APREENSÃO DE VEÍCULO
DIREITO DE PROPRIEDADE
TERCEIRO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
INQUÉRITO
INDÍCIOS
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I- Em inquérito a correr termos para investigação da prática do crime de tráfico de estupefacientes, a apreensão de veículo pertencente a terceiro tem que fundar-se na sua relevância para a prova e/ou na existência de indícios de que o mesmo tenha servido ou estivesse destinado a servir de instrumento para a prática do crime, ou constitua produto ou vantagem do crime, sendo provável que, por esse motivo venha a ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178º do Código de Processo Penal e 35º e 36º, do D.L. 15/93, de 22/01.
II - Sendo determinada nesse processo a apreensão de veículo automóvel de terceiro por ter servido de instrumento para essa prática criminosa de tráfico de estupefacientes, e vindo aquele requerer o levantamento dessa apreensão pondo em causa essa instrumentalidade, importa na decisão a proferir, tendo por base os indícios reunidos nos autos, formular um juízo de probabilidade de perda a favor do Estado com esse fundamento; na formulação desse juízo, há-de contemplar-se a jurisprudência segundo a qual a declaração de perda não é automática, encontrando-se sujeita a critérios de causalidade e proporcionalidade, em homenagem ao princípio da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais nos termos do art. 18º/2 da Constituição da República Portuguesa, como é o direito de propriedade constitucionalmente consagrado sob o art. 62º/1 daquela Lei Fundamental.
III - Será provável a declaração de perda a favor do Estado se se concluir, ainda que com base em prova indiciária, que o crime não teria sido praticado - ou teria sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante - sem o veículo apreendido, segundo um critério de essencialidade; a utilização desse veículo será essencial se tornar a prática do crime significativamente mais fácil e se não for episódica ou ocasional, mas reiterada e prolongada no tempo; por outro lado, a futura perda desse objeto há-de antever-se como justa e proporcional à gravidade do crime que se indicia ter sido praticado.
IV - Não pode manter-se a apreensão de veículo de terceiro operada por iniciativa da PSP por motivo de «se encontrar envolvido na investigação em apreço», só porque foi emprestado a arguido em processo de inquérito em que se investigam factos relativos ao crime de tráfico de estupefacientes, não existindo quaisquer indícios concretos de ter sido o mesmo efetivamente utilizado nessa prática ou de que estivesse a isso destinado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. No processo de inquérito com o NUIPC 3/22.4SMLSB que corre termos no DCIAP de Lisboa, investiga-se a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, previstos e punidos pelo art. 21º do D.L. 15/93, de 22/01, a que corresponde pena de prisão de 4 a 12 anos.
Por AA, na qualidade de terceiro afetado, foi requerido o levantamento da apreensão da viatura automóvel de matrícula …, que alegou ter emprestado ao arguido BB, pedindo a sua restituição.
Tendo o Ministério Público manifestado oposição a esta pretensão, a Senhora Juíza de Instrução Criminal proferiu em 22/03/2024 despacho pelo qual, manifestando concordância com os fundamentos da oposição do Ministério Público, não deu deferimento ao requerimento, porque «(…) não é possível concluir neste momento que a apreensão ainda não seja necessária, sendo ainda possível concluir-se que o veículo em causa deve ser declarado perdido a favor do Estado, motivo pelo qual inexistem, por ora, motivos para determinar o levantamento da apreensão em causa.».
2. Inconformado com essa decisão, dela recorre AA, peticionando a sua revogação e substituição por outra que defira a devolução do veículo; formula para tanto as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
34.º
Em 21-12-2023, o Interveniente tinha emprestado a viatura com a matrícula ...a um seu amigo de nome BB, o qual foi intercetado junto da sua casa, a quilómetros da intervenção policial que tinha havido com outros intervenientes neste processo.
35.°
O referido BB foi questionado pela PSP se lhe podiam revistar o carro, o qual desde logo referiu que o carro não era dele, mas de um amigo.
36.°
Os referidos agentes revistaram o carro, nada tendo encontrado de ilícito nem na viatura, nem no condutor.
37.°
De seguida a PSP, pelos agentes que estariam a fazer a referida operação, pediram ao BB para levar o carro à esquadra porque o mesmo tinha que lá ser revistado, o que o mesmo anuiu de boa-fé pois que “quem não deve não teme”.
38.°
Chegado e após a revista e sem qualquer outra justificação, foi-lhe dito que o carro estava apreendido, e que se quisesse algo, que requeresse perante o Tribunal.
Desta forma,
39.°
O Interveniente Acidental requereu a 27-12-2023 a devolução do automóvel com a matrícula ...que tinha sido apreendida a 21-12-2023.
40.°
Apresentou requerimento a 27-12-2023, que só teve despacho a 25-03-2024
41.°
Está manifestamente assente na nossa jurisprudência que a declaração de perda de objetos a favor do Estado nos termos do preceito supra mencionado exige a verificação do requisito da essencialidade, e que tal requisito tem de revestir um caráter significativo numa relação de causalidade adequada - a este respeito veja-se o Ac. do STJ, Processo n.° 73/13.6PEVIS.S1, de 06-04-2016 e Ac. do STJ, Processo n.°2/18.0GABJA.Sl, de 08- 04-2021.
42.°
Por requisito da essencialidade, no caso em apreço, entende-se a circunstância de o automóvel em causa ser necessário ao surgimento do delito ou, pelo menos, à sua manifestação de determinado modo...” (Cf. Ac. do TR de Coimbra, Processo n.° 34/14.8PECBR.C1, Relator: Jorge França, de 28-01-2015).
43.°
E isto porque, “...no respeitante à declaração de perda de veículos automóveis, exige- se que da matéria factual provada resulte que entre a utilização do veículo e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de modo a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma em que o for (Cf. Ac. do TR de Évora, Processo n.° 740/18.8T9EVR.E1, Relator: Fátima Bernardes, de 08- 06-2021) - sublinhado e negrito nosso.
44.°
Em momento algum se demonstra que a utilização do automóvel foi conditio sine quo non para a materialização do alegado resultado do tipo ilícito que o Interveniente está indiciado.
45.°
Seria necessário seria exigir “que a relação do veículo com a prática do crime se revista de um carácter significativo, numa relação de causalidade adequada, para que a infração se verifique em si mesma ou na forma de que se revestiu”, exigindo-se “que da matéria factual provada resulte que entre a utilização do veículo e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu exista uma relação de causalidade adequada, de modo a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma em que o foi”. (Cf. Ac. do TR de Évora, Processo n.° 740/18.8T9EVR.E1, Relator: Fátima Bernardes, de 08-06-2021) - o que não aconteceu.
46.°
E esta necessidade da essencialidade decorre inclusive da própria Constituição da Republica Portuguesa, mais precisamente do seu artigo 18.°, n.° 2, que estipula que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
47.°
Ademais, terá que se levar em conta o artigo 109.° do CP, pois é a lei geral, sendo que o artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro assume uma natureza de lei especial.
48.°
E a este respeito veja-se como decidiu e analisou a questão o TR de Coimbra, no Processo n.° 34/14.8PECBR.C1, de 28-01-2015:
“Aparentemente, a regra geral é mais exigente do que a norma especial pois que esta, literalmente, apenas exige que os objectos em causa tenham «servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma» ao passo que a norma do CP dispõe que esse perdimento apenas tem lugar, «quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos».
Ouer-nos parecer, no entanto que essa oposição é aparente, já que os requisitos devem ser comuns num e noutro caso.
Em causa estará, na nossa perspectiva, um princípio de «essencialidade», traduzida na circunstância de o automóvel em causa ser necessário ao surgimento do delito ou, pelo menos, à sua manifestação de determinado modo. Dúvidas não existem quando o veículo, em si, é instrumento do crime, v.g. quando é usado como ‘arma de arremesso mas nos casos como o presente as coisas revestem maior complexidade.
Temos que o arguido, nas circunstâncias em que foi interceptado, detinha as substâncias apreendidas na sua posse, que trazia no interior de uma «bolsa de napa de cor preta» (4) e que depois «apercebendo-se da presença da PSP, (...) deitou aquela bolsa para os arbustos existentes junto ao rio» (5). Muito embora o arguido se fizesse transportar no veículo apreendido, ficamos sem saber se ele acondicionava essa bolsa junto ao seu corpo ou se a trazia guardada do interior do veículo, circunstância a que, de qualquer modo, não atribuímos demasiada importância. O que é fácil de concluir é que, dada essa possibilidade, que transforma em acessório o uso do veículo, não podemos concluir que este tenha «servido» para a prática do crime de tráfico de droga em questão. Este bem poderia ter-se perfeccionado sem o concurso da viatura, movendo-se o agente pelo seu pé. Daí a sua não essencialidade já que não põe uma condição ‘sine qua non ’ ao surgimento ou à caracterização do crime.
No mesmo sentido vai o recente acórdão desta Relação, de 22/10/2014, proferido no processo 27/ 12.0JACBR.C1, assim sumariado (in www.dgsi): «Não deve ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos do disposto no n° 1 do art° 35° do DL 15/93, de 22/1 (redacção da Lei n° 45/96, de 3/9), o veículo automóvel - no interior do qual foi detectada substância estupefaciente destinada à venda - que não se revele indispensável ao transporte ou ocultação da dita substância, constituindo apenas mero meio de locomoção do seu proprietário».
Assim sendo, não deveria ter sido decretado o perdimento do automóvel “KLA FB SHUMA ”, com a matrícula (...) QV, que deverá ser entregue a quem prove ser o titular inscrito.
49.°
Igualmente se veja a posição do TR de Évora, no Processo n.° 740/18.8T9EVR.E, de 08- 06-2021:
“Porém, no respeitante à declaração de perda de veículos automóveis, o Supremo Tribunal de Justiça tem introduzido um elemento moderador a uma interpretação que conduza a uma aplicação automática da norma do artigo 35° do Decreto-Lei n. ° 15/93, recorrendo à invocação da causalidade adequada, em ordem a salvaguardar o princípio da proporcionalidade consagrado no n° 2, do artigo 18°, da CRP. Assim, tem sido preconizada a orientação no sentido de se exigir que a relação do veículo com a prática do crime se revista de um carácter significativo, numa relação de causalidade adequada, para que a infração se verifique em si mesma ou na forma de que se revestiu.
Exige-se que da matéria factual provada resulte que entre a utilização do veículo e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu exista uma relação de causalidade adequada, de modo a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma em que o foi[9].
Nesta esteira desta orientação jurisprudencial, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 13/03/2013[10], cujo sumário passamos a citar: «Mesmo no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, a declaração de perdimento de objetos a favor do Estado só deve acontecer quando do factualismo provado resulta que entre a utilização do objeto e a prática do crime existe uma relação de causali-dade adequada, de tal forma que sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma e com a significação penal relevante verificada; e, de todo o modo, que a perda do instrumento do crime equacione, à luz do princípio da proporcionalidade, a gravidade da atividade levada a cabo e a serventia que ao objeto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a ‘justa medida”. [11]»
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso dos autos:
Não resulta da matéria factual dada como provada que o veículo automóvel com a matrícula (...), apreendido nos autos, em que seguia a arguida/recorrente, no dia em que foi detida (09/10/2019) e com registo de propriedade em seu nome, seja produto da atividade de tráfico de estupefacientes, que haja sido adquirido com dinheiro proveniente dessa atividade.
Está provado que o produto estupefaciente/canábis (resina) com o peso total de 280,850 gramas, que foi apreendido à arguida/recorrente, no dia 09/10/2019, era transportado naquele veículo, estando escondido sobre o forro do banco do condutor, deslocando-se a arguida de ... a Lisboa, no mesmo veículo, aí adquirindo tal produto estupefaciente. Porém, não resulta da matéria factual provada que, ao longo do período em que se dedicou à atividade de tráfico, nas deslocações que efetuou, de ... a Lisboa, onde se abastecia de canábis (resina), a cuja venda se dedicava, na cidade de ..., a arguida utilizasse o mencionado veículo automóvel. E também não resulta dos factos provados que a arguida utilizasse o aludido veículo automóvel para se deslocar até aos locais onde concretizou vendas de estupefacientes, assegurando-lhe o veículo uma maior mobilidade e facilidade na concretização dessas transações, apresentando-se como um meio relevante para que a atividade de tráfico a que se dedicava fosse desenvolvida nos termos em que o foi.
O enunciado entendimento preconizado pelo STJ, vem sendo reiteradamente acolhida na jurisprudência dos Tribunais da Relação. A título meramente exemplificativo, trazem-se à colação os Acórdãos da RC de 09/01/2012 e de 19/02/2020[12], cujo respetivo sumário se passa a transcrever:
«Se o produto estupefaciente apreendido, transportado em veículo automóvel, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito, por não ser indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do arguido, seu proprietário, não pode concluir-se que tal viatura seja instrumento do crime e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, não havendo, por isso, lugar à declaração da perda de tal veículo a favor do Estado.»
«I - Não obstante o arguido ter transportado, nas últimas três semanas antes de ser detido, na viatura automóvel por si conduzida, as substâncias estupefacientes que adquiriu, inexistindo uma relação de causalidade adequada entre a utilização daquele veículo e a prática do crime previsto no artigo 21.° n.° 1, do DL 15/93, de 22-01, é injustificada a declaração de perda a favor do Estado de tal meio de locomoção.
II - Com efeito, quer o estupefaciente adquirido, quer o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, eram facilmente transportáveis de outro modo, nomeadamente no próprio corpo do arguido ou com recurso a transporte público.»
Neste quadro, no caso dos autos, inexistindo suporte factual provado de que resulte a utilização reiterada, habitual ou frequente desse veículo, por parte da arguida, na atividade de tráfico a que se dedicava e em relação ao transporte do estupefaciente efetuado no dia 09/10/2019, tendo em conta, designadamente, o respetivo peso e volume, não se estando perante uma situação em que a utilização do veículo fosse essencial para o cometimento do ilícito e indispensável ao transporte e ocultação do produto estupefaciente, podendo a arguida ter-se deslocado a Lisboa, transportado e ocultado o produto estupefaciente, de outra forma, v.g. utilizando transportes públicos e dissimulando o estupefaciente no vestuário que usasse ou em alguma mochila ou saco que utilizasse, tendo em conta a orientação jurisprudencial que se supra se deixou referida e que se perfilha, entendemos que não existe uma «relação de causalidade adequada» entre a utilização daquele veículo e a prática do crime previsto no artigo 21°, n. ° 1, do DL 15/93, por que a arguida é condenada, não sendo, por isso, de declarar a perda do referido veículo a favor do Estado.
Assim sendo e, neste segmento, assiste razão à recorrente, pelo que, se impõe revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou a perda a favor do Estado do referenciado, que, se substitui por outra, determinando-se a restituição do mesmo veículo à arguida ou a quem esta confira poderes para proceder ao respetivo levantamento
50.°
Consideram-se assim violados na sua interpretação os artigos 35.° e 36.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro, e o artigo 639.°, n.° 2, al. a) e b) do Código de Processo Civil, o qual é aplicado subsidiariamente ao CPP.
51.°
Assim, deve o controverso despacho ser revogado e em sua substituição ser proferido despacho que defira a devolução da sua viatura automóvel.
(…)».
3. O recurso veio a ser admitido a subir imediatamente, nos próprios autos de apenso do incidente e com efeito meramente devolutivo.
4. Na primeira instância, o Exm.º Procurador do Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos [transcrição]:
«(…)
1.ª Encontra-se fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
2.ª Indicia-se fortemente que o veículo em causa era usado pelos arguidos para transportar produtos estupefacientes.
3.ª O automóvel deve ser, a final, declarado perdido a favor do Estado (art. 35.°, n.° 1, do DL 15/93).
4.ª A restituição do veículo ao recorrente colocaria em causa a efectivação de futura perda do bem a favor do Estado, já que o objecto poderia ser dissipado.
5.ª A apreensão em causa deve manter-se (arts. 178.°, n.° 1 e 186.°, n.° 2, do CPP).
6.ª A decisão recorrida não merece censura e deve ser mantida.
(…)».
5. Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer acompanhando integralmente o teor da resposta apresentada pela Senhor Procurador na primeira instância. Pugna igualmente pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
6. Foi cumprido o disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, com resposta da recorrente, em síntese, reiterando os fundamentos do recurso, mas acrescentando:
«(…) que os autos se encontram em fase de inquérito, pelo que a investigação ainda está a decorrer sendo prematuro decidir sobre as apreensões de bens a não ser que manifestamente nada tenham a ver com a atividade criminosa investigada.
Ora, no caso, os indícios reunidos apontam para a muito provável utilização do veículo apreendido pelo arguido BB, a quem o recorrente o emprestou, no crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21.º, do DL. 15/93.
Mais, o despacho recorrido não só sustenta a existência desses indícios, como sustenta, fundamentadamente, que a apreensão se destina a garantir a eventual declaração de perda, nos termos disposto no art. 110.º do CP, a qual pode recair sobre bens dos arguidos ou de terceiros, salvo quando estiverem de boa-fé, o que no caso, por ora, não se demonstra.
Como afirma João Conde Correia in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, 3.ª Edição, anotações ao art. 186.º, § 3, pág. 726, “o legislador fixou dois momentos relevantes para a restituição dos animais, coisas ou objectos apreendidos: logo que se tomar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova [v.g. ac. RP, 29.09.2010 (Vítor Teixeira)] e logo que transitar em julgado a sentença (neste caso, apenas, se aí não tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado). Significa isto que a restituição pode ocorrer a todo tempo, até à sentença final, data em que os bens são declarados perdidos ou são devolvidos. Embora não exista nenhum termo inicial (a obrigação de restituir começa com a própria apreensão), existe um termo final: a sentença. E, por isso, que ela termina com o dispositivo, que, inter alia, contêm a indicação do destino a dar aos animais, às coisas ou aos objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições aplicáveis (art. 374.º/3/c). Sem essa indicação adicional, o veredictum ficará incompleto.”
7. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º/3, c) do Código de Processo Penal.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. QUESTÕES A DECIDIR
Em conformidade com o disposto no art. 412º/1 do Código de Processo Penal, o objeto do recurso, cingindo-se ao conteúdo da decisão recorrida, é delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme decorre da leitura conjugada do disposto nos arts. 119º/1, 123º/2 e 410º/2, a), b) e c), do Código de Processo Penal. [1]
Há apenas uma questão a decidir:
É de restituir a viatura apreendida ao terceiro ora recorrente, titular do direito de propriedade inscrito no registo?
2. ITER PROCESSUAL E DECISÃO RECORRIDA
1. Em 21/12/2023 foi apreendido a BB, arguido nos autos principais de inquérito, o veículo ligeiro de passageiros, marca …, de matrícula …, e bem assim a respetiva chave; «Os documentos não foram apreendidos por não se encontrarem na posse de BB.»; fez-se constar do auto de apreensão lavrado pela PSP como motivação da apreensão o seguinte: «por se encontrar envolvido na investigação em apreço.».
2. O ora recorrente encontra-se inscrito como proprietário no registo automóvel em relação ao referido veículo, com data de 22/09/2023.
3. Em 03/01/2024 o aqui recorrente AA dirigiu ao Ministério Público requerimento com o seguinte teor [transcrição]:
«(…)
1) No dia 21-12-2023, após diligência de OPC, duas pessoas foram detidas e constituídas como Arguidas no âmbito do presente processo à margem já melhor identificado;
2) No momento de tal detenção - mais precisamente no momento da detenção do Senhor CC, Arguido -, um veículo automóvel com a matrícula ...foi apreendido;
3) Ora, este veículo terá sido emprestado ao filho do Senhor CC, Arguido, pelo Senhor AA, ora Requerente e Interveniente Acidental;
4) O supra mencionado veículo nada tem a ver com qualquer atividade ilícita, nem no mesmo tinha qualquer indício, mesmo que mínimo, de estar ligado ao tráfico de estupefaciente ou qualquer outra atividade ilícita;
5) O veículo, no momento da detenção dos dois Arguidos estaria estacionado a metros de distância do local da detenção, não se percebendo assim qual a razão da sua apreensão.
6) Igualmente se refira que tal situação a ter acontecido, considera o Arguido ter sido um lapso, lapso esse que vem por este meio requerer que seja regularizado com a devolução do mesmo ao seu possuidor;
Nestes termos e nos melhores de Direito, e tendo em conta que o referido veículo, supra melhor identificado, nada tem a ver com qualquer conduta ilícita, nem disso há indícios nos autos — pelo menos que seja do conhecimento do ora Signatário -, e bem assim pelo facto do OPC ter referido ao Arguido que foi um lapso a sua apreensão, requer-se mui respeitosamente a devolução do mesmo ao seu legítimo possuidor.
(…)».
4. O Ministério Público opôs-se ao deferimento desta pretensão nos seguintes termos:
«O Ministério Público vem, pelo presente meio e ao abrigo do disposto no art. 36.°-A, n.° 3, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, apresentar oposição ao requerimento formulado por AA, nos seguintes termos:
1.º No inquérito 3/22.4SMLSB investiga-se a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do DL 15/93.
2.º No decurso da investigação a PSP apreendeu o veículo automóvel com a matrícula …, por existir a fundada suspeita de ter sido usado no transporte de produtos estupefacientes (fls. 1639).
3.º Concatenados os elementos de prova com as regras de experiência comum, resulta fortemente indiciado que o referido veículo foi usado pelo arguido BB na execução do supracitado ilícito criminal (art. 127.°, do CPP).
4.º Existe a fortíssima probabilidade de o apontado automóvel vir a ser, a final, declarado perdido a favor do Estado (arts. 36.°, n.° 1 e 39.°, do DL 15/93).
5.º Assim sendo, promovo que a apreensão do veículo em causa se mantenha, uma vez que, a final, deve ser declarado perdido a favor do Estado - art. 36.°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e art. 186.°, do CPP.
(…)».
2.5 Em .../.../2024 veio então a ser proferida a decisão recorrida, com o seguinte teor [transcrição]:
«(…)
AA juntou aos autos o requerimento de fls. 4 e 5 do presente apenso, pretendendo que seja levantada a apreensão do veículo com a matrícula …, considerando que o veículo é seu e que foi emprestado ao filho de CC, mas que nada tem a ver com actividade ilícita, não estando ligado ao tráfico de estupefacientes, apesar de estar estacionado perto do lugar da detenção dos arguidos.
O Ministério Público, em sede de oposição, preconizou que o veículo em causa foi apreendido por haver fundada suspeita de que foi usado para transportar produto estupefaciente, pelo arguido BB, pelo que há forte probabilidade de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos conjugados dos artigos 36.° e 39.° do Decreto-lei n.° 15/93, de 22-01.
Cumpre apreciar e decidir.
Dita o artigo 178.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que «são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova».
Concomitantemente, prevê o artigo 186.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que «logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os animais, as coisas ou os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito ou, no caso dos animais, a quem tenha sido nomeado seu fiel depositário».
Paralelamente, o artigo 35.°, n.° 1, do Decreto-lei n.° 15/93, de 22-01, dita que «são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».
O artigo 36.°-A, n.° 1, do mesmo diploma, consagra que «o terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova», complementando o número 2 que «entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objectos estivessem nas situações previstas no n.° 1 do artigo 35.°».
Nos termos do artigo 109.°, n.° 1, do Código Penal, «são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática».
De igual modo, prevê o artigo 110.°, n.° 2, do Código Penal, que «ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios; b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.° e 110.°, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida».
No caso dos autos nota-se, por um lado, que o requerente não invocou qualquer boa fé, nem fez requerimentos probatórios.
Em qualquer caso, o veículo foi apreendido a BB, filho de CC, como indica o Ministério Público, e foram apreendidos outros elementos, como telemóveis e dinheiro (€275,00 em notas do BCE).
BB também foi constituído arguido pelos mesmos factos pelos quais CC e DD foram apresentados a interrogatório.
Nessa diligência os arguidos foram considerados fortemente indiciados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.° do Decreto-lei n.° 15/93, de 22-01, em co-autoria com os demais suspeitos e arguidos, onde se inclui BB, e CC ficou em prisão preventiva.
Os factos de que os arguidos estão indiciados implicam movimentações e o requerente AA admitiu que emprestou o carro a BB, em moldes que ainda estão por apurar e que podem ser relevantes, inexistindo dúvidas de que era o possuidor do mesmo.
A investigação prossegue os seus termos, pelo que, como pugna o Ministério Público, não é possível concluir neste momento que a apreensão ainda não seja necessária, sendo ainda possível concluir-se que o veículo em causa deve ser declarado perdido a favor do Estado, motivo pelo qual inexistem, por ora, motivos para determinar o levantamento da apreensão em causa, ao abrigo do artigo 186.° do Código de Processo Penal.
(…)».
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
3.1 OS PRESSUPOSTOS DA APREENSÃO DE BENS
Entende o recorrente que inexiste fundamento para a manutenção da apreensão do veículo de que é proprietário, alegando que o emprestou a BB, a quem viria a ser apreendido.
Alega nada ter que ver com a atividade investigada de tráfico de estupefacientes, assim como a referida viatura.
Como decorre do que vimos de expor, considerou o Ministério Público na resposta ao recurso resultar fortemente indiciado que o referido veículo foi usado pelo arguido BB na execução do tráfico de estupefacientes sob investigação.
Alegando-o desta forma vaga e genérica, e fazendo embora alusão à existência de elementos de prova que concatenados com as regras de experiência comum levariam a esta conclusão, não indicou um único.
Por seu lado, a Senhora Juíza de Instrução Criminal assentou a decisão recorrida transcrita no seguinte silogismo:
- o requerente emprestou a sua viatura ao arguido BB, que é filho do arguido CC, indiciado em primeiro interrogatório judicial pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes;
- nessa diligência os arguidos foram considerados fortemente indiciados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.° do Decreto-lei n.° 15/93, de 22-01, em coautoria com os demais suspeitos e arguidos, onde se inclui BB, constituído arguido pelos mesmos factos imputados a CC;
- Os factos de que os arguidos estão indiciados implicam movimentações e o requerente AA admitiu que emprestou o carro a BB, em moldes que ainda estão por apurar e que podem ser relevantes, inexistindo dúvidas de que era o possuidor do mesmo.
Este raciocínio, que vai ao arrepio do que foram os fundamentos genéricos invocado pelo Ministério Público, assoma claramente viciado, sendo ademais insuficiente para que se possa manter a decisão recorrida.
Vejamos porquê.
Comecemos pelo quadro legal aplicável.
Como resulta do estatuído no art. 178º/1 do Código de Processo Penal, a apreensão de objetos, nos quais se incluem os documentos, visa, entre o mais, a preservação da prova do crime, garantindo a sua integridade e a conservação do seu valor comunicativo e probatório; processualmente, a apreensão visa ainda garantir a execução do confisco dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime.
Naquela primeira vertente, como nos diz João Conde Correia [2], a apreensão estabelece sobre os bens apreendidos um vínculo de indisponibilidade com vista à sua futura utilização processual, sem o qual esses bens podem ser destruídos, desaparecer ou ser adulterados, perdendo-se a aptidão probatória que encerram, assim prejudicando a descoberta da verdade e o consequente exercício do ius puniendi estadual.
Na outra vertente, a apreensão de bens visa garantir que, findo o processo, proferida decisão condenatória, o agente não tenha acesso aos instrumentos que lhe permitiriam prosseguir a prática criminosa, por um lado, e por outro, que não retire do crime vantagens, perdendo, pois, tudo quanto seja seu produto ou ganho, e assim tornando efetiva a máxima de que «o crime não compensa».
Neste quadro, estamos perante medida processual antecipatória da declaração de perda de bens a favor do Estado que, passando pela apreensão de bens pertencentes a suspeitos, arguidos ou terceiros, como previsto nos arts. 109º a 111º, do Código Penal, e no caso específico do crime de tráfico de estupefacientes, sob os arts. 35º e 36º do D.L. 15/93, de 22/01, retirando-os das respetivas esferas de disponibilidade, tem tanto de necessário em vista da eficácia do processo penal, como de restrição grave do direito de propriedade privada.
Nos termos do art. 62º/1 da Constituição da República Portuguesa, «A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição».
Preceitua ainda o art. 1º do 1º Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos Humanos que: «Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.».
E muito embora com a Constituição de 1976 este direito fundamental de propriedade haja sido deslocado do elenco dos direitos, liberdades e garantias para o dos direitos económicos, sociais e culturais, como nos diz Rui Medeiros, [3] «naquilo que representa um espaço de autonomia perante o Estado, o direito de propriedade reconduz-se a um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias», compartilhando, pois, do seu regime específico por força do preceituado no art. 17º da Constituição da República Portuguesa. [4]
Integra o conteúdo básico da garantia constitucional da propriedade enquanto direito fundamental, o direito de usar, fruir (que se considera não resultarem de forma expressa da previsão constitucional) e dispor, mas também o de não ser arbitrariamente privado da propriedade.
Não é, está bom de ver, um direito absoluto, desde logo na sua previsão constitucional, pois que é garantido «nos termos da Constituição», diferentemente, de resto, do que sucede com os direitos, liberdades e garantias que só podem ser restringidos «nos casos expressamente previstos na Constituição» (art. 18º/2).
As apreensões em processo penal, quando justificadas nos termos da lei e ordenadas ou autorizadas pela autoridade judiciária, não podem, assim, deixar de constituir um limite imanente ao direito de propriedade, sendo, portanto, conformes à Constituição. [5].
Não, é, por isso, incompatível com a tutela constitucional da propriedade a compressão desse direito desde que seja identificável uma justificação assente em princípios e valores também eles com dignidade constitucional; ponto é que essas restrições se afigurem necessárias à prossecução de outros valores com tutela constitucional, e essas limitações se mostrem proporcionais em relação aos valores salvaguardados.[6]
Neste quadro, a limitação no uso e fruição desses bens pelo seu proprietário decorrente da sua apreensão em processo crime, não pode deixar de obedecer a critérios de necessidade e proporcionalidade, tal como qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias, por força do art. 18º/2 da Constituição da República Portuguesa ex vi do respetivo art. 17º.
Norma nuclear na definição do regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias, e a propósito da força dos mesmos na ordem jurídica, dispõe o art. 18º da Constituição da República Portuguesa que:
«1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Como decorre ainda do disposto no nº 1 do citado art. 18º e no art. 204º, da Constituição da República Portuguesa, inserido nos poderes públicos acometidos ao Estado, o poder jurisdicional, ou seja, o juiz, está obrigado a decidir o direito para o caso em conformidade com as normas garantidoras de direitos liberdades e garantias. [7]
Ora, a previsão legal da perda de bens a favor do Estado que constituam instrumento, produto ou vantagem do crime associada à sua prática, constitui em boa verdade, não uma restrição, mas uma evicção do direito de propriedade sobre determinado bem, na medida em que dela resulta a desapropriação do bem, em homenagem a valores e exigências de realização da Justiça, de acordo com uma política criminal comunitariamente aceite e sujeita a finalidades prevenção geral da criminalidade, visando essencialmente demonstrar a efetividade do aforismo: «o crime não compensa». Trata-se de eliminar o benefício patrimonial ilicitamente obtido, operando «a restauração da ordenação dos bens correspondente ao direito.» [8]
Isto, no quadro de tutela do direito de todos à segurança, constitucionalmente consagrado, a par do direito à liberdade, no art. 27º/1 da Constituição da República Portuguesa.
Nessa medida, está imediata e diretamente sujeita à regra da proporcionalidade, devendo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, segundo o indicado princípio da proibição do excesso, em todas as dimensões elencadas.
Regra que vale também na vertente processual, de antecipação desta consequência do crime ou para efeitos de obtenção de prova, com a apreensão de bens decretada nos termos do art. 178º do Código de Processo Penal, pela qual se opera uma primeira limitação ao direito de propriedade, privando o seu titular da respetiva utilização e fruição enquanto perdurar a medida, privação essa que, não visando a obtenção de prova, será antecipatória daquela desapropriação ou ablação definitiva do bem da sua esfera patrimonial, com o trânsito em julgado de decisão condenatória que assim o determinar.
A observância da proporcionalidade ou da proibição do excesso deve verificar-se a dois níveis: o da previsão legal, geral e abstrata, e do caso concreto ao qual essa previsão se aplica.
Assim, em abstrato, evidencia-se a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da previsão da medida processual de apreensão de bens tendo em vista estes desígnios de prova e de prevenção da criminalidade, posto que sem a disponibilidade do bem numa fase mais precoce do processo, resultaria desde logo comprometida a descoberta da verdade; por outro lado, caso se deixasse para final a execução do decretamento de perda de vantagens e produtos do crime, seria de esperar o esvaziamento patrimonial daquele que pudesse vir a responder por essa perda, permitindo-lhe beneficiar de vantagens adquiridas ilicitamente; interesses de descoberta da verdade e realização da Justiça, na garantia a todos do direito constitucionalmente protegido à segurança, justificam, assim, a restrição implicada na apreensão de bens decretada em processo penal.
Em concreto, a restrição imposta aos titulares dos bens sujeitos a apreensão deverá cingir-se ao estritamente necessário para prossecução dos desígnios que serve, de conservação da prova e de garantia da perda a favor do Estado, a final, do produto e da vantagem do crime, quer quanto à sua extensão, quer quanto à forma de execução, quer ainda quanto à duração da indisponibilidade sobre o bem.
No caso de crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes, rege o disposto nos arts. 35º e 36º, do D.L. 15/93, de 22/01, relevando aqui particularmente o estatuído o nº 1 do art. 35º, segundo o qual «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.».
Aqui, ao contrário do regime geral previsto no art. 109º/1 do Código Penal, basta que o objeto tenha servido ou estivesse destinado a servir para a prática de alguma das infrações previstas naquele diploma especial, não sendo necessário que os mesmos ofereçam sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.
À luz dos critérios gizados sob a égide do art. 18º/2 da Constituição da República Portuguesa, nos termos acima explanados, a jurisprudência tem considerado que a declaração de perda de objetos utilizados na prática de crime de estupefacientes não é automática, encontrando-se sujeita a critérios de causalidade e proporcionalidade.
Assim, o STJ, numa posição em que nos revemos, tem enveredado por uma interpretação do nº 1 do artigo 35º do D.L. 15/93, de 22/01 de acordo com a qual «a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada.
Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito» – acórdão do STJ, de 13/12/2006, relatado por Oliveira Mendes no processo 06P3664.[9]
Para essa declaração de perda mostra-se assim necessário que o crime não tivesse sido praticado - ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante - sem o objeto em causa, segundo um critério de essencialidade.
A utilização do objeto será essencial se tornar a prática do crime significativamente mais fácil e se não for episódica ou ocasional, mas reiterada e prolongada no tempo; por outro lado, o malefício correspondente à perda do objeto deve representar uma medida justa e proporcional à gravidade do crime. [10]
Estes os critérios substantivos a considerar na decisão final de perda de bens a favor do Estado, mas que devem também informar a apreensão de bens em inquérito, e bem assim a apreciação de requerimento do terceiro titular do bem para levantamento dessa apreensão, em que se mostra necessária a formulação de um juízo de probabilidade quanto a essa perda.
Em suma:
Em inquérito a correr termos para investigação da prática do crime de tráfico de estupefacientes, a apreensão de veículo pertencente a terceiro tem que fundar-se na sua relevância para a prova e/ou na existência de indícios de que o mesmo tenha servido ou estivesse destinado a servir de instrumento para a prática do crime, ou constitua produto ou vantagem do crime, sendo provável que, por esse motivo venha a ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178º do Código de Processo Penal e 35º e 36º, do D.L. 15/93, de 22/01.
Sendo determinada nesse processo a apreensão de veículo automóvel de terceiro por ter servido de instrumento para essa prática criminosa de tráfico de estupefacientes, e vindo aquele requerer o levantamento dessa apreensão pondo em causa essa instrumentalidade, importa na decisão a proferir, tendo por base os indícios reunidos nos autos, formular um juízo de probabilidade de perda a favor do Estado com esse fundamento.
Na formulação desse juízo, há-de contemplar-se a jurisprudência segundo a qual a declaração de perda não é automática, encontrando-se sujeita a critérios de causalidade e proporcionalidade, em homenagem ao princípio da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais nos termos do art. 18º/2 da Constituição da República Portuguesa, como é o direito de propriedade constitucionalmente consagrado sob o art. 62º/1 daquela Lei Fundamental.
Será provável a declaração de perda a favor do Estado se se concluir, ainda que com base em prova indiciária, que o crime não teria sido praticado - ou teria sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante - sem o veículo apreendido, segundo um critério de essencialidade; a utilização desse veículo será essencial se tornar a prática do crime significativamente mais fácil e se não for episódica ou ocasional, mas reiterada e prolongada no tempo; por outro lado, a futura perda desse objeto há-de antever-se como justa e proporcional à gravidade do crime que se indicia ter sido praticado.
*
3.2 O CASO EM MÃOS
Aqui chegados, importa decidir se, à luz de todos estes considerandos, será de manter a apreensão operada nos presentes autos do veículo reclamado pelo recorrente, cujo levantamento requereu junto da Senhora Juíza de Instrução Criminal e lhe foi indeferido pela decisão recorrida.
Desde já se adianta que nos parece insustentável essa manutenção.
Explicamos porquê.
A apreensão aqui em causa foi realizada pela PSP, constando do auto de apreensão como «motivo da apreensão: por se encontrar envolvido na investigação em apreço.».
O Ministério Público, sem que se conheça qualquer despacho pelo qual haja ordenado ou validado esta apreensão, como se impunha nos termos do art. 178º/6 do Código de Processo Penal, invocava na oposição ao requerimento de levantamento, o disposto no art. 36º/1 do D.L. 15/93, de 22/01 como fundamento da probabilidade de futura perda do veículo a favor do Estado, ao mesmo tempo que aludia a elementos de prova, que nunca especificaria, os quais sustentariam a conclusão de existirem fortes indícios de ter sido o veículo em causa usado pelo arguido BB na execução do crime investigado de tráfico de estupefacientes; concluía: existe a fortíssima probabilidade de o apontado automóvel vir a ser, a final, declarado perdido a favor do Estado (arts. 36.°, n.° 1 e 39.°, do DL 15/93).
Já na resposta a este recurso, invocando o disposto no art. 35º/1 do D.L. 15/93, de 22/01, alegaria que «no decurso da operação policial que originou as detenções em flagrante delito dos arguidos CC e DD e da realização de diversas buscas foi apreendido o veículo automóvel com a matrícula …, que se encontrava na posse do arguido BB (…); Indicia-se fortemente que o referido veículo era utilizado pelo grupo integrado pelos arguidos para transportar produtos estupefacientes. Conclui que deve o veículo automóvel em causa a final, ser declarado perdido a favor do Estado (art. 35.°, n.° 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
Não é fornecida qualquer explicação para que tenha começado por indicar a título de fundamento legal da apreensão efetuada pela PSP o disposto no art. 36º do D.L. 15/93, de 22/01, relativo à perda de recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infração prevista no presente diploma, para já em sede de recurso, passar a invocar o disposto no art. 35º do mesmo diploma, relativo à perda de objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
Admitamos, com base no conjunto da alegação que lhe serve de substrato, mormente a afirmação de que esse veículo era utilizado pelo grupo integrado pelos arguidos para transportar produtos estupefacientes, que seja então este último o fundamento legal da apreensão que o Ministério Público pretende ver mantida, ou seja, que será com base no facto de se tratar de instrumento da execução do crime que a final esta viatura será provavelmente declarada perdida a favor do Estado.
Em momento algum são concretizados que indícios são esses de que o veículo era utilizado na prática criminosa, os quais terão levado à sua apreensão por parte do órgão de polícia criminal, que, repita-se, não consta tenha sido formalmente validada pelo Ministério Público.
A Senhora Juíza de Instrução Criminal, tendo por base esta posição do Ministério Público, não chega sequer a afirmar a existência de tais indícios.
Opta outrossim pelo silogismo que começamos por expor, e que se traduz sumariamente em considerar que:
- o recorrente, terceiro, titular registral da viatura, emprestou-a ao arguido BB;
- há indícios de que este estará envolvido na prática do crime de tráfico de estupefacientes, o que implica movimentações em moldes ainda por apurar;
logo,
- é ainda possível concluir-se que o veículo em causa deve ser declarado perdido a favor do Estado.
Ora, tendo presentes as regras e princípios que enformam a apreensão de bens em processo penal e especificamente quanto está em causa crime de tráfico de estupefacientes, os quais começamos por expor brevemente, é manifesto que tanto não basta para se manter a apreensão da viatura pertencente ao aqui recorrente.
E mesmo este “tanto” não pode ter-se por evidenciado nos autos.
Na verdade, nada consta do presente apenso de recurso que subiu em separado [11], tão pouco do processo principal de inquérito ao qual acedemos por via eletrónica (diga-se, aparentemente sem uma digitalização completa dos 9 volumes, segundo cota da Secretaria de 12/06/2024) acerca dos indícios da prática criminosa que envolverá BB (nem sequer consta, pelo menos digitalizada, a sua constituição como arguido).
Consultado o auto de interrogatório de CC, de 22/12/2023, referência CITIUS 8674373, arguido que na decisão recorrida se afirma ser pai de BB, nenhuma menção consta do nome de BB, como suspeito ou como arguido, tão pouco se alude à viatura aqui em causa ou ao uso de uma qualquer viatura no exercício da dita atividade de tráfico de estupefacientes que ali é imputada ao referido CC e a DD.
Não vemos, por isso, qual o substrato para a afirmação feita na decisão recorrida de que «os arguidos foram considerados fortemente indiciados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.° do Decreto-lei n.° 15/93, de 22-01, em co-autoria com os demais suspeitos e arguidos, onde se inclui BB».
Na verdade, o que ali se decidiu foi que «resulta fortemente indiciada a prática pelos arguidos CC e DD, em coautoria, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, n. l, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C desse diploma legal, retificado pela Declaração nº 20/93, de 20.02.».[12]
Ou seja: o que se indiciou foi uma coautoria entre estes coarguidos, CC e DD; não uma coautoria destes ou de algum deles com os demais suspeitos e arguidos no processo, muito menos com BB.
Mais: contrariamente ao também suposto na decisão recorrida, não foi aplicada a CC a prisão preventiva, mas antes a obrigação de apresentação periódica.
Não vemos, pois, como consegue o Tribunal a quo estabelecer alguma relação entre BB (para além da filial, ainda assim não documentalmente demonstrada) e os factos que estão imputados a CC, para a qual não indica qualquer substrato probatório.
Tudo visto, o que temos é tão somente o assumido empréstimo desta viatura por parte do aqui recorrente a BB, que se encontrará constituído na qualidade de arguido no processo, sabendo-se que no mesmo se investiga a prática de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes.
Que concreta atuação é imputada a este BB, a quem a viatura foi formalmente apreendida?
Que relação existe entre essa putativa atuação e a viatura apreendida?
Absolutamente nada é possível inferir dos autos.
É certo que, como referido pela Senhora Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação, estamos na fase de inquérito, estando ainda a investigação a decorrer, o que implica algumas cautelas na aferição do interesse na manutenção das apreensões de bens em vista de futuras declarações de perda a favor do Estado.
Por isso, não se exige que haja prova ou prova consistente de que o bem apreendido, neste caso, tenha sido efetivamente utilizado na prática criminosa investigada, por forma a estabelecer-se a tal relação de causalidade e instrumentalidade.
Mas tem, pelo menos, que haver elementos indiciários que apontem nesse sentido.
Os que se indicam na decisão recorrida, apesar de aí se percecionar um esforço de sustentação, são manifestamente insuficientes; e essa circunstância, torna irrelevante que o requerente não tenha apresentado prova ou não tenha invocado formalmente a sua boa fé; impunha-se, antes disso, estivessem verificados os pressupostos fáctico-jurídicos para uma válida apreensão da viatura em questão.
E como nos parece claro, não estão.
*
Aqui chegados, não podia o Tribunal a quo ter decidido, como decidiu, indeferir o requerimento do recorrente para levantamento da apreensão decretada sobre o veículo de matrícula …, posto que inexistem nos autos indícios que apontem no sentido deter sido o referido veículo utilizado na prática criminosa investigada ou ter estado a isso destinado; em razão do que, revogando-se o despacho recorrido, se ordenará o levantamento dessa apreensão e restituição do mesmo ao seu legítimo proprietário nos termos do disposto no art. 178º/7 do Código de Processo Penal.
O recurso, mostra-se, nessa medida totalmente procedente.

III- DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente:
- revogam o despacho recorrido;
- deferem o requerimento de levantamento da apreensão do veículo de matrícula …, ordenando a sua restituição ao seu legítimo proprietário.
*
Sem custas.
*
Notifique.
*
Lisboa, 11 de julho de 2024
Ana Cláudia Nogueira
Paulo Barreto
Alda Tomé Casimiro
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1. [] Cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95 do STJ, de 19/10/1995, in Diário da República – I Série, de 28/12/1995.
2. [] Vide João Conde Correia, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 3ª ed. Tomo II, Almedina, pág. 638.
3. [] In Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora/Wolters Kluwer, págs. 1242 e 1252.
4. [] Além de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in ob. e loc. cit. na nota anterior, Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, pág. 802.
5. [] Rui Medeiros, in ob. cit., pág. 1255, citando os acórdãos do TC 7/87, 340/87 e 294/08, os quais se encontram acessíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt/ .
6. [] Acórdão do TC 391/2002, acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020391 .
7. [] Gomes Canotilho e Vital Moreira, in ob. cit., pág. 383.
8. [] Neste sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Aequitas, 1993, págs. 614 e 632 e sg., que distingue o fundamento da perda de instrumentos – prevenção especial – da perda de vantagens – prevenção geral; também Maria do Carmo Silva Dias, in O Novo Regime de Recuperação de Ativos à luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a Transpôs, 2018, 1ª edição, Imprensa Nacional/PGD Porto, pág. 92 e sg..
9. [] Para além deste acórdão, acessível em www.dgsi.pt, podem encontrar-se no mesmo sítio da net em idêntico sentido, as acórdãos do STJ de 21/10/2004, relatado por Simas Santos e publicado in CJSTJ, Tomo III, pág. 202 e sgs., e de 28/05/2008, relatado por Raul Borges no processo 08P583, acessível naquele mesmo sítio da internet.
10. [] Neste sentido, os acórdãos da Relação do Porto de 27/02/2019 e de 12/10/2022, relatados por Pedro Vaz Pato, nos processos, respetivamente, 7775/13.5TAVNG.I.P1 e 13630/17.2T9PRT.P1, acessíveis em www.dgsi.pt e o mesmo relator, em anotação ao art. 35.º, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, págs. 530 a 534, autor que aqui seguimos de perto; ainda o acórdão da Relação de Coimbra de 19/02/2020, relatado por Elisa Sales no processo 41/18.1PEVIS.C1, e o acórdão da Relação de Lisboa de 09/03/2021, relatado por Artur Vargues no processo 145/16.5PAMTJ.L1-5, acessíveis em www.dgsi.pt .
11. [] Diga-se, instruído com elementos claramente insuficientes à decisão do recurso.
12. [] Ouvida a decisão oralmente proferida, embora não se mencione sequer a coautoria entre os dois arguidos apresentados, remete-se na mesma para o que consta do despacho de apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório, no qual se afirma essa coautoria.