REGIME PARA JOVENS DELINQUENTES
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - A aplicação do regime penal de jovens delinquentes, no caso concreto, não pode constituir um reforço de um comportamento delinquente, de uma resposta institucional de cariz paternalista e desculpabilizante, sob pena de estarmos a potenciar o agravamento de tal conduta no futuro.
II - A assunção das consequências da sua conduta é um fator determinante na consolidação de uma personalidade permeável às regras comunitárias e respeitadora dos mais elementares direitos de terceiros – a vida, a integridade física e o património – que estrutura a vida em sociedade.
III - Em situações em que o jovem apresenta um percurso, anterior e posterior aos factos, caracterizado por uma acentuada indiferença para com as consequências penais das suas condutas, a aplicação deste regime não só não fomenta um futuro processo de ressocialização, como agravará o sentimento de impunidade do mesmo, levando à continuação da sua conduta delituosa e provável agravamento das suas condutas futuras

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1. A SENTENÇA RECORRIDA
Por sentença proferida em 31.01.2024, no Processo Comum por Tribunal Singular n.º 336/21.7PFSXL do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 9, foi decidido:
- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. b) e n.°2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão por igual período, ou seja, por 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, sujeita a regime de prova, assente na frequência pelo arguido do Programa para Agressores de Violência Doméstica, da DGRSP.
- Arbitrar a favor da ofendida BB, para compensação dos danos por ela sofridos em consequência da conduta criminosa do arguido, o montante de 200,00€ (duzentos euros), a suportar pelo arguido;
- Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
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2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida em 31 de janeiro e 2024 pelo Tribunal a quo acima identificado, que condenou o Arguido, ora Recorrente, AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152.9, n.9 1, al. b) e n.9 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
B. Não pode o Recorrente conformar-se com a douta Sentença por entender que, face à factualidade dada como provada e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se excessiva e desadequada.
C. No caso em apreço, a moldura penal abstrata do crime de violência doméstica agravada é de dois a cinco anos de pena de prisão (cfr. artigo 152.9, n.9 2, al. a) do Código Penal).
D. Aquando da prática do crime, o Recorrente tinha entre 20 e 21 anos (ponto 4 dos factos provados).
E. De acordo com o artigo l.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, beneficia do regime penal aplicável a jovens delinquentes quem, à data da prática dos factos, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos. E, nos termos do artigo 4.3 do referido Decreto-Lei, se ao caso for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos e para os efeitos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal (atuais artigos 72.º e 73.º do Código Penal), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
F. No caso sub judice, o Tribunal a quo entendeu não aplicar o regime especial para jovens adultos consagrado pelo Decreto-Lei n.9 401/82, de 23 de Setembro, com fundamento na gravidade do crime, nas necessidades de prevenção geral, nas necessidades de prevenção especial, socorrendo-se do facto de o arguido não ter comparecido na audiência de julgamento.
G. Para decidir sobre a aplicação de regime relativo a jovens, o Tribunal dispôs do Relatório Social do qual resulta que o arguido pese embora em situação de sem abrigo, tem uma ocupação e mantém uma relação com a sua companheira atual, CC, que descreve a relação com o arguido como sendo boa, não obstante as carências económicas que vivenciam, apoiando-se mutuamente. Que o arguido não lhe cerceia a liberdade de estar com os amigos nem com os familiares, não evidenciando comportamentos de controlo nem agressividade sobre a sua pessoa. E consta ainda que o arguido não tem contacto com a ofendida há cerca de 3 (três) anos.
H. Tais circunstâncias, não impedem um juízo favorável à aplicação do regime dos jovens delinquentes, pelo contrário, impõem um juízo positivo, porquanto não existem razões para duvidar da possibilidade de reinserção.
I. E a gravidade do crime não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo, pois o que releva pára este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem.
J. Face ao exposto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que no caso concreto, não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação do regime penal dos jovens adultos, aplicando a pena concreta de dois a cinco anos de prisão, violando assim o disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
K. De qualquer modo, e sem conceder, ainda que não fosse aplicado o regime previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, a medida da pena sempre seria excessiva e desadequada, em conformidade com o previsto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
L. Atendendo aos factos provados há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente e as exigências de prevenção, em conformidade com o previsto no artigo 71.º do Código Penal.
M. Tal como se refere na douta Sentença recorrida: "A favor do arguido pondera o facto de o mesmo ser de idade jovem, propícia a alguma imaturidade e à prática de comportamentos irrefletidos". Acrescentando-se que "o arguido não praticou atos de substancial violência física contra a ofendida, não advindo consequências gravosas para a mesma (...)".
N. E, apesar de na douta Sentença se considerarem elevadas as necessidades de prevenção geral no âmbito do crime de violência doméstica agravada, reconhece-se que "Quanto às exigências de prevenção especial, estas assumem atualmente menor relevância, uma vez que o arguido não contacta com a ofendida desde o nascimento do filho de ambos, tendo-se dissolvido o relacionamento de ambos. Os dois antecedentes criminais do arguido são de crime de natureza distinta".
O. Efetivamente, do Certificado de Registo Criminal do Recorrente resultam, é certo, duas condenações, contudo, tais condenações respeitam ao crime de condução sem habilitação legal, e, portanto, a crimes de natureza totalmente distinta do crime em análise nos presentes autos.
P. Resultando assim que a aplicação de pena de prisão de 2 anos e 8 meses, no caso, sempre se afigura desadequada e desproporcional, violando a douta Sentença os art.º 40.º e 71.º do CP, pelo que, deve ser substituída por outra em que a medida da pena aplicada não exceda o mínimo legal, em conformidade com as citadas disposições.
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente na frequência pelo arguido do Programa para Agressores de Violência Doméstica, da DGRSP.
2. O Tribunal analisou – e afastou - a aplicação do regime legal previsto no D.L. nº 401/82, face à idade do arguido;
3. As exigências de prevenção geral são consabidamente elevadas neste tipo de crime e, infelizmente, cada vez mais em contextos de namoro entre pessoas muito jovens, como é o caso dos autos;
4. O arguido decidiu não comparecer na audiência de discussão e julgamento, não tendo tido sequer a preocupação de justificar a sua ausência;
5. No nosso entendimento, aquilo que esta postura do arguido evidencia é um claro desrespeito pelo Tribunal e uma atitude de despreocupação com a sua situação jurídico-penal, da qual só se pode retirar que não interiorizou a gravidade e potenciais consequências das suas condutas.
6. Independentemente do relatório social referir que, no momento, não existe notícia de comportamentos agressivos do arguido para com a sua actual namorada, sempre se imporia que o tribunal pudesse percepcionar a postura do arguido em relação ao cometimento deste tipo de factos, nomeadamente se o mesmo evidencia (ou não) alguma capacidade auto-crítica e sentido de responsabilização, se demonstra actualmente algum tipo de empatia para com a ofendida, se se mostra arrependido de ter tido este tipo de comportamentos, etc.
7. Tal percepção tem de ser directa, através da imediação, o que não foi possível realizar, face à falta de comparência do arguido.
8. Assim, e não tendo estando verificados os pressupostos legais da aplicação do regime legal previsto no D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, bem andou a Mma. Juiz a quo ao recusar essa aplicação no caso vertente.
9. No que concerne à medida concreta da pena, considera-se que o Tribunal a quo teve em conta os factores que se impunha que ponderasse, sendo que a pena em que condenou o arguido é ainda bastante próxima dos limites mínimos.
10. A aplicação de pena principal menos gravosa do que aquela que o Tribunal aplicou comprometeria nitidamente a satisfação das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir;
11. A medida da pena em que o recorrente foi condenado mostra-se adequada à ilicitude e à culpa que no caso se fazem sentir e, bem assim, à sua função punitiva;
12. Não enferma, assim, a sentença dos vícios invocados pelo recorrente;
13. Deste modo, deverá tal sentença ser mantida nos seus precisos termos.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, a questão a decidir reside apenas na fixação da medida concreta da pena aplicada (com apreciação, entre outras, da questão da aplicação do Regime Penal para Jovens Delinquentes e da sua proporcionalidade).
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FACTOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos provados, o seguinte:
1. O arguido, nascido em ...-...-1999, e BB, nascida a ...-...-2001, mantiveram uma relação de namoro desde, pelo menos, finais do ano de 2018 e passaram a viver juntos desde 22-04-2019 até julho de 2020.
2. Dessa relação nasceu DD, em ...-...-2020.
3. Viveram inicialmente na residência de um amigo da mãe do arguido e posteriormente na rua, concretamente, na estação do ... e numa tenda no ....
4. Durante o período em que mantiveram a relação, o arguido exigia ter conhecimento dos contactos que a ofendida mantinha com terceiros.
5. Durante o período em que viveram juntos, o arguido intensificou o controlo que exercia sobre a sua companheira, não permitindo que a mesma saísse de casa sozinha ou contactasse com a mãe e irmã, dizendo-lhe que caso fosse sozinha a algum lado ou mantivesse contacto com aquelas lhe batia, fazendo com que a ofendida desligasse o telemóvel, ligasse o modo voo ou bloqueasse os números daquelas de forma a não contactarem com ela.
6. O arguido acompanhava BB de e para o seu local de estágio ou de trabalho, não deixando que esta se deslocasse sozinha nessas viagens, dizendo-lhe que lhe batia caso o fizesse.
7. De forma a poderem estar com BB, a sua mãe e irmã dirigiam-se ao local de trabalho daquela, sem o conhecimento do arguido.
8. Quando BB tinha o telemóvel ligado, frequentemente era o arguido quem atendia e só posteriormente passava o telemóvel a BB.
9. Em dia não concretamente apurado, em janeiro de 2019, quando se encontravam em ..., altura em que BB estava grávida de uma criança de que veio a abortar, o arguido, de forma a impedir que a ofendida se dirigisse para a escola, puxou-lhe os cabelos enquanto esta caminhava, de forma a pará-la.
10. Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, mas encontrando-se BB grávida do DD e necessitando de ir fazer análises clínicas, por suspeita de infeção, a ofendida falou com o arguido para irem ao médico, uma vez que ele não a deixava ir sozinha, tendo esta apenas conseguido ir no 3.° dia após o pedido inicial, quando o arguido consentiu que ela fosse fazer as análises clínicas, na sua companhia.
11. Numa situação em data não concretamente apurada, quando se deslocavam para o local em que pernoitavam, no decurso de uma discussão, o arguido disse a BB "se não te calares, quando chegares lá, vais apanhar. Quando chegares, vais apanhar”.
12. Quando chegaram ao local, como a discussão continuava, o arguido desferiu uma estalada em BB embatendo com a mão nos óculos desta, os quais ficaram tortos.
13. Em momento posterior, BB voltou a colocar os óculos na cara, momento em que o arguido lhe desferiu nova bofetada, partindo-lhes os óculos e continuando a desferir-lhe pancadas com as mãos, dirigidas à cara da ofendida, que, entretanto, colocara as próprias mãos a tapar a cara.
14. Durante o relacionamento, com frequência praticamente diária, o arguido chamava BB de "burra, vaca, porca” e quando esta recusava iniciar relações sexuais aquele dizia-lhe "és uma merda”.
15. Durante o período em que durou o relacionamento o arguido não trabalhava, enquanto BB estava empregada, contudo, era o arguido quem geria o dinheiro auferido por esta, adquirindo com esse dinheiro bens para seu uso pessoal, tendo na sua posse o cartão de multibanco e o cartão de cidadão daquela, acedendo à conta multibanco através da aplicação do banco que instalou no seu telemóvel.
16. Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito conseguido e reiterado de humilhar, maltratar física, verbal e psicologicamente a vítima BB, bem como de a submeter à sua vontade e coartar-lhe a sua liberdade de decisão e de movimento, não se coibindo de assim proceder naquele que bem sabia ser o domicílio comum.
17. Bem sabia o arguido que devia a BB particular respeito e consideração, na qualidade de sua companheira, e conhecia bem o perigo que a sua conduta representava para a saúde e equilíbrio mental daquela, e que, ao agir do modo descrito, lhe condicionava gravemente a vida e bem-estar psicossocial, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana, o que previu e quis.
18. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei.
19. Consta do Relatório Social do arguido:
- que o mesmo se encontra em situação de sem abrigo, ocupando, de momento, um prédio devoluto na zona de ..., juntamente com a atual companheira.
- tem o 5.° ano de escolaridade e trabalha em …, auferindo 40€ (quarenta euros) diários, acrescido de 6€ (seis euros) correspondente à alimentação, embora se trate de uma atividade que apenas o ocupa entre seis a sete meses por ano.
- que aquele não tem contacto com a ofendida há cerca de 3 (três) anos.
20. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais registados:
- por sentença datada de 23/03/2021, transitada em julgado em 15-04-2021, do Juiz 2 - Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.° 521/20.9PULSB, o arguido foi condenado pela prática a 26-03-2020, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3° do Decreto- Lei 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 60 dias de multa, substituída por 59 horas de trabalho a favor da comunidade;
- por sentença datada de 24-10-2022, transitada em julgado em 10-11-2022, do Juiz 3 - Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.° 3/22.4S9LSB, o arguido foi condenado pela prática a 01-06-2022, de um crime de condução sem habilitação legal, p.e p. pelo artigo 3.°, n.°1 e 2 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de janeiro, na pena 120 dias de multa.”
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FACTOS NÃO PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos não provados, o seguinte:
1. Quando BB queria estar com outras pessoas, como familiares, o arguido dizia-lhe "é bom que venhas comigo, já sabes o que te vai acontecer, sabes que eu não bato bem, quando é para arranjar merda, arranjo fácil” e em discussões perante familiares dizia "o quê, vais chamar o teu pai, sabes que eu já bati no meu pai três vezes”.
2. Na única vez em que a ofendida logrou ir a casa da mãe, durante o relacionamento com o arguido, este impôs a sua presença nessa visita.
3. A ofendida acordou o arguido para irem ao médico e este ficou aborrecido por ter sido acordado e bateu, com a mão aberta e com força nas costas de BB, dizendo "deixa-me dormir, deixa-me dormir”, recusando-se a ir e não permitindo que fosse sozinha.
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DA MEDIDA DA PENA
O Tribunal a quo fundamentou a medida da pena aplicada nos seguintes termos:
“Da escolha da pena
Importa atender que a moldura penal abstrata do crime de violência doméstica agravada é fixada entre dois a cinco anos de pena de prisão (cfr. artigo 153.°, n.°2, al. a), do Código Penal)
Do Regime Especial para Jovens Adultos
De acordo com o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de setembro, beneficia do regime penal aplicável a jovens delinquentes quem, à data da prática dos factos, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, o que ocorre no caso vertente, relativamente ao arguido, pois tinha 20 e 21 anos durante a prática dos factos.
Estabelece o artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro, que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos e para os efeitos dos artigos 73.° e 74.° do Código Penal [antes da revisão, atualmente artigos 72.° e 73.° do Código Penal], quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A aplicação deste regime traduz-se num juízo de ponderação conferido ao juiz, que, no caso concreto, deve verificar se existem razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, a garantia de proteção de bens jurídicos e, por isso, a validade das normas.
A atenuação especial da pena, nos termos do artigo 4.° do referido Decreto- Lei, dependerá do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) e permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade (...).
No caso concreto, para além da gravidade do crime cometido pelo arguido, sendo reflexo disso mesmo o facto de o crime estar inserido na criminalidade violenta prevista no artigo 1.°, al. j) do Código de Processo Penal, há que realçar as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, por ser um crime cada vez mais praticado a nível nacional, existindo, dessa forma, a necessidade redobrada de mostrar à comunidade a especial tutela que é conferida este bem jurídico. Para além do mais, e atendendo às necessidades de prevenção especial, o arguido tem duas condenações registadas no seu certificado de registo criminal que, embora de crime de natureza distinta e um dos crimes se reportar a factos praticados posteriormente aos dos presentes autos, releva para aferir da sua conduta contrária ao direito.
O facto de o arguido não ter comparecido na audiência de discussão e julgamento, devidamente notificado para tal, e não justificando a sua ausência, é, também, valorado negativamente a seu favor, para efeitos da aplicação do regime em apreço, uma vez que demonstra uma atitude avessa ao direito ao encarar com leviandade o não cumprimento de uma ordem do tribunal.
Deste modo, o Tribunal considera que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação do regime penal dos jovens adultos, mantendo-se a moldura penal abstrata de dois a cinco anos de pena de prisão.
Da medida concreta da pena
Nesta sede, importa atender, como referido, que a moldura penal abstrata do crime de violência doméstica agravada é fixada entre 2 (dois) a 5 (cinco) anos de pena de prisão (cfr. artigo152.°, n.°2 do Código Penal).
Segundo o preceituado pelo n.° 1 do artigo 71.° do Código Penal "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” Na determinação concreta da medida da pena terá que se articular tal normativo com o artigo 40.° n.° 1 do Código Penal que rege que "a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, dispondo o n.° 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
Quer isto dizer que, se a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena, o limite do qual a pena não pode descer é o que resulta dos princípios da prevenção geral positiva, que tem em vista a proteção dos bens jurídicos. E neste intervalo, a medida exata da pena é a que resulta das regras de prevenção especial positiva, sendo a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário (neste sentido, Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, Parte Geral”, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227).
Em suma, a medida concreta da pena terá como limite máximo a culpa do agente, devendo mostrar-se adequada a satisfazer as exigências de prevenção geral e especial, devendo ainda o Tribunal considerar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente aquelas que se encontram enunciadas no n.° 2 do artigo 71.° do Código Penal.
Desde logo, pesa contra o arguido a modalidade da culpa com que atuou: dolo direto.
Ainda em seu desfavor se deve atender às exigências de prevenção geral que, no caso, são muito elevadas, por causa do bem jurídico protegido, e da expressão que este tipo de crimes tem a nível nacional, existindo todos os dias no tribunal novos processos de violência doméstica, sendo, como tal, importante reforçar na comunidade que a prática deste crime é de reprovar.
Quanto às exigências de prevenção especial, estas assumem atualmente menor relevância, uma vez que o arguido não contacta com a ofendida desde o nascimento do filho de ambos, tendo-se dissolvido o relacionamento de ambos. Os dois antecedentes criminais do arguido são de crime de natureza distinta, constando que um se reporta a factos praticados posteriormente aos dos presentes autos, pelo que se considera que as necessidades de prevenção especial são médias baixas.
Relativamente à ilicitude dos factos, considera-se a mesma média, porquanto o arguido não praticou atos de substancial violência física contra a ofendida, não advindo consequências gravosas para a mesma, sendo que, contudo, numa das agressões, a arguida encontrava-se grávida, estando num estado de maior vulnerabilidade, o que faz aumentar a ilicitude. As expressões injuriosas e os maus tratos psicológicos ao limitar a liberdade de ação da ofendida, e a realização de ameaças, protelaram-se no tempo, durante um período considerável, demonstrando a falta de consideração que o arguido tinha pela ofendida, pelo que também fazem aumentar o grau de ilicitude.
A favor do arguido pondera o facto de, à data da prática dos factos, o mesmo ser de idade jovem, propícia a alguma imaturidade e à prática de comportamentos irrefletidos.
Tudo ponderado e tendo como limite a medida da culpa, afigura-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.
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Da execução da pena de prisão
Uma vez determinada a pena concreta a aplicar ao arguido - 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de pena de prisão - cumpre decidir da sua eventual substituição.
Visto que a substituição por pena de multa, a substituição por trabalho a favor da comunidade e a substituição por regime da permanência na habitação estão previstas para crimes em que é aplicada pena de prisão até 1 e 2 anos, respetivamente (cfr. artigo 45.°, n.°1 e artigo 47.°, n.°1), não serão ponderadas como penas substitutivas.
Para efeito de aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades de prevenção, com especial tónica nas exigências de prevenção especial.
Nos termos do disposto no artigo 50.°, n.°1 do Código Penal, "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
In casu, importa ponderar tudo aquilo que já se apreciou sobre as circunstâncias pessoais que o arguido apresenta, com especial enfoque no facto de o arguido não ter antecedentes criminais de crimes da natureza do dos autos (embora registe dois antecedentes criminais por outros crimes, sendo que um deles é de data posterior aos presentes factos), não manter contacto com a ofendida desde o nascimento de filho de ambos - há mais de 3 (três) anos e à data da prática dos factos o arguido ser de idade jovem, pelo que é convicção do presente Tribunal que ainda é possível formar o juízo de prognose favorável quanto ao comportamento deste futuramente.
A suspensão da execução da pena de prisão afigura-se, deste modo, a que melhor acautelará as exigências de prevenção especial e que contribuirá para uma melhor reintegração do indivíduo na sociedade, ao mesmo tempo que se considera suficiente a ameaça do cumprimento de pena de prisão, de forma a obstar à prática de novos crimes no futuro, vivendo de acordo com as regras impostas pela sociedade.
Consideram-se, também, devidamente acauteladas as necessidades de prevenção geral aplicando esta pena substitutiva ao arguido.
Face o explanado, nos termos do disposto no artigo 50.°, n.°s 1 e 5 do Código Penal, decide-se suspender a pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de pena de prisão aplicada ao arguido, por igual período.
No entanto, para proteção da vítima e por forma a promover a reintegração do arguido na sociedade, determina o artigo 34.°-B da Lei n.° 112/2009, de 16 de setembro, que a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica é “(...) sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Assim, e porque considera o presente Tribunal que é importante que o arguido se consciencialize da ilicitude da sua conduta, determina-se que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de Regime de Prova, com a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), organizado e sob fiscalização da DGRSP, nos termos do disposto no artigo 53.°, do Código Penal.
O Ministério Público, na acusação, veio requerer a aplicação das sanções acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do artigo 152.° do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 152.°, n.° 4 do Código Penal, "[n]os casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”, acrescentando o n.° 5 do mesmo preceito legal que «[a] pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância».
Tratando-se de penas acessórias, dependem da aplicação de uma pena principal, não sendo o seu efeito automático, como subjaz do princípio da não automaticidade dos efeitos das penas (cfr. artigos 65.°, n.° 1, do Código Penal e 30.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa).
Tendo em consideração que o arguido e a ofendida já não se relacionam e que aquele não contacta com esta há mais de 3 (três) anos, considera-se não existir necessidade de aplicação de tais sanções.”
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
Atentas a motivação e conclusões apresentadas, o presente recurso circunscreve-se, desde logo, à escolha da pena efetuada pelo tribunal recorrido e respetiva dosimetria.1. Com efeito, entende o recorrente que “andou mal o Tribunal a quo ao considerar que no caso concreto, não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação do regime penal dos jovens adultos, aplicando a pena concreta de dois a cinco anos de prisão, violando assim o disposto no art. 4.9 do Decreto-Lei n.9 401/82, de 23 de Setembro. De qualquer modo, e sem conceder, ainda que não fosse aplicado o regime previsto no artigo 4.5 do Decreto-Lei n.9 401/82, de 23 de Setembro, a medida da pena sempre seria excessiva e desadequada, em conformidade com o previsto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal”.
Para sustentar tal entendimento, argumenta que, “apesar de na douta Sentença se considerarem elevadas as necessidades de prevenção geral no âmbito do crime de violência doméstica agravada, reconhece-se que "Quanto às exigências de prevenção especial, estas assumem atualmente menor relevância, uma vez que o arguido não contacta com a ofendida desde o nascimento do filho de ambos, tendo-se dissolvido o relacionamento de ambos. Os dois antecedentes criminais do arguido são de crime de natureza distinta. Efetivamente, do Certificado de Registo Criminal do Recorrente resultam, é certo, duas condenações, contudo, tais condenações respeitam ao crime de condução sem habilitação legal, e, portanto, a crimes de natureza totalmente distinta do crime em análise nos presentes autos.
Resulta dos autos, que o recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, al. b) e n.°2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Coloca o recorrente, desde logo, a questão da aplicação do Regime Penal dos Jovens Delinquentes, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, uma vez que o mesmo era, à data dos factos, menor de 21 anos.
Sobre a primeira questão relativa à aplicação do regime especial para jovens adultos, a decisão recorrida, expressamente, refere:
“De acordo com o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de setembro, beneficia do regime penal aplicável a jovens delinquentes quem, à data da prática dos factos, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, o que ocorre no caso vertente, relativamente ao arguido, pois tinha 20 e 21 anos durante a prática dos factos.
Estabelece o artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro, que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos e para os efeitos dos artigos 73.° e 74.° do Código Penal [antes da revisão, atualmente artigos 72.° e 73.° do Código Penal], quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A aplicação deste regime traduz-se num juízo de ponderação conferido ao juiz, que, no caso concreto, deve verificar se existem razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, a garantia de proteção de bens jurídicos e, por isso, a validade das normas.
A atenuação especial da pena, nos termos do artigo 4.° do referido Decreto- Lei, dependerá do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) e permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade (...).
No caso concreto, para além da gravidade do crime cometido pelo arguido, sendo reflexo disso mesmo o facto de o crime estar inserido na criminalidade violenta prevista no artigo 1.°, al. j) do Código de Processo Penal, há que realçar as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, por ser um crime cada vez mais praticado a nível nacional, existindo, dessa forma, a necessidade redobrada de mostrar à comunidade a especial tutela que é conferida este bem jurídico. Para além do mais, e atendendo às necessidades de prevenção especial, o arguido tem duas condenações registadas no seu certificado de registo criminal que, embora de crime de natureza distinta e um dos crimes se reportar a factos praticados posteriormente aos dos presentes autos, releva para aferir da sua conduta contrária ao direito.
O facto de o arguido não ter comparecido na audiência de discussão e julgamento, devidamente notificado para tal, e não justificando a sua ausência, é, também, valorado negativamente a seu favor, para efeitos da aplicação do regime em apreço, uma vez que demonstra uma atitude avessa ao direito ao encarar com leviandade o não cumprimento de uma ordem do tribunal.
Deste modo, o Tribunal considera que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação do regime penal dos jovens adultos, mantendo-se a moldura penal abstrata de dois a cinco anos de pena de prisão.”
Cumpre apreciar:
Nesta matéria, o art.º 4º do Decreto Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro dispõe que “se for aplicável pena de prisão a jovem que a data dos factos tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, o juiz deve atenuar especialmente a pena, quando tiver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado.
Se o regime especial do Decreto-Lei n° 401/82 não é de aplicação obrigatória e/ou automática, também é certo que o tribunal não está dispensado de considerar, tratando-se de arguido com menos de 21 anos, a pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime, devendo justificar a posição adotada, ainda que seja no sentido da não aplicação de tal regime.
O legislador na consagração do referido regime, acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório.2
O regime especial para jovens tem, por outro lado, a vantagem de permitir uma transição gradualista e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares perentórios de imputabilidade constitui algo de controverso, chegando mesmo alguns autores a falar em arbitrariedade, o que julgamos excessivo.
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 1.3.2007, (ECLI:PT:STJ:2007:07P327.98) « 1 – A ideia fundamental do regime é a de evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4º do DL n.º 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Período de latência social que hoje traduz o acesso à idade adulta, uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria», e que potencia a delinquência transitória que é frequentemente estigmatizante, nas suas consequências. 2 – O regime penal dos jovens permite compatibilizar a reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, como elementos de coesão comunitária e a contribuição para o reencaminhamento para o direito do agente do facto. 3 – Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes».
Em conformidade, apesar do mesmo não ser de aplicação automática deverá, em princípio, ser utilizado em relação a jovens entre os 16 e os 21 anos, a não ser que circunstâncias especiais o desaconselhem, por revelarem uma personalidade que já, dificilmente, se conformará com a reinserção (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 07.02.2001, CJ, Ano XXVI, Tomo I, pág.150).
Com efeito, a aplicação do referido regime penal não pode acentuar um qualquer discurso desculpabilizante e desresponsabilizante do jovem, o qual potenciará a continuação, senão o agravamento, da sua conduta criminosa futura.
A aplicação do regime penal de jovens delinquentes, no caso concreto, não pode constituir um reforço de um comportamento delinquente, de uma resposta institucional de cariz paternalista e desculpabilizante, sob pena de estarmos a potenciar o agravamento de tal conduta no futuro.
A assunção das consequências da sua conduta é um fator determinante na consolidação de uma personalidade permeável às regras comunitárias e respeitadora dos mais elementares direitos de terceiros – a vida, a integridade física e o património – que estrutura a vida em sociedade. Em situações em que o jovem apresenta um percurso, anterior e posterior aos factos, caracterizado por uma acentuada indiferença para com as consequências penais das suas condutas, a aplicação deste regime não só não fomenta um futuro processo de ressocialização, como agravará o sentimento de impunidade do mesmo, levando à continuação da sua conduta delituosa e provável agravamento das suas condutas futuras.
Deste modo, cabe ao julgador estabelecer, na ponderação da aplicação do regime penal para jovens delinquentes, o justo equilíbrio entre estas duas realidades.
Analisando a decisão recorrida, entendemos que o Tribunal a quo fez essa ponderação de forma adequada e que não merece qualquer reparo deste Tribunal. Com efeito, o arguido recorrente, não obstante ser menor de 21 anos à data da prática dos factos, não manifestou no processo que tenha interiorizado a gravidade da sua conduta, antes demonstrando um desinteresse pelo desenlace do julgamento, que manifestamente só sairia reforçado com a aplicação do referido regime. Em nosso entender, atenuar, por efeito deste regime, a moldura penal aplicável por quem nem considerou ser importante estar presente na audiência de julgamento, só reforçaria uma ideia de desvalor que o mesmo demonstra ter em relação à gravidade da sua conduta e às consequências da mesma, designadamente para a vítima.
Nestas idades, o reforço de uma ideia de desresponsabilização, senão mesmo de desculpabilização não pode ocorrer por aplicação deste regime, o que ocorreria no caso deste arguido em face da postura que o mesmo teve em relação ao próprio julgamento. A isto acresce que estamos perante um arguido já com duas condenações anteriores. E se é certo que estamos perante condenações por crimes distintos, de menor gravidade, a sua existência reforça o perigo de estarmos a perpetuar, senão mesmo reforçar, uma personalidade com tendência para desvalorizar a necessidade de adequar as suas condutas ao respeito pelas normas que regem a comunidade em que está inserido.
Nestes termos, as exigências de prevenção especial obstam à aplicação de tal aplicação, tanto mais que as exigências de prevenção geral são neste tipo de crime muito elevadas.
Perante a gravidade da conduta delituosa e o seu comportamento processual posterior, julgamos que a idade do recorrente, desacompanhada de qualquer outra atenuante de relevo, não possibilita a aplicação do regime especial para jovens: esse era um prémio imerecido, uma injustificada indulgência e prova de intolerável fraqueza face ao crime.
Perante uma tal personalidade não restava ao Tribunal a quo senão concluir, como o fez, que tal regime penal para jovens delinquentes era desadequado para o caso do arguido.
Debrucemo-nos, portanto, sobre a fixação do “quantum” da pena fixada pelo Tribunal a quo.
Atenta a pena abstrata aplicável ao crime cometido pelo arguido, a mesma teria de se situar entre 2 anos e 5 anos de prisão, e já não entre a moldura abstrata especialmente atenuada.
Atentos os mínimos legais aplicáveis, é manifesto que a pretensão do arguido recorrente de fixar a sua pena no mínimo legal de 2 anos é manifestamente desadequada, não refletindo a sua ilicitude e culpa, nem aas exigências de prevenção geral e de ressocialização que se fazem sentir neste tipo de crime.
Com efeito, estamos a falar de uma relação que durou cerca de 15 meses e da qual resultou um filho em comum, nascido em .../.../2020. Ainda assim, resulta provado que:
“Em dia não concretamente apurado, em janeiro de 2019, quando se encontravam em ..., altura em que BB estava grávida de uma criança de que veio a abortar, o arguido, de forma a impedir que a ofendida se dirigisse para a escola, puxou-lhe os cabelos enquanto esta caminhava, de forma a pará-la.
Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, mas encontrando-se BB grávida do DD e necessitando de ir fazer análises clínicas, por suspeita de infeção, a ofendida falou com o arguido para irem ao médico, uma vez que ele não a deixava ir sozinha, tendo esta apenas conseguido ir no 3.° dia após o pedido inicial, quando o arguido consentiu que ela fosse fazer as análises clínicas, na sua companhia.
Numa situação em data não concretamente apurada, quando se deslocavam para o local em que pernoitavam, no decurso de uma discussão, o arguido disse a BB "se não te calares, quando chegares lá, vais apanhar. Quando chegares, vais apanhar”.
Quando chegaram ao local, como a discussão continuava, o arguido desferiu uma estalada em BB embatendo com a mão nos óculos desta, os quais ficaram tortos.
Em momento posterior, BB voltou a colocar os óculos na cara, momento em que o arguido lhe desferiu nova bofetada, partindo-lhes os óculos e continuando a desferir-lhe pancadas com as mãos, dirigidas à cara da ofendida, que, entretanto, colocara as próprias mãos a tapar a cara.
Durante o relacionamento, com frequência praticamente diária, o arguido chamava BB de "burra, vaca, porca” e quando esta recusava iniciar relações sexuais aquele dizia-lhe "és uma merda”.
Durante o período em que durou o relacionamento o arguido não trabalhava, enquanto BB estava empregada, contudo, era o arguido quem geria o dinheiro auferido por esta, adquirindo com esse dinheiro bens para seu uso pessoal, tendo na sua posse o cartão de multibanco e o cartão de cidadão daquela, acedendo à conta multibanco através da aplicação do banco que instalou no seu telemóvel”
Tendo em atenção a situação de fragilidade da vítima, e o constante controlo por parte do arguido, é manifesto que a pena fixada não pode ser considerada desajustada e desproporcional a tal ilicitude e culpa demonstrada. Aliás, a pena fixada apenas se pode situar em 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, porque o Tribunal a quo atendeu, a nosso ver bem, à idade do arguido, na convicção que a conduta do arguido é reveladora de uma certa imaturidade do arguido e que a presente pena pode servir para o mesmo alterar os seus comportamentos futuros, através do acompanhamento que será feito pela DGRSP. Só este enquadramento permite compreender não só uma pena fixada perto do mínimo legal, como o período de suspensão fixado.
Nestes termos, é manifestamente improcedente a pretensão do arguido de ver a sua pena reduzida para o mínimo legal. Tal pretensão não teria qualquer suporte na ilicitude e culpa demonstrada, nem podia justificar-se pelas exigências de prevenção geral e de ressocialização que no caso em presente são significativas.
Aliás, tal pretensão demonstra uma certa dificuldade do arguido em interiorizar a gravidade da sua conduta, o que pode comprometer o juízo feito pelo Tribunal a quo na fixação da pena, exigindo uma especial atenção da DGRSP no acompanhamento do arguido durante a suspensão da execução fixada.
Nestes termos, improcede, também nesta parte, o presente recurso.
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IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].
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Lisboa, 11.7.2024
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
Manuel José Ramos da Fonseca
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1. Conforme jurisprudência unânime, tendo o arguido, no recurso, circunscrito o objeto à dosimetria penal, sem motivar discordância quanto à qualificação, o tribunal de recurso só conhece das sanções e tem por fixadas as incriminações da decisão recorrida (neste sentido, vide, Acórdão do STJ de 29.11.89, in www.dgsi.pt).
2. Como referem Norman A. Sprinthall; W. Andews Cllins, Psicologia do Adolescente, uma abordagem desenvolvimentista, 1994, pág. 501, (...) cerca de 80% dos adolescentes, uma vez por outra, participam em actos levemente anti-sociais (...) aproximadamente 15% dos adolescentes tomam parte repetidamente em graves actos anti-sociais, mas só um terço destes entra na criminalidade séria, semelhante a que se pode encontrar em certos adultos.