DECLARAÇÕES
DEPOIMENTO
ARREPENDIMENTO
PENA
CULPA
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I - A circunstância do tribunal se ter confrontado em julgamento com duas «histórias» antagónicas sobre um mesmo facto não conduz necessariamente a uma situação de non liquet.
II- O normal é as declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento não serem todos eles credíveis. Mas o julgador tem ferramentas ao seu disport para disso se aperceber e para tomar uma opção relativamente à veracidade dos relatos que lhe vão sendo apresentados.
III- Prestar declarações não é sinónimo de colaborar com a justiça, envolvendo este último um papel de adjuvante das autoridades na descoberta da verdade.
IV- O arrependimento tem de ser reflexo de uma verdadeira atitude de contrição, de consciencialização do desvalor da conduta, de propósito sério de não voltar a delinquir, tem de resultar de atos que demonstrem a interiorização do desvalor da conduta pelo arguido, não bastando a sua verbalização.
V- Uma pena fixada mais próximo do mínimo legal estará ajustada para os casos de uma culpa mínima, de um juízo de censura no limiar mais baixo, de menores exigências de prevenção especial.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
Foi proferido Acórdão pelo Tribunal Coletivo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Cascais - Juiz 2, que decidiu do seguinte modo (transcrição):
“A) Pelo exposto e em conformidade, decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, julgar parcialmente procedentes por parcialmente provados, a acusação e o pedido de indemnização civil deduzido por AA e totalmente procedentes por provados os pedidos de indemnização civil deduzidos por ... e ... e, em consequência:
A) Absolver os arguidos BB e CC da prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210°, n°s 1 e 2, ex vi 204°, n.° 1, al. a) e b), e n.° 2, al. a), do Código Penal, pelo qual se encontravam acusados;
B) Condenar o arguido BB como co-autor material de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 143°, n.° 1, 145°, n°s. 1, al. a), e 2, do Código Penal ex vi do artigo 132°, n.° 2, al. h) do mesmo diploma legal, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n°. 1, al. b), ambos do Código Penal, nas penas respectivas de:
. 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
. 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
C) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em B), condenar o arguido BB na pena unitária de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
D) Condenar o arguido CC, como co-autor material, em concurso real, e como reincidente, nos termos dos artigos 75°. n°. 1 e 76°., ambos do Código Penal, de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 143°, n.° 1, 145°, n°s. 1, al. a), e 2, do Código Penal ex vi do artigo 132°, n.° 2, al. h) do mesmo diploma legal, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n°. 1, al. b), ambos do Código Penal, nas penas respectivas de:
. 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
. 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
E) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em D), condenar o arguido CC na pena unitária de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
F) Condenar solidariamente os arguidos/demandados BB e CC a pagar ao demandante AA a quantia de € 3 500,00 (três mil e quinhentos Euros), acrescida de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal, sobre o montante de € 500,00 desde a data para contestar o pedido de indemnização civil e, sobre o montante de € 3 000,00 desde a data do presente acórdão, e vincendos, até integral pagamento, absolvendo-os do restante peticionado;
G) Condenar solidariamente os arguidos/demandados BB e CC a pagar ao demandante ... a quantia de € 220,51 (duzentos e vinte Euros e cinquenta e um Cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sua notificação para contestar o pedido e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
H) Condenar solidariamente os arguidos/demandados BB e CC a pagar ao demandante ... a quantia de € 112,07 (cento e doze Euros e sete Cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sua notificação para contestar o pedido e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;”
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Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
“1. Os arguidos foram notificados da, aliás, douta Decisão, em que foram condenados pela prática, em coautoria, de 1 crimes de ofensas à integridade física qualificado, p. p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 143° n°1, 145° nos 1 a), e 2 do Código Penal ex vi do artigo 132° h) do mesmo diploma, bem como, pela prática, em co-autoria, de 1 crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203° e 204° n°1 b), ambos do Código Penal, designadamente, nas penas de 1 ano e 10 meses de prisão, e ainda, de 1 ano e 8 meses de prisão efectiva, respectivamente.
2. Operando-se o cúmulo jurídico, das penas parcelares aplicadas, os arguidos foram condenados numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.
3. A decisão contem um vício de erro notório na apreciação da prova, consistindo tal erro, numa apreciação descuidada dos depoimentos prestados por AA e DD que conjugados não permitem verter, com a certeza que se impõem para uma decisão condenatória, nomeadamente o facto vertido na matéria de facto dada como provada.
4. Vício que se invoca nos termos do artigo 410° n.° 2 al. c) do C.P.P.
5. Os arguidos não retiraram os telemóveis de dentro do veiculo nem ao ofendido.
6. A pena aplicada aos arguidos não é minimamente justa, porque é manifestamente excessiva;
7. Os arguidos, nomeadamente o BB, colaboram com a Justiça, prestando declarações;
8. Os arguidos mostraram arrependimento;
9. Os arguidos contam com o apoio familiar incondicional, da mãe e irmão do BB, bem como da namorada do CC.
10. Os arguidos têm emprego se estiverem em liberdade;
11. Os arguido são, ainda, jovens e estarem em reclusão nesta idade é ceifar-lhe a hipótese de poder construir um futuro;
12. Os arguidos encontram-se há mais de 3 anos sem praticarem ilícitos, tendo tal período conseguido incutir no seu espírito que devem conduzir a sua vida conforme o direito.
13. Assim visto, cremos, que uma pena que se situe perto dos mínimos legais, nomeadamente que será a mais adequada aos concretos e reais fins das penas.
14. Naturalmente que, face ao vertido no artigo 50° do Código Penal, tal pena deverá ser suspensa se se entender, como cremos dever ser, que o tempo de reclusão e o convívio destrutivo num Estabelecimento Prisional, e a séria ameaça de que para lá voltarão incumprindo com o que lhes for determinado.
15. Tudo será certamente um composto de fatores que possam levar a construção de um juízo de prognose favorável quanto a estes arguidos.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, e em consequência:
a) Ser declarado como verificado o vício enunciado no artigo 410° n.° 2 al. c) do C.P.P., ou seja, o erro notório na apreciação da prova;
b) Ser reduzida a pena do arguido para um quantum que se fixe perto dos mínimos legais, após cálculo do cúmulo jurídico e, assim se entendendo, como se espera e é de justiça
c) Ser suspensa a pena de prisão, como aliás o foi, pelos mesmo factos e circunstâncias, aos demais arguidos também condenado.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela manutenção do decidido, oferecendo as seguintes conclusões: (transcrição)
1. O erro notório na apreciação da prova só existe quando esse é de tal forma evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta, devendo o mesmo resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
2. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, analisada a douta decisão recorrida não se verifica a existência de qualquer erro, muito menos notório, demonstrando a matéria de facto dada como provada uma correcta interpretação da prova produzida segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
3. Acresce que, como é por demais evidente, o facto das provas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento levarem a uma decisão distinta da desejada pelos recorrentes não integra o vício invocado.
4. Da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou a certeza da prática pelos recorrentes dos factos dados como provados, pelo que não cabe falar em violação do princípio “in dubio pro reo”, que apenas é suscitado quando ocorram dúvidas insuperáveis de prova de determinados factos.
5. No caso em análise, ponderando as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, atenta a frequência com que sucedem estes tipos legais de crime e também as exigências de prevenção especial, afigura-se-nos que só a aplicação de uma pena privativa da liberdade, relativamente a todos os crimes, é suficiente para acautelar o restabelecimento da confiança comunitária na vigência e validade das normas violadas.
6. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo, optando por uma pena privativa da liberdade.
7. Por sua vez, o Tribunal a quo ponderou de forma correcta todas as circunstâncias que militam a favor e contra os recorrentes, tendo procedido à acertada definição da medida das penas parcelares e da pena única aplicada a cada um, não tendo sido violado qualquer normativo legal.
8. Tudo ponderado, tem-se por perfeitamente adequadas as penas parcelares aplicadas aos recorrentes e, em cúmulo jurídico, a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
9. Tal decisão encontra-se devidamente fundamentada no acórdão recorrido, sendo que foi tido em conta, para além de todas as circunstâncias referidas no douto acórdão, as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e que são indubitavelmente elevadas.
10. Pelo que se nos afigura que tais penas se encontram bem doseadas, de harmonia com os critérios prescritos no art.° 71° do Código Penal.
11. Acresce que, quanto à decisão de não suspender a execução da pena de prisão aplicada aos recorrentes, em nosso entender, a opção do Tribunal a quo pela aplicação aos recorrentes de uma pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva não é merecedora de qualquer censura, pois que a mesma se mostra perfeitamente consentânea e adequada com a realidade factual apurada em sede de julgamento.
12. Não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir que os fins punitivos seriam atingidos com a aplicação de qualquer outra pena que não a de prisão efectiva, com efeito:
- À data dos factos os recorrentes já contavam com diversas condenações transitadas em julgado, várias das quais por crimes da mesma natureza;
- Não obstante as condenações sofridas, sobretudo pela prática de crime da mesma natureza, os recorrentes voltaram a reiterar na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de furto qualificado, manifestando, assim, absoluta indiferença às condenações sofridas e demonstrando não ter interiorizado minimamente o desvalor das suas condutas, tendo o recorrente CC sido mesmo punido como reincidente.
13. Acresce que, não obstante os argumentos agora avançados pelos recorrentes, da matéria factual apurada nada resulta que permita efectuar um juízo de prognose favorável relativamente aos mesmos, uma vez que tais circunstâncias não os impediram de continuar a praticar os factos pelos quais acabaram por ser condenados, revelando- se elevadas as exigências de prevenção especial relativamente aos mesmos.
14. Face ao exposto, forçoso é concluir que não é possível, nos termos do art.° 50°, n.° 1 do Código Penal, fazer um juízo favorável quanto à capacidade dos recorrentes se conformarem com o Direito e com os valores por ele tutelados mediante a mera ameaça do cumprimento de prisão.
15. Sendo a execução da pena de prisão imposta aos recorrentes a única solução punitiva adequada e suficiente às próprias necessidades de prevenção especial que os mesmos suscitam e, acima de tudo, à reposição da confiança da comunidade na vigência da norma violada, que veria como uma indulgência totalmente injustificada a concessão de nova oportunidade aos recorrentes de ressocializar em liberdade, sobretudo atento o seu vasto passado criminal.
16. Termos em que se conclui que o acórdão recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso apresentado.
Porém, V. Exas., como sempre, farão JUSTIÇA.”
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Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no seguinte sentido:
Não se conformando com a condenação que trazem da primeira instância, por co-autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de furto qualificado, em pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, vêm os arguidos em busca de melhores auspícios junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Clamam que o acórdão sindicado padece de vício de erro notório na apreciação da prova, que julgam provar através da leitura alternativa da prova que oferecem.
Contestam ainda a medida da pena e a desproporcionalidade que afecta as duas penas impostas, sublinhado a sua proveniência (bairros problemáticos, sem sucesso académico, contexto familiar perturbado) difícil. Invocam a integração social, familiar e laboral para pedirem uma pena suspensa, próxima dos limites mínimos.
Ao recurso interposto respondeu o MP junto da primeira instância, desmontando bem o alegado erro notório na apreciação da prova, que de todo não se verifica. Defende a bondade das penas impostas, que são tidas por ponderadas e adequadas.
Pugna assim pela rejeição do recurso.
O MP junto da Relação de Lisboa vê com bondade o acórdão recorrido, que deve ser mantido.
Não deixa de ser verdade que o acórdão em causa traz consigo a pecha, dirão alguns, das penas curtas, arrostando assim com o desfavor do legislador pelas penas curtas de prisão.
As penas curtas são frequentemente apontadas como estigmatizantes, potenciadoras da aprendizagem de cárcere e inviabilizando os efeitos de ressocialização que se esperam do cumprimento das penas, pelo que a sustentação da bondade do acórdão exigirá algum esforço de fundamentação.
É curioso que os arguidos invoquem “a geografia do crime”, aludindo às suas origens sociológicas e culturais, como factor criminógeno de prognose negativa e colocando a esperança, portanto, de uma compreensão da justiça pelas suas pessoas.
A verdade é que a abordagem criminológica da criminalidade está ainda hoje, bem ou mal, associada a um enfraquecimento da repressão e a um certo “compromisso com o crime”, situações mal compreendidas face a tendência significativa da evolução da criminalidade nas cidades, com uma delinquência diária associada a crimes contra as pessoas e o património.
Mas não se dirá que acórdão sindicado renegue compreender os arguidos; fá-lo - veja-se o cuidado posto na descrição das condições pessoais dos arguidos (e dos seus antecedentes) - e dá-lhes o tratamento adequado.
Os arguidos, que pugnam por uma pena suspensa e simbólica, parecem esquecer o seu pesado lastro criminoso.
Não podem eles ser tomados por agentes primários.
Demonstram antes um repentismo oportunista, que lhe permite o recurso a um objecto perigoso - uma garrafa - brandida contra zona nobre do corpo de terceiro, que certamente não os queria atacar nem ofender, para o despojar dos seus bens.
De facto, os crimes praticados colocam os arguidos na zona vermelha da convivialidade social e mostram-nos como predadores urbanos. A justiça esgotou, como se demonstra pelo insucesso de anteriores penalidades impostas aos arguidos, os argumentos de persuasão e dissuasão ao seu dispor, para afastar os arguidos do ataque ao incauto cidadão comum.
O caso exige a defesa judiciária da comunidade, pelos que as penas de prisão efectivas ora impostas, ainda que curtas, são a abordagem adequada ao percurso dos arguidos.
Deve assim o recurso interposto pelos arguidos ser rejeitado, com a confirmação integral do acórdão recorrido.
Na certeza de que, a final, melhor se dirá.”
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Proferido despacho liminar e, colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II- Questões a decidir:
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte:
- saber se existe erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, n.°2, alínea c) do C.P.P.
- saber se as penas são excessivas.
- saber se as penas devem ser suspensas na sua execução.
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III – Transcrição das partes da decisão recorrida, com interesse para a decisão das questões em apreciação em sede de recurso:
“A) FACTOS PROVADOS
Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos:
1- No dia 17/04/2021, cerca das 01h00, junto ao ..., na ..., os arguidos abordaram o individuo identificado como sendo EE, a quem, mediante o recurso a chapadas na cara, exigiam dinheiro, dizendo que este lhes devia.
2- Nessas circunstâncias, quando por ali passava em serviço da Uber ao volante do veículo de matrícula ..-TA-.., o ofendido AA parou o transporte e aproximou-se dos arguidos e de EE para o auxiliar das ofensas de que este estava a ser alvo.
3- Nessa sequência, quando o ofendido AA tentava pôr cobro à situação, os arguidos viraram-se contra o mesmo, e em acto continuo, agindo em comunhão de esforços e intenções, desferiram-lhe de imediato vários golpes em várias zonas do corpo, fazendo-o tropeçar no lancil do passeio e cair no chão.
4- Aproveitando-se deste se encontrar no chão, os arguidos rodearam o ofendido, e em acto seguido, o arguido BB munido de uma garrafa de vidro, deferiu com ela uma pancada violenta na zona da nuca do mesmo, seguindo-se vários murros e pontapés que ambos desferiram no ofendido.
5- Devido a tais factos, o ofendido AA teve de receber assistência de urgência no local, sendo depois encaminhado para o ..., onde recebeu tratamento hospitalar, sendo reencaminhado depois para os hospitais ... e ... para cirurgia reconstrutiva e oftalmologia.
6- As agressões supra descritas foram causa directa e adequada a provocar no ofendido, ferida incisa na região occipital, hematoma periorbitário à esquerda, ferida incisa na região periorbitária à esquerda, hematoma epicraniano parietal posterior, fracturas dos ossos próprios do nariz, fractura do pavimento da orbita esquerda e da parede interna da orbita esquerda, fractura do pavimento da orbita direita, lesões essas que demandaram 42 dias para a consolidação médico-legal: com 15 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e com 15 dias de afectação da capacidade de trabalho profissional (pela incapacidade de ver pelos hematomas nos olhos).
7- Sendo que do evento resultaram sequelas como diplopia (visão dupla em algumas posições) e lacrimejo (epífora) do olho esquerdo, e aumento de volume da parte superior do nariz.
8- Em seguida, aproveitando-se do ofendido se encontrar atordoado e indefeso, os arguidos, sempre em comunhão de esforços e intenções, apoderaram-se de um telemóvel pertencente ao ofendido e que este trazia consigo e acederam ao interior do veículo do ofendido, e apoderaram-se de outro telemóvel propriedade do mesmo que se encontrava no interior do veículo.
9- De seguida, na posse dos telemóveis pertencentes ao ofendido, no valor global de cerca de € 350,00, os arguidos abandonaram o local, fazendo-os seus.
10- Os arguidos, em comunhão de esforços e intenções, agiram com o propósito de agredir o ofendido, bem sabendo que lhe causavam dores e lesões no seu corpo e saúde, resultado este que quiseram.
11- Os arguidos, agredindo o ofendido com uma garrafa de vidro em zonas corporais susceptíveis de causar lesões graves, agiram com manifesto desprezo pela vida e integridade física do mesmo, anulando-lhe qualquer hipótese de defesa, o que quiseram.
12- Agiram ainda os arguidos, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de se apropriarem dos bens pertença do ofendido, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono.
13- Agiram os arguidos, em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Reincidência:
14- O arguido CC foi condenado, por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 10/09/2014, transitada em julgado em 10/10/2014, no âmbito do processo n°. 1244/12.8 PFCSC, pela prática, em 12/12/2012, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova e, por decisão proferida em 04/05/2018, transitada em julgado em 14/06/2018, foi revogada a suspensão da execução da pena.
15- O arguido CC foi ainda condenado, por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 11/10/2017, transitada em julgado em 10/11/2017, no âmbito do processo comum singular n°. 106/15.1 PJCSC, pela prática, em 14/08/2015, pela prática de um crime de roubo, na pena de 14 meses de prisão.
16- O arguido CC cumpriu as penas referidas em 14 e 15 dos Factos Provados, sucessiva e ininterruptamente, entre 04/12/2017 até 13/04/2020, data em que foi restituído à liberdade.
17- Não obstante a prática do último ilícito remonte a 14/08/2015, descontados os períodos de sujeição a penas de prisão nos referidos processos, não decorreram cinco anos entre aquela data e os factos objecto dos presentes autos.
18- Tal condenação, bem como a execução da pena que se lhe seguiu não foi suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes, nem para interiorizar a advertência contida nas mesmas, e para a qual não intervieram causas fortuitas ou exógenas.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante AA
19- O demandante, durante a actuação dos arguidos/demandados temeu pela sua vida, devido a intensidade das agressões que lhe foram infligidas.
20- Como consequência das agressões perpetradas pelos arguidos/demandados, o demandante esteve incapacitado para o trabalho por 15 dias, pois não podia conduzir o automóvel para a plataforma Uber, uma vez que os hematomas os impediam de ver.
21- O demandante auferia cerca de € 250,00 por semana como motorista na plataforma Uber e, ficando privado de trabalhar por causa das lesões de que foi vítima, deixou de auferir rendimentos no valor de € 500,00.
22- Devido ao traumatismo crânio encefálico e trauma da face, o demandante sentiu dores fortes, e ficou desfigurado, com os olhos inchados, o que o fez sentir-se constrangido em sair à rua devido a sua aparência.
23- A seguir aos factos de que foi vítima, sempre que lembrava do ocorrido, teve dificuldades em adormecer e de manter-se a dormir, tendo tido várias noites com o sono interrompido, e dificuldades de voltar a adormecer.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante ...
24- Após a prática dos factos pelos arguidos/demandados, AA recebeu assistência no serviço de urgência do ..., ascendendo a € 220,51 o valor dos cuidados de saúde que lhe foram prestados.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante ...
25- Após a prática dos factos pelos arguidos/demandados, AA recebeu assistência no serviço de urgência do ..., ascendendo a € 112,07 o valor dos cuidados de saúde que lhe foram prestados.
Das condições pessoais dos arguidos e dos seus antecedentes criminais
26- O arguido BB à data dos factos, tal como na actualidade, residia com o irmão mais velho na morada dos autos, habitação propriedade da progenitora, que segundo esta se encontra em mau estado de conservação. O arguido tem tido o suporte afectivo e habitacional por parte da família, nomeadamente da mãe e do irmão mais velho, os quais se mostram críticos em relação ao comportamento criminal, incentivando-o para a mudança.
27- À data dos factos, o arguido trabalhava em entregas ao domicílio como distribuidor de lenha por conta de outrem, actividade com características sazonais, intercalando com trabalhos na construção civil, actividades sem situação contratual regularizada, e com períodos de inactividade.
28- Actualmente, e desde Outubro de 2023, encontra-se a trabalhar na …, sem contrato de trabalho. O rendimento disponível para a gestão da economia do lar, tem sido garantido pelos ordenados do arguido e do irmão, no valor de € 800,00 e € 705,00, respectivamente, recorrendo pontualmente ao apoio económico da mãe.
29- O arguido BB perspectiva, logo que lhe seja possível emigrar para a ..., para trabalhar.
30- Com o 6° ano de escolaridade concluído aos 16 anos, BB preconizou elevados índices de absentismo às aulas, revelando desmotivação e dificuldade no cumprimento de regras. No âmbito social surgem como relevantes as interacções com grupos de pares com comportamentos desviantes, consumos continuados de haxixe e bebidas alcoólicas desde a adolescência. Teve envolvimentos com o sistema da administração de justiça tutelar educativa, tendo sido acompanhado por estes serviços numa medida com obrigação de frequência de programas educativos.
31- O arguido BB tem uma relação de namoro desde 2012, mas relativamente à dinâmica relacional, é referida a existência de discussões, relatando comportamentos hétero e autoagressivos por parte da namorada, com destruição de objectos dentro de casa, desconfianças e ciúmes dos amigos do arguido, alegadamente exacerbados e injustificáveis.
32- Deste relacionamento nasceram duas menores, actualmente com três e quatro anos de idade, que à nascença foram para um Centro de Acolhimento, ficando depois aos cuidados da avó paterna. BB ficou obrigado a entregar a quantia de € 200,00 a título de pensão de alimentos, que, entretanto, deixou de cumprir, não contactando com as filhas, desde Outubro de 2023.
33- O arguido refere que passou a evitar o convívio com os seus antigos pares e nega consumos de estupefacientes ou bebidas alcoólicas, que refere ter cessado sem recurso a ajuda externa.
34- À data dos factos, o arguido CC, residia numa habitação social, com seu pai e irmãos, num ambiente de alguma tensão familiar, devido ao elevado número de pessoas que partilham o apartamento, concretamente vários dos seus irmãos, respectivas companheiras, e sobrinhos.
35- Actualmente, CC mantém a mesma situação residencial, ainda que pernoite regularmente na habitação de sua namorada, pessoa conhecida de longa data, com quem iniciou relação amorosa em meados de 2021, e com a qual manterá uma relação gratificante e de suporte.
36- O arguido é pai de cinco filhos, com idades compreendidas entre os 13 e os 6 anos de idade, que residem com as respectivas progenitoras, mantendo CC um contacto ocasional com os mesmos, numa atitude de alheamento, bem como diminuto suporte financeiro, por incapacidade económica.
37- O arguido CC tem o 9° ano de escolaridade e trabalhava, à data dos factos, numa agência de trabalho temporário. A actual situação profissional é similar, ainda que com vinculação a outra agência de trabalho, prestando serviço em …. Contudo, uma vez que a regularidade da prestação de trabalho depende das necessidades das entidades …, o salário do arguido será variável e diminuto, na ordem dos € 250,00 a € 400,00 mensais. Apesar disso, o facto de ter algumas rotinas de trabalho é sentido como positivo e organizador na sua vida.
38- CC, natural de Portugal, tem cidadania ..., estando sem situação de permanência regularizada, aspecto que o limita em vários aspectos da sua vida, particularmente na obtenção de contratos laborais. Relativamente ao seu estilo de vida, o arguido, manterá no presente uma vivência com alguns aspectos positivos, sendo a sua relação amorosa, aparentemente, protectora.
39- O arguido BB, foi condenado:
- Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 15/11/2013, transitada em julgado em 16/12/2013, no âmbito do processo comum singular n°. 838/12.6 PBCSC, pela prática, em 15/06/2012, de dois crimes de roubo, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova;
- Por sentença do Juízo de Pequena Criminalidade de Cascais, datada de 19/06/2019, transitada em julgado em 04/09/2019, no âmbito do processo comum sumário n°. 180/19.1 PFOER, pela prática, em 18/06/2019, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de dois crimes de injúria agravada, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho;
- Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 03/12/2015, transitada em julgado em 15/01/2016, no âmbito do processo comum singular n°. 1220/12.0 PCCSC, pela prática, em 24/11/2012, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
- Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 01/02/2017, transitada em julgado em 03/03/2017, no âmbito do processo comum singular n°. 487/15.7 PBCSC, pela prática, em 05/04/2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho;
- Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 18/10/2016, transitada em julgado em 17/11/2016, no âmbito do processo comum singular n°. 1050/14.5 PBCSC, pela prática, em 09/07/2014, de um crime de ofensa á integridade física simples, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob regime de prova;
- Por sentença do Juízo Local Criminal de Cascais, datada de 26/10/2017, transitada em julgado em 27/11/2017, no âmbito do processo comum singular n°. 87/17.6 PGCSC, pela prática, em 23/09/2017, de dois crimes de injúria agravada, na pena de 80 dias de multa.
40- O arguido CC, para além das condenações referidas em 14 e 15 dos Factos Provados foi condenado:
- Por sentença do 3° Juízo Criminal de Cascais, datada de 22/01/2009, transitada em julgado em 11/02/2009, no âmbito do processo sumário n°. 44/09.7 PFCSC, pela prática, em 14/01/2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa.
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram, de entre os factos descritos na acusação, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um dos factos não provados.
Assim, não se provou que:
- nas circunstâncias descritas em 1 dos Factos Provados, os arguidos também ameaçaram e injuriaram EE e exigiram-lhe a entrega exacta de € 10,00;
- os arguidos, quando acederam ao interior do veículo do ofendido, no valor de € 20 400,00, o fizeram com o intuito de o fazerem seu e tentaram ligar a ignição da viatura e colocá-la em movimento;
- o valor dos telemóveis do ofendido ascendeu a € 400,00;
- os arguidos recorreram à violência tida como provada para concretizar os seus intentos apropriativos, com o intuito de neutralizar a resistência do ofendido e desse modo a retirar-lhe os seus bens;
- como consequência da conduta dos arguidos/demandados e das lesões que lhe foram causadas, o demandante ficou com crises de taquicardia, que se prolongaram nos meses que seguiram e com tonturas.
*
C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base na globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e de acordo com a livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma, sempre tendo em atenção as regras da experiência comum, e atendendo-se à prova documental e oral que foi produzida, aferindo-se, quanto a esta, da razão de ciência e da isenção de cada um dos depoimentos prestados.
Concretizando.
Apenas o arguido BB optou por prestar declarações, tendo o arguido CC, no final do julgamento, nas declarações finais, pedido desculpa.
Assim, declarou o arguido BB, em síntese, que, juntamente com o arguido CC, estavam a falar com um senhor de idade, o Sr. EE, o qual, começou a gritar e a dizer-lhe para não o chatear e para o deixar em paz e saírem dali.
Admitiu estar um pouco embriagado e estar a “chatear” o EE, a quem pediu dinheiro.
Mais referiu que saiu um senhor de um carro que lhe deu com gás pimenta, fazendo-o cair ao chão, altura em que a garrafa de vodka que trazia na mão se partiu. De seguida, levantou-se e “houve confusão”, recordando-se de ter agredido alguém com as mãos, mas não se recordando a quem agrediu, admitindo, ao longo das suas declarações, poder ter desferido murros e pontapés no corpo do senhor, mas não se recordando.
Sentiu-se agredido primeiro, com o gás pimenta e a garrafa partiu-se na sua mão (relato que efectuou após ter declarado inicialmente que a garrafa se partiu quando caíu ao chão).
Estavam três telemóveis no chão, que apanhou e levou consigo, sendo que dois deles eram do arguido CC e o outro era do senhor que os abordou, e que tinha na sua posse quando, mais tarde, foram abordados pela P.S.P..
Foram igualmente relevantes para a convicção do Tribunal as declarações do assistente, AA que relatou os factos de que foi vítima, de forma segura, objectiva e consistente, confirmando o modo como foi abordado pelos arguidos e as lesões de que foi vítima.
Declarou, assim, em síntese, que encontrava-se a trabalhar na sua viatura, a efectuar serviço de Uber, tendo-se deslocado à estação de autocarros de Cascais para ir buscar um cliente. Quando passou no local, apercebeu-se de dois rapazes (os arguidos) a “dar chapadas num senhor de idade” e a cercarem-no, encontrando-se o senhor de pé e os arguidos a falarem alto com o mesmo.
O arguido BB desferiu uma “chapada” no senhor de idade, altura em que saíu da sua viatura, dirigiu-se aos arguidos e pediu-lhes para terem calma. O arguido BB disse-lhe que o senhor estava a dever-lhe € 60,00, mas o senhor disse-lhe que não conhecia os arguidos, tendo o assistente dito que haveria outras maneiras de resolver a situação.
Nessa altura, apercebeu-se que o arguido CC se desviou para o seu lado e o arguido BB ficou atrás de si, altura em que este lhe desferiu uma pancada na nuca com uma garrafa que retirou do interior da mochila que o arguido trazia. Caíu no chão e ficou inanimado, apenas se recordando de acordar no Hospital, com muitas dores no corpo e hematomas, que atribui a golpes que lhe foram desferidos quando se encontrava no chão, pois, antes de ter caído, não tinha qualquer lesão que justificasse tais dores.
Negou ter utilizado qualquer gás pimenta e referiu que a Polícia lhe entregou dois telemóveis de sua pertença (sendo um deles atribuído pela empresa onde trabalha), um deles no valor de cerca de € 200,00 e outro de cerca de € 150,00, estando um deles no interior do veículo.
Mais referiu que sentiu medo com a actuação dos arguidos e fortes dores, tendo ficado desfigurado, sem poder abrir os olhos, ficando com a visão turva e dupla e com uma cicatriz na nuca, passando a sofrer de insónias e ansiedade e ficando sem trabalhar cerca de um mês, perdendo € 500,00 da sua remuneração mensal.
A testemunha FF, agente da PS.P., por sua vez, declarou ter-se deslocado ao local da ocorrência, onde encontrou o ofendido no chão, com sangue dana cabeça, tendo accionado o 112. Encontrou uma garrafa de vidro partida no chão, tendo-lhe sido mencionado que a mesma foi o instrumento da agressão. No local, foram ainda fornecidas as descrições físicas dos autores dos factos, razão pela qual, após ter sido solicitada a intervenção de reforços, vieram os arguidos a ser interceptados, designadamente, pela testemunha GG, agente da P.S.P. que igualmente confirmou a intercepção que foi efectuada aos arguidos, assim como a apreensão de dois telemóveis que estes tinham na sua posse.
A testemunha HH declarou que tinha saído do seu local de trabalho e, quando se encontrava a dirigir-se para a sua viatura automóvel, foi abordado por um cliente idoso do restaurante onde trabalha, EE, que lhe pediu ajuda, dizendo-lhe para chamar os bombeiros porque estava uma pessoa a ser agredida.
Quando chegou ao local, viu um senhor inanimado, caído no chão, tendo ainda visto os arguidos a sair do local, fornecendo a descrição física dos mesmos à P.S.P..
DD, que se encontrava dentro da viatura Uber, declarou, em síntese, que, após ter entrado na viatura e desta ter percorrido entre 10-15 metros, o condutor parou a viatura, porque estava a haver “uma confusão” no exterior, saiu do carro e dirigiu-se a dois indivíduos que aí se encontravam, junto de um senhor idoso, a discutir.
Viu os dois indivíduos a atirarem o condutor do veículo da Uber ao chão, ouvindo, de seguida, uma garrafa a partir. Recorda-se vagamente de alguém ter entrado dentro da viatura, desconhecendo se retiraram algo do seu interior.
Apenas saíu do interior da viatura ao fim de algum tempo, vendo o senhor caído no chão, com sangue na cara.
Concretizou ainda que o condutor da viatura e os arguidos ainda estiveram a discutir algum tempo, que viu o condutor a andar para trás e a fazer um gesto como se estivesse a lançar um spray, mas que não viu qualquer objecto na mão de tal pessoa nem se algo foi lançado, vendo depois o condutor a cair no chão, após se ter desequilibrado, e a ser agredido “com mais porrada” quando já estava no chão.
Foi igualmente relevante para a convicção do Tribunal o teor de: auto de noticia, de fls. 3-7 ; auto de apreensão, de fls. 14 a 16; auto de exame e avaliação, de fls. 15, 17; informação da DGRSP, de fls. 65; cópias de peças processuais, de fls. 67-78; informação clinica, de fls. 81-82 e 96-100; exame de clinica médico-legal, com a ref. 20915814; assim como os documentos juntos pelos demandantes com os pedidos de indemnização civil deduzidos.
Fazendo, assim, a análise crítica da prova que foi produzida, eis o que se nos oferece dizer.
O arguido BB admitiu, muito residualmente, os factos, referindo ter sido abordado pelo assistente nas circunstâncias tidas como provadas em 1, admitindo ainda ter agredido fisicamente alguém, podendo até ter sido o assistente, embora tenha revelado, nesta parte, um discurso vago e impreciso, alegando falta de memória.
Já o assistente, AA, descreveu, de forma segura, objectiva e consistente, os factos de que foi vítima, descrevendo a razão da sua actuação que o levou a sair da sua viatura automóvel e ir auxiliar uma pessoa idosa - EE - que estava a ser incomodado e agredido pelos arguidos, assim como o modo como foi por estes abordado e agredido, agressões que apenas se recorda das perpetradas com uma garrafa de vidro na zona da nuca, sendo que, relativamente às demais, declarou não se recordar, por ter caído no solo, inanimado, mas não, porém, tendo quaisquer dúvidas de que também foi agredido quando estava sem reacção caído no chão, pelas fortes dores que sentiu no seu corpo quando acordou no hospital.
E as agressões ao assistente, pelos arguidos, quando aquele já se encontrava caído no chão, foram igualmente relatadas por DD que, não obstante não ter logrado explicar porque razão permaneceu no interior da viatura automóvel da Uber, enquanto o condutor da mesma parou a viatura e se deslocou em auxílio de um senhor de idade e enquanto estava a ser agredido pelos arguidos, declarou que foram desferidos golpes no ofendido quando este já se encontrava no chão.
Negou o arguido BB ter desferido qualquer golpe no ofendido com a garrafa de vidro que tinha na mão.
Porém, nesta parte, não mereceu credibilidade a versão apresentada, porquanto se mostrou infirmada pelas declarações do assistente, quando referiu, de forma segura, ter-lhe sido desferido um golpe na nuca, com a garrafa de vidro que viu BB retirar do interior da mochila que trazia, circunstância que, pela forma assertiva e objectiva com que relatou tal factualidade, permitiu convencer o Tribunal acerca da veracidade da mesma.
Referiu ainda o arguido BB que “foi atacado primeiro” pelo assistente, que lhe “atirou gás pimenta” para os olhos, pretendendo convencer o Tribunal de que actuou para se defender de uma agressão inicialmente perpetrada pelo assistente.
Já o assistente negou ter utilizado qualquer gás pimenta.
Por sua vez, a testemunha DD declarou que o assistente fez um gesto na direcção de BB, como se estivesse a lançar um spray mas não viu qualquer embalagem na mão deste nem, tão pouco, sinais de que BB tivesse sido atingido com qualquer spray.
O que dizer?
Pouco se oferece dizer quanto a este relato. Na verdade, nenhuma prova foi produzida que permitisse concluir, ou até indiciar, que o ofendido/assistente, AA tivesse feito uso de qualquer gás pimenta.
Apenas o arguido BB o disse, não tendo a testemunha DD visto - para além do gesto que descreveu - qualquer embalagem de spray nas mãos do assistente, nem qualquer sinal de que BB tivesse sido atingido com qualquer substância.
Por outro lado, e atenta a dinâmica dos acontecimentos, seria expectável, aqui apelando às regras da lógica e da experiência comum, que caso tivesse sido lançado qualquer spray na direcção do arguido BB, este tivesse, de algum modo, ficado toldado nos seus movimentos, o que não sucedeu, perante a intensa energia com que, juntamente com o arguido CC, ambos desferiram golpes no ofendido que lhe determinaram as graves lesões que lhe foram diagnosticadas. E ainda, seria expectável que, perante tal dinâmica, em que os arguidos abandonaram o local deixando o ofendido inanimado no chão, que tivesse sido encontrado nesse mesmo local, qualquer embalagem de spray - alegadamente utilizado pelo ofendido -, tal como foram encontrados os vidros da garrafa que foi utilizada, conforme relatado pelo agente da P.S.P. que se deslocou ao local logo após os acontecimentos, o que não sucedeu.
Não mereceu assim qualquer credibilidade esta versão dos acontecimentos que foi apresentada pelo arguido BB.
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre diríamos que nada justificaria, com qualquer razoabilidade, ou justificadamente as agressões que foram perpetradas no ofendido, que limitou a sua intervenção a prestar auxílio a uma pessoa idosa que estava a ser agredida pelos arguidos, procurando acalmar os arguidos os quais, até pela sua superioridade numérica, poderiam ter cessado com a sua actuação, ao invés de agredirem fisicamente o ofendido, com a intensidade com que o fizeram, e até de se apoderarem de bens deste, que sabiam não lhes pertencer.
Por outro lado, o ofendido/assistente, igualmente relatou terem-lhe sido subtraídos dois telemóveis - um deles que tinha consigo e um outro que estava no interior da viatura - assim como o valor estimado de ambos, referindo ainda a testemunha DD que, enquanto permanecia no interior do veículo, apercebeu-se de alguém ter aberto a porta do veículo, embora não tenha reparado se tiraram algo do interior da viatura.
Porém, estes depoimentos, conjugados com os depoimentos das testemunhas, agentes da P.S.P., e com o auto de apreensão junto aos autos, do qual resulta que, na posse dos arguidos encontravam-se os dois telemóveis do ofendido (cada um dos arguidos tinha na sua posse um telemóvel do ofendido), não deixaram qualquer dúvida ao Tribunal de que os arguidos se apropriaram dos dois telemóveis daquele, num momento em que o mesmo já se encontrava inanimado, sem qualquer capacidade de resistência.
Assim, a prova testemunhal, pericial e documental produzida nestes autos, analisada à luz das regras da experiência comum nos termos que se deixaram exarados apenas permite considerar que os arguidos actuaram como provado e com intenção agredir fisicamente o ofendido, e de se apoderam dos bens do mesmo, tendo decidido apropriar-se de tais bens apenas no momento em que a vítima já se encontrava inanimada.
Por sua vez, as lesões sofridas pelo ofendido/assistente, AA e o nexo de causalidade entre aquelas e as agressões que foram provocadas, provaram-se com base no teor dos documentos clínicos e do relatório pericial juntos aos autos.
A prova dos factos atinentes ao dolo dos arguidos fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida, em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelos arguidos e das circunstâncias em que agiram.
Com efeito, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva, que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador - socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum da vida, daquilo que constitui o princípio da normalidade - retirar desse contexto a intenção por ele revelada e a si subjacente. Foi esta a operação que o tribunal realizou.
Os factos atinentes às condições de vida e aos aspectos da personalidade dos arguidos provaram-se a partir das declarações dos próprios e do teor dos relatórios sociais juntos aos autos, corroborado pelos arguidos.
A existência de antecedentes criminais dos arguidos mostra-se certificada no certificado de registo criminal dos mesmos juntos aos autos.
E foi também com base no relatório social do arguido CC, e perante o percurso de vida do mesmo após ter saído do estabelecimento prisional, em 13/04/2020, que o Tribunal se convenceu que a anterior condenação do arguido em pena de prisão - em que, inclusivamente, foi já condenado por crime de igual natureza (contra a propriedade) e com cumprimento de pena de prisão efectiva -, não foi suficiente para o afastar de mais este crime aqui em apreço.
Na verdade, este arguido, após ter cumprido pena de prisão efectiva até 13/04/2020, tendo sido restituído à liberdade nessa data, por ter beneficiado do perdão de pena por aplicação da Lei n°. 9/2020, de 10/04 (cfr. doc. de fls. 65 e certificado de registo criminal junto aos autos), um ano depois, deu continuidade a uma actividade ilícita, optando por praticar novos delitos e graves, como estes aqui em apreciação. Relativamente aos factos referentes ao pedido de indemnização civil, a sua prova assentou nas declarações do assistente assim como na documentação clínica junta aos autos e supra descrita.
O que antecede é, assim, quanto a nós, bastante para fundar a convicção do tribunal relativamente aos correspondentes factos, porquanto, a conjugação de toda a prova produzida e a sua análise crítica, afastou qualquer dúvida razoável que eventualmente pudesse existir, acerca da veracidade de tal factualidade.
Quanto aos factos não provados, não ficou o Tribunal com a convicção sobre a sua veracidade porque a prova produzida, no seu conjunto, foi insuficiente para sustentar tal factualidade.
Desde logo, nenhuma das testemunhas relatou qual o tipo de ameaças e injúrias que foram dirigidas a EE, sendo certo que nem este foi arrolado como testemunha.
Por outro lado, inexistiu qualquer relato de que os arguidos tivessem, de algum modo, tentado ligar a ignição da viatura automóvel do assistente e colocá-la em movimento, com o intuito de se apoderarem da mesma.
É certo que os arguidos agrediram fisicamente o ofendido, tendo esta sua actuação sido despoletada pela intervenção do ofendido de prestar auxílio à pessoa idosa que estava a ser molestada pelos arguidos.
Apenas se apropriaram dos telemóveis deste no momento em que o mesmo já se encontrava inanimado no chão, resultando, assim, da dinâmica dos acontecimentos, que os arguidos não recorreram à violência tida como provada com o intuito de concretizarem os seus intentos apropriativos nem com o intuito de neutralizarem a resistência do ofendido e desse modo a retirar-lhes os seus bens, sendo esta decisão de subtracção e actuação tomada conjuntamente, mas em momento posterior.
Quanto ao valor dos telemóveis subtraídos, o assistente referiu o valor estimado de cada um deles, nos termos tidos como provados, não ascendendo ao que vem descrito na acusação.
No que concerne à factualidade tida como não provada, alegada pelo assistente no pedido de indemnização civil deduzido, considerando que apenas o mesmo relatou tal factualidade, não se encontrando tal relato sustentado em qualquer outra prova, designadamente, documentação clínica que previsse o diagnóstico especializado de tais sequelas, não logrou o Tribunal convencer-se, para além de qualquer dúvida razoável, da veracidade de tal factualidade.
Assim, e na falta de melhor prova, foram tais factos dados como não provados.”
*
IV- Apreciando o mérito do recurso:
4.1. Do vício a que alude o artº 410º, nº 2 al c) do CPP:
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1 do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», que são vícios que traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida.
Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal que:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum, no dizer de Germano Marques da Silva “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, englobando as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos” (citado no Ac. RL de 15-01-2019, in www.dgsi.pt).
Trata-se de vícios da decisão, não do julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPP.
Estes vícios encontram-se abundantemente estudados na doutrina e na jurisprudência.
O erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum. O erro notório traduz-se em considerar provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.
Diz-nos Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74:
“Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” .
Não se pode evidentemente confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar, daquela que o Tribunal, após apreciação da prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada.
Feitas estas considerações, atentemos no recurso interposto.
Afirma o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, n.°2, alínea c) do C.P.P., já que, “quando analisados pelo Tribunal diz-se, quanto ao ofendido/ assistente AA que:
"Refere, ... que encontrava-se na sua viatura, a efetuar serviço de Uber, tendo-se deslocado à estação de Cascais para ir buscar um cliente. Quando passou no local, apercebeu-se de dois rapazes (os arguidos) a dar chapadas num senhor de idade e a cercarem-no ...”
"... Nessa altura, apercebeu-se que o arguido CC se desviou para o seu lado e o arguido BB ficou atrás de si, altura em que este lhe desferiu uma pancada na nuca com uma garrafa que retirou do interior da mochila que o arguido trazia.”
"... Negou ter utilizado qualquer gás pimenta.”
Por sua vez, quando analisado o depoimento da testemunha DD diz- se que:
que se encontrava dentro da viatura Uber, declarou, em síntese, que, após ter entrado na viatura e desta ter percorrido entre 10-15 metros, o condutor parou a viatura, porque estava a haver “uma confusão” no exterior, saiu do carro e dirigiu-se a 2 indivíduos que se encontravam, junto a um senhor idoso. ” “. os arguidos e o senhor mais velho estavam a falar . ” “... o motorista do Uber não deu nenhuma justificação para parar e sair do carro, deixando o cliente a aguardar. ” “... o motorista do Uber desiquilibrou-se e caiu sozinho no chão.” “... O motorista do Uber tinha gás pimenta e deu com ele nos outros 2 ...” “... depois do motorista do Uber ter caído é que ouviu os estilhaços de uma garrafa ...” “... tem ideia de alguém tentar entrar no carro mas só abriram e fecharam a porta do carro.” “. não sabe se foi retirado algum telemóvel de dentro do carro.”
As outras testemunhas não presenciaram os acontecimentos, sendo certo que só chegaram ao local após o ofendido se encontrar no chão, pelo que os seus depoimentos não esclarecem a verdade dos factos.
Sendo a presente contradição entre os depoimentos do ofendido/ assistente e da testemunha que se encontrava dentro do veiculo e que presenciou os factos, só podem, quanto a nós, restar dúvidas do que realmente sucedeu naquela noite e local.
E bem assim, os depoimentos únicos e fundamentais para que se verta para a matéria de facto dada como provada, nomeadamente, que os telemóveis não foram subtraídos.
Da conjugação destes dois depoimentos ergue-se a dúvida se, de facto, o ofendido caiu sozinho e se magoou nos vidros da garrafa ou se e quais as lesões foram provocadas pelos arguidos, bem como, se era o ofendido que tinha os telemóveis com ele, ou se foram retirados de algum outro local.
É que, sendo estes os únicos depoimentos ( porque as outros testemunhas não presenciaram os factos) como se explica que o ofendido mentido, quanto ao facto de que o seu cliente estava dentro do carro e já tinha percorrido algum trajecto quando parou o veiculo e foi ao encontro dos arguidos.
Por outro lado, também não ficou claro e existem duvidas se o arguido CC tenha praticado algum facto ilícito ou apenas se encontrava no local na companhia do arguido BB.
Isto porque, o ofendido e a testemunha não esclarecem nem dizem quem bateu, quem subtraiu os telemóveis ou no fundo, qual a intervenção de cada arguido.
Isto porque, o ofendido só menciona que foi o arguido BB quem o agrediu e nunca menciona o arguido CC.
A questão que ora se levanta assenta unicamente perante a analise da fundamentação expendida pelo Tribunal e que faz, aqui, nascer a dúvida, inultrapassável, de que o ofendido tinha o cliente dentro do carro, que utilizou gás pimenta e que os telemóveis não estariam dentro do veiculo.
E assim, na verdade, o ofendido foi propositadamente ter com os arguidos com algum fim, e que caiu sozinho, tendo sofrido lesões que não se conseguem apurar se foram causadas pelos arguidos ou da queda que sofreu por desequilíbrio, bem como se deixou cair os telemóveis que se encontravam consigo.”
E conclui:
“ficarão os arguidos na dúvida acerca da certeza que deverá rodear a decisão condenatória, pois deixa esta questão que agora se enunciou decidida como se as ofensas corporais ao ofendido tivessem sido todas provocadas e por culpa dos actos dos arguidos, bem como a subtração dos telemóveis tenha ocorrido por os arguidos os terem ido retirar dentro do veiculo Uber, o que, face à prova produzida poderá ser dúbio, e ter ficado aquém do necessário esclarecimento.
Ora, vemos que o recorrente não assinala qualquer desconformidade entre a prova produzida e a prova considerada pelo tribunal para formar a sua convicção, nomeadamente no que respeita mas considera, antes, que da prova constante da fundamentação da sentença nasce a dúvida sobre o sucedido.
Vejamos.
Em matéria de apreciação da prova rege o artigo 127° do Código de Processo Penal, onde se lê que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre valoração da prova não pode, claro está, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, tratando-se, ao invés, de uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitia objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, pois que «se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bem fundado da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros» (Direito Processual Penal – Coimbra Editora –1974, págs 202/205).
Escreve Germano Marques da Silva, in “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127:
" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência. (…) Importa ainda anotar que a objectividade que aqui importa «não é a objectividade científica (sistemático-conceitual e abstracto-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal)”
A valoração da prova feita pelo julgador é obrigatoriamente expressa na fundamentação da sentença (artigos 374º, nº 2, CPP e 205º, nº 1, da CRP), fundamentação esta que constitui «um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões» - neste sentido, o Ac. do TC nº 281/2005, DR II Série de 6/7/2005, p. 9844, citado no Ac. STJ de 06-10-2022, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, consta claramente do acórdão recorrido que foram apresentadas duas teses opostas do sucedido em julgamento: a da acusação e a da defesa. E o Tribunal não acolheu a tese da defesa, tendo atribuído credibilidade ao depoimento do ofendido, pelas razões que explicou detalhadamente na motivação.
Ora, desde logo a circunstância de o tribunal se ter confrontado em julgamento com duas «histórias» antagónicas sobre um mesmo facto não conduz necessariamente a uma situação de non liquet.
Por outro lado, o normal é as declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento não serem todos eles credíveis. Mas o julgador tem ferramentas ao seu dispor para disso se aperceber e para tomar uma opção relativamente à veracidade dos relatos que lhe vão sendo apresentados.
Escreve-se a este respeito no Ac. RE de 09-01-2018, o seguinte:
A actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente. Ou como se o depoimento de uma testemunha fosse para ser considerada com o rigor de uma escritura de um notário”.
Note-se também que nada obsta, em face do nosso quadro legal, a que o Tribunal coletivo valore, como sucedeu, o depoimento da ofendida: embora esta seja “parte interessada na causa”, não há qualquer regra legal que limite o seu valor probatório, nem tão pouco pode falar-se de “regra ou máxima da experiência que, de forma apriorística e abstracta, afirme a falta de credibilidade das suas declarações em termos tais que se exigisse – pelo menos – a sua corroboração por outros meios de prova” (sic Ac RE de 24-06-2008, in www.dgsi.pt).
E diremos ainda que nada obsta a que a convicção do tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, ainda que essa testemunha seja a ofendida, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e modo como é prestado, mereça credibilidade ao tribunal.
Isto não significa uma aceitação racionalmente acrítica e total do depoimento da ofendida, com a consequente exclusão de tudo o que o contradiga ou o ponha em dúvida. Significa que, quando esse depoimento é consistente, sólido, verosímil, pode o Tribunal fundar a convicção com fundamento nesse relato, ainda que contrariado pelo arguido, sem que ao fazê-lo viole o princípio da livre apreciação da prova ou o princípio in dúbio pro reo.
O Tribunal Coletivo, no caso em análise, julgou o depoimento do ofendido credível, tendo explicado as razões pelas quais assim o avaliou.
Mas há que ter em conta que, para dar como provados os factos nessa qualidade descritos, o Tribunal Coletivo não valorou apenas as declarações do assistente, tendo sopesado ainda os documentos juntos aos autos (o auto de noticia, de fls. 3-7 ; o auto de apreensão, de fls. 14 a 16; o auto de exame e avaliação, de fls. 15, 17; a informação da DGRSP, de fls. 65; cópias de peças processuais, de fls. 67-78; informação clinica, de fls. 81-82 e 96-100; exame de clinica médico-legal, com a ref. 20915814; assim como os documentos juntos pelos demandantes com os pedidos de indemnização civil deduzidos) e a prova pericial e o depoimento das testemunhas DD (que era o passageiro do veículo que o assistente conduzida e viu tudo o que sucedeu) FF, agente da PS.P. que acorreu ao loca e HH, que chamou a polícia e a ambulância para socorrer o assistente, sendo que da leitura da motivação da decisão se constata que essa prova corrobora, credibiliza, a versão carreada pela vítima.
O Tribunal Coletivo explicou também os motivos pelos quais não atribuiu credibilidade à versão da defesa.
Vemos que o Tribunal Coletivo indicou as concretas provas que permitiram dar como provados os factos que nessa qualidade foram elencados, a razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento foi tomado em consideração e os motivos de credibilidade das testemunhas, documentos e exames e os motivos pelos quais não atendeu às provas de sentido contrário.
Em suma, o exame crítico da prova cumpriu as suas finalidades, explicando suficientemente a convicção do julgador e o acórdão possui um conteúdo harmonioso e racional, fora de qualquer erro notório.
Terá o Tribunal a quo decidido em violação do princípio in dúbio pro reo?
Vimos supra que a fundamentação da sentença recorrida não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva e de harmonia com a experiência comum, pelo que não se pode concluir que a mesma prova gera factos incertos, que implique uma dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
O tribunal a quo não ficou num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável –e tampouco este Tribunal infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter tido.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha de algum modo desrespeitado os princípios que regem a livre apreciação da prova, não merecendo, por isso, qualquer censura por parte deste Tribunal de recurso.
Os recorrentes discordam da avaliação feita pelo Tribunal recorrido, mas não impugnaram a matéria de facto. Apreciando o acórdão recorrido sob o prisma do artigo 410.º, n.º2, concluímos forçosamente que o mesmo não contem nenhum dos apontados vícios, improcedendo nesta parte o recurso.
*
4.2 Da medida concreta das penas:
Argumentam os arguidos que as penas fixadas pelo Tribunal a quo são desproporcionadas, porque excessivas, devendo situar-se perto do mínimo
Vejamos.
Diz-nos o artigo 40º do Código Penal que:
1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A respeito da determinação da medida concreta da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 110-111, o seguinte:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
Dentro de uma moldura de prevenção geral positiva assim encontrada, a culpa funciona como limite máximo da pena e deve ser valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, causando ao arguido só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal e fixando-se a pena concreta em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização.
Neste mesmo sentido, escreve Anabela Miranda Rodrigues, in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.:
“Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Dando concretização aos vectores enunciados no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
E, a propósito da intervenção do tribunal de recurso quanto ao controle da fixação concreta da pena, ensina Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in As consequências Jurídicas do Crime, cit, págs. 196-197 - e constitui jurisprudência uniforme do STJ - que tal intervenção “tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.”
(cfr. neste sentido, e por todos, os Acs do STJ de 29-1-2004, processo: 03P1874, relator: Pereira Madeira e de 27-5-2009, processo: 09P0484, relator: Raul Borges, Ac. RG de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, relator: Ausenda Gonçalves, disponíveis in www.dgsi.pt)
Ora, revertendo ao caso dos autos à luz de tudo o que acima foi referido, vemos que o crime de ofensa à integridade física qualificada é punível com pena de prisão de 1 mês a 4 anos (cfr. artigos 143°, n°. 1 e 145°, n°. 1, al. a), e n°. 2, do Código Penal) e o crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204°, n°. 1, al. b), do Código Penal corresponde pena abstracta de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
O Tribunal optou pela aplicação aos arguidos de penas de prisão pela prática do crime de furto qualificado, sem que os arguidos o contestem e, dentro destas molduras penais abstratas, justificou do seguinte modo a fixação das penas concretas de prisão e das penas únicas de prisão:
“Assim, há a ponderar:
O grau da ilicitude dos factos, que se afigura muito elevado, atendendo à natureza dos interesses jurídicos lesados e às consequências da forma como os arguidos actuaram, criando uma justificada insegurança na pessoa do ofendido, colocando-o numa situação de fragilidade e vulnerabilidade, perante a actuação hostil que os arguidos lograram concretizar, assim como as graves lesões sofridas pelo ofendido e as zonas do corpo atingidas, lesões essas que afectaram a sua capacidade de trabalho e a sua vida em geral, e considerando ainda as circunstâncias em que foram subtraídos os bens do ofendido, no momento em que o mesmo se encontrava sem qualquer capacidade de resposta, embora o prejuízo patrimonial causado a este, com a mencionada subtracção, tivesse inexistido, mas pela intervenção das autoridades policiais que lograram recuperar os telemóveis subtraídos.
O dolo dos arguidos, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade se revela acentuada.
As condições pessoais dos arguidos, que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas.
Depõe a favor dos arguidos a circunstância de verbalizarem motivação para alteração dos seus comportamentos (arguido BB) e de, aparentemente, encontrarem-se a fazer um esforço para se manterem laboralmente activos (arguido CC).
Contra os arguidos milita o seu vasto passado criminal, assim como a circunstância dos mesmos já terem sido condenados anteriormente pela prática de crimes contra o património (roubos - ambos os arguidos - e furto qualificado - arguido CC) e do arguido BB já ter sido igualmente condenado, por três vezes, por crimes de ofensa à integridade física (qualificada).
Há, ainda, que ponderar, as exigências de prevenção, sendo prementes as de prevenção geral, face à gravidade dos ilícitos cometidos, estando-se perante um tipo de criminalidade que tem vindo a proliferar de forma preocupante, gerando insegurança nas ruas, nas casas e estabelecimentos e causando enorme alarme social.
As exigências de prevenção especial são igualmente elevadas em relação aos arguidos, tendo em conta o facto dos mesmos não terem ainda um estilo de vida totalmente estruturado que cria o risco da existência de alguma permeabilidade a influências externas de cariz marginal.
Ponderando todos estes elementos, julgamos adequadas aplicar:
» ao arguido BB, as penas de:
- 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada;
- 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pelo crime de furto qualificado;
» ao arguido CC, as penas de:
- 1 (um) ano e 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada;
- 1 (um) ano 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de prisão pelo crime de furto qualificado.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido BB, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e, ponderando, em conjunto, os factos, a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido CC, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de 1 (um) ano 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de prisão a 3 (três) anos e 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de prisão e, ponderando, em conjunto, os factos, a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
Vemos, pois, que o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, tendo avaliado a conduta dos arguidos em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Foi na ponderação das agravantes e das atenuantes, da forma como o fez, usando critérios de razoabilidade e de bom senso, tendo em atenção as razões de prevenção geral e de prevenção especial que no caso concreto se faziam sentir, que o tribunal a quo determinou o quantum das penas individuais a aplicar por cada crime cometido pelo arguido.
A 1ª instância foi bem clara na fundamentação que apresentou das penas concretas individuais e única que aplicou, tendo observado os princípios e normas aplicáveis, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP.
Argumenta o arguido BB que “assumiu “parcialmente” os factos (o arguido em audiência contou a sua versão dos acontecimentos), e mostrou arrependimento, o que deve ser valorado.
Defendem ainda que não era intenção deles praticarem os factos, mas a verdade é que tal facto também não consta do elenco dos factos provados, por forma a poder ser valorado.
Mais alegam que “Não foram os arguidos que teve a ideia nem foi premeditado, nem se dirigiram ao ofendido mas sim foi este que foi ao encontro dos arguidos (aliás, esta situação aconteceu, não foi um plano previamente elaborado), e acabaram por ser os únicos verdadeiramente castigados.
Aqui, há que dizer desde logo que o facto de se mostrarem arrependidos não resultou provado (sendo certo que não foi impugnada a matéria de facto) e, por isso, não pode ser valorado em seu favor.
Depois, não podemos deixar de notar que é com espanto que os arguidos se desresponsabilizem no recurso que interpõem e ao mesmo tempo invoquem o arrependimento. Como é possível dizer, em face das lesões sofridas pelo ofendido e do modo bárbaro como o agrediram, que foram “eles os únicos verdadeiramente castigados”? E afirmar que “o ofendido é que foi ao encontro deles”? Esquecem que o fez para defender um indivíduo que os arguidos estavam a agredir!
O facto de se dizerem arrependidos não é de facto reflexo de uma verdadeira atitude de contrição, de consciencialização do desvalor da conduta, de propósito sério de não voltar a delinquir.
Como se escreve no Ac RC de 11-12-2019, Processo n.º 407/18.7JALRAC, Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS:
O “arrependimento” só tem valor atenuativo se traduzido em actos que o revelem, vale dizer, que demonstrem a interiorização do desvalor da conduta pelo arguido, não bastando, sem mais, a sua verbalização.”
Afirmaram os arguidos: “Os arguidos, nomeadamente o BB, colaboram com a Justiça, prestando declarações”. Ora, prestar declarações não é sinónimo de colaborar com a justiça, envolvendo este último um papel de adjuvante das autoridades na descoberta da verdade.
E, no caso, o Tribunal Coletivo consignou que “o arguido BB admitiu, muito residualmente, os factos, referindo ter sido abordado pelo assistente nas circunstâncias tidas como provadas em 1, admitindo ainda ter agredido fisicamente alguém, podendo até ter sido o assistente, embora tenha revelado, nesta parte, um discurso vago e impreciso, alegando falta de memória”. Declarou, “em síntese, que, juntamente com o arguido CC, estavam a falar com um senhor de idade, o Sr. EE, o qual, começou a gritar e a dizer-lhe para não o chatear e para o deixar em paz e saírem dali.
Admitiu estar um pouco embriagado e estar a “chatear” o EE, a quem pediu dinheiro.
Mais referiu que saíu um senhor de um carro que lhe deu com gás pimenta, fazendo-o cair ao chão, altura em que a garrafa de vodka que trazia na mão se partiu. De seguida, levantou-se e “houve confusão”, recordando-se de ter agredido alguém com as mãos, mas não se recordando a quem agrediu, admitindo, ao longo das suas declarações, poder ter desferido murros e pontapés no corpo do senhor, mas não se recordando.
Sentiu-se agredido primeiro, com o gás pimenta e a garrafa partiu-se na sua mão (relato que efectuou após ter declarado inicialmente que a garrafa se partiu quando caiu ao chão).
Estavam três telemóveis no chão, que apanhou e levou consigo, sendo que dois deles eram do arguido CC e o outro era do senhor que os abordou, e que tinha na sua posse quando, mais tarde, foram abordados pela P.S.P.”
Ou seja, as declarações deste arguido não foram relevantes do ponto de vista da descoberta da verdade, tendo ele apresentado uma versão distinta dos factos em relação ao que resultou provado, desculpabilizando a sua conduta. Não se vislumbra que as mesmas reflitam um qualquer arrependimento que deva ser valorado em seu favor.
Diremos ainda que é verdade que os arguidos não foram condenados pela prática de nenhum outro crime em data posterior ao que está em causa nos presentes autos, dizendo ainda que “todo este período que os arguidos passaram sem cometer qualquer outro ilícito, aguardando por o desfecho do presente processo foi um castigo grande, assustador, bastante e suficiente, para se aperceberem daquilo que não querem para as suas vidas, podendo fazer-se um último juízo de prognose favorável em relação aos arguidos.”
Vejamos os factos foram praticados a 17/04/2021, ou seja, há apenas 3 anos, reportando-nos à data do Acórdão, e a verdade é que os arguidos, nessa data, tinham sido já condenados pela prática de crimes contra as pessoas, incluindo em penas privativas da liberdade. Estas anteriores condenações não lhes serviram de suficiente intimidação no sentido de alterarem os seus comportamentos e passarem a reger-se pela conformidade com o Direito. Se assim foi, não é certamente a ameaça da presente condenação que surtirá, por si só, tal efeito, até mesmo porque não decorreu ainda tempo suficiente para podermos falar numa mudança de atitude verdadeiramente consolidada.
Argumentam ainda que ambos trabalham e têm apoio familiar: o arguido BB, o apoio da mãe e do irmão, ao passo que o arguido CC que encontrou a sua estabilidade no actual namoro.
Mais dizem os arguidos que não foi valorado o facto de serem os dois jovens, residentes em bairros problemáticos, sem sucesso académico e que cresceram num contexto familiar conturbado, o que (na esmagadora maioria das vezes), não contribui para o sucesso escolar ou profissional, sendo “alvos fáceis”.
Não indicam contudo, de quem é que são alvos fáceis.
Alegam que, se fossem estudantes de medicina e vivessem noutro tipo de bairro e tivessem outra imagem, a medida da pena talvez fosse diferente.
Ora, esta alegação não constitui factor de valoração da medida da pena, sendo certo que não deixa de ser verdade que pessoas diferentes com distintas circunstâncias de vida têm penas distintas.
Quanto às condições de vida dos arguidos, como consta do acórdão recorrido, foram sopesadas pelo Tribunal coletivo.
De qualquer modo, dir-se-á que as exigências de prevenção especial de socialização são elevadíssimas, como salientou o Tribunal a quo, atentos os antecedentes criminais dos arguidos: as anteriores condenações não lhes serviram de suficiente advertência no sentido de se afastar da prática de crimes. Os arguidos não se deixaram, até ao presente momento, intimidar pelos contactos com o sistema formal de Justiça e pela ameaça da prisão e não lograram infletir o seu rumo de vida e passar a pautar a conduta pelo respeito ao Direito.
Assim, embora a inserção familiar dos arguidos os beneficie, sempre terá um valor atenuativo pouco relevante, não tendo a virtualidade de fazer diminuir as elevadíssimas exigências de prevenção especial por forma a fixar as penas numa medida inferior. De facto,
Quanto ao difícil trajecto de vida dos arguidos, foi ponderado e é efetivamente de molde a fazer diminuir a culpa
Argumentam os arguidos que “A possibilidade de construir um futuro está a ser ceifada aos arguidos uma vez que (com o devido respeito) não é dentro de um E.P. que se constrói um Curriculum.”
Ora, dispõem os n.ºs 1 do artigo 42.º do Código Penal e n.º 1 do artigo 2.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Dentro dos muros da prisão, o recluso pode, na verdade, estudar e obter competências profissionais e académicas que o preparem para a vida em sociedade.
Por fim, sustentam que “se viram envolvidos nesta situação, mas como explicaram, não era essa a sua intenção” e que “não quiseram pratcar qualquer delito” mas, na realidade, não é isso que ficou demonstrado.
Cremos, portanto, que, ponderado o dolo direto com que os arguidos agiram e as exigências de prevenção requeridas, uma pena situada no meio da moldura penal abstracta aplicável respeita as finalidades da punição e não merece censura
Uma pena fixada mais próximo do mínimo legal estará ajustada para os casos de uma culpa mínima, de um juízo de censura no limiar mais baixo, de menores exigências de prevenção especial, que no caso se não verificam.
Tudo devidamente ponderado, concluímos que não se encontra fundamento para considerar excessiva e desproporcionada a pena impostas ao arguido.
No que respeita à pena única, entre nós vigora um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico, onde é feita a combinação das várias penas parcelares concretamente fixadas pelo Tribunal, as quais não perdem a sua natureza de fundamentos da pena do concurso. Desta forma, a pena aplicável ao concurso de crimes é uma pena única.
Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do CP que:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).
Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um quinto, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados (cfr. Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 4ªed., Lisboa, 2015, vol. II, pág. 213).
Sustenta-se no Acórdão STJ de 14-09-201, in www.dgsi.pt:
“na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.
Ora, valorando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e personalidade dos arguidos manifestada nos factos e respetivo comportamento anterior e posterior aos factos, afigura-se não haver qualquer fundamento para diminuir as penas únicas em que foram condenados.
Improcede assim este segmento do recurso
5. Da suspensão da pena de prisão:
Determinada que foi a concreta medida da pena de prisão, que não mereceu o desacordo do recorrente, há que aferir se tal pena deveria ter sido suspensa na execução, como defende o arguido.
De acordo com o disposto no art.º 50.º, n.º1 do Código Penal:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
O citado artigo 50º atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68, e Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §518, págs.342-343)
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, são «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.º, n.º1 do Código Penal).
A prevenção geral deve ser entendida, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
E ensina o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in as Consequências do Crime, pág. 344, que a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».
A suspensão da execução da pena é, sem dúvida, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Ora, no quadro acima exposto, concordamos com os recorrentes no sentido de que não pode com efeito o julgador convencer-se de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade dos arguidos, de que estamos perante um caso acidental, esporádico, ocasional e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de idênticas condutas
Vejamos que as anteriores condenações que os arguidos sofreram não lhes serviram de suficiente advertência no sentido de pautar a sua vida pelo cumprimento da lei.
Ainda que atenuadas pela inserção familiar, são muito elevadas as exigências de prevenção especial positiva sob a forma de ressocialização do arguido.
Quanto às exigências de prevenção geral, são elevadíssimas, tendo em atenção o especial repúdio da sociedade por crimes desta violência, praticados na rua. O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido ficaria afetado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições e a regime de prova.
Não merece pois censura a decisão recorrida relativamente à opção por uma pena de prisão efetiva, improcedendo neste segmento o recurso.

V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos BB e CC e, em consequência, em confirmar o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
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Condena-se os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Notifique.
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Lisboa, 11 de julho de 2024
Sara Reis Marques
Ana Cláudia Nogueira
Carla Francisco