nº 79/2017, de 30/06 e da Lei nº 9/2022, de 11/01) – trata-se de um processo com vista a propiciar a revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, ou seja, de devedores que, não tendo caído ainda numa situação de impossibilidade financeira de satisfazer a generalidade dos seus compromissos, se encontrem já numa situação económica difícil, mas que ainda seja susceptível de recuperação.

Como se refere, entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10/04/2014, Processo 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, Processo 6148/12.1TBBRG.G1.C1, disponíveis in www.dgsi.pt, depois da reforma operada pela Lei 16/2102, de 20/4, o CIRE tem como objectivo principal a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respectiva liquidação.
No que concerne à natureza deste processo, podemos dizer que se trata de um procedimento híbrido, no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última, a recuperação do devedor, se trata de um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos chave: no seu início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo, para recusar a sua homologação ou para extrair as devidas consequências da não aprovação do mesmo.
O art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE – diploma a  que pertencem os artigos que se indicarão seguidamente sem qualquer outra referência - incumbe o juiz de decidir “se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, (…), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º e aferindo:
a)- Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5;
b)- Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;
c)- Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;
d)- Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;
e)- Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;
f)- Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;
g)- Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma”.

De entre as normas para que remete o citado artº 17º-F, nº 7, estabelecem os artigos 194º a 196º:
“Artigo 194º
Princípio da Igualdade
1-O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
2-O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
Artigo 195º
Conteúdo do Plano
1- O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
2- O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
(…)
c)- A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;
d)- No caso de se prever a manutenção em atividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respetivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores;
(…)
h)- A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.

Artigo 196º
Providências com incidência no passivo
1–O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:
a)-O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’;
b)- O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor;
c)- A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;
d)- A constituição de garantias;
e)- A cessão de bens aos credores.
2– (…)”.

Por sua vez, estabelece o artigo 215º:
“O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.”

Atento o disposto no artigo 216º, “o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a)- A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano;
b)- O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.

Estas normas prevêem dois grupos distintos de situações que poderão levar à recusa, uma por via oficiosa (artigo 215º) e outra a requerimento do devedor ou credor que haja manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência (artigo 216º).

Cabe ao credor que suscite a não homologação a demonstração de uma das situações referidas.

No que concerne ao que seja “violação não negligenciável das normas/regras” prevista no artº 215º, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a densificar o conceito.

Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, 2ªedição, Almedina p. 473,“(…) é razoável entender que violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação - uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada”.

Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, pág. 781, “normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…). Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deva contemplar”

No entanto, não são quaisquer violações das normas procedimentais ou relativas ao conteúdo de plano que impõem a sua não homologação, mas apenas as violações não negligenciáveis. Sucede que a lei não define o que deva considerar-se como vício negligenciável. 

Nas palavras dos mesmos autores “são não negligenciáveis, todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”, importando, pois, para tal “sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta – tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável” (in ob. cit., pág. 782). 

Por sua vez, diz-se no Ac. da RC de 11/10/2017, relatora Desemb: Maria Catarina Gonçalves, proc. nº6/17.0T8GRD-A.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc e citado na sentença recorrida:“A violação de normas procedimentais corresponde, em bom rigor, a uma irregularidade processual que se consubstancia no facto de ter sido praticado um acto que a lei não admite ou de ter sido omitido um acto ou formalidade prescrito na lei e, nessa medida, o critério para apurar se tal violação é (ou não) negligenciável deve ser semelhante ao critério adoptado no artigo 195º do CPC com vista a determinar se a irregularidade tem aptidão necessária para produzir nulidade. Dessa forma, a violação dessas normas será não negligenciável sempre que possa afectar e influir no exame ou na decisão da causa, o que, no âmbito do processo de revitalização, equivale a dizer que tal violação será não negligenciável sempre que ela seja susceptível de afectar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir: a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas.
A violação de normas referentes ao conteúdo do plano prende-se com a substância do plano de recuperação (aquilo que ele contém ou deve conter) e, portanto, essa violação será não negligenciável sempre que tal se deva concluir por aplicação do critério supra mencionado (quando se revele aplicável) e, de um modo geral, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respectivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere. A violação dessas normas será, portanto, não negligenciável sempre que ela possa afectar/prejudicar a salvaguarda dos interesses - sejam eles do devedor ou dos credores - que sejam dignos de protecção legal”.

Serão vícios não negligenciáveis aqueles que se traduzam em violação de normas imperativas, cujo resultado seja ilegal e insusceptível de ser suprido com o consentimento dos tutelados, acarretando a produção de um resultado que a lei não autoriza.

In casu, o plano o plano foi votado por credores cujos créditos representam um total de € 5.167.887,07, o que representa 65,05% do total dos créditos relacionados com direito de voto (€ 7.944.354,16). Os votos emitidos correspondem a créditos não subordinados, tendo o plano de recuperação sido aprovado com os votos favoráveis dos credores cujos créditos somam € 4.248.722,51, que representam 82,21% dos votos emitidos, excluindo abstenções. Os credores Banco B…C e Banco C… Português requereram que o mesmo não fosse homologado. 

Conclui-se, assim, que o plano apresentado e publicitado foi aprovado em conformidade com a alínea b) do n.º 5, do art.º 17.º-F do CIRE.   

Entendeu o tribunal a quo que a apresentação da “errata” ao plano apresentada pela devedora consubstancia “uma irregularidade processual que configura a violação de uma norma procedimental, na medida em que depois de apresentada a versão do plano ao abrigo do art.º 17.-F, n.º 2, parte final, do CIRE, não é admissível que a devedora venha novamente introduzir alterações de relevo ao plano, como fez” e que tal configura a violação de normas procedimentais não negligenciável. Não obstante, entendeu igualmente que a respectiva apresentação nos termos em que o foi e dado o facto de, apesar da aludida errata, os credores terem podido votar o plano no prazo legal de dez dias, “não conflituou com os direitos dos credores e não foi suscetível de ter influência decisiva no resultado da votação, tanto mais que a credora P… se absteve de exercer o direito de voto, como resulta da documentação junta pelo Sr. AJP” e concluiu, assim, que “por essa razão, consideramos que não estamos perante uma violação grave, não negligenciável, das regras procedimentais suscetíveis de, por si só, fundamentar a recusa da homologação do plano”.

Recusou, no entanto, a homologação com fundamento no facto de se prever no plano a venda, pelo montante mínimo de € 1.200.000, do posto de abastecimento de O…, sito no prédio urbano situado …  descrito sob o nº 1988 na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, Freguesia …, sobre o qual estão registadas hipotecas em favor dos credores L…, SARL e Caixa C…, CRL, mas não ter sido junta a ali aludida avaliação efectuada por entidade independente, o que implica que os credores, além de ficarem sem saber se a proposta referida pela credora existe, efectivamente e, mais importante, se o valor da venda anunciado corresponde ao valor de mercado do imóvel.

Sustentou ainda a Mmª Juíza a quo que o plano omite o prazo máximo para a celebração da respectiva escritura de compra e venda, pelo que os credores ficam sem poder invocar o eventual incumprimento daquele plano, sem a prévia instauração de acção de fixação judicial de prazo (arts. 777.º, n.º 2, do Código Civil, 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil), com as delongas inerentes a tal.  

Invocou ora a apelante que, conjugando todas as condições do Plano de Recuperação e medidas de incidências sobre o activo, não existem dúvidas que os credores L…, SARL e Caixa C…, CRL, são os únicos que detêm garantia sobre o imóvel e que os mesmos aceitaram as condições de venda. Diz que foi dada a possibilidade a todos os credores de exercerem o direito de opção de compra do activo, pelo mesmo valor ou valor superior.

Relativamente ao prazo para celebração da escritura, sustentou que, considerando os “efeitos gerais” do Plano de Recuperação, as medidas previstas produzem efeitos com referência à data da sentença de homologação, prevendo-se ali que a opção de compra conferida aos demais credores “deverá ser acionada nos 5 dias úteis após a publicação da sentença homologatória do Plano de Recuperação e acompanhada de cheque visado emitido a favor da recuperanda, no valor de 10% da oferta”. Diz que a escritura era agendada de imediato com referência à data da sentença da homologação e com o conhecimento de todos os credores, sendo a escritura celebrada no imediato, após sentença de homologação.

Vejamos.

Consta do Plano:
«(…)
8.2.– Medidas de incidência sobre o Ativo
Como medida de revitalização fica prevista a venda do posto denominado “Posto de Abastecimento de O…”, prédio urbano situado … descrito sob o nº 1988 na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, no montante mínimo de € 1.200.000, sendo o valor aplicado na amortização da dívida aos credores hipotecários, no valor de € 950.000,00 e €200.000,00, respetivamente, L… e Caixa C… e o remanescente para fundo de maneio, integralmente aplicado no pagamento mensal aos credores previstos no plano.
No plano fica prevista a venda à B… P…, que atualmente explora o posto com contrato até maio de 2033 e o valor tem por base uma proposta formal e sustentada por avaliação feita por uma entidade independente e que, ambas, serão disponibilizadas a todos os credores nos autos

Aquele valor servirá para o pagamento parcial da dívida dos referidos credores hipotecários L…, SARL e Caixa C…, CRL, em € 950.000,00 e € 200.000,00, respectivamente (o restante é objecto de perdão) e os € 50.000,00 remanescentes serão aplicados no pagamento mensal aos credores previstos no plano. 

Contrariamente ao que consta deste, não foi apresentada qualquer avaliação do imóvel, pelo que se desconhece de todo se o “montante mínimo de € 1.200.000” está de acordo com o valor de mercado de tal imóvel, ou seja, não existem elementos que permitam aferir se e em que termos, esta medida é favorável ou desfavorável para os credores. Refira-se que a própria devedora na lista de bens imóveis que apresentou com o requerimento inicial indicou que o valor do imóvel era de € 1.700.000.

Acresce que o plano omite o prazo máximo para celebração da escritura, pelo que o mesmo não permite aferir a partir de momento é que os credores o poderão considerar incumprido. A indicação de tal prazo, não pode deixar de ser considerado um elemento absolutamente relevante. 

Atendendo ao montante total dos créditos garantidos por hipoteca sobre o referido prédio - € 2 236 029,17 da credora L…, SARL e € 270.000,00 da credora Caixa de C… – não é possível concluir que os credores Banco B…C e B…P que requereram a não homologação ficam com a aprovação do plano numa situação previsivelmente menos favorável do que aquela em que ficaria na ausência daquele. No entanto, não permitindo o plano aferir a partir de que momento o mesmo se poderá considerar incumprido, tem que se concluir que o seu conteúdo não obedece ao disposto no artº 195º, nºs 1 e 2, do CIRE e, como tal, não pode ser homologado. Neste segmento, não é possível aferir a partir de que momento é que a credora se encontrará constituída em mora – cfr artº 218º, nº1, do CIRE. Contrariamente ao que invoca a recorrente, nada consta quanto à data em que teria lugar a celebração da escritura.

O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores – nº 1 do artigo 195º supra referido -, o que não se encontra observado in casu, pela razão supra referida.

Para além da liquidação do posto de abastecimento de O… nos termos supra aludido, o plano, considerando o teor da “errata” apresentada, prevê também que:
«a)-O crédito reclamado pela P…, S.A. e reconhecido neste PER, será integralmente perdoado;
b)-Contra a entrega dos ativos nos pontos d), e) e f) abaixo, a P…, S.A., desiste das ações judiciais em curso contra a Devedora e da reclamação de danos e prejuízos incorridos;
c)-A Devedora desiste igualmente das ações judiciais e procedimentos instaurados contra a P…, S.A.,
d)-A Devedora transmite a favor da P…, S.A., do direito de ocupação de via pública propriedade da M…, Lda., sita na Rua Frei …, denominado de “Posto da Av. de R…”, após a aprovação do plano;
e)-Fica prevista no plano a entrega à P…, S.A., dos postos da Tapada …, A…e É…, após a aprovação do plano;
f)-Cedência dos 50% Alvará de Exploração do Posto do M…, propriedade da M…, após a aprovação do plano.»

Como se refere na sentença recorrida, o plano omite “a valorização de todo este ativo que a devedora se propõe entregar/transmitir/ceder à P… com a condição de ambas reciprocamente desistirem das ações judiciais que instauraram entre si.”

Ora, conforme resulta da lista provisória de credores, os créditos da P…, SA, do Banco B…C Português, SA e do Banco C… Português, SA, encontram-se garantidos por penhor constituído sobre o alvará de exploração o posto de abastecimento de combustível sito na Avª Frei ….

Consta do plano a transmissão por parte da devedora a favor da P…, SA, do “direito de ocupação da via pública” relativo àquele posto e que para além disso irá entregar os postos da Tapada …, A…e É… e ceder 50% do alvará de exploração do posto do M…, mediante o perdão do crédito reclamado no PER por aquela credora, desistindo a devedora e P… das acções instauradas por uma contra a outra.

Por sua vez, relativamente aos credores Banco B…C Português, SA e B…P, ficou consignado que:
Os juros remuneratórios e de mora vencidos e não pagos desde a data de prolação do despacho de nomeação do AJP até ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano serão recalculados à taxa prevista neste Plano capitalizados e reembolsados nas mesmas condições que o capital;
Perdão de comissões, despesas e quaisquer outros encargos incluídos na dívida reclamada;
Reembolso da dívida consolidada à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do PER, em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas;
O pagamento de juros será feito numa base mensal e postecipada, sem carência, com base numa taxa Euribor 12M acrescida de um spread de 2,00%;
O vencimento da primeira prestação de juros e capital ocorre 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do PER;

Além de não se encontrarem avaliados os estabelecimentos em causa e muito concretamente o estabelecimento relativamente ao qual os credores Banco B…C e B…P beneficiam de penhor sobre o respectivo alvará, conforme entendeu o tribunal a quo, do plano consta um tratamento diferenciado quanto à credora P…, por comparação com os credores Banco B…C Português e Banco C… Português, sem que o plano permita alcançar qualquer razão justificativa para tal tratamento diferenciado.

A P… “perdoa” o crédito que detém sobre a devedora mediante a entrega que lhe é imediatamente efectuada dos activos em referência e os outros dois credores, que beneficiam de garantia sobre o mesmo bem que aquela, vêem os seus créditos ser pagos pela forma supra plasmada.

Conforme resulta do estabelecido no supra citado artº 194º do CIRE, o princípio da igualdade impõe, por princípio, o tratamento igual de todos os credores em idêntica situação, permitindo, porém, diferenciações justificadas por razões objectivas.

Da acordada desistência dos processos judiciais instaurados, nada é possível concluir, em termos de justificação para o referido tratamento mais favorável da credora P…, uma vez que também é estabelecida a desistência por parte da devedora das acções instauradas contra aquela, desconhecendo-se, de todo, as consequências, em termos patrimoniais, que resultam, quer para a devedora, para a credora, das desistências. 

A dimensão material do princípio da igualdade – devem ser tratadas por igual situações iguais e de forma distinta, situações distintas -, corporiza uma das mais importantes regras aplicáveis ao conteúdo do plano ou do acordo e tem sido tratado pela jurisprudência como uma regra imperativa, que entronca no texto constitucional, cuja violação é, por regra, não negligenciável – cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. TRC de 17/03/15 (Henrique Antunes), TRL de 09/06/16 (Ondina Carmo Alves), TRL de 28/04/2020 (Paula Cardoso), todos consultáveis in www.dgsi.pt.

As razões objectivas diferenciadoras têm que constar do plano, uma vez que esta será a única forma de controlo do cumprimento do princípio.
Deste modo e independentemente das demais questões suscitadas, nomeadamente no que concerne a saber se, como defende a apelante, o acordado relativamente ao “direito de ocupação da via pública” apenas implica a transmissão desse direito e não do direito de exploração do estabelecimento, direito esse que, segundo a mesma, já é da titularidade da P…, o que é certo é que também os bancos referidos beneficiam de penhor sobre o “alvará”, o qual não pode deixar de fazer parte integrante do estabelecimento em causa.

Conclui-se, assim, que o Plano de Revitalização aprovado, para além de violar, como se disse supra, de forma não negligenciável, o estabelecido no nº 1 do artº 195º do mesmo diploma.  viola, da mesma forma, o princípio da igualdade plasmado no art.º 194º do CIRE, tratando de forma diferenciada os credores garantidos, sem que tal se mostre justificado no mesmo por sérias razões objectivas. No que refere a este segmento em concreto e por referência ao tratamento conferido à P…, não consta do plano qualquer justificação. No ponto 7.2 refere-se somente: «Derrogação do princípio da igualdade relativamente ao pagamento de juros remuneratórios às instituições financeiras e entidades financiadoras, não se verificando o mesmo relativamente aos fornecedores e outros credores comuns, atento o respetivo escopo financeiro e o grau de envolvência e risco. Efectivamente, os créditos de fornecedores e credores comuns têm origem em fornecimentos de bens e serviços, cujo valor inclui o “lucro” da sua actividade, em paridade com os juros remuneratórios para os credores financeiros que constituem a remuneração do capital que se mantém na disponibilidade da devedora» e a afirmação que “O princípio da igualdade entre credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, foi tido em plena consideração conforme dispõe o art.º 194º do CIRE” trata-se de um juízo da própria devedora que teria que estar justificado fundadamente e com a invocação de razões objectivas, o que não acontece.

Pelos fundamentos referidos, o Plano não pode ser homologado, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em termos de recurso.
*

IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação:
- em julgar procedente o recurso interposto do despacho proferido em 01/12/2023 que não admitiu a junção aos autos dos requerimentos apresentados pela apelante/devedora em 10/11/2023, 15/11/2023 e 16/11/2023, revogando-se tal despacho e, em consequência, admite-se a junção aos autos dos requerimentos em apreço e
- em julgar improcedente o recurso interposto da sentença que recusou a homologação do Plano de Revitalização, mantendo a mesma. 
*
Custas pela devedora, na proporção de ¾ - artº 527º C.P.Civil
Registe e Notifique.

                                                                                                          Lx, 11/07/2024


Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Fátima Reis Silva